Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00593/15.8BEPRT-A |
Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
Data do Acordão: | 05/23/2024 |
Tribunal: | TAF do Porto |
Relator: | ISABEL CRISTINA RAMALHO DOS SANTOS |
Descritores: | EXECUÇÃO DE JULGADOS; EMISSÃO DA NOTA DE CRÉDITO; JUROS INDEMNIZATÓRIOS; |
Sumário: | I- Com a emissão da nota de crédito é apurado o valor a restituir conforme expressamente determinou o legislador; II- O art.º 43º nº 5 da LGT, relativo aos juros de mora, consagra como termo do prazo do cômputo dos mesmos a data da emissão da nota de crédito relativo ao imposto a restituir. Independentemente das vicissitudes ocorridas na emissão do meio de pagamento, os juros indemnizatórios têm de ser pagos até à emissão da nota de crédito e não até ao momento do pagamento do valor a receber.* * Sumário elaborado pela relatora (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
Votação: | Unanimidade |
Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. RELATÓRIO «AA», veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 27-06-2023, que julgou improcedente o pagamento de juros indemnizatórios e de mora, no total de €131.873,65. Nas suas alegações, o Recorrente concluiu nos seguintes termos: Quanto aos juros indemnizatórios 1. A Sentença é ilegal, por violação e errada interpretação e aplicação do art. 43.º e 100.º, n.º 1, da LGT e do art. 61.º, n.º 8, do CPPT. 2. Ainda que a Sentença no processo principal não o declare, o recorrente tem direito a juros indemnizatórios, pois tal obrigação decorre da lei (art. 100.º, n.º 1, da LGT e art. 61.º, n.º 8, do CPPT): em execução espontânea de julgados, a AT tem de os pagar ao contribuinte (pois rege-se apenas por critérios de legalidade); se o não fizer, podem ser exigidos (e determinados) em ação judicial de execução de julgados – como sucede nestes autos. 3. A jurisprudência alinha no mesmo diapasão: Ac. TCA Sul (proc. 7462/02, 18/3/2003); Ac. do Pleno do STA (proc. 0463/03, 10/3/2004); e Ac. STA (proc. 0250/17, 3/5/2018). 4. As partes estão de acordo e não discutem os requisitos materiais do direito a juros indemnizatórios (e, por isso, escapam ao objeto do processo): pagamento de dívida fiscal, depois anulada; erro imputável aos serviços – e verificam-se ambos nos autos. 5. Quanto ao cálculo dos juros indemnizatórios (cujo cálculo não foi contestado pela AT): entre a propositura da ação principal (9/7/2013), e integral devolução no futuro, com base no valor indicado na Sentença do processo principal (334.702,76€), à taxa legal anual de 4% (art. 43.º, n.º 4 e art. 35.º, n.º 10, da LGT); o que perfaz, até 9/3/2023 (por volta da entrada da PI) – 9 anos e 8 meses (129.418,39€), acrescido de juro de 36,37€/dia, desde 10/3/2023 até total pagamento (13.388,11€ (juro anual) / 365 dias). Quanto aos juros de mora 6. Há factos relevantes, provados por documento (doc. 3 e 4 da PI), não contestados pela AT, e desconsiderados na Sentença – e, se atendidos, determinariam diversa decisão. 7. Ocorreu intervalo temporal significativo, entre a emissão da nota de crédito (15/11/2022) e o pagamento efetivo (11/1/2023), porque a AT enviou o cheque para morada errada – para o ..., quando o recorrente vive em ..., que, por isso, as verbas não lhe ficaram à disposição; e quando constatou o erro da AT, informou o Fisco imediatamente, e mal recebeu o cheque, deu entrada na sua conta bancária. 8. O atraso no pagamento das quantias ao recorrente (entre 15/11/2022 e 11/1/2023) devese, exclusivamente, a atos imputáveis à AT: por erro, a AT enviou a missiva para morada errada (e o Fisco conhece as moradas fiscais dos contribuintes). 9. Por razões de simplicidade e normalidade, o art. 43.º, n.º 5, LGT contém presunção: de facto conhecido (emissão de nota de crédito) infere-se facto desconhecido (pagamento das quantias ao contribuinte), estando ambos em relação causal íntima (apenas sujeita a atos materiais, de receção de notificação) e, por regra, medeiam muito poucos dias entre ambos (com desprezível contagem de juros por esse prazo). 