Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02195/21.0BEPRT-S1
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/20/2025
Tribunal:TAF do Porto
Relator:TIAGO MIRANDA
Descritores:CONTRATAÇÃO PÚBLICA;
RECONVENÇÃO;
Sumário:
I - O contrato é uma species do genus negócio jurídico, o qual, por sua vez, é uma species do genus acto jurídico, que, por sua vez, é uma species do genus facto jurídico. Logo, o contrato integra a categoria do facto jurídico. Assim, ao referir-se, na alínea a) do nº 2 do artigo 266º do CPC, ao facto jurídico que serve de fundamento à acção, o legislador abarca a totalidade de todo e qualquer contrato, seja qual for a sua complexidade ou até a susceptibilidade de ser decomposto, em abstracto, em diversos sinalagmas.

II - Mesmo que se possa conceber, teoricamente, a concorrência de vários contratos entre as mesmas partes num só instrumento formal, com relações sinalagmáticas independentes umas das outras, tal não é o caso da causa de pedir das presentes acção e reconvenção, pois decorre claramente da cláusula 6ª do caderno de encargos, alegada na Petição Inicial, que do que se trata não é de quaisquer contratos de empreitada a acrescer ao de concessão, mas de contrapartidas a prestar ao concedente pelo adjudicatário da concessão.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I - Relatório
[SCom01...], S.A.”, NIPC ...61, Ré no processo epígrafe, em que é Autor “CENTRO HOSPITAL ... E.P.E.”, interpõe recurso autónomo de apelação relativamente ao despacho saneador emitido em 31/03/2025, na parte em que recusou admitir uma parte do seu pedido reconvencional.
Rematou a alegação de recurso com as seguintes conclusões:
«CONCLUSÕES:
1. O presente Recurso é processualmente admissível à luz do disposto na alínea b) do n.° 1 do artigo 644.° do CPC, aqui aplicável por força da remissão exposta no artigo 1.° e no n.° 3 do artigo 140.°, ambos do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (doravante, "CPTA").
2. O Tribunal a quo, ao não admitir, em sede de Despacho Saneador, a 2.a parte do Pedido Reconvencional da Ré/Reconvinte, aqui Recorrente, violou o disposto nas alíneas a) e c) do n.° 2 do artigo 266.° do Código de Processo Civil (doravante, "CPC").
3. É entendimento firme da Recorrente que a 2.a parte da Reconvenção por si deduzida é processualmente admissível, estando cabalmente preenchidos os pressupostos exigidos, quer na alínea a), quer na alínea c) do n.° 2 do artigo 266.° do CPC.
4. No que concerne à alínea a) do n.° 2 do artigo 266.° do CPC, entende a Recorrente que o raciocínio em que assenta a decisão do Tribunal a quo está manifestamente inquinado de erro.
5. A divisão contratual a que alude o Tribunal a quo carece de fundamento, não encontrando qualquer respaldo na autonomia de vontade e liberdade contratual das partes.
6. A asserção, pelo Tribunal Recorrido, de que a "construção da Casa do Pessoal" e a "exploração do serviço concessionado" seriam cindíveis, como se se tratasse de contratos autónomos, revela-se juridicamente inadmissível, a tanto se opondo a unicidade própria das vinculações mútuas a que as partes se comprometeram.
7. O Contrato não pode ser cegamente dividido entre a componente da construção da Casa do Pessoal e a componente de exploração do serviço concessionado, uma vez que essas duas dimensões estão, por definição, intrinsecamente relacionadas e interdependentes, na medida em que ambas constituem o edifício contratual das prestações em que assenta o equilíbrio e a comutatividade do contrato.
8. É o próprio Caderno de Encargos a expor, no n.° 2 da sua cláusula 1.a, que "do objecto do presente contrato faz parte também, a título acessório, a construção de um espaço denominado como “Caso do Pessoal" (realces e sublinhados nossos).
9. Entende, assim, a Recorrente inexistir fundamento para a alegada "divisão contratual" em que o Tribunal a quo fez assentar a decisão de inadmissibilidade da 2.a Parte da Reconvenção deduzida pela Ré, aqui em recurso.
10. Sendo certo que, sem esse esquartejamento, dúvidas inexistem de que a Acção intentada pela Autora e a 2.a parte do Pedido Reconvencional deduzido pela Ré emergem do mesmo facto jurídico - o (incumprimento) do Contrato celebrado entre as partes -, estando cabalmente preenchidos os requisitos da alínea a) do n.° 2 do artigo 266.° do CPC.
Sem prescindir,
11. Ainda que se pudesse hipoteticamente ter por legítima a "divisão contratual" sufragada pelo Tribunal Recorrido, o certo é que nem essa hipotética divisão permitiria fundamentar de modo juridicamente acertado a inadmissibilidade da 2.a Parte do Pedido Reconvencional deduzido pela Ré ao abrigo da alínea a) do n.° 2 do artigo 266.° do CPC.
