Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00531/20.6BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/11/2024
Tribunal:TAF do Porto
Relator:MARIA CLARA ALVES AMBROSIO
Descritores:NOTA JUSTIFICATIVA DE CUSTAS DE PARTE;
CUSTAS PROCESSUAIS;
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA SOBRE CUSTAS; TRÂNSITO EM JULGADO;
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Urgente - Contencioso pré-contratual (arts. 100º e segs. CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção Administrativa, subsecção de Contratos Públicos, do Tribunal Central Administrativo Norte,

I – Relatório
Nos presentes autos intentados por [SCom01...], S.A. ([SCom01...]) contra o MUNICÍPIO ... (MUNICÍPIO) e o Banco 1..., S.A. (BANCO), em que foi requerida a Providência Cautelar de Intimação de Abstenção de Comportamento e que o Tribunal a quo indeferiu, foi proferido Acórdão por este TCAN em 18/9/2020, que concedeu provimento ao recurso jurisdicional interposto pela [SCom01...] e, em consequência, anulou o despacho intercalar e a sentença recorridos, determinando a baixa dos autos de modo a sanarem-se as nulidades processuais suscitadas, com custas pelo recorrido/MUNICÍPIO.
Notificado às partes o Acórdão por ofício datado de 21/9/2020, veio a [SCom01...] em 30/9/2029 e o BANCO em 8/10/2020 remeter aos autos nota discriminativa e justificativa das custas de parte.
Em 12/10/2020 o MUNICÍPIO apresentou reclamação quanto à nota discriminativa e justificativa de custas de parte apresentada pela [SCom01...], tendo pugnado pela procedência da reclamação e, em consequência “ser julgada extemporânea a junção da nota discriminativa e justificativa de custas de parte, apresentada pela requerente, bem como inexigível ao requerido o pagamento do montante, aí, calculado”.
Em 20/10/2020 o Município apresentou reclamação da nota discriminativa e justificativa de custas de parte apresentada pelo BANCO, tendo pugnado pela procedência da reclamação e, em consequência: “a) julgado indevido o montante peticionado a título de custas de parte; ou, subsidiariamente, b) sempre deverá ser considerada extemporânea a sua apresentação pelo requerente, bem como inexigível ao requerido o pagamento do montante, aí, calculado”.
Tendo os autos baixado ao TAF do Porto, em 22/10/2020, foi aí proferido o seguinte despacho: “Em cumprimento do decidido no Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte que antecede, proceda-se à notificação da Requerente para, no prazo de 5 dias: (i) se pronunciar quanto à invocada excepção de caducidade do direito de acção; (ii) querendo, exercer o seu contraditório, quanto à prova documental junta com o processo administrativo apenso aos autos”.
Por requerimento de 23/10/2020, a requerente vem pronunciar-se sobre a reclamação apresentada pelo MUNICÍPIO e requerer que a reclamação da nota discriminativa e justificativa apresentada pelo reclamante seja julgada improcedente, por não provada, com as demais consequências legais.
Por sentença de 27 de Novembro de 2020, o TAF do Porto indeferiu a providência cautelar e condenou a requerente em custas.
A requerente interpôs recurso e por Acórdão deste Tribunal de 19 de Fevereiro de 2021 foi decidido “(i) CONCEDER PROVIMENTO ao recurso interposto do despacho que indeferiu a produção de prova, e, em consequência, anular o todo o processado praticado desde a sua prolação para que sejam realizadas as diligência de prova omitidas oferecidas com vista a possibilitar à Requerente da providência a prova dos factos que alegou com vista à demonstração da invocada situação de abuso de direito, seguidas da oportuna prolação de sentença. (ii) NÃO TOMAR CONHECIMENTO do objeto do recurso interposto da sentença promanada nos autos. Sem custas”
Baixaram os autos à 1ª instância que, após realização de diligências probatórias, proferiu sentença em 26/5/2021, na qual foi indeferida a providência cautelar requerida, com condenação da requerente em custas.
Interposto recurso, foi proferido Acórdão em 13/8/2021 que negou provimento ao recurso e condenou o recorrente [SCom01...] em custas.
Notificado por ofício de 13/8/2021, veio o MUNICÍPIO apresentar nota discriminativa e justificativa das custas de parte (Fls. 2361 SITAF).