10. No caso dos autos, o recorrente provou que houve um atraso significativo (quase 2 meses) entre a emissão da nota de crédito e o pagamento; e tal ficou-se a dever, não a situações normais do sistema (envio do correio) ou culpa do credor, mas apenas a factos imputáveis ao devedor, Estado (errou no endereço da carta com o cheque). 11. O recorrente elidiu a presunção legal do art. 43.º, n.º 5, da LGT: e tem direito a juros moratórios, de 15/11/2022 a 11/1/2023. 12. O art. 43.º, n.º 5, da LGT deve ser interpretado no sentido de que se o recorrente provar, como provou, que houve demora temporal injustificada entre a emissão da nota de crédito e o pagamento efetivo, por comportamento unicamente imputável ao devedor (Estado), com o é o caso, então são devidos juros de mora, contados não até à emissão da nota de crédito (15/11/2022), mas até ao pagamento (11/1/2023). 13. A favor desta asserção milita a interpretação teleológica da lei – que visa “pressionar” o devedor (AT) ao cumprimento imediato de Sentenças; e se assim não fosse, ocorreria ilegal prémio ao devedor que afinal não paga atempadamente o indicado na Sentença, por atos (de atraso) que lhe são unicamente imputáveis, 14. Que se configuraria num claro abuso de direito, em venire contra factuam proprium, pois a lei que visa pressionar o devedor a pagar atempadamente, dava-lhe afinal proteção, não obstante o atraso ser unicamente imputável ao Estado. 15. Quanto ao cálculo dos juros de mora (cujo cálculo não foi contestado pela AT): (i) entre 15/11/2022 (fim do prazo de execução espontânea da Sentença) e 11/1/2023 (efetivo recebimento pelo recorrente); (ii) à taxa legal, em 2022, de 9,02%/ano e em 2023, de 11,994%/ano; (iii) em 2022, houve mora de 46 dias e em 2023, houve mora de 11 dias; (iv) o que perfaz o valor, em 2022, 1.863,00€ ([163.903,49€ x 9.02%] / 365, que dá juro diário de 40,50€ e multiplicado por 46 dias, dá 1.863,00€; e em 2023, o valor dos juros de mora é 592,35€ ([163.903,49€ x 11,994%] / 365, que perfaz o juro diário de 53,85€; e multiplicado por 11 dias, dá 592,35€. 16. É admissível a cumulação de juros indemnizatórios com juros moratórios, sobre a mesma quantia no mesmo tempo (Ac. Pleno do STA de 7/6/2017, proc. 0279/17). 17. Donde, como a AT, no dia 11/1/2023, não pagou os juros de mora ao recorrente de 2.455,35€ (1.863,00€ + 592,35€), sobre essa verba são devidos juros indemnizatórios, desde 12/1/2023 até integral devolução – a um juro de 0,26€/dia (2.455,35€ / 365), à taxa de 4%/ano, como atualmente) – cujo cálculo não foi contestado pela AT. 18. Estes juros são devidos, por imposição legal (art. 43.º da LGT) e por lógica: a) se assim não fosse, o Fisco teria claro incentivo em não pagar atempadamente os juros (juntamente com o capital) porque não teria qualquer dano financeiro; b) E o juro indemnizatório consiste numa compensação de terceiro (recorrente) por força do valor do dinheiro em face da não disponibilização atempada ao contribuinte. Termos em que se solicita: a) A procedência total deste recurso b) Com a anulação da Sentença recorrida, por violação de facto e de direito c) Com a condenação do Estado (Autoridade Tributária e Aduaneira) ao pagamento ao recorrente de juros indemnizatórios no valor de 129.418,39€ calculados até 9/3/2023 e daí em diante, de 36,37€/dia, a partir de 10/3/2023 até integral devolução d) Com a condenação do Estado (Autoridade Tributária e Aduaneira) ao pagamento ao recorrente de juros de mora (art.º. 43.º, n.º 5, da LGT), no valor de 2.455,35€, e) e de juros indemnizatórios sobre a mora, desde 12/1/2023, até integral reembolso, no valor de 0,26€/dia A Recorrida Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou as seguintes contra-alegações: 1. Por via da dedução do presente Recurso, pretende o Recorrente reagir contra a Sentença que determinou improcedente os seus pedidos do pagamento de ○ Juros indemnizatórios após o reembolso de IVA devida e até data incerta no futuro; ○ Juros de mora desde a data de emissão da nota de crédito até ao seu efetivo recebimento, acrescidos de juros indemnizatórios pelo não pagamento dos mesmos. 2. A sentença da ação principal condenou a Recorrida “a proceder ao pagamento à Autora dos juros indemnizatórios devidos, nos termos do aqui peticionado”. 