12. É entendimento da Doutrina que a Reconvenção pode fundar-se em causa de pedir integralmente idêntica, em parte da mesma, ou em parte de factos integrantes de uma causa de pedir complexa.
13. Partindo desse pressuposto, dúvidas não restam de que, no caso aqui em análise, tanto a causa de pedir da Acção, como a causa de pedir da Reconvenção, emergem da mesma relação material controvertida (inclusivamente, do mesmo Contrato), não obstante o incumprimento contratual inerente à posição de cada uma das partes fundar-se em segmentos distintos, mas da mesma relação contratual
14. Apesar da 2.a Parte do Pedido Reconvencional assentar no incumprimento do acordado entre as Partes por referência à exploração do serviço concessionado e a Acção intentada pela Autora assentar na violação do ponto 1.2 da Cláusula 6.a do Caderno de Encargos, existem razões mais do que suficientes para se concluir que a Causa de Pedir subjacente a ambos os pedidos é - para dizer o mínimo - parcialmente a mesma, na perspectiva de que está em causa a violação de prestações inerentes à mesma relação contratual e que, como tal, convergem entre si.
15. Acresce que, na densificação dos pressupostos materiais do n.° 2 do artigo 266.° do CPC, o Julgador deve sempre procurar privilegiar a economia processual e incrementar o efeito útil que da justa composição do litígio pode advir - o que não acontece, no caso sub judice, quando o Tribunal a quo, ao sufragar uma suposta divisão contratual, impede o recurso à figura da Reconvenção e, consequentemente, impede que no mesmo processo se decidam todos os diferendos emergentes do mesmo Contrato.
16. Conclui-se, assim, que mesmo que se considere plausível a suposta divisão contratual a que o Tribunal a quo alude - o que se equaciona por mera hipótese de raciocínio e cautela de patrocínio - estão cabalmente preenchidos os pressupostos legais previstos na alínea a) do n.° 2 do artigo 266.° do CPC.
17. Devendo, também ao abrigo dessa norma, ser revogada a Decisão do Tribunal a quo que não admitiu a 2.a parte da Reconvenção da Ré e, consequentemente, ser a mesma julgada processualmente admissível.
Sem prejuízo,
18. O Tribunal Recorrido ao considerar que, para que a Ré/Reconvinte pudesse deduzir Reconvenção ao abrigo da alínea c) do n.° 2 do artigo 266.° teria de, ante omnia, reconhecer a existência do crédito invocado pela Autora, está a violar o disposto na alínea c) do n.° 2 do artigo 266.° do CPC.
19. Este entendimento não respeita o elemento racional e teleológico da norma em questão, na medida em que dele resulta uma interpretação restritiva da alínea c) do n.° 2 do artigo 266.° do CPC.
20. A Ré/Reconvinte podia, conforme fez, não reconhecer, numa primeira linha, o crédito invocado pela Autora e, numa segunda linha e a título subsidiário, requerer a compensação desse crédito, caso o mesmo venha a ser reconhecido pelo Tribunal.
21. Ou seja, porque não reconhece o crédito invocado pela Autora, a Ré, aqui Recorrente, peticionou, numa primeira linha, a condenação da Autora ao pagamento do crédito invocado na Reconvenção (ponto ii da alínea B) do pedido ínsito na Contestação) - sendo este segmento da Reconvenção que é deduzido à luz da alínea a) do n.° 2 do artigo 266.° do CPC.
22. Subsidiariamente, isto é, na hipótese de vir a ser reconhecido o crédito invocado pela Autora, a Ré deduziu pedido reconvencional no qual requereu a "compensação de tal crédito da Autora com o valor que esta seja condenada a pagar à Ré a título de compensação pela reposição do equilíbrio económico financeiro do Contrato." (realces e sublinhados nossos) - cfr. ponto iii da alínea B) do pedido ínsito na Contestação.
23. Conclui-se, assim, que a 2.ª Parte da Reconvenção, porque, no entendimento da Recorrente, emerge do mesmo facto jurídico que serviu de base para acção intentada pela Autora (alínea a) do n.° 2 do artigo 266.° do CPC), deve ser processualmente admissível e, consequentemente, alvo de apreciação, independentemente da procedência ou não do pedido deduzido pela Autora (é neste sentido que surge o pedido deduzido pela Ré/Reconvinte no ponto ii) da alínea B) do seu pedido final).
24. No entanto, independentemente da resposta dada à questão de saber se a 2.ª parte da Reconvenção deve ser admitida (autonomamente) à luz da alínea a) do n.° 2 do artigo 266.° CPC, sempre deveria o Tribunal a quo ter julgado processualmente admissível o Pedido Reconvencional subsidiário deduzido pela Ré/Reconvinte.
25. Sendo invocada a título subsidiário, a inadmissibilidade processual da Reconvenção invocada pela Ré ao abrigo da alínea c) do n.° 2 do artigo 266.° do CPC, só poderá vir a ser aferida depois de se averiguar e decidir sobre se o crédito invocado pela Autora deve ou não ser reconhecido,
26. E porque essa constitui uma questão de fundo/mérito, não estava o Tribunal de 1.ª Instância em condições de, em sede de Despacho Saneador, julgar processualmente inadmissível a 2.a Parte da Reconvenção.