Também o BANCO, por requerimento de 3/9/2021, apresentou nota discriminativa e justificativa de custas de parte. (Fls. 2365 SITAF).
Por requerimento de 6/9/2021 também a requerente apresentou nota discriminativa e justificativa das custas de parte.
A [SCom01...] em 13/9/2021 apresentou reclamação da nota apresentada pelo município e pelo banco.
Quanto à nota de custas apresentada pelo MUNICÍPIO ... a Autora argumenta que o Requerido não enviou à Requerente a nota discriminava e justificativa de custas de parte, no prazo de 10 dias previsto no artigo 25.º, n.º 1, do RCP, pelo que, o direito a proceder à liquidação do montante das custas de parte nos presentes autos encontra-se precludido, devendo a nota apresentada nos autos ser objeto de desentranhamento, considerando-se não apresentada; - Para o caso de improceder a extemporaneidade da apresentação da nota de custas de parte, a Requerente invoca erro no cálculo dos montantes apresentados para pagamento, pelas razões apontadas nos pontos 12 a 23 da sua reclamação, concluindo que apenas é devido ao MUNICÍPIO ... a quantia de 1.668,00€, e não o total reclamado, de 5.508,00€, porque não é responsável pelo pagamento de custas de parte no âmbito daqueles recursos, uma vez que o TCAN não a condenou a tal. Mais diz que, quando muito, o Requerido teria direito aos seguintes valores a título de custas de parte: - Rubrica prevista na al. a), do n.º 3, do artigo 26.º, do RCP:306,00€ pagos com a oposição; 806,00€, pagos com as contra-alegações respeitantes ao terceiro recurso, perfazendo um total de € 1.112,00; e -Rubrica prevista na al. c), do n.º 3, do artigo 26.º, do RCP: 1.112,00€, totalizando, 2.224,00€. Porém, e porque a parte vencedora é constituída quer pelo Requerido Município, quer pelo Requerido Banco 1..., de acordo com o disposto no artigo 32.º, n.º 2, da Portaria na quantia respeitante à rubrica prevista na al. c), do n.º 3, do ar go 26.º, do RCP, deverá ser dividida por duas partes, pelo que o Município apenas tem direito à seguinte quantia, a título de custas de parte: - Rubrica prevista na al. a), do n.º 3, do artigo 26.º, do RCP: 306,00€, pagos com a oposição; 806,00€, pagos com as contra-alegações respeitantes ao terceiro recurso, perfazendo um total de 1.112,00€; e - Rubrica prevista na al. c), do n.º 3, do artigo 26.º, do RCP: 1.112,00€/2= 556,00€, totalizando 1.668,00€ e não 5.508,00€, reclamados.
O Ministério Público junto do Tribunal de 1ª instância emitiu parecer do seguinte teor: “A Autora, [SCom01...], L.dª, apresentou duas reclamações quantos às notas discriminavas de custas de parte elaborada pelos Réus: 1.MUNICÍPIO ... – quanto à nota de custas de parte apresentada a fls. 2361 do SITAF – reclamação contante a fls. 2383 do SITAF; 2.Banco 1..., S.A – quanto à nota de custas de parte apresentada a fls. 2365 do SITAF - reclamação contante a fls. 2395 do SITAF. 1- Quanto à nota de custas apresentada pelo MUNICÍPIO ... a Autora argumenta que o Requerido não enviou à Requerente a nota discriminativa e justificativa de custas de parte, no prazo de 10 dias previsto no artigo 25.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais, pelo que, o direito a proceder à liquidação do montante das custas de parte nos presentes autos encontra-se precludido, devendo a nota apresentada nos autos ser objeto de desentranhamento, considerando-se não apresentada; -Para o caso de improceder a extemporaneidade da apresentação da nota de custas de parte, a Requerente invoca erro no cálculo dos montantes apresentados para pagamento, pelas razões apontadas nos pontos 12 a 23 da sua reclamação, concluindo que apenas é devido ao MUNICÍPIO ... a quantia de 1.668,00€, e não o total reclamado, de 5.508,00€, porque não é responsável pelo pagamento de custas de parte no âmbito daqueles recursos, uma vez que o TCAN não a condenou a tal. Mais diz que, quando muito, o Requerido teria direito aos seguintes valores a título de custas de parte: - Rúbrica prevista na al. a), do n.