3. Sendo que “o peticionado” correspondia ao pagamento de juros indemnizatórios desde 2002-03-01 “até integral reembolso” do IVA indevidamente pago, conforme se pode verificar tanto na Sentença da ação principal (cfr. página 1 da mesma) como nas Alegações de Recurso (cfr. ponto II.1.2). 4. Reembolso esse que, conforme dado como provado pelo Tribunal, ocorreu a 2013-0709 (cfr. ponto IV. 5 da Sentença). 5. O Recorrente sustenta que o período de contagem dos juros indemnizatórios “vai desde a data da propositura da ação principal (9/7/2013) (...) até integral devolução no futuro”. 6. O que não se compreende, uma vez que com o reembolso do IVA por parte da Recorrida a 2013-07-09, consubstanciou-se, assim, esta data como o término da contagem de juros indemnizatórios. 7. A própria sentença da ação principal considerou como pago o reembolso do IVA, pelo que não existe qualquer capital em dívida na referida data sobre o qual possam correr juros indemnizatórios. 8. Não assistindo, assim, qualquer razão ao Recorrente em peticionar o pagamento de juros indemnizatórios após a data do reembolso. 9. O prazo para a Recorrida executar espontaneamente a sentença da ação principal (através do pagamento destes juros indemnizatórios) terminava a 2022-11-15. 10. A Recorrida procedeu ao pagamento destes juros indemnizatórios emitindo uma nota de crédito (através de um cheque) no dia 2022-11-15. 11. O Recorrente peticiona juros de mora desde 2022-11-15 a 2023-01-11, intervalo de tempo decorrido desde a emissão da nota de crédito até à data em que este de facto a recebeu, com base no artigo 43.º, n.º 5 da LGT. 12. Preceito este que se refere, ipsis verbis, ao “período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito (...)”. 13. Para tanto, o Recorrente fundamenta esta pretensão numa interpretação extensiva e teleológica da lei, tentando fazer operar uma presunção legal cujos factos necessários ao seu preenchimento não foram tidos em conta pelo Tribunal a quo. 14. Esta interpretação do n.º 5 do artigo 43.º, conforme se demonstrou, não tem cabimento nas regras de interpretação da lei, na jurisprudência ou na doutrina. 15. O teor literal do preceito em causa determina claramente que o momento relevante para os juros de mora é o da emissão da nota de crédito, à qual a Recorrida procedeu dentro do prazo estabelecido. 16. Não havendo, assim, também lugar ao pagamento de juros de mora, nem dos juros indemnizatórios pelo não pagamento dos anteriores, conforme peticionado pelo Recorrente. 17. Pelo exposto, deve a sentença em causa ser mantida na ordem jurídica. Termos em que, por todo o exposto supra e sempre com o douto suprimento de V.Exas, não deve ser dado provimento ao recurso interposto, mantendo-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo. Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso (Fls 142 do sitaf). Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cfr. artigo 657.º n.º 4 do Código de Processo Civil, submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso. II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR A questão suscitada pelo Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respetivas conclusões (vide artigos 635.º, n.º 4 e 639.º CPC, ex vi alínea e) do artigo 2.º, e artigo 281.º do CPPT) é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito. III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO III.A. O Tribunal recorrido julgou provada a seguinte matéria de facto: 1. «AA» intentou acção administrativa especial contra o despacho de indeferimento do pedido de juros indemnizatórios relativos ao pedido de reembolso do período de 2001/09, peticionando “a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios desde 1.03.2002 até integral reembolso e se assim não for entendido ser ordenada a devolução do montante de capital em falta acrescido dos juros desde o dia 12.07.2013” – cfr. fls. 13 do SITAF, do processo de impugnação n.º 593/15.8BEPRT apenso aos presentes autos. 