Por fim,
27. Não se compreende sequer qual o raciocínio do Tribunal de 1.a Instância quando na decisão aqui em recurso afirma o requisito de que a compensação de créditos, deduzida nomeadamente em sede de reconvenção ao abrigo da alínea c) do n.° 2 do artigo 266.° do CPC, implica o reconhecimento do crédito invocado pelo Autor (ou a sua não negação).
28. Esse pretenso "requisito" pura e simplesmente não encontra qualquer respaldo na lei, seja na alínea c) do n.° 2 do artigo 266.° do CPC, seja no regime substantivo da compensação de créditos (artigos 847.° e 848.° do CC).
Face ao exposto,
29. Deve o segmento do Despacho Saneador que julga processualmente inadmissível a 2.a Parte da Reconvenção ser revogado e:
a) Independentemente da procedência da Acção intentada pela Autora, deve a 2.ª Parte da Reconvenção ser julgada processualmente admissível e, consequentemente, alvo de apreciação à luz da alínea a) do n.° 2 do artigo 266.° do CPC (ponto ii) da alínea B) do pedido da Ré);
b) Na hipótese da Ré ser condenada no pedido deduzido na alínea b) do petitório ínsito na petição inicial - e essa é uma análise de mérito que, repete-se, ainda não foi efectuada pelo Tribunal a quo - e, consequentemente, improceder o pedido da alínea A) do petitório ínsito na Contestação/Reconvenção da Ré, deve a 2.ª Parte da Reconvenção ser julgada processualmente admissível e, consequentemente, ser alvo de apreciação, ao abrigo da alínea c) do n.° 2 do artigo 266.° do CPC (ponto iii) da alínea B) do pedido da Ré).
(…)
TERMOS EM QUE, SEMPRE COM O DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXAS:
— DEVERÁ O PRESENTE RECURSO SER JULGADO TOTALMENTE PROCEDENTE;
EM CONSEQUÊNCA,
— DEVERÁ SER REVOGADO O SEGMENTO DO DOUTO DESPACHO SANEADOR DATADO DE 19.12.2024 QUE JULGA PROCESSUALMENTE INADMISSÍVEL A 2.ª PARTE DA RECONVENÇÃO DEDUZIDA PELA RÉ/RECORRENTE;
CONSEQUEMENTE, 
— DEVE A 2.a PARTE DA RECONVENÇÃO DEDUZIDA PELA RÍ/RECORRENTE SER JULGADA PROCESSUALMENTE ADMISSÍVEL E, COSNEQUENTEMENTE, SER APRECIADA PELO TRIBUNAL RECORRIDO.»

Notificado, o Recorrido respondeu à alegação, concluindo nos seguintes termos:
«IV - CONCLUSÕES
Deverá manter-se a rejeição da segunda parte da Reconvenção apresentada porquanto:
1. Da leitura atenta do contrato é notório que o contrato celebrado entre Recorrente e Recorrido se decompõe em dois subcontratos, um relativo à concessão de espaço para ampliação e exploração de parque de estacionamento e o segundo concernente à empreitada para construção do edifício designado "Casa se Pessoal";
2. Os contratos em causa constam do mesmo documento, no entanto, não podemos deixar de entender que estamos perante dois contratos, os quais contêm objecto absolutamente distinto, e que entre si se afiguram cindíveis e por isso independentes.
3. Neste âmbito terá de considerar-se o definido na Cláusula 5.ª do Contrato de Concessão celebrado, que apenas respeita à Concessão dos Parques de Estacionamento.
4. Assim, inexiste qualquer comutatividade entre estes contratos, o contrato de concessão iniciar-se-á e findará, com total independência do contrato de empreitada, cuja execução se reclama nos presentes autos.
5. Sendo certo que o pedido Reconvenção segunda parte - reposição do equilíbrio económico e financeiro - assenta exclusivamente no Contrato de Concessão de Espaço para Ampliação e Exploração de Parque de Estacionamento na CENTRO HOSPITAL ..., EPE.
6. Ora, base factual para este pedido da Recorrente resulta, no seu entendimento, do reconhecimento do cumprimento defeituoso do Contrato de Concessão de Espaço para Ampliação e Exploração de Parque de Estacionamento.
7. Pelo contrário, o pedido da Recorrida baseia-se na obrigatoriedade de a Recorrente dar cumprimento ao constante do referido na Cláusula 6.ª, 1.2 do Caderno de Encargos,
8. Atente-se que esta obrigação não resulta sequer do corpo de texto do Contrato, antes resulta de Cláusula do caderno de Encargos.
9. Ora o artigo 266 n.° 2 al. a) do CPC exige que o pedido do Recorrente emerja do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa, tal deve ser entendido no sentido de que um pedido é emergente de determinado acto ou facto jurídico quando tem o seu fundamento nesse acto ou facto.