º 3, do artigo 26.º, do RCP:306,00€ pagos com a oposição; 806,00€, pagos com as contra-alegações respeitantes ao terceiro recurso, perfazendo um total de € 1.112,00; e -Rúbrica prevista na al. c), do n.º 3, do artigo 26.º, do RCP: 1.112,00€, totalizando, 2.224,00€. Porém, e porque a parte vencedora é constituída quer pelo Requerido Município, quer pelo Requerido Banco 1..., de acordo com o disposto no ar go 32.º, n.º 2, da Portaria na quantia respeitante à rúbrica prevista na al. c), do n.º 3, do ar go 26.º, do RCP, deverá ser dividida por duas partes, pelo que o Município apenas tem direito à seguinte quantia, a título de custas de parte: - Rúbrica prevista na al. a), do n.º 3, do artigo 26.º, do RCP: 306,00€, pagos com a oposição; 806,00€, pagos com as contra-alegações respeitantes ao terceiro recurso, perfazendo um total de 1.112,00€; e - Rúbrica prevista na al. c), do n.º 3, do ar go 26.º, do RCP: 1.112,00€/2= 556,00€, totalizando 1.668,00€ e não 5.508,00€, reclamados. Ora, apesar do que vem alegado pela reclamante, não lhe assiste razão. Com efeito, e quanto à preclusão do direito de reclamar custas de parte, verifica-se que as mesmas foram apresentadas no dia 3/9/2021 e no mesmo dia notificadas, via eletrónica e SITAF, ao mandatário da [SCom01...] – cf. fls. 2359, 2361 e 2363 -, ou seja, dentro do prazo estabelecido no artigo 25º, n.º 1 do RCP. Ou seja, foram apresentadas em tempo. Quanto à nota justificativa de custas de parte apresentada pelo Município, a fls. 2631 do SITAF, verifica-se que se encontra corretamente elaborada, de acordo com as decisões proferidas nos autos, quantias pagas pelo Município – 306€ da oposição, cf. fls. 1019, taxas de justiça das 3 contra-alegações efetuadas, no montante de 8165€ cada, cf. fls.1019, 1728 e 2202 - e dispositivos legais aplicáveis – artigos, 26º do RCP e 527º e 539º do CPV. Aliás, e quanto ao 1º recurso interposto pela [SCom01...], que foi julgado procedente, o Município foi condenado nas custas, cujo pagamento efetuou, no montante de 1632€, como resulta de fls. 1433. Quanto ao segundo recurso da [SCom01...], também julgado procedente, não houve condenação em custas. Contudo, e porque a final a [SCom01...] ficou vencida, também lhe compete pagar a taxa de justiça paga pelo Município quando contra alegou no recurso por ela interposto. Quanto aos honorários reclamados, que apenas o foram em 50%, deverão ser corrigidos de acordo com o disposto nos artigos 25º, n.º 2, al. d) e 26º, n.º 3, al. c) e artigo 32º, n.ºs, 1 e 2 da Portaria n.º 419A/2009, de 17 de abril, encontrando-se, nesta parte, correto o raciocínio do cálculo efetuado pela reclamante (mas não o cálculo), dado que existem duas partes vencedoras no processo, apenas lhe sendo devida a quantia 688,50€. 2 - Quanto à nota de custas apresentada pelo Banco 1..., S.A. a Autora argumenta que o Requerido não enviou à Requerente a nota discriminativa e justificativa de custas de parte, no prazo de 10 dias previsto no artigo 25.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais, pelo que o direito a proceder à liquidação do montante das custas de parte nos presentes autos encontra-se precludido, devendo a nota apresentada nos autos ser objeto de desentranhamento, considerando-se não apresentada; custas de parte, a Requerente invoca erro no cálculo os montantes apresentados a pagamento, pelas razões apontadas nos pontos 12 a 14 da sua reclamação, concluindo que apenas é devido ao Banco 1..., não a quantia reclamada, de 1.377,00€, mas apenas de 556,00€, porque o requerido não pagou taxas de justiça nos presentes autos, contabilizado da seguinte forma: - Valor das taxas de justiça pagas pelas partes= 2.224,00€; - De acordo com o disposto na al. c), do n.º 3, do ar go 26.º, do RCP, o referido valor deverá ser dividido por 2, por serem 2 os vencedores – O Município e o Banco -, totalizando 1.112,00€; - Nos termos do disposto no ar go 32.º, n.