2. No âmbito da acção administrativa especial a que se alude em 1., foi proferida decisão em 19.07.2022, transitada em julgado em 30.09.2022, de onde decorre o seguinte: “IV – Matéria de facto Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, consideram-se provados os seguintes factos: (…) 5. Na sequência do deferimento do reembolso, em 9.07.2013 foi pago o montante de €306.727,92, por meio de transferência desse montante para conta do Banco 1... em 12.07.2013, tendo o remanescente sido aplicado por compensações – cfr. fls. 22 e 31 do processo de RH junto aos autos. (…) VI – Decisão Nos termos e pelos fundamentos expostos, condeno a Entidade Demandada a proceder ao pagamento à Autora dos juros indemnizatórios devidos, nos termos do aqui peticionado.” – cfr. fls. 13 do SITAF, do processo de impugnação n.º 593/15.8BEPRT apenso aos presentes autos. 3.Em 8.11.2022 foi emitido despacho para restituição do montante de €163.903,49 e emitido cheque em 15.11.2022, em nome de [SCom01...], no montante de €163.903,49 – cfr. fls. 47 do SITAF. 4. Em 6.01.2023, a Direcção de Serviços de Reembolsos remeteu a «AA» o ofício n.º ...8, remetendo o cheque a que se alude em 3. – cfr. fls. 48 e 49 do SITAF 5. «AA» recebeu em 11.01.2023 o cheque a que se alude em 3. – por acordo – cfr. artigo 48. da petição inicial e artigo 7.º da oposição. *** Não se mostram provados outros factos, além dos supra referidos, relevantes para a boa decisão da causa. ** Motivação da decisão de facto O Tribunal considerou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, que não foram impugnados, assim como, na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados [cfr. artigo 74º da Lei Geral Tributária (LGT)], também são corroborados pelos documentos juntos, cfr. predispõe o artigo 76º n.º 1 da LGT e artigo 362º e seguintes do Código Civil. O facto que decorre do ponto 3) da factualidade assente resultou do documento junto aos autos pela AT, nomeadamente print informático do sistema do SIVA. Isto porque, considera o Tribunal que o print informático junto aos autos consubstancia prova documental idónea a criar a segura convicção de que o despacho de restituição do montante de €163.903,49 foi emitido naquela data, na medida em que gozando as informações oficiais da AT de boa fé, goza o print informático em questão, que reproduz informação da AT, da mesma força probatória, ao abrigo do disposto no artigo 34.º e artigo 60.º A, ambos da LGT. Acresce que, apesar de não beneficiar a informação disponibilizada de força probatória plena, o interessado poderia ter suscitado dúvidas fundadas sobre tal para obter uma decisão favorável, não tendo de provar o contrário. Neste sentido vide, Acórdão do TCA Sul de 07.04.2022, proc. 986/11 e Acórdão do mesmo Tribunal de 09.05.2002, proc. 5019/01. No entanto, apesar do Executado ter vindo impugnar tal documento, não logrou suscitar dúvidas fundadas, uma vez que, do sobredito documento decorrem dados passiveis de serem relacionados com a questão a decidir nos presentes autos, nomeadamente a data do despacho que determinou a restituição do montante em questão nos presentes autos, que o mesmo respeita a pagamento de juros compensatórios, a identificação do sujeito passivo, o valor do cheque. Ademais, a questão controvertida não contende com o momento da emissão da nota de crédito, mas sim, com o momento em que se considera o julgado cumprido. IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 281.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvandose as questões de conhecimento oficioso. No caso em apreço, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou improcedente a ação de execução de julgados e o pagamento de juros indemnizatórios e de mora, no total de €131.873,65. Ponderando as alegações de recurso cumpre ao Tribunal aferir se o tribunal a quo: - Incorreu em erro de julgamento de facto e de direito - errou na análise da prova (não atendendo a factos provados no processo com relevância para a decisão) e na interpretação e aplicação do direito (art.43º e 100.º nº1 da LGT e art. 61.º, n.