10. O pressuposto de admissibilidade do pedido reconvencional exige mais do que uma simples conexão entre as duas causas de pedir (da acção e da reconvenção), devendo estas serem idênticas, pois é essa identidade que fundamenta o regime excepcional de admissibilidade da reconvenção.
11. Ora, o pedido deduzido na acção estriba-se, como o supra-referido, no estipulado na cláusula 6.ª, n.° 1, 1.2, Investimento no montante de € 1.000.000,00 para construção do edifício "Casa de Pessoal", isto é, num contrato de empreitada;
12. Por seu lado, como se disse, a Recorrente radica os pedidos formulados na Reconvenção parte 2.ª, no cumprimento defeituoso do contrato no que concerne à exploração do serviço concessionado, parque de estacionamento.
13. É evidente que não estamos em presença do mesmo facto jurídico, isto é, causa de pedir da reconvenção em nada contende com o complexo fáctico que serve de causa de pedir à acção, não sendo assim admissível a segunda parte do pedido reconvencional referido, pois, o pedido do Recorrente não emerge do facto jurídico que serve de fundamento à presente acção,
14. Assim, não merece censura a sentença, quando conclui que não se encontra preenchido o requisito da alínea a) do n.° 2, do artigo 266.° do CPC.
15. No que respeita à inadmissibilidade da segunda parte da Reconvenção à luz da alínea c) do n.° 2 do artigo 266 do CPC, igualmente, bem andou a sentença recorrida.
16. A questão que se coloca é saber se é lícito ao Réu reconvir quando na contestação nega o crédito principal do autor.
17. O Réu conclui que sim, citando para o efeito diversa doutrina e jurisprudência.
18. No entanto esta questão não merece resposta unânime.
19. Entendemos que o recurso à compensação exige por parte do Réu o reconhecimento do direito de crédito principal, ao qual se opõe precisamente um contra crédito.
20. Esta preferência prende-se com o entendimento de que o regime processual da compensação, como excepção, ou como reconvenção, deve adequar-se e compatibilizar-se com o regime substantivo civil.
21. Efectivamente, a essência da compensação é a existência de dois sujeitos que são reciprocamente credor e devedor, atente-se no artigo 847 CC.
22. Neste caso, a Recorrente não admite o crédito da Recorrida, sendo certo que, percorrendo toda a contestação/reconvenção é impossível concluir por um qualquer reconhecimento de dívida principal a compensar.
23. No caso concreto a segunda parte da reconvenção não se destina a efectuar um encontro de contas e a receber o excesso (compensação), atente-se no articulado sob o artigo 57 da Contestação.
24. Antes representa um aproveitamento da Recorrente para deduzir pedido autónomo baseado em facto jurídico totalmente diversos e desconectados com os fundamentos da acção, consubstanciado num pedido de reposição do equilíbrio financeiro.
25. Não tendo com escopo acertar contas, mas apenas que lhe seja reconhecido um direito autónomo, sem qualquer ligação ao inicialmente reclamado pela Recorrida.
26. Igualmente, não merece censura a sentença, quando conclui que não se encontra preenchido o requisito da alínea c) do n.° 2, do artigo 266.° do CPC.
Pelo exposto,
27. Deve o recurso ser julgado improcedente, mantendo-se o despacho saneador.
NESTES TERMOS,
nos mais e melhores de direito, que V. Excelências, Venerandos Juízes Desembargadores doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente e, em consequência, manter-se o Despacho Saneador recorrido, assim se fazendo a acostumada e sempre Sábia e Sã JUSTIÇA.»

Dispensados os vistos, nos termos do artigo 657º nº 4 do CPC, cumpre apreciar e decidir.


II - Do objecto do recurso
Conforme jurisprudência pacífica, o âmbito do recurso é delimitado pelo objecto das conclusões das alegações, interpretadas em função daquilo que se pretende sintetizar, isto é, o corpo das alegações.

Assim, a questão que a Recorrente pretende ver apreciada em apelação consiste em saber se o despacho recorrido deve ser revogado por violar o direito do Autor a reconvir, nos termos do artigo 266º nº 2 als) a) ou, se não c) do CPC e substituído por decisão que admita plenamente a sua reconvenção.

III – Apreciação do recurso
Para apreciação desta questão relevam os teores da Petição Inicial e da contestação e a parte da réplica da Autora em que é alegada a inadmissibilidade da dita “segunda parte” da reconvenção.
Transcreveremos, para maior facilidade de leitura deste aresto, os seguintes excertos das seguintes peças processuais, mais relevantes para a percepção do objecto do recurso:
Assim, da petição inicial, parte da alegação e o pedido:
«(…)
II- Dos Factos
9.°
Conforme o anteriormente referido, no seguimento do concurso público n.° ...85, no dia 16 de Maio de 2012 o A. celebrou com a Ré o Contrato de Concessão para Ampliação, Concepção, Execução e Exploração de Parque de Estacionamento de Superfície para Viaturas, na Unidade Hospitalar ..., do Autora, vide doc. n.° 2.
