Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
| Processo: | 01696/07.8BEPRT |
| Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
| Data do Acordão: | 04/30/2025 |
| Tribunal: | TAF do Porto |
| Relator: | PAULO MOURA |
| Descritores: | IVA; PERDA INTEGRAL DO BEM OBJETO DE LOCAÇÃO; RESSARCIMENTO DA SEGURADORA AO LOCADOR; |
| Sumário: | No caso de perda total, por sinistro, dos veículos objeto de contrato de locação financeira, a Autoridade Tributária e Aduaneira não pode exigir que a Locadora liquide IVA, sobre o valor recebido diretamente da Seguradora, para ressarcir a perda integral do veículo. |
| Votação: | Unanimidade |
| Decisão: | Conceder provimento ao recurso. |
| Aditamento: |
| Parecer Ministério Publico: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: Banco 1..., interpõe recurso da sentença que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações adicionais de IVA, relativas a 1997 a 1998 e liquidações dos respetivos juros compensatórios. Formula nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem: a. A valoração, contra o Recorrente, da impossibilidade do mesmo na obtenção de documentação, em face do decurso do tempo (cerca de vinte anos), não só expressamente vai contra o disposto no artigo 130.º do Código do IRC, como, igualmente, contra a jurisprudência existente sobre o tema, designadamente o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo número 0244/06, de 8 de novembro de 2006; b. Ainda que a documentação não apresentada pelo Recorrente, em face do decurso do tempo (quase vinte anos), se afigurasse ser essencial à descoberta da verdade material - o que não se verifica -, a realidade é que, não só tal situação não poderia ser valorada contra o Recorrente (como se entendeu na decisão recorrida), como, ainda, considerando que no ordenamento jurídico-tributário vigora o princípio in dubio contra fiscum, no caso de dúvida quanto ao facto tributário, deveria ter prevalecido uma decisão favorável ao sujeito passivo e jamais contrária ao mesmo - nesse sentido, o artigo 100.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário; c. Verificando-se que a própria Autoridade Tributária, em sede do procedimento administrativo de cuja decisão se submeteu ao escrutínio do Tribunal, sufragou a posição defendida pelo Recorrente - de que os pagamentos efetuados à locadora podem configurar o pagamento de uma indemnização -, pelo que tal situação deveria, naturalmente, ter sido relevada pelo Tribunal a quo na decisão recorrida, o que não se verificou; d. Tratando-se de um facto admitido por acordo, nos termos do número 2 artigo do artigo 574.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi pela alínea e) do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a livre apreciação que o Tribunal a quo poderia efetuar estava restringida pelo acordo entre as partes quanto à factualidade, ou seja, de que os pagamentos efetuados à locadora configuravam o pagamento de uma indemnização, cabendo-lhe, assim, analisar o enquadramento em sede de IVA do recebimento por parte da locadora dos valores e não as circunstâncias em que tais montantes foram recebidos; e. Sem prejuízo do livre arbítrio deste Venerando Tribunal, o Recorrente entende que para a análise e boa decisão da causa, será necessário alterar/aditar a matéria de facto dada como provada (e não provada na decisão recorrida), nos termos da alínea b) do número 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil ex vi alínea e) do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, devendo considerar-se como provada a matéria de facto constante no ponto 1. da matéria de facto que foi dada como não provada pela sentença aqui em escrutínio, nos seguintes termos: - “As quantias de 46.590.228$00 e de 16.589.876$00 foram pagas à locadora por seguradora ao abrigo de contrato de seguro e a título de indemnização” (cfr. página 11 do Documento 8 junto com a petição inicial e acordo entre as partes). f. Considerando a matéria de facto provada no âmbito da presente ação e, ainda, a matéria de facto que, na ótica do Recorrente deverá ser dada como provada por Vossas Excelências nos termos acima requeridos, requer-se que, nos termos do disposto nos números 2 e 3 do artigo 665.º do Código de Processo Civil, aplicável por força da alínea e) do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, sejam atendidos os argumentos de direito cuja apreciação ficou prejudicada pela solução dada ao caso sub judice pela Mm.