º 8, do CPPT), Do erro de julgamento de facto Entende a Recorrente que: “Há factos relevantes, provados no processo e desconsiderados na Sentença – que, se atendidos, determinariam uma decisão diversa da emanada na Sentença recorrida. Como decorre da análise dos doc. 3 e 4 com a PI: a) em 15/11/2022, a AT emitiu a nota de crédito e cheque; b) mas enviou o cheque, por correio dos CTT, para o ... e em nome de [SCom01...], SA (IQB) – quando o recorrente vive em ... e é pessoa distinta da IQB; c) por isso, o recorrente não recebeu essa missiva (nem o pagamento) – dando disso nota a AT, mal o constatou; d) posteriormente, a AT enviou o cheque para a sua morada em ..., sendo apenas recebido e depositado pelo recorrente em 11/1/2023 (mal o recebeu). A Sentença não atende a estas circunstâncias factuais – em concreto ao tema b), c) e d) supra – que estão provadas por documento, na troca de mails entre as partes (doc. 3 e 4 da PI) e porque a AT não as refuta no processo. Estes factos são determinantes para a justa e correta decisão, como se verá de seguida: onde se conclui que o atraso no pagamento das quantias ao recorrente (entre 15/11/2022 e 11/3/2023) – se fica a dever, exclusivamente, a atos imputáveis à AT: por erro da AT, enviou a missiva para morada errada, tanto mais que a AT, pelas informações oficiais, conhece as moradas fiscais dos contribuintes.” Nos recursos apenas se impõe tomar posição sobre as questões que sejam processualmente pertinentes/relevantes (suscetíveis de influir na decisão da causa), nomeadamente no âmbito da matéria de facto. Com efeito, de acordo com os princípios da utilidade e pertinência a que estão submetidos todos os atos processuais, o exercício dos poderes de controlo sobre a decisão da matéria de facto só é admissível se recair sobre factos com interesse para a decisão da causa, segundo as diferentes soluções plausíveis de direito que a mesma comporte (cfr. arts. 6.º, n.º 1, 30.º, n.º 2, e 130.º, do CPC). O que o recorrente aqui pretende é que sejam aditados factos, para ele relevantes, mas no sentido de lhe serem incluídos juros pelo atraso do pagamento das quantias ao recorrente entre 15-11-2022 e 11-03-2023 por erro no envio da missiva para a morada errada. No entanto tal não consubstancia diferente solução plausível de direito e já consta do probatório que o recorrente apenas recebeu o reembolso das quantias em 11/1/2023. Assim sendo não se irá proceder a qualquer aditamento de factos. Do erro de julgamento de direito Alega o recorrente que a Sentença é ilegal, por violação do art.º 43.º e 100.º, n.º 1, da LGT e do art.º 61.º, n.º 8, do CPPT. Pois apesar de entender o raciocínio literal da sentença sob recurso, “(…) A teleologia dos juros de mora do art. 43.º, n.º 5, da LGT é “forçar” a AT a cumprir pontual e espontaneamente as Sentenças (obediência do poder executivo ao poder judicial), cominando o atraso com uma taxa de juro “penalizadora”. É verdade que os juros de mora se contam entre o termo do prazo de execução espontânea da Sentença (transitada em julgado) e a data da emissão da nota de crédito (art. 43.º, n.º 5, da LGT e também art. 102.º, n.º 2, da LGT). É verdade, igualmente, que o termo do prazo de execução espontânea da Sentença ocorreu em 15/11/2022; e que a nota de crédito foi passada em 15/11/2022.(…)”, entende que, como está provado na Sentença, que o recorrente apenas recebeu o reembolso das quantias em 11/1/2023 – passados quase 60 dias e como entre a emissão da nota de crédito e recebimento efetivo se ficou a dever a comportamento unicamente imputável ao devedor (à AT), assiste-lhe o direito a juros de mora desde 15-11-2022 e 11-01-2023, conforme se extrata das suas alegações: ”(…) Quer dizer: o contribuinte provou que houve atraso de quase 2 meses entre a emissão da nota de crédito e o pagamento do valor, não por situações usuais do sistema (envio do correio) ou por culpa do credor (se tivesse recebido o cheque, mas sem o depositar no Banco), mas por factos unicamente imputáveis ao devedor, Estado (errou no endereço da carta contendo o cheque). O recorrente elidiu, assim, a presunção legal: e tem direito a juros moratórios, de 15/11/2022 a 11/1/2023. O art. 43.º, n.