º 2, da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril, este valor deverá ser dividido pelo número de partes vencedoras (2), totalizando 556,00€. O Requerido, Banco 1... veio, a fls. 2409 responder à reclamação, invocando que: - Contrariamente ao alegado pela A. [SCom01...], LDA, à mesma foi, diretamente, enviada a nota discriminativa -cfr. carta junta no requerimento junto aos presentes autos com a referida nota e envelope que ora se junta como Documento n.º 1. - Tal carta foi reme da para a morada que a A. indicou a estes autos e que até hoje se encontra associada à mesma, pelo que a comunicação se deverá ter por valida e eficaz. - Apenas na presente data, recebeu a carta devolvida com a indicação “Mudou-se” - Por outro lado, face às taxas de jus ça pagas pela parte contrária [SCom01...]: - Tendo em conta o disposto na alínea c) do n.º 3 do artigo 26.º do CP, mostra-se corretamente peticionado o valor de 1.377,00€. Ora, quanto a esta reclamação, apenas concordamos com o Banco 1... que a apresentação da sua nota jus fica va de custas de parte foi apresentada em tempo, pelas razões já anteriormente invocadas quanto à anterior reclamação e agora apontadas na resposta do Banco. Quanto ao montante reclamado, a título de compensação de despesas de honorários, deverá ser corrigida de acordo com o disposto nos artigos 25º, n.º 2, al. d) e 26º, n.º 3, al. c) e artigo 32º, n.ºs, 1 e 2 da Portaria n.º 419A/2009, de 17 de abril, encontrando-se, nesta parte, correto o raciocínio do cálculo efetuado pela reclamante (mas não o cálculo), dado que existem duas partes vencedoras no processo, apenas lhe sendo devida a quantia 688,50€.”
Em 8/5/2024 foi proferido despacho pelo Tribunal a quo que, apreciando a reclamação da Requerente, [SCom01...], contra as notas justificativas de custas de parte apresentadas pelo MUNICÍPIO pelo BANCO, tendo, a final decidido que “Em face das razões invocadas por ambas as partes e ante os documentos constantes dos autos, o Tribunal acolhe o parecer emitido pela Digna Magistrada do Ministério Público, pelo que, com as razões de facto e de direito ali expendidas, julga: - improcedentes ambas as reclamações da Requerente quanto à alegada intempestividade e à invocada preclusão do direito de liquidar custas de parte; e, - parcialmente procedentes ambas as reclamações no que toca ao valor de honorários reclamados, que deverão ser corrigidos de acordo com o disposto nos artigos 25º, n.º 2, al. d) e 26º, n.º 3, al. c) e artigo 32º, n.ºs, 1 e 2 da Portaria n.º 419A/2009, de 17 de abril, uma vez que estando correcto o raciocínio efetuado pela Reclamante, o mesmo não sucede com o cálculo. DECISÃO Em suma, defiro a parcialmente, nos termos supra expostos, as identificadas reclamações. Sem custas”.
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Contra esse despacho vem a reclamante interpor recurso, de cujas alegações se extraem as seguintes conclusões:
1. A fls. 1433 (SITAF) não consta qualquer comprovativo de pagamento de taxas de justiça por parte do Recorrido Município, mas sim o comprovativo de depósito de reclamação de uma nota de custas apresentada pela Recorrente, nos termos do disposto no artigo 33.º, n.º 2, da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril.
2. Além disso, não é pelo facto de a Recorrente ter ficado vencida, a final, nos presentes autos, que tem de suportar custas no âmbito de recursos em que foi parte vencedora.
3. De acordo com o disposto no artigo 527.º, n.º 1, do CPC, “1 - A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.”
4. O princípio da causalidade (suporta as custas a parte que lhes dá causa, entendendo-se por esta, de acordo com o princípio da sucumbência, a parte vencida ou as partes vencidas na proporção em que o forem) determina que a parte vencedora não é responsável pelas custas do recurso em que obtém vencimento.
5. Aliás, nos acórdãos proferidos no âmbito do primeiro e segundo recursos dos presentes autos, a Recorrente não foi condenada em custas.