ª Juiz a quo; g. Uma vez desaparecido o objeto de locação financeira, o cumprimento do contrato de locação torna-se juridicamente impossível, nos termos dos artigos 790.º a 797.º do Código Civil, razão pela qual, deixando de ser possível a cedência do gozo do bem objeto de locação, em face da resolução do contrato, não se verifica um efetivo vencimento ou pagamento das prestações vincendas; h. A indemnização recebida da companhia de seguros pela locadora financeira não se destina ao pagamento de prestações vincendas, mas sim ao ressarcimento do dano desta, sendo que, da perspetiva da locadora, o dano será correspondente ao capital que permanece em dívida (acrescido dos juros vencidos, e não vincendos, até ao momento do pagamento do capital em dívida e de eventuais encargos, quando aplicável), o qual, uma vez pago, através da indemnização, deixa de vencer quaisquer juros, não cabendo falar em “prestações” ou “rendas”; i. No que se refere ao montante da indemnização pago pela seguradora à locadora é inequívoco que se trata da atribuição de um valor que visa tão somente ressarcir o dano sofrido pela perda do veículo, por parte do seu titular, e não compensar proveitos que deixaram de ser obtidos ou lucros cessantes, pelo que mesmo que se considerasse que a Cláusula 8.ª das Condições Gerais do Contrato de Locação Financeira configurava uma cláusula penal, o montante da indemnização determinado, de forma independente e profissional, por uma companhia de seguros no âmbito de uma apólice de seguro de responsabilidade civil automóvel corresponderá sempre a uma quantia equivalente (e não superior) ao valor do dano derivado da perda do veículo; j. Não é o facto de uma indemnização ser objeto de arbitramento judicial que a transforma ou não na contraprestação de uma operação tributável. Este equívoco radica na imperfeita redação da citada alínea a) do número 6 do artigo 16.º do Código do IVA, que foi já objeto de interpretações doutrinárias corretivas (da própria Autoridade Tributária); k. Não se encontram reunidos os pressupostos de tributação previstos no artigo 4.º do Código do IVA e no artigo 6.º da (então aplicável) Sexta Diretiva, em virtude de as indemnizações não consubstanciarem a remuneração de qualquer operação para efeitos de IVA, correspondendo apenas ao ressarcimento dos prejuízos sofridos pela locadora nas situações de sinistro dos bens objeto de locação financeira, pelo que a posição assumida pela Autoridade Tributária é manifestamente ilegal; l. Caso a interpretação efetuada pela Autoridade Tributária seja considerada ilegal por Vossas Excelências e sejam anuladas as liquidações em apreço, deverá o Recorrente ser ressarcido, para além do imposto e juros ilegalmente cobrados, pelo período de tempo que se viu privado da quantia indevidamente paga, mediante o pagamento de juros indemnizatórios, calculados desde a data de pagamento (31 de maio de 2005) até efetivo e integral pagamento, nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária, os quais à data da apresentação da presente Impugnação Judicial se cifravam em € 24.691,01; m. Em face do exposto, deve a sentença sufragada pelo Tribunal a quo ser revogada por Vossas Excelências, e, em consequência, deverá a mesma ser substituída por nova decisão que comtemple as interpretações de Direito acima explanadas, dando-se provimento à pretensão do Recorrente. Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas Excelências suprirão, deverá o presente Recurso ser dado como procedente, por provado, e em consequência ser revogada a decisão recorrida, por ilegal, e substituída por outra que contemple as interpretações de Direito acima explanadas, dando-se provimento à pretensão do Recorrente e, em consequência, i) ser anulada a decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico interposto contra o indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) de 1997 e 1998 e dos respetivos juros compensatórios e, bem assim, serem anuladas as liquidações adicionais de IVA de 1997 e 1998 e os respetivos juros compensatórios, no valor de € 72.608,92, devendo o Recorrente ser reembolsado desse montante, em virtude de as citadas liquidações adicionais se mostrarem ilegais por assentarem em errónea interpretação e aplicação das regras do Código do IVA e da Sexta Diretiva Comunitária; ii) ser reconhecido ao Recorrente o direito ao ressarcimento por meio de juros indemnizatórios que, nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária, se revelem devidos em resultado do pagamento indevido do imposto e dos juros compensatórios referidos, estando vencidos, à data da apresentação da presente ação, € 24.691,01, tudo com as legais consequências. Não foram apresentadas contra-alegações. O Ministério Público emitiu parecer no sentido de o recurso ser julgado improcedente. Foram dispensados os vistos legais, nos termos do n.