10.°
No âmbito deste contrato e de acordo com o Caderno de Encargos, que dele faz parte integrante - cláusula 6.°, 1.2 - ficou definindo que:
Cláusula 6ª
Investimento previsto
1 - O valor de investimento previsto é de Eur 2.300.000 (dois milhões e trezentos mil euros), decomposto da seguinte forma:
1.1 - O valor previsto para as obras de remodelação e ampliação do parque de estacionamento é de Eur 1.300.000 (um milhão e trezentos mil euros)
1.2 - lnvestimento no montante de Eur 1.000.000 (um milhão de euros), para a construção do edifício "Casa do Pessoal", aplicando-se as seguintes condições:
1.2.1-O investimento referido no ponto 1.2 é para efectuar numa infra-estrutura, que reverterá para o CHTS no final da construção da mesma;
1.2.2 -A concepção e construção prevista será efectuada pelo adjudicatário, após apresentação da solução e aprovação expressa por parte do Conselho de Administração do CHTS;
(Fonte Caderno de Encargos- Vide Doc. N. ° 1 e Contrato Doc. N.°2)
(…)
Nestes termos e nos melhores de direito aplicáveis, e com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deve a presente acção ser julgada integralmente procedente, por provada, em consequência ser a Ré condenada:
a) Dar cumprimento à cláusula 6.ª, 1.2 do Contrato celebrado e, consequentemente, proceda à construção do edifício sob a designação de “Casa do Pessoal”;
b) Na impossibilidade de dar cumprimento ao pedido em a), seja condenada ao pagamento da quantia de monetária de € 1.000.000,00 (um milhão de euros) a título indemnizatório, acrescida dos juros de mora vincendos, até integral e efectivo pagamento.»
Da reconvenção, o pedido reconvencional (no contexto da conclusão da contestação):
«A) Deverá a presente acção ser julgada totalmente improcedente, por não provada, e, em consequência, deverá a Ré ser integralmente absolvida de todos os pedidos formulados pela Autora;
B) Deverá a reconvenção ser admitida e, por via dela:
i. Subsidiariamente ao pedido formulado na alínea A) supra, ou seja, caso a acção seja julgada procedente e a Ré seja condenada a construir a "Casa do Pessoal", deverá a Autora ser condenada a:
1. Responder, no prazo máximo de 10 (dez) dias, a todas as solicitações e esclarecimentos que lhe forem colocados pela Ré, no sentido de esta poder elaborar o projecto de execução que será objecto da construção;
2. Aprovar, no prazo máximo de 10 (dez) dias, o projecto de execução que for elaborado pela Ré, desde que este não viole nenhuma das disposições constantes das peças do procedimento e respeite o projecto de execução anexo ao Contrato de Concessão;
3. Pagar o valor de 2.503.962,50€ (dois milhões, quinhentos e três mil, novecentos e sessenta e dois euros e cinquenta cêntimos), correspondente ao diferencial entre o preço necessário para construção, na presente data, da obra relativa ao projecto de execução e o montante de 1.000.000,00€ (valor a suportar pela Ré nos termos do Contrato de Concessão), uma vez que presentemente as condições de mercado são substancialmente distintas, devendo o valor do referido diferencial ser actualizado com base no Índice de Custos de Construção de Habitação Nova publicado pelo INE, desde a presente data até à data em que a construção puder ser iniciada;
4. Para o caso de se entender que a responsabilidade pelo facto de a "Casa do Pessoal" ainda não estar construída também é imputável à Ré, a Autora deve ser condenada a pagar à Ré, na proporção da sua responsabilidade, o valor correspondente à diferença entre o valor a suportar pela Ré nos termos do Contrato de Concessão (1.000.000,00€) e o preço necessário para a construção do edifício à data de hoje (3.503.962,50€ - três milhões, quinhentos e três mil, novecentos e sessenta e dois euros e cinquenta cêntimos), valor este que deverá ser actualizado com base no Índice de Custos de Construção de Habitação Nova publicado pelo INE, desde a presente data até à data em que a construção puder ser iniciada.
ii. Qualquer que seja o sentido da decisão a proferir quanto aos pedidos deduzidos pela Autora, deverá esta ser condenada a pagar à Ré, a título de compensação pela reposição do equilíbrio económico financeiro do Contrato de Concessão, o valor de 3.832.792,04€ (três milhões, oitocentos e trinta e dois mil, setecentos e noventa e dois euros e quatro cêntimos), referente às perdas de receita directamente imputáveis à actuação da Autora, valor calculado à data de 30 de Setembro de2021, ao qual acrescem juros de mora, vencidos e vincendos, desde 1 de Abril de 2013 até efectivo e integral pagamento, calculados de acordo com as taxas de juros comerciais legalmente aplicáveis, ascendendo os vencidos à data de 30 de Setembro de 2021 ao montante de 912.061,51€ (novecentos e doze mil, e sessenta e um euros, e cinquenta e um cêntimos), bem como o valor de 3.392.300,80€ (três milhões, trezentos e noventa e dois mil e trezentos euros e oitenta cêntimos), referente às perdas de receita futura previstas directamente imputáveis à actuação da Autora, desde 1 de Outubro de 2021 até ao final do período de Concessão.