6. De acordo com o disposto no artigo 529.º, n.º 1, do CPC, “1 - As custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte.”
7. Pelo que, a Recorrente ao não ter sido condenada no pagamento das custas no âmbito do primeiro e segundo recursos dos presentes autos, também não tem de suportar o valor relativo a custas de parte no âmbito de tais recursos.
8. Ora, o tribunal a quo ao ter decidido, como decidiu, violou o disposto nos artigos 527.º, n.º 1 e 529.º, n.º 1, ambos do CPC, o que se alega para os devidos efeitos legais.
9. Assim, as quantias pagas pela Recorrente e pelo Recorrido Município, a título de taxas de justiça, não devem ser contabilizadas para efeitos de apuramento do valor devido ao Recorrido Município, a título de custas de parte, nos presentes autos.
Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o recurso ser julgado procedente por provado e, consequentemente, revogado o despacho recorrido, proferindo-se acórdão que decrete que as quantias pagas pela Recorrente e pelo Recorrido, a título de taxas de justiça, no âmbito do primeiro e segundo recursos dos presentes autos, não podem ser contabilizadas no âmbito da determinação da quantia a pagar pela Recorrente, a título de custas de parte, nos presentes autos”.
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O recorrido não apresentou contra-alegações.
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Admitido o recurso e subidos os autos, foi notificado o Ministério Público junto deste TCA Norte, nos termos e para efeitos do disposto no n.º 1, do artigo 146.º do CPTA, não tendo sido emitido parecer.
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II. OBJECTO DO RECURSO
Conforme jurisprudência firmada, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPTA).
À luz do exposto, cumpre a este Tribunal de recurso apreciar e decidir se o despacho recorrido errou quando decidiu que as quantias pagas pelo Requerido/recorrido, a título de taxa de justiça, no primeiro e segundo recursos, devem ser contabilizadas para efeito de apuramento da quantia a pagar pela Requerente/recorrente ao Requerido/recorrido, MUNICÍPIO, a título de custas de parte.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
III.1- DE FACTO
Para apreciação do recurso, a factualidade relevante é a que consta do relatório bem como a que a seguir se identifica, ainda que, em parte, constitua a reprodução da tramitação processual já mencionada.
A) A Nota justificativa de custas de parte apresentada pelo recorrido MUNICÍPIO é do seguinte teor:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
B) A Reclamação da [SCom01...]/recorrente (na parte que aqui releva) quanto a nota justificativa de custas de parte do Município é do seguinte teor:
“ II – do valor da nota:
14. Para efeitos de cálculo do valor de custas de parte correspondente à rúbrica prevista na al. a), do n.º 3, do artigo 26.º, do RCP, o Requerido considerou as seguintes taxas de justiça pagas por si:
- € 306,00, pela apresentação da oposição;
- € 806,00, pelas contra-alegações no âmbito do primeiro recurso;
- € 806,00, pelas contra-alegações no âmbito do segundo recurso;
- € 806,00, pelas contra-alegações no âmbito do terceiro recurso.
15. Totalizando, € 2.724,00.
16. Além disso, para efeitos de cálculo do valor de custas de parte correspondente à rúbrica prevista na al. c), do n.º 3, do artigo 26.º, do RCP, o Requerido considerou também igual valor, correspondente às taxas de justiça pagas pela Requerente.
17. Contudo, desde logo, o valor das taxas de justiça correspondentes ao primeiro recurso e ao segundo recurso não podem ser contabilizados para efeitos de custas de parte.
18. Com efeito, na primeira decisão proferida pelo TCAN, no dia 18-09-2020, foi o Requerido condenado ao pagamento de custas, e não a Requerente.
19. Na segunda decisão proferida pelo TCAN, no dia 19-02-2021, este tribunal proferiu decisão “sem custas”.
20. Assim, a Requerente não é responsável pelo pagamento de custas de parte no âmbito daqueles recursos, uma vez que o TCAN não a condenou a tal.
21. E, quando muito, o Requerido teria direito aos seguintes valores a título de custas de parte:
- Rúbrica prevista na al. a), do n.º 3, do artigo 26.º, do RCP: € 306,00, pagos com a oposição; € 806,00, pagos com as contra-alegações respeitantes ao terceiro recurso, perfazendo um total de € 1.112,00; e
- Rúbrica prevista na al. c), do n.º 3, do artigo 26.º, do RCP: € 1.112,00.