º 4 do artigo 657.º do Código de Processo Civil, com a concordância das Exmas. Desembargadoras Adjuntas, atenta a disponibilidade do processo na plataforma SITAF (Sistema de Informação dos Tribunais Administrativos e Fiscais). ** Delimitação do Objeto do Recurso – Questões a Decidir. As questões suscitadas pela Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respetivas conclusões [vide artigos 635.º, n.º 4 e 639.º CPC, ex vi alínea e) do artigo 2.º, e artigo 281.º do CPPT] são as de saber: (1) se a matéria de facto não provada, deve ser considerada provada; (2) se a indemnização recebida pela Impugnante da Seguradora, na qualidade de locadora no âmbito de contrato de locação financeira, concedida por perda total do objeto do contrato, está sujeita a IVA; (3) se em caso de anulação das liquidações, o impugnante tem direito a juros indemnizatórios. ** Relativamente à matéria de facto, o tribunal, deu por assente o seguinte: FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO É a seguinte a matéria de facto provada com relevância para a decisão da causa, para além da que antecede, por ordem lógica e cronológica: A. Em 02.02.2001, pela Direcção de Serviços de Inspecção Tributária foi emitido “Relatório de inspecção tributária” relativamente à sociedade [SCom01...] Leasing – Locação Financeira, S.A., com o seguinte teor – cfr. fls. 84 e ss. do PA apenso: “(…) “(…)
3 – DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA COLECTÁVEL (…) 3.1 – Exercício de 1997 A perda total dos bens objecto de locação financeira está prevista contratualmente, através da norma 8ª das respectivas condições gerais da forma que se passa a citar “… sendo a perda total, o contrato considerar-se-á resolvido, devendo o locatário pagar o somatório das rendas vincendas e do valor residual, actualizado com a taxa de juro referidas nas condições particulares…” Esta norma consubstancia assim, o vencimento antecipado das rendas, naturalmente sujeitas a IVA, de harmonia com a alínea h) do n.º 2 do artigo 16º do CIVA. Constatei que a empresa não procedeu à liquidação de IVA sobre o vencimento antecipado (actualizado) das rendas vincendas, valor residual e ainda juros decorridos entre a última renda vencida e o momento da perda total. De acordo com a contabilidade, o valor do IVA em falta relativo a estas transacções ascende a 7.920.339$00, conforme se fundamenta e quantifica em documento anexo (cf. Anexo 1). 3.2 – Exercício de 1998 Conforme descrevi quanto a 1997, nos casos de rescisão de contrato por perda total dos bens objecto de locação, constatei que a empresa durante o primeiro quadrimestre de 1998, continuou ainda a não liquidar IVA sobre o vencimento antecipado (actualizado) das rendas vincendas, valor residual e juros devidos em função do tempo decorrido entre a última renda vencida e o momento da perda total. De acordo com a contabilidade, o valor do IVA em falta, de acordo com a alínea h) do nº 2 do artigo 16º do CIVA, relativo a estas transacções ascende a 2.820.279$00, conforme se fundamenta e quantifica em documento anexo (cfr. anexo 2). (…).” B. Em nome da impugnante e com base do teor do relatório de inspecção que antecede, foram emitidas as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios n.