iii. Subsidiariamente à alínea A) supra, ou seja, caso a Ré seja condenada no pedido constante deduzido na alínea b) do petitório ínsito na petição inicial, isto é, caso a Ré seja condenada no pagamento da quantia de 1.000.000,00€ (um milhão de euros), acrescido de juros de mora vincendos, até efectivo e integral pagamento, deverá ser julgada válida e eficaz, nos termos dos artigos 847.° e seguintes do Código Civil, a compensação de tal crédito da Autora com o valor que esta seja condenada a pagar à Ré a título de compensação pela reposição do equilíbrio económico financeiro do Contrato.»
Da Réplica, o seguinte:
«III. Reconvenção - Parte 2.°
A. Da inadmissibilidade da 2ª parte da Reconvenção:
(…)
44.°
No caso dos autos, a Ré pede a condenação do Autor nos seguintes termos:
ii. Qualquer que seja o sentido da decisão a proferir quanto aos pedidos deduzidos pela Autora, deverá esta ser condenada a pagar à Ré, a título de compensação pela reposição do equilíbrio económico financeiro do Contrato de Concessão, o valor de 3.832.792,04€ (três milões, oitocentos e trinta e dois mil, setecentos e noventa e dois euros e quatro cêntimos), referente ás perdas de receita directamente imputáveis à actuação da Autora, valor calculado à data de 30 de Setembro de2021, ao qual acrescem juros do mora, vencidos vincendos, desde 1 de Abril de 2013 até efectivo e integral pagamento, calculados de acordo com as taxas de juros comerciais legalmente aplicáveis, ascendendo os vencidos à data de 30 de Setembro de 2021 ao montante de 912,061,51C (novecentos e doze mil, e sessenta e um euros, e cinquenta e um cêntimos), bem como o valor de 3.392.300,80C (três milhões, trezentos e noventa e dois mil e trezentos euros e oitenta cêntimos), referente ás perdas de receita futura previstas directamente imputáveis à actuação da Autora, desde 1 de Outubro de 2021 até ao final do período de Concessão,
iii. Subsidiariamente à alínea A) supra, ou seja, caso a Ré seja condenada no pedido constante deduzido na alínea b) do petitório ínsito na petição inicial, isto é, caso a Ré seja condenada no pagamento da quantia de 1 000.000,00€ (um milhão de euros), acrescido de juros de mora vincendos, até efectivo e integral pagamento, deverá ser julgada válida e eficaz, nos termos dos artigos 847.º e seguintes do Código Civil, a compensação de tal crédito da Autora com o valor que esta seja condenada a pagar à Ré a título de compensação pela reposição do equilíbrio económico financeiro do Contrato.
Já a decisão recorrida é redutível à seguinte transcrição:
«Da Admissibilidade da 2.a parte do Pedido Reconvencional
Na Réplica, o Autora argumenta que o segundo pedido reconvencional formulado pela Demandada não é admissível. Alega, fundamentalmente: i) o contrato entre as partes se divide em dois subcontratos: um referente à concessão de espaço para ampliação e exploração do parque de estacionamento, e outro relativo à empreitada para construção do edifício "Casa do Pessoal"; ii) A segunda parte da reconvenção baseia-se no contrato de concessão do espaço para o parque de estacionamento, enquanto a acção principal se centra no contrato de empreitada para a construção da "Casa do Pessoal"; iii) o pedido reconvencional (parte 2) assenta no cumprimento defeituoso do Contrato de Concessão de Espaço para Ampliação e Exploração de Parque de Estacionamento, enquanto a acção principal se relaciona com a construção da Casa do Pessoa; iv) não existe uma conexão directa entre a causa de pedir da acção principal e a da reconvenção, uma vez que se referem a contratos distintos e a factos jurídicos diferentes.
Por seu turno, a Demandada pugna pela admissibilidade da segunda parte da reconvenção. Alega, fundamentalmente: i) os pedidos apresentados na petição inicial e os pedidos deduzidos na reconvenção emergem do mesmo contrato, sendo que apenas em conjunto se realiza um equilíbrio contratual; desta forma, a reconvenção é admissível nos termos da alínea a) do n.° 2 do artigo 266.° do CPC; ii) a reconvenção também é admissível nos termos da alínea c) do n.° 2 do artigo 266.° do CPC; isto porque, a condenação do Autor no pagamento de um valor, que poderá ser objecto de compensação com um crédito que venha a ser reconhecido à Autor sobre a Entidade Demandada; salienta que o Autor peticionou, ainda que subsidiariamente, que a Demandada fosse condenada a pagar-lhe a quantia de 1.000.000,00€, pelo que o Autor reclama um crédito (de natureza indemnizatória). Assim, a Demandada tem o direito de invocar um "contra-crédito" para exercer o direito de compensação, caso venha a ser reconhecido o crédito invocado pelo Autor.
