Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00548/18.0BEAVR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:07/14/2022
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:FACTURAS FALSAS, INDÍCIOS,
TRIBUTAÇÃO AUTÓNOMA,
DESPESAS NÃO DOCUMENTADAS
Sumário:I - Impõe-se à Administração Tributária abalar a presunção de veracidade da declaração do imposto e dos respectivos documentos de suporte, atento o princípio da declaração vigente no nosso direito (artigo 75.º da LGT), só depois passando a competir ao contribuinte o ónus de provar a veracidade do declarado, o que quer dizer que se a Administração Tributária não fizer prova do bem fundado da formação do seu juízo, a questão relativa à legalidade do seu agir terá de ser resolvida contra ela, sem necessidade de ir analisar se a Impugnante logrou ou não provar, em tribunal, a veracidade da declaração.
II - Tal prova não tem de ser directa e dogmática, no sentido de evidente e intocável, antes pode resultar de circunstâncias colaterais e indirectas que, atentas a idoneidade dos respectivos meios de suporte e as regras da experiência comum, indiciem, segundo padrões de avaliação e aferição pautados por critérios de razoabilidade e normalidade, um determinado resultado como o mais legitimamente atendível.
III - Da decisão da matéria de facto devem constar factos simples e não matéria conclusiva (somente sobre os primeiros, quando controvertidos, deve recair a produção de prova, já que as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos). As conclusões de facto e de direito são efectuadas em julgamento pelo tribunal.
IV – O artigo 100.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, constitui uma afloração do princípio “in dubio contra fiscum”. Saber se, perante a prova produzida, há dúvidas sobre a existência ou quantificação de um facto tributário é uma questão essencialmente de facto. Assim, se o Tribunal decidiu dar como provada a existência ou inexistência de um facto tributário não haverá lugar à aplicação desta norma. Só em situações em que não houver a certeza se existe ou não o facto deverá fazer-se aplicação desta regra sobre o ónus da prova, decidindo a questão contra quem tem tal ónus.
V - As despesas não documentadas pressupõem a existência das operações a que respeitam, daí a sua tributação autónoma.
VI - As facturas falsas respeitam a operações ou serviços não existentes. Não são, assim, passíveis de tributação, por inexistência de facto tributário.*
* Sumário elaborado pela relatora (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Recorrente:R..., Lda.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Judicial_ Efeito Suspensivo
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Foi emitido parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
I. Relatório
R..., Lda., contribuinte n.º ..., com os demais sinais nos autos, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de ..., proferida em 12/01/2021, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações de IRC, respeitantes aos anos de 2013 e 2015, nos valores de €1.503,11 e de €56.709,04, respectivamente.
Esta sentença recorrida incluiu o julgamento no sentido da improcedência também das liquidações de IVA, referentes aos períodos de 1307T, 1308T, 1309T, 1310T, 1311T, 1312T, 1401T, 1402T, 1404T e 1405T, no valor de €29.757,16, impugnadas no âmbito do processo instaurado sob o n.º 558/18.8BEAVR, apenso aos presentes autos.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
“1º - A aqui recorrente, deduziu Impugnação Judicial por considerar, que os atos impugnados são ilegais por falta de fundamentação factuais e legais.
2º - A I.T., não cumpriu o seu ónus de prova, conforme plasmado nos artigos 75º da LGT e art.º 100º do CPPT.
3º - A Douta Sentença ora recorrida, definiu a matéria de facto dada como provada, somente apoiada na prova documental.
4º - Praticamente no R.I.
5º - A Douta Sentença deu como provada a matéria de facto, constante das folhas 10 a 32, pontos A. a K do probatório.
6º - A sentença, ao apoiar-se apenas na prova documental, levou a incorreta apreciação dos factos e da prova realizada.
7º - Tendo concluído com clara contradição entre os fundamentos e a decisão que consta da sentença.
8º - O Tribunal não deu importância à prova testemunhal, não tendo esta qualquer influencia para a decisão.
9º - O Meritíssimo Juiz tomou para fundamento da sua decisão apenas o R.I., o que a recorrente considera insuficiente.
10º - O facto de se aceitar sem qualquer reserva o conteúdo do R.I., foi instrumental para a improcedência da Impugnação Judicial deduzida.