ºs ...15, ...11, ...03 e ...19, relativas a 1997 e 1998, no montante global de € 97.299,93 – cfr. doc. 2 junto com a p.i. C. Em 22.08.2001, a impugnante deduziu reclamação graciosa contra as liquidações impugnadas – cfr. doc. 4 junto com a p.i. D. Em 18.02.2003, a impugnante teve conhecimento do indeferimento da reclamação e respectiva fundamentação – cfr. doc. 5 e 6 juntos com a p.i. E. Em 28.04.2003, a impugnante interpôs recurso hierárquico do indeferimento da reclamação – cfr. doc. 7 junto com a p.i. F. Em 31.05.2005, o valor das liquidações impugnadas foi integralmente pago pela impugnante – cfr. doc. 2 junto com a p.i. G. Em 27.03.2007, foi proferido despacho de indeferimento do recurso hierárquico – cfr. doc. 8 junto com a p.i. H. O indeferimento do recurso hierárquico assentou em “Informação” da Divisão de Concepção da Direcção de Serviços do IVA, da qual consta o seguinte: “7. DIREITO DE AUDIÇÃO Tendo em conta que a recorrente não traz qualquer elemento novo ao Recurso Hierárquico interposto, nos termos do artigoº 103 do CPA, não se procede ao exercício do direito de audição.” – cfr. doc. 8 junto com a p.i. I. O indeferimento do recurso hierárquico não foi precedido de notificação da impugnante para se pronunciar sobre o mesmo – acordo. J. Em 04.05.2007, a impugnante recebeu a notificação do indeferimento do recurso hierárquico – cfr. doc. 8 junto com a p.i. K. A impugnante é uma sociedade comercial que sucedeu à sociedade [SCom02...], S.A., a título universal, na titularidade dos respectivos direitos e obrigações – acordo. L. A sociedade [SCom02...], S.A., por sua vez, havia sucedido, a título universal, nos direitos e obrigações da sociedade [SCom01...] Leasing – Locação Financeira, S.A. – acordo. M. Em 1997 e 1998, a sociedade [SCom01...] Leasing – Locação Financeira, S.A., revestia a natureza de instituição de crédito e exercia a actividade de locação financeira – acordo. N. Nos termos da cláusula 8.ª das condições gerais do contrato de locação financeira em causa, “Se, por facto fortuito ou de força maior, o equipamento se perder ou deteriorar, observar-se-á o seguinte: a) sendo a perda total, o contrato considerar-se-á resolvido, devendo o locatário pagar ao locador o somatório das rendas vincendas e do valor residual, actualizado com a taxa de juro referida nas Condições Particulares, adicionado do montante das rendas vencidas e não pagas e da de quaisquer outras quantias em dívida à data pelo locatário ao locador, e devendo o locador entregar ao locatário a indemnização que venha a receber da seguradora.” – cfr. fls. 51 do PA apenso. O. Em 1997, a impugnante recebeu a quantia de 46.590.228$00 que lhe foi entregue, na qualidade de locadora, na sequência de sinistros ocorridos relativamente a bens objecto de contrato de locação financeira mobiliária, com perda total dos mesmos – acordo. P. Em 1998, a impugnante recebeu a quantia de 16.589.876$00 que lhe foi entregue, na qualidade de locadora, na sequência de sinistros ocorridos relativamente a bens objecto de contrato de locação financeira mobiliária, com perda total dos mesmos – acordo. Q. As quantias que antecedem foram pagas a título de rendas vincendas, valor residual e juros – cfr. anexos 1 e 2 do relatório de inspecção tributária. R. As liquidações de imposto em causa resultam da incidência de IVA sobre as quantias que antecedem - cfr. anexos 1 e 2 do relatório de inspecção tributária. Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa, designadamente o seguinte: 1. As quantias de 46.590.228$00 e de 16.589.876$00 foram pagas à locadora por seguradora ao abrigo de contrato de seguro e a título de indemnização. Motivação A decisão da matéria de facto assentou na análise dos documentos constantes dos autos, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório, salientando-se a factualidade constante do relatório de inspecção e que a impugnante não pôs em causa, e no acordo das partes. Quanto ao facto enunciado sob a alínea H., de referir que os anexos 1 e 2 do relatório de inspecção espelham os valores e rubricas constantes da contabilidade, na qual assentou a tributação, correspondendo as rendas vincendas e o valor residual às designações de “Capital” e “O. Proveitos”, considerando inexistir rubrica contabilística que contemple expressamente aquela outra nomenclatura. Acresce que a cláusula 8.