Vejamos.
Determina o n.°2, do Artigo 266.º do CPC o seguinte:
“2 - A reconvenção é admissível nos seguintes casos:
a) Quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa;
b) Quando o réu se propõe tornar efectivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida;
c) Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor;
d) Quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter”.
Segundo a Demandada, a segunda parte da reconvenção é admissível nos termos da alínea a), mas também nos termos da alínea c).
A propósito da admissibilidade da reconvenção nos termos da alínea a), o Acórdão desta Relação do Porto de 10.02.2020, no Processo n.°426/13.0TBMLD- E.P1, determinou o seguinte: “I - A conexão exigida para efeitos de admissibilidade da reconvenção traduz-se no justo equilíbrio entre os interesses da economia processual e da economia de meios — que postula a resolução de todos os eventuais litígios entre as partes através de um único processo e um único julgamento — e o interesse na ordenada tramitação do processo — acautelando o interesse do autor e do sistema judicial na obtenção tão célere quanto possível de uma decisão quanto a esse litígio.
II - Para que a reconvenção seja admissível ao abrigo da al. a), do n.° 2 do artigo 266º do CPC, é necessário que o pedido reconvencional, enquanto pretensão material autónoma em face da pretensão do autor, tenha a mesma causa de pedir da acção ou decorra da causa de pedir (acto ou facto jurídico) que serve de fundamento à defesa do réu perante a pretensão deduzida pelo autor (...)
IV - Ao nível da admissão processual da reconvenção não tem o julgador que fazer uma aturada indagação sobre o mérito da causa de pedir da reconvenção, sendo bastante que a mesma tenha, à luz das várias soluções plausíveis de direito, a virtualidade de reduzir, modificar ou extinguir a pretensão do autor”.
E a verdade é que, a segunda parte do pedido reconvencional não emerge de facto jurídico que serve de fundamento à presente acção.
É certo que o objecto da presente acção é, desde logo, o Contrato de Concessão para Ampliação, Concepção, Execução e Exploração de Parque de Estacionamento de Superfície para Viaturas, na Unidade Hospitalar ..., do Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa, EPE.; contrato esse que comporta várias prestações para ambas partes.
No entanto, o pedido do Autor respeita exclusivamente à construção da “Casa de Pessoal”, não estando em causa a exploração do serviço concessionado; o que significa que, este não serve de fundamento ao pedido do Autor.
Daí ser correcta posição do Autor, da total independência da causa de pedir que sustenta o pedido formulado pelo Autor face à causa de pedir que sustenta a segunda parte da reconvenção.
Assim sendo, impõe-se a conclusão de que a segunda parte do pedido reconvencional deduzido pela Demandada não se enquadra na previsão legal do Artigo266°, n°.2, alínea a) do CPC.
E também não se enquadra na alínea c), porquanto a Demandada não reconhece crédito do Autor, muito pelo contrário.
Com efeito, para que seja deduzido um pedido reconvencional ao abrigo da alínea c), do n.° 2, do Artigo 266.° do CPC, basta que o réu, que não negando a existência do crédito do Autor, pretende compensá-lo mediante o exercício do ser próprio direito de crédito, o qual terá de ser judicialmente reconhecido. De contrário, a compensação não poderá operar — cfr. Artigo 848.°, n.° 1 do Código Civil.
Nesse sentido, veja-se o Acórdão do TRL de 14-07-2020, p. 23074/18.3T8PRT-A.L1-6, em acção em que não foi admitido o pedido reconvencional — em que era pedida a condenação no pagamento da diferença de preço prometido num contrato promessa de compra e venda e o preço pago na escritura do contrato de compra e venda — com fundamento no facto de o Réu não reconhecer a existência do crédito do Autor.
É precisamente o que sucede no presente caso.
A Demandada não aceita a existência do crédito do Autor e, como tal, não está legitimidade a deduzir pedido reconvencional com o propósito de fazer operar a compensação de créditos.
Assim sendo, rejeita-se a segunda parte do pedido reconvencional.»

É relativamente a este dispositivo que cumpre julgar se ele viola o direito da Autora a reconvir, nos termos do artigo 266º nº 2 alª) a) ou, se não, c) do CPC e deve, consequentemente, ser substituído por decisão que admita a dita segunda parte reconvenção.
Para tanto há, antes de mais, que resolver uma questão prévia. Trata-se de procurar interpretar o que é que na decisão recorrida se pretende designar por segunda parte da reconvenção, já que tal decisão acaba por jamais se referir ao objecto da rejeição por outro modo que não esta remissão, quando é certo que a formulação do pedido reconvencional não está expressamente subdividida em “partes” primeira e segunda e ou mais, apenas aparece articulado em números e alíneas.
Uma vez que a decisão sub judices surge, conforme o seu próprio relatório, enquanto apreciação da suscitação da correspondente excepção dilatória pela Autora, na Réplica são os termos desta arguição que lançam luz sobre do que se trata quando a Mª Juiz a qua se refere à “segunda parte da reconvenção”.