11º - No entanto, as declarações das testemunhas devem ser objeto de valoração, e o dever de fundamentar as decisões tem consagração expressa no artigo 154º do CPC.
12º - Resulta da douta sentença, que o Meritíssimo Juiz, não apreciou criticamente o depoimento das testemunhas de modo a decidir do interesse ou vantagem que tal depoimento poderá ter no desfecho da lide.
13º - E a análise e respetivo juízo sobre o conteúdo dos documentos que fundamentaram a matéria de facto, não são aptas a demonstrar o sentido que o Tribunal delas pretende retirar.
14º - A matéria do ponto D., considerada provada, é fundamentada com o R.I. onde são reproduzidas 20 folhas do mesmo. Com todo o respeito e sempre sujeito a melhor opinião, nesta parte, existe clara violação do artigo 607º nº 4 e artigo 615º nº 1 al. b) c) e d) ambos do CPC, e artigo 125º nº 1, do CPPT.
15º - Não se entende que factos pretende provar o Tribunal com aquele ponto D) da matéria dada como provada.
16º - Conforme consta do R.I. das 20 páginas reproduzidas na sentença, os factos pelos quais a Impugnante veio a ser responsabilizada, resultam de uma mistura de ilações, juízos e conclusões, respeitantes a terceiros.
17º - No ponto D) da matéria dada como provada, na reprodução das páginas do R.I., é analisada na maior parte, um grupo de empresas, e onde o Impugnante acarreta com as consequências imputadas a atos de terceiros, inclusive do AA.
18º - Tais atos de terceiros, não foram praticados pela Impugnante, deles não teve conhecimento, nem sequer participou ou retirou qualquer vantagem dos mesmos.
19º - Do mesmo modo, a Impugnante desconhece, nem é obrigada a conhecer, o contexto da alegada prática de atos das empresas referidas pela Inspeção.
20º - Não tendo o Tribunal relevado tal facto.
21º - Acresce, que de tais páginas (do R.I., reproduzidas na sentença) constam supostos factos, que entram em contradição com pontos da matéria dada como provada, e da fundamentação da mesma.
22º - Nomeadamente.
a) Págs. 12/53ª a 17/53, ponto II.3.6.2, elementos disponíveis na AT sobre AA.
Desde logo, no ponto (iii) da página 13/53, logo de início, refere-se “apesar de nunca terem sido indicadas/identificados quaisquer meios técnicos e humanos (leia-se, instalações, equipamento e pessoal) que permitissem levar a cabo os serviços que referem terem sido efetuados”
No fim da mesma página, refere-se: “não conhecem as instalações, meios e/ou pessoal ao serviço do AA”
No início da página 17/53, ponto (ii) refere-se: “Não existe evidência das instalações que terão sido utilizadas para efetuar os trabalhos que são referidos, nem são conhecidas quaisquer outras instalações onde exerça ou tenha exercido atividade ...”
23º - Com o atrás citado, pretendeu a I.T. demonstrar que o AA não podia ter feitos os trabalhos para a recorrente pois não possuía instalações para executar tais trabalhos, nem pessoal.
24º - O Tribunal deu como provado a existência desse local, ponto K) da matéria dada como provada.
25º - O que também demonstra a falta de credibilidade e fundamentação do R.I.
26º - Também na pág. 13/53, da douta sentença, no início, reproduzindo o R.I.: “Não foram identificados meios técnicos e humanos (leia-se, instalações, equipamento e pessoal) que permitissem levar a cabo os serviços que refere terem sido efetuados”
Ou seja, segundo a IT o AA não possuía nem instalações, nem pessoal, que lhe permitissem prestar os serviços que prestou à recorrente.
27º - Também, na “Motivação da matéria de facto” constante da sentença, folhas 34/53, sobre o depoimento da testemunha BB é dito:
“Disse, ainda, ao Tribunal que aquando das deslocações à instalação da empresa para carregar material, o senhor AA se fazia acompanhar de trabalhadores que falavam mal ou não falavam o Português, reputando-os de ucranianos ou romenos “o que confere com as declarações deste no âmbito do relatório inspetivo, mas é distinto do que este declarou em juízo – Marroquinos”.