22. Totalizando, € 2.224,00.
23. Porém, a parte vencedora é constituída quer pelo Requerido Município, quer pelo Requerido Banco 1....
24. Assim, de acordo com o disposto no artigo 32.º, n.º 2, da Portaria n.º 419- A/2009, de 17 de abril, a quantia respeitante à rúbrica prevista na al. c), do n.º 3, do artigo 26.º, do RCP, deverá ser dividida por 2 (duas partes).
25. Em suma, o Requerido tem direito à seguinte quantia, a título de custas de parte: - Rúbrica prevista na al. a), do n.º 3, do artigo 26.º, do RCP: € 306,00, pagos com a oposição; € 806,00, pagos com as contra-alegações respeitantes ao terceiro recurso, perfazendo um total de € 1.112,00; e - Rúbrica prevista na al. c), do n.º 3, do artigo 26.º, do RCP: € 1.112,00/2= € 556,00. 26. Totalizando € 1.668,00, e não € 5.508,00.”
C) O Parecer do MP junto do Tribunal de 1ª instância quanto à reclamação da nota do Município (na parte que aqui releva) é do seguinte teor:
“(…) a Requerente invoca erro no cálculo dos montantes apresentados para pagamento, pelas razões apontadas nos pontos 12 a 23 da sua reclamação, concluindo que apenas é devido ao MUNICÍPIO ... a quantia de 1.668,00€, e não o total reclamado, de 5.508,00€, porque não é responsável pelo pagamento de custas de parte no âmbito daqueles recursos, uma vez que o TCAN não a condenou a tal. Mais diz que, quando muito, o Requerido teria direito aos seguintes valores a título de custas de parte: - Rúbrica prevista na al. a), do n.º 3, do ar go 26.º, do RCP:306,00€ pagos com a oposição; 806,00€, pagos com as contra-alegações respeitantes ao terceiro recurso, perfazendo um total de € 1.112,00; e -Rúbrica prevista na al. c), do n.º 3, do artigo 26.º, do RCP: 1.112,00€, totalizando, 2.224,00€. Porém, e porque a parte vencedora é construída quer pelo Requerido Município, quer pelo Requerido Banco 1..., de acordo com o disposto no artigo 32.º, n.º 2, da Portaria na quantia respeitante à rúbrica prevista na al. c), do n.º 3, do artigo 26.º, do RCP, deverá ser dividida por duas partes, pelo que o Município apenas tem direito à seguinte quantia, a título de custas de parte: - Rúbrica prevista na al. a), do n.º 3, do artigo 26.º, do RCP: 306,00€, pagos com a oposição; 806,00€, pagos com as contra-alegações respeitantes ao terceiro recurso, perfazendo um total de 1.112,00€; e - Rúbrica prevista na al. c), do n.º 3, do ar go 26.º, do RCP: 1.112,00€/2= 556,00€, totalizando 1.668,00€ e não 5.508,00€, reclamados. Ora, apesar do que vem alegado pela reclamante, não lhe assiste razão. (..) Quanto à nota justificativa de custas de parte apresentada pelo Município, a fls. 2631 do SITAF, verifica-se que se encontra corretamente elaborada, de acordo com as decisões proferidas nos autos, quantias pagas pelo Município – 306€ da oposição, cf. fls. 1019, taxas de justiça das 3 contra-alegações efetuadas, no montante de 8165€ cada, cf. fls.1019, 1728 e 2202 - e dispositivos legais aplicáveis – artigos, 26º do RCP e 527º e 539º do CPV. Aliás, e quanto ao 1º recurso interposto pela [SCom01...], que foi julgado procedente, o Município foi condenado nas custas, cujo pagamento efetuou, no montante de 1632€, como resulta de fls. 1433. Quanto ao segundo recurso da [SCom01...], também julgado procedente, não houve condenação em custas. Contudo, e porque a final a [SCom01...] ficou vencida, também lhe compete pagar a taxa de jus ça paga pelo Município quando contraalegou no recurso por ela interposto. Quanto aos honorários reclamados, que apenas o foram em 50%, deverão ser corrigidos de acordo com o disposto nos ar gos 25º, n.º 2, al. d) e 26º, n.º 3, al. c) e ar go 32º, n.ºs, 1 e 2 da Portaria n.º 419A/2009, de 17 de abril, encontrando-se, nesta parte, correto o raciocínio do cálculo efetuado pela reclamante (mas não o cálculo), dado que existem duas partes vencedoras no processo, apenas lhe sendo devida a quantia 688,50€. ” (…)