ª das condições gerais dos contratos de locação financeira em causa faz referência a pagamentos de rendas antecipadas, valor residual e juros em caso de perda total dos veículos. Paralelamente, a impugnante não logrou provar que as quantias pela mesma recebidas no âmbito dos contratos de locação financeira em que houve perda total de veículos e sobre as quais incidiu IVA correspondiam a indemnização e que lhe foram pagas por seguradora ao abrigo de contrato de seguro. Efectivamente, notificada para comprovar documentalmente o recebimento de tais valores a título de indemnização – cfr. despacho de 13.03.2017 -, a mesma não o fez. Finalmente, a terem sido recebidas como indemnização, tais quantias deveriam estar inscritas na contabilidade em rubrica relativa a natureza indemnizatória, o que não sucedeu. ** Apreciação jurídica do recurso. Em primeiro lugar, alega o Recorrente que a matéria de facto deve ser alterada em relação ao facto não provado, passando a facto provado, na medida em que, por um lado, não é matéria controvertida nos autos, e, por outro lado, o Tribunal solicitou documentos com mais de vinte anos, não estando o Impugnante obrigado a guardar documentos por tão longo período, sendo o prazo legal de dez anos. Invoca, o Recorrente, se tal documentação fosse relevante, a dúvida resolvia-se a seu favor, nos termos do artigo 100.º do CPPT. Alega, o Recorrente, que a Administração Tributária considerou os valores recebidos pela locadora, como pagamento de rendas vincendas do contrato de locação financeira, para em sede de recurso hierárquico, já considerar ser uma indemnização, sufragando a posição do impugnante, o que se deve considerar facto admitido por acordo. Apreciando. Ora, facto dado como Não Provado, salvo melhor vislumbre, não poderia ter ficado na matéria de facto dada como não provada, na medida em que, por um lado, não corresponde a matéria controvertida e por outro lado, também apresenta uma conclusão jurídica, que pode implicar com a decisão da causa. Começando por este último aspeto, o facto Não Provado, refere que não está provado que as quantias entregues à locadora, o foram a título de indemnização. Ora, «indemnização», não é em si um facto, mas um conceito jurídico, pelo que é na parte jurídica que se deve analisar a que título foram entregues as quantias e se, mesmo que entregues a título de indemnização, implicam ou não a liquidação de IVA. Para além disso, o significado jurídico em apreço, poderá, por si só, conduzir ao desfecho da lide, pelo que, quando o conceito jurídico é objeto de controvérsia, não deve ser levado à matéria de facto. Conforme referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, no Código de Processo Civil anotado, vol. I, de, 2.ª ed., ano 2020, Almedina, em anotação ao artigo 5.º, na pág. 26, em relação ao conceito jurídico: «Se este, no todo ou em parte, estiver precisamente dependente do significado real daquelas expressões, tem de considerar-se que estamos perante matéria de direito, pois o significado a atribuir-lhe será determinante para o desfecho da causa. Se, pelo contrário, o objeto da ação não estiver diretamente associado ao significado a conferir a certas afirmações das partes, as expressões assim utilizadas (arrendamento, renda, hóspede e outras de cariz semelhante) poderão ser tomadas como matéria de facto, passíveis de apuramento por via da prova e de pronúncia em sede de julgamento, sempre encaradas com o significado vulgar ou corrente, não já com o sentido técnico-jurídico que possa acolher-se nos textos legais (…).» Por sua vez, no que concerne à matéria não provada, segundo a qual as quantias não foram pagas à locadora por seguradora ao abrigo do contrato de seguro, não é matéria controvertida, na medida em que a Administração Tributária admite que foi a Seguradora que efetuou tais pagamentos, por estar em causa a perda total dos veículos objeto de locação financeira. Por um lado, a Reclamação Graciosa, refere que os pagamentos foram efetuados pela Seguradora, conforme excerto que se transcreve: [Imagem que aqui se dá por reproduzida] Por outro lado, na apreciação do Recurso Hierárquico, a Administração Tributária mantém que se tratam de pagamentos efetuados pela Seguradora à locadora (que é como quem diz, ao Impugnante, ora Recorrente), por perda total do bem objeto de contrato de locação financeira e que ocorre falta de liquidação de IVA nas indemnizações por sinistros. Transcreve-se parte da apreciação do Recurso Hierárquico, para melhor elucidação (págs. 10 e 11 do Recuso Hierárquico), conforme segue: [Imagem que aqui se dá por reproduzida] Em face do exposto, verifica-se que a sentença errou na apreciação da matéria de facto, pelo que o facto dado como Não Provado deve ser eliminado. Face ao exposto, elimina-se o facto Não Provado. Tendo em conta as transcrições acima efetuadas, não se mostra necessário dar como provado o facto que agora foi eliminado, conforme havia sido solicitado pelo Recorrente. Na sequência do que se acaba de transcrever, bem como da posição das partes no procedimento e neste processo judicial, verifica-se que é controvertida a configuração jurídica dos pagamentos efetuados pela Seguradora à locadora, ou seja, se se trata de uma indemnização pela perda total do veículo objeto de locação financeira ou se se trata do pagamento das rendas vincendas que foram pagas num único ato, por força da perda total do veículo. Sendo assim, ao abrigo dos poderes conferidos pelo artigo 662.