º 5, da LGT deve ser interpretado no sentido de que se o contribuinte provar, como provou, que houve demora temporal injustificada entre a emissão da nota de crédito e o pagamento efetivo, por comportamento unicamente imputável ao devedor (Estado), como é o caso, então são devidos juros de mora, contados não até à emissão da nota de crédito (15/11/2022), mas até ao pagamento (11/1/2023), (i) por interpretação teleológica da lei (…)”. Desde já se diga que esta tese do recorrente não tem acolhimento. Vejamos. Resulta dos autos que a AT executou a sentença tal como tinha sido compelida a fazê-lo: “Na sequência do deferimento do reembolso, em 9.07.2013 foi pago o montante de €306.727,92, por meio de transferência desse montante para conta do Banco 1... em 12.07.2013, tendo o remanescente sido aplicado por compensações”, tendo sido decidido a final que “Nos termos e pelos fundamentos expostos, condeno a Entidade Demandada a proceder ao pagamento à Autora dos juros indemnizatórios devidos, nos termos do aqui peticionado.” – cfr. ponto 2) da factualidade assente. e procedeu à emissão da nota de crédito. Foram determinados juros indemnizatórios contabilizados desde 1.03.2002 até 9.07.2013, ou seja, até à data da efetivação do reembolso de IVA em questão. Em consonância com o que se explicita no acórdão de 04-04-2024 proferido no Proc. 3092/15.4 BELRS de onde se extrata o seguinte: “(…) No caso de procedência, total ou parcial, de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, a Administração Tributária está obrigada à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido praticada a ilegalidade, compreendendo esta reconstituição «o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei» (artigo 100.º da LGT). Relativamente ao período que medeia entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, quanto ao imposto que deveria ter sido restituído por tal decisão judicial transitada em julgado, «são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas» (artigo 43.º, n.º 5, da LGT). Os juros indemnizatórios «são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito, em que são incluídos» (artigo 61.º, n.º 5, do CPPT) A propósito da cumulação de juros indemnizatórios e de juros de mora, refere-se que «o legislador, no artigo 100.º ao dizer que há lugar a juros indemnizatórios, na sequência de decisões favoráveis ao contribuinte nos processos impugnatórios que nele se indicam, após o termo do prazo de execução espontânea não incorreu em qualquer lapso, antes manifestou uma intenção reiteradamente assumida. Naquele art.º 100.º não se disse algo que não se pretendida legislativamente, antes se disse menos do que pretendia, ao não fazer referência a juros indemnizatórios relativos ao período entre o pagamento indevido e o termo do prazo da execução espontânea. // É com este pressuposto de que os juros indemnizatórios, nos casos de procedência do processo impugnatório com fundamento em erro imputável aos serviços, abrangem todo o período que vai do pagamento indevido, até à emissão da nota de crédito, nos termos do art.º 61.º, n.º 3, do CPPT, que tem de ser analisada a questão dos juros de mora. // [É] também de ter como pressuposto que não há cumulação de juros moratórios e indemnizatórios relativamente ao mesmo período de tempo, pois não se pode justificar uma dupla compensação pela mesma privação da disponibilidade da quantia indevidamente paga». Não convencido com o decidido pela sentença sob recurso, pretende o Recorrente que lhe sejam atribuídos juros de mora e demais juros indemnizatórios atendendo à data de recebimento efetivo do montante devido, ou seja, em 11/01/2023. Alega o recorrente que o art.º 43º nº 5 da LGT deve ser interpretado no sentido de que se o contribuinte provar, como provou, que houve demora temporal injustificada entre a emissão da nota de crédito e o pagamento efetivo, por comportamento unicamente imputável ao devedor (Estado), como é o caso, então são devidos juros de mora, contados não até à emissão da nota de crédito (15/11/2022), mas até ao pagamento (11/1/2023) Ora, dispõe o n.º 5 do artigo 43.