D) Em 8/5/2024 o Tribunal a quo proferiu despacho do qual se extrai a parte que aqui releva e que é a seguinte: “Em face das razões invocadas por ambas as partes e ante os documentos constantes dos autos, o Tribunal acolhe o parecer emitido pela Digna Magistrada do Ministério Público, pelo que, com as razões de facto e de direito ali expendidas, julga: - improcedentes ambas as reclamações da Requerente quanto à alegada intempestividade e à invocada preclusão do direito de liquidar custas de parte; e, - parcialmente procedentes ambas as reclamações no que toca ao valor de honorários reclamados, que deverão ser corrigidos de acordo com o disposto nos artigos 25º, n.º 2, al. d) e 26º, n.º 3, al. c) e artigo 32º, n.ºs, 1 e 2 da Portaria n.º 419A/2009, de 17 de abril, uma vez que estando correcto o raciocínio efetuado pela Reclamante, o mesmo não sucede com o cálculo. DECISÃO Em suma, defiro a parcialmente, nos termos supra expostos, as identificadas reclamações. Sem custas”.
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III. 2- DE DIREITO
As custas de parte estão abrangidas na condenação que a título de custas seja proferida na decisão que julgue a acção, em conformidade com o disposto nos artigos 527º, nº1, do CPC e 26º, nº 1, do Regulamento das Custas Processuais (RCP). Isto é, a condenação em custas envolve não só a constituição na obrigação de pagamento das custas ainda eventualmente em dívida no processo, enquanto retribuição pelos serviços de justiça prestados através do processo judicial, como ainda todas as importâncias que a parte vencedora tenha adiantado ao longo da lide: taxas de justiça, encargos e despesas compensatórias e que integram as designadas “custas de parte”.
É no momento em que a decisão que julgue a acção e que condene uma das partes (ou ambas) em custas que nasce o direito ao reembolso das custas de parte a favor de quem tenha ganho de causa, e a inerente obrigação de pagamento das custas de parte à parte vencedora, obrigação esta a cargo da parte que tenha decaído.
Contudo, tal obrigação tem de ser posteriormente liquidada através do incidente ou mecanismo previsto no artigo 533.º, nº 3 do CPC, devendo a parte credora elaborar uma nota discriminativa e justificativa, onde sejam consignadas todas as rubricas a serem alvo de reembolso, remetendo-a à parte vencida e ao tribunal da causa (artigos 25.º, do RCP e 30º a 33º, da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril).
Dispõe o art. 25.º, n.º 1, do RCP, que até 10 dias após o trânsito em julgado, as partes que tenham direito a custas de parte remetem para o tribunal e para a parte vencida a respetiva nota discriminativa e justificativa, da qual devem constar os elementos elencados no n.º 2 do mencionado normativo legal.
Nos termos do n.º 4 do artigo 529.º do CPC, as custas de parte compreendem o que cada parte haja despendido com o processo e tenha direito a ser compensada em virtude da condenação da parte contrária.
De acordo com o disposto no art. 533.º, n.º 2, do CPC, as custas de parte compreendem: “a) As taxas de justiça pagas; b) Os encargos efectivamente suportados pela parte; c) As remunerações pagas ao agente de execução e as despesas por este efetuadas; d) Os honorários do mandatário e as despesas por este efetuadas.”
Mais concretiza o art. 26.º, n.º 3, do RCP, que cabe à parte vencida suportar o pagamento dos seguintes valores, a título de custas de parte: “a) Os valores de taxa de justiça pagos pela parte vencedora, na proporção do vencimento; b) Os valores pagos pela parte vencedora a título de encargos, incluindo as despesas do agente de execução; c) 50 % do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora, para compensação da parte vencedora face às despesas com honorários do mandatário judicial, sempre que seja apresentada a nota referida na alínea d) do n.º 2 do artigo anterior; d) Os valores pagos a título de honorários de agente de execução.”