º do Código de Processo Civil, segundo o qual, a Relação pode modificar a matéria de facto, como seja, eliminar factos que não resultem demonstrados ou que configurem interpretações jurídicas, deve eliminar-se, ainda, do probatório, o facto constante da alínea Q). Isto, na medida em que, tal facto enquadra juridicamente as quantias recebidas, não sendo curial que tal enquadramento seja efetuado no probatório, na medida em que necessita da inerente análise jurídica. Análise jurídicas essa que não pode ser realizada na matéria de facto, pois nesta apenas devem constar factos naturais ou factos simples e não construções jurídicas. E, não obstante o Relatório de Inspeção poder enquadrar juridicamente os ditos recebimentos como rendas vincendas, caso de tratasse da mera transcrição do Relatório de Inspeção, tal poderia constar da matéria de facto, mas tal situação foi autonomizada no probatório, como que sendo um facto percecionado pelo próprio Tribunal, como que fundamentado num documento, que é o Relatório de Inspeção. Desta forma, tal facto não de pode manter. Face ao exposto, elimina-se da matéria de facto a alínea Q) do probatório. * De seguida alega o Recorrente que a indemnização por si recebida da Seguradora, na qualidade de locadora no âmbito de contrato de locação financeira, concedida por perda total do objeto do contrato, não está sujeita a IVA. Relativamente a este aspeto, a sentença referiu o seguinte: Assim, temos que sobre as quantias recebidas pela impugnante, na qualidade de locadora, no âmbito de contratos de locação financeira e em virtude da perda total dos veículos, a Administração Tributária fez incidir IVA, para tanto assentando a sua actuação no disposto na alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do Código do IVA. Tal enquadramento jurídico mostra-se correcto na medida em que aquelas quantias foram entregues à impugnante a título de rendas antecipadas, valor residual e juros. Apreciando. Conforme decorre do Relatório de Inspeção, parcialmente transcrito na alínea A) do probatório, ocorreu perda total dos bens objeto de contrato de locação financeira. Aliás, nos quadros anexos ao Relatório de Inspeção, menciona-se a perda total do bem objeto de locação financeira, com a concreta identificação de cada um destes contratos. Por sua vez, nos termos das alíneas O) e P) do probatório, o Impugnante, recebeu quantias que lhe foram entregues, na qualidade de Locador, na sequência de sinistros ocorridos relativamente a bens objeto de contrato de locação financeira mobiliária, com perda total dos mesmos. Por seu turno, no seguimento das transcrições acima efetuadas da Reclamação Graciosa, bem como do Recurso Hierárquico, verifica-se que a Seguradora pagou diretamente ao Locador quantias decorrentes da perda total do objeto do contrato de locação financeira de bens móveis (no caso veículos). Portanto, o Impugnante, ora Recorrente, devido à perda total do bem objeto de locação financeira, recebeu da Seguradora quantias inerentes à perda de tais bens (veículos automóveis). A questão que urge solucionar é a de saber se tais quantias correspondem a uma antecipação do fim do contrato de locação financeira, com a inerente antecipação do pagamento das rendas ou se configura uma indemnização ou algo diferente; e se deve ou não haver tributação em sede de IVA. A situação objeto de controvérsia, tem sido analisada em diversos Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, em situações em tudo semelhantes à presente, com cujo teor concordamos e que aqui acolhemos. Assim, no Acórdão proferido em 31/10/2012, no processo n.