º da LGT que “No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora (…)”. Não resulta do preceito transcrito que haja lugar a interpretação ou funcionamento de qualquer presunção, tal como pretendido pelo recorrente, que permita o pagamento de juros até ao efetivo pagamento. Conforme jurisprudência pacífica a aplicação de juros de mora apenas está prevista até à data de emissão da nota de crédito e funciona como sanção pelo incumprimento do julgado exequendo. Como se transcreve do Acórdão do STA, de 26-05-2022, p. 01611/11.4BELRSA, consignou-se que: «[n]os termos do artº.100, da L.G.Tributária, em virtude da procedência total ou parcial de impugnação a favor do sujeito passivo, a A. Fiscal está obrigada à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto objecto do litígio, tal dever compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios ou moratórios, se for caso disso, computados a partir do termo do prazo da execução espontânea da decisão. // Os juros indemnizatórios correspondem à concretização de um direito de indemnização que tem raiz constitucional. Com efeito, no art.º 22, da Constituição da República Portuguesa, estabelece-se que o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte a violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem. O artº.43, da L.G.T., estabelece o regime geral do direito a juros indemnizatórios. // No que se refere aos juros de mora, estipula o artº.102, nº.2, da L.G.T., que em caso de a sentença implicar a restituição do tributo já pago, serão estes devidos, a pedido do contribuinte, a partir do termo do prazo da sua execução espontânea. A previsão de juros moratórios a favor do contribuinte é uma inovação da Lei Geral Tributária que até então não existia. // Face ao preceituado no artº.43, nº.5, da L.G.T., na redacção da Lei 64-B/2011, de 30/12, é admissível a atribuição cumulativa de juros indemnizatórios e de juros moratórios, calculados nos termos deste preceito legal, sobre a mesma quantia e relativamente ao mesmo período de tempo, sendo essa a posição já expendida por este Tribunal». No aresto citado, referiu-se ainda o seguinte: «Com a entrada em vigor do aludido artº.43, nº.5, da L.G.T., aditado pela Lei 64-B/2011, de 30/12 (OE 2012), passou o legislador a prever um regime de natureza excepcional para a dívida de juros de mora, os quais devem ser computados a partir do termo do prazo de execução espontânea da decisão judicial transitada em julgado e até à data da emissão da nota de crédito respectiva, a uma taxa equivalente ao dobro da definida na lei geral para os juros de mora a favor do Estado, regime este que deve ser concatenado com o artº.102, nº.2, da L.G.T. (....). // Ou seja, o legislador ao elevar para o dobro a taxa dos juros de mora devidos pelo contribuinte (cfr.artº.44, nº.3, da L.G.T., na redacção da Lei 64-B/2011, de 30/12) e ao instituir a obrigação do pagamento de juros de mora, a favor do contribuinte, a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas (cfr.artº.43, nº.5, da L.G.T., na redacção da mesma Lei 64-B/2011, de 30/12), sendo que incluiu tal obrigação de pagamento de juros de mora no preceito legal que dispõe sobre os juros indemnizatórios também a favor do contribuinte, não pretendeu, claramente, estabelecer um regime legal em que os juros indemnizatórios e moratórios fossem alternativos ou que mutuamente se excluíssem. Antes pretendeu instituir uma sanção para as situações de incumprimento grave. Pelo que, a instituição do mecanismo dos juros de mora a favor do contribuinte é uma opção de política legislativa reflexa daquela que se encontra prevista no citado artº.44, nº.3, da L.G.T., destinando-se a garantir um princípio de igualdade e de reciprocidade nas relações entre os sujeitos da relação jurídica tributária. Isto é, a atribuição de juros de mora agravados, nesta específica situação, tem afinidade funcional com a sanção pecuniária compulsória, prevista no artº.169, do C.P.T.A., para impor à Administração a execução das decisões judiciais e não identidade teleológica com os juros indemnizatórios, sendo estas diferentes finalidades que permitem justificar a sua cumulação (…). // Em conclusão, face ao preceituado no artº.43, nº.5, da L.G.T., na redacção da citada Lei 64-B/2011, de 30/12, é admissível a atribuição cumulativa de juros indemnizatórios e de juros moratórios, calculados nos termos deste preceito legal, sobre a mesma quantia e relativamente ao mesmo período de tempo, sendo essa a posição já expendida por este Tribunal (cfr.