O reclamado, Município, insere na nota de custas de parte, entre outras rubricas, as taxas de justiça de € 816,00 + 816,00 €, que pagou com as contra-alegações respeitantes aos dois primeiros recursos, mas, entende a recorrente que as concretas condenações judiciais quanto a custas proferidas nos dois primeiros recursos não permitem à reclamada/recorrida reembolsar essas taxas, já que na primeira decisão proferida pelo TCAN, no dia 18-09-2020, foi o Requerido condenado ao pagamento de custas, e não a Requerente e na segunda decisão proferida pelo TCAN, em 19-02-2021, não houve condenação em custas. Assim, conclui a Requerente/recorrente que não é responsável pelo pagamento de custas de parte no âmbito daqueles recursos, uma vez que o TCAN não a condenou a tal.
Vejamos.
Entre as taxas de justiça efectivamente pagas pelo reclamado/recorrido encontram-se as devidas por três recursos, sendo que, como nota a recorrente, só no terceiro recurso, foi condenada no pagamento das respectivas custas.
A responsabilidade pelo pagamento das custas pertence, como vimos, à parte que lhes tiver dado causa, presumindo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respetiva proporção.
Tal significa que in casu atendendo a que as custas do recurso (1º) foram fixadas por este TCAN em Acórdão de 18/9/2020 que concedeu provimento ao recurso jurisdicional interposto pela [SCom01...] e, em consequência, anulou o despacho intercalar e a sentença recorridos, determinando a baixa dos autos de modo a sanarem-se as nulidades processuais suscitadas, com custas pelo recorrido/Município; no 2º recurso, este TCAN em Acórdão de 19/2/2021 decidiu, entre o mais, conceder provimento ao recurso interposto do despacho que indeferiu a produção de prova, e, em consequência, anular todo o processado praticado desde a sua prolação para que sejam realizadas as diligência de prova omitidas oferecidas com vista a possibilitar à Requerente da providência a prova dos factos que alegou com vista à demonstração da invocada situação de abuso de direito, seguidas da oportuna prolação de sentença, declarando-se a final “Sem custas”, impõe-se respeitar e cumprir integralmente o decidido em tais Acórdãos, que transitaram em julgado, designadamente, no que tange à repartição das custas, sob pena de violação do caso julgado.
Nessa medida, a inclusão na nota de custas de parte de duas parcelas respeitantes a taxas de justiça pagas pelo Município com as contra-alegações apresentadas no primeiro e segundo recursos, não reflecte aquilo que aí foi decidido e transitado em julgado quanto à responsabilidade pelo pagamento de custas, atribuída ao Município no 1º recurso e sem atribuição dessa responsabilidade no 2º recurso.
Em conclusão, tal como sustenta o recorrente nas suas alegações de recurso “ao não ter sido condenada no pagamento das custas no âmbito do primeiro e segundo recursos dos presentes autos, também não tem de suportar o valor relativo a custas de parte no âmbito de tais recursos”.
Aqui chegados, o despacho recorrido, ao ter julgado apenas procedente a reclamação da [SCom01...] no que toca ao valor de honorários reclamados, deixando intacto o que vinha reclamado quanto às taxas de justiça pagas nos dois primeiros recursos, impõe-se a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que julgue procedente a reclamação da [SCom01...] quanto a nota discriminava de custas de parte elaborada pelo MUNICÍPIO ..., no que toca à inclusão nas quantias a receber a título de custas de parte, das taxas de justiça que pagou com as contra-alegações nos dois primeiros recursos.
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IV.DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Administrativa, subsecção de Contratos Públicos, do Tribunal Central Administrativo Norte, em julgar procedente o recurso e, consequentemente, revogam o despacho recorrido, substituindo-o por outro que julgue procedente a reclamação da [SCom01...] quanto à nota discriminava de custas de parte apresentada pelo MUNICÍPIO ..., no que toca às quantias a receber a título de custas de parte, das taxas de justiça, que pagou com as contra-alegações nos dois primeiros recursos.
Custas pela Recorrida (artº 527º, nºs 1 e 2 do CPC).
Notifique.

Porto, 11 de Outubro de 2024.

Maria Clara Ambrósio
Tiago Afonso Lopes de Miranda
Ricardo de Oliveira e Sousa