º 01158/11 (em www.dgsi.pt), STA, decidiu, o seguinte: I - Com base numa interpretação teleológica e sistemática do artº 16º, nº 6, alínea a), do CIVA, em conjugação com o disposto nos arts. 1º, nº 1, e 4º, nº 1, do mesmo normativo, e tendo presente o conceito de indemnização, serão tributadas as indemnizações que correspondam, directa ou indirectamente, à contrapartida devida pela realização de uma actividade económica, isto é, que visem remunerar a transmissão de bens ou a prestação de serviços. II - Se as indemnizações sancionarem a lesão de qualquer interesse sem carácter remuneratório porque não remuneram qualquer operação, antes se destinam a reparar um dano, não são tributáveis em IVA, na medida em que não têm subjacente uma transmissão de bens ou uma prestação de serviços III - No âmbito de um contrato de locação financeira, as indemnizações pagas pelas seguradoras e destinadas a compensar os danos causados pela perda dos veículos automóveis, em caso de acidente, porque não assumem a natureza de contraprestação pela transmissão de um bem ou prestação de um serviço (arts. 1º, n.º 1, 4º, n.º 1 e 16º, n.º 6, alínea a), do CIVA), nem visam suportar lucros cessantes das recorridas, devem considerar-se excluídas da incidência de IVA. No mesmo sentido decidiu o Acórdão do STA de 12/05/2021, tirado no processo n.º 02433/11.8BELRS (em www.dgsi.pt), cujo sumário segue: I - As indemnizações pagas no âmbito de um contrato celebrado entre o locatário e a seguradora e que tem a locadora como beneficiária, destinadas a compensar os danos causados pela perda total dos bens locados, em caso de acidente, porque não assumem a natureza de contraprestação pela transmissão de um bem ou prestação de um serviço [cf. arts. 1.º, n.º 1, 4.º, n.º 1 e 16.º, n.º 6, alínea a), do CIVA], nem visam suportar lucros cessantes das recorridas, devem considerar-se excluídas da incidência de IVA. II - No caso de perda total por sinistro dos veículos objecto de contrato de locação financeira, não pode a AT pretender que a locadora devia ter liquidado imposto sobre a totalidade dos montantes das rendas vincendas e do valor residual dos veículos, mesmo na parte em que esses montantes não foram efectivamente cobrados aos locatários, por os veículos estarem a coberto de contrato de seguro e, por isso, o respectivo valor lhe ter sido directamente pago pelas seguradoras e, nessa medida, reduzida a contraprestação devida pelo locatário. Veja-se, ainda, o acórdão do STA de 25/01/2020, preferido no processo n.º 02175/07.9BELSB (em www.dgsi.pt), o qual a dado passo, refere o seguinte: 3.2.6. Compulsados os acórdãos proferidos neste Supremo Tribunal Administrativo entre 2011 e 2021, particularmente os que de forma mais profunda e inovatória se debruçaram sobre esta questão [reportamo-nos aos acórdãos de 31-10-2012 (proferido no processo n.º 1158/11) e de 12-05-2021 (proferido no processos n.º 2433/11.8BELRS)], replicados ou acolhidos em outros arestos podemos concluir que este Supremo Tribunal Administrativo vem entendendo que: (i) Com base numa interpretação teleológica e sistemática do artº 16º, nº 6, alínea a), do CIVA, em conjugação com o disposto nos arts. 1º, nº 1, e 4º, nº 1, do mesmo normativo, e tendo presente o conceito de indemnização, serão tributadas as indemnizações que correspondam, directa ou indirectamente, à contrapartida devida pela realização de uma actividade económica, isto é, que visem remunerar a transmissão de bens ou a prestação de serviços; (ii) Se as indemnizações sancionarem a lesão de qualquer interesse sem carácter remuneratório porque não remuneram qualquer operação, antes se destinam a reparar um dano, não são tributáveis em IVA, na medida em que não têm subjacente uma transmissão de bens ou uma prestação de serviços; (iii) No âmbito de um contrato de locação financeira, as indemnizações pagas pelas seguradoras e destinadas a compensar os danos causados pela perda dos veículos automóveis, em caso de acidente, porque não assumem a natureza de contraprestação pela transmissão de um bem ou prestação de um serviço (arts. 1º, n.º 1, 4º, n.º 1 e 16º, n.