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 7/06/2017, rec.279/17; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 1/02/2017, rec.285/16)» Ora, volvendo ao caso concreto, entendemos que, é com a emissão da nota de crédito que é apurado o valor a restituir e esta serve como referência, tal como o legislador o expressamente determinou, para que sejam calculados juros indemnizatórios e juros de mora, logo não se confunde com a efetivação do pagamento. Especificamente quanto aos juros de mora o termo do cômputo destes termina na emissão da nota de crédito. Assim, com a nota de emissão de crédito é calculado o valor a restituir e a partir daqui efetua-se o reembolso do imposto, podendo ser efeituado por cheque, vale postal ou transferência. No fundo o que está previsto na lei é que tendo a AT cumprido o julgado dentro do prazo de execução da sentença, emitindo a competente emissão de nota de crédito (onde se incluem o pagamento de juros que são contabilizados ate ai e não até ao momento do integral pagamento) e emitindo o cheque ou outro meio de pagamento, tudo dentro do prazo do cumprimento do prazo, nada mais tem direito o recorrente. Não se vislumbra também em como poderia consubstanciar abuso de direito, como alegado pelo Recorrente e desconhece-se qualquer presunção legal quanto ao disposto no art.º 45º nº 2 da LGT. A norma é clara: o cálculo de juros é efetuado até á emissão da nota de crédito e não está sujeita a qualquer ónus de prova, funcionando, como sanção para a AT cumprir o julgado. Não obstante constar da sentença que o Recorrente apenas recebeu o valor em 11-012023, os juros indemnizatórios só são pagos até á data de emissão da nota de crédito e não ao momento do efetivo pagamento. Os juros de mora apenas são estabelecidos, como supra se referiu pelo atraso de cumprimento do julgado. No caso dos autos, tal como resulta do probatório, a ação administrativa transitou em 3009-2022 pelo que deveria ser cumprida em 15-11-2022 (atendendo a que estamos perante um prazo procedimental contado à luz do que estatui o artigo 87.º do CPA) tendo sido determinado por despacho de 08-11-2022 a restituição do montante e emitido o cheque em 15-11-2022 o julgado foi cumprido dentro do prazo que a aqui recorrida tinha para o efeito. Assim sendo, entendemos que bem andou a sentença ao improceder o alegado quanto aos juros de mora peticionados, assim como o peticionado quanto aos juros indemnizatórios que seriam calculados sobre os juros de mora. Pelo exposto, e ao contrário do alegado pelo recorrente, a sentença a quo, não violou, por erro de interpretação e aplicação, as disposições dos art.º 43.º e 100.º, n.º 1, da LGT e do art.º 61.º, n.º 8, do CPPT. * Atenta a improcedência do recurso, as custas ficarão a cargo do Recorrente – artigo 527.º, nos. 1 e 2, e 529.º, n.º 1 do Código de Processo Civil e art.º 7.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais. ** Nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do Código de Processo Civil, elabora-se o seguinte sumário: I- Com a emissão da nota de crédito é apurado o valor a restituir conforme expressamente determinou o legislador; II- O art.º 43º nº 5 da LGT, relativo aos juros de mora, consagra como termo do prazo do cômputo dos mesmos a data da emissão da nota de crédito relativo ao imposto a restituir. III- Independentemente das vicissitudes ocorridas na emissão do meio de pagamento, os juros indemnizatórios têm de ser pagos até à emissão da nota de crédito e não até ao momento do pagamento do valor a receber. ** V. DECISÃO Face ao exposto, acorda-se em conferência na Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: a) Negar provimento ao recurso, manter a sentença recorrida. b) Custas pelo Recorrente. Porto, 23 de maio de 2024 Isabel Ramalho dos Santos (Relatora) Paulo Moura (1.º Adjunto) Serafim José da Silva Fernandes Carneiro (2.º Adjunto) |