Como resulta da transcrição parcial que acima fizemos da Réplica, trata-se dos pedidos efectuados sob as alíneas ii) e iii), ou seja, e em suma, os pedidos que têm por objecto a condenação da Autora no pagamento, não deduzido ou deduzido do montante peticionado pela Autora na alª b) do seu pedido – consoante a sorte da acção nesta parte – das quantias de 3.832.792,04€, relativa ao período de concessão desde o início até 30 de Setembro de 2021 mais juros de mora comerciais, vencidos e vincendos, desde 1 de Abril de 2013 até efectivo e integral pagamento, ascendendo os vencidos, à data de 30 de Setembro de 2021, ao montante de 912.061,51€, bem como o valor de 3.392.300,80€, relativo ao restante período da concessão, enquanto satisfação de um alegado direito da Ré-Reconvinte à reposição do equilíbrio financeiro do contrato, conforme artigo 282º do CCP.
São estes pedidos que a recorrente sustenta serem perfeitamente subsumíveis, desde logo, à alª a) do nº 2 do artigo 266º do CPC, porque emergem do facto jurídico “contrato de concessão”, de que emergem os pedidos da acção (de condenação da Ré a cumprir a obrigação de construir a casa do pessoal, resultante da cláusula 6ª do caderno de encargos, integrante desse mesmo contrato; e que a decisão recorrida julgou não emergirem do mesmo facto jurídico pois, tal como alegou a Autora, tratar-se-ia de um contrato de empreitada autónomo ou, em todo o caso, um autónomo contrato, embora formalmente integrante do mesmo instrumento escrito do contrato de concessão.
Recordemos o teor da alª a) do artigo 266º do CPC:
“1 - O réu pode, em reconvenção, deduzir pedidos contra o autor.
2 - A reconvenção é admissível nos seguintes casos:
a) Quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa;”
Conforme a clássica arrumação conceitual da teoria geral do direito civil, o contrato é uma species do genus negócio jurídico, o qual, por sua vez, é uma species do acto jurídico, que, enfim, é uma species do facto jurídico. Logo, o contrato é, em último termo, um facto jurídico. Assim, ao referir-se, na alínea interpretanda, ao facto jurídico que serve de fundamento à acção, o legislador abarca a totalidade do objecto de todo e qualquer contrato, seja qual for a sua complexidade ou até a susceptibilidade de ser decomposto, em abstracto, em diversos sinalagmas.
Aliás, mesmo que se possa conceber, teoricamente, concorrência de vários contratos num só instrumento formal, entre as mesmas partes, como relações sinalagmáticas independentes umas das outras, tal não seria seguramente o caso da causa de pedir da acção e da reconvenção aqui em causa, pois decorre claramente da cláusula 6ª do caderno de encargos, expressamente alegada na Petição Inicial, que do que se trata, no que respeita à obrigação da Ré de construir a casa de pessoal, não é de outra coisa que não um investimento a cargo do adjudicatário da concessão, a acrescer ao investimento com as obras de construção do parque de estacionamento a explorar. Quer dizer, a construção da casa do pessoal não é mais do que uma das contrapartidas a prestar, pelo adjudicatário da concessão, ao concedente.
Assim, sendo, errou, efectivamente, a Mª Juiz a qua, no julgamento de direito, ao rejeitar as alíneas ii) e iii) da reconvenção com fundamento em que não integravam o disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 266º do CPC, impunha-se-lhe admitir tais pedidos, precisamente porque relevavam do mesmo facto jurídico: o contrato de concessão, que era ou integrava a causa de pedir da acção.
Quanto à jurisprudência citada pela Mª Juiz a qua, não vemos em que se oponha ao que aqui julgamos, nem em que aspecto seu reside fundamento para a decisão aqui em crise – nem a Mª Juiz a qua o explicita.
Resta dizer que, do preenchimento, agora julgado, dos requisitos da alª a) do nº 2 do artigo 266º do CPC resulta ficar prejudicada a consideração da aplicabilidade da alª c) do mesmo número.
É positiva, portanto, nos sobreditos termos, a resposta à questão acima enunciada, em que se analisava a presente apelação autónoma.

Conclusão
Do exposto, resulta a procedência do recurso, impondo-se revogar a parte impugnada do despacho saneador e substituí-la por decisão admitindo a reconvenção da Ré também quanto às alíneas ii) e iii) do pedido reconvencional.

Custas
Vencida, a Recorrida arcará com as custas do recurso: artigo 527º do CPC.

Dispositivo
Assim, acordam em conferência os juízes da subsecção de contratos públicos da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a parte impugnada do despacho saneador recorrido e admitir a reconvenção da Ré também quanto às alíneas ii) e iii) do pedido reconvencional.
Custas pela Recorrida (Autora/Reconvinda).
Porto, 20/6/2025

Tiago Afonso Lopes de Miranda
Maria Clara Alves Ambrósio
Ricardo Jorge Pinho Mourinho de Oliveira e Sousa