º 6, alínea a), do CIVA), nem visam suportar lucros cessantes das recorridas, devem considerar-se excluídas da incidência de IVA. (iv) As indemnizações pagas pelo locatário à locadora, traduzidas no pagamento de eventuais rendas vencidas e respectivos juros, porque radicam no cumprimento de obrigações contratualmente assumidas, tendo estes contratos a natureza de contratos de prestação de serviços, tais quantias representam, ainda, contraprestações de operações tributáveis em IVA; (v) No caso de perda total por sinistro dos veículos objecto de contrato de locação financeira, não pode a AT pretender que a locadora devia ter liquidado imposto sobre a totalidade dos montantes das rendas vincendas e do valor residual dos veículos, mesmo na parte em que esses montantes não foram efectivamente cobrados aos locatários, por os veículos estarem a coberto de contrato de seguro e, por isso, o respectivo valor lhe ter sido directamente pago pelas seguradoras e, nessa medida, reduzida a contraprestação devida pelo locatário. No mesmo sentido, vejam-se, ainda os Acórdão do STA de 11/10/2023, proferido no processo n.º 0130/08.0BELRS e o Acórdão de 08/11/2023, proferido no processo n.º 02622/07.0BELSB. Em face do exposto, concluiu-se que no caso de perda total, por sinistro, dos veículos objeto de contrato de locação financeira, a Autoridade Tributária e Aduaneira não pode exigir que a Locadora liquide IVA, sobre o valor recebido diretamente da Seguradora para ressarcir a perda integral do veículo. Desta forma, na situação em que é acionado o seguro e a seguradora paga diretamente à Locadora (nada recebendo esta do Locatário), não encontra previsão no disposto na alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do Código do IVA, pelo que as liquidações impugnadas devem ser anuladas. * Em caso de anulação das liquidações, o Recorrente pede a condenação não pagamento de juros indemnizatórios, na medida em que efetuou o pagamento das liquidações. Apreciando. Relativamente a este aspeto, o artigo 43.º da Lei Geral Tributária, refere: Artigo 43.º (Pagamento indevido da prestação tributária) 1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido. (…) 4 - A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios. Conforme dado por assente na alínea F) do probatório, as liquidações impugnadas foram integralmente pagas pelo Impugnante. Ora, o “erro imputável aos serviços” que o preceito menciona, refere-se ao erro sobre os pressupostos de facto ou erro de direito, imputável à Administração Tributária. Na situação em apreço, ocorreu erro de direito, na medida em que a situação foi juridicamente enquadrada de modo errado, conforme acima referido. Desta forma, pode dizer-se que ocorreu erro imputável aos serviços, na medida em que foram efetivamente os serviços que efetuaram o respetivo enquadramento jurídico errado, que originou as liquidações impugnadas. Assim, tem o Impugnante direito à concessão de juros indemnizatórios, calculados desde a data de pagamento, mencionada na alínea F) do probatório, à taxa legal prevista para os juros compensatórios. * Em face do exposto, o recurso merece provimento, com a inerente revogação da sentença recorrida e consequente anulação das liquidações de IVA impugnadas. * No concerne às custas deste recurso, atenta a procedência do recurso, a revogação da sentença e ao facto de a Impugnação ser julgada procedente, assim como a Recorrida não ter contra-alegado, ficam as custas a cargo desta na 1.º e na 2.º instância, sem prejuízo de não ser devida taxa de justiça nesta instância de recurso, por não ter contra-alegado – vide artigos 527.º, nos. 1 e 2 e 529.º, n.º 2 do Código de Processo Civil e Acórdão deste TCA Norte de 30/09/2021, processo n.º 00378/06.2BECBR, disponível em www.dgsi.pt. ** Nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do Código de Processo Civil, elabora-se o seguinte sumário: No caso de perda total, por sinistro, dos veículos objeto de contrato de locação financeira, a Autoridade Tributária e Aduaneira não pode exigir que a Locadora liquide IVA, sobre o valor recebido diretamente da Seguradora, para ressarcir a perda integral do veículo. * * Decisão Termos em que, acordam em conferência, os juízes da Subsecção Tributária Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, julgar a impugnação procedente, anulando as liquidações impugnadas e conceder a atribuição de juros indemnizatórios. * * Custas a cargo da Recorrida, na 1.ª e na 2.ª instância, não sendo devida taxa de justiça nesta instância de recurso, por não ter contra-alegado. * * Porto, 30 de abril de 2025. Paulo Moura Cristina da Nova Carlos de Castro Fernandes, em substituição por ausência da 2.ª Adjunta | ||||||||||||||||||||