28º - Também na mesma página, penúltimo parágrafo, a testemunha CC (presidente da concelhia de ...y do Partido ... – último parágrafo, pág. 32 da sentença) diz o seguinte, e citando: “Por fim a testemunha CC confirmou ter visto o senhor AA a proceder com outras pessoas à colocação de outdoors na campanha eleitoral autárquica de 2013, na qualidade de Presidente da concelhia do Partido ...”
29º - Resulta de tais factos, que o AA, pelo menos nos serviços que prestou à recorrente, possuía pessoal ao seu serviço.
30º - Não se impunha à Impugnante o controle do pessoal que trabalhava para o AA.
31º - Resulta das regras da experiência comum, quando contratamos com outrem não nos vamos certificar da sua legalidade ou investigar a sua atividade, valendo o princípio da confiança até conhecimento de factos que dela nos façam duvidar.
32º - A Impugnante, até pelos resultados alcançados, nunca duvidou do trabalho do AA.
33º -Pelo depoimento das testemunhas, também ficou demonstrado nos presentes autos, que o AA, possuía além de um local de trabalho, possuía também pessoal ao seu serviço.
34º - Não se aceita que o Tribunal não relevasse tais factos na sentença, até porque, “No que tange aos depoimentos das testemunhas, estes foram genericamente coerentes e espontâneos – como admite o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo”, pág. 33 da sentença, 1º parágrafo”.
35º - O Tribunal laborou em erro de julgamento por ter valorado incorretamente o depoimento das testemunhas da impugnante e por, não ter dado como provados factos que tais depoimentos implicam.
36º - Depoimentos que confirmaram a existência desse “pessoal” ao serviço do AA.
37º - Também no que respeita à falta de fundamentação do RI, há que salientar um ponto do R.I. cuja falta de fundamentação no que diz respeito à recorrente, é notória.
Na Página 16/53 da sentença, último parágrafo, ponto (i) escreve-se o seguinte: “Não existem quaisquer evidências de meios técnicos utilizados (equipamentos/máquinas) para, por exemplo, efetuar trabalhos de corte e costura em peles/couro, nem documentos ou guias de transporte dos materiais ou produtos finais entre instalações dos clientes e as suas;”
38º - Os serviços prestados pelo AA à recorrente, que seriam essencialmente de reparar, endireitar outdoors metálicos, colar cartazes e implantá-los no terreno, não implicavam o uso de máquinas de corte e costura em peles e couro.
39º - Resulta claro, que as razões que levaram a I.T. a concluir que as faturas em causa não respeitam a prestação de serviços efetuados dizem respeito ao emitente dessas faturas.
40º - Os dados recolhidos são insuficientes para legitimar a atuação da I.T., pois nada impede um sujeito passivo referenciado como emitente de faturas falsas, e ao mesmo tempo, dedicar-se a atividade económica prestando os reais correspondentes serviços ou fornecimentos.
41º - Neste processo, a I.T. apenas pretendeu pôr em causa a credibilidade da impugnante, por estar envolvido com um “fornecedor” envolvido/indiciado noutros processos como emitente de faturas falsas.
42º - A ausência de credibilidade subjetiva dos sujeitos, não constitui fundamento da avaliação administrativa.
43º - Até porque, se o perfil fiscal do S.P. pudesse em si mesmo fundamentar as correções, isso implicaria que a presunção do art.º 75º da LGT só valeria para os sujeitos passivos que nunca tivessem tido algum litígio com a A.T., o que não tem apoio no texto da lei.
44º - Por aqui, e o mais que se tem vindo a alegar, a falta de fundamento do R.I. é notória, e não se compreende, nem se aceita, que o Tribunal não tivesse relevado tal facto.
45º - Um dos vícios da sentença é a clara oposição entre os fundamentos da sentença, e a decisão, ou no mínimo, existe ambiguidade ou obscuridade que torna a decisão ininteligível, com violação do plasmado no artigo 615º nº 1 al. c) do CPC e art.º 125º do CPPT, causa de nulidade da sentença, nulidade que desde já se requer.
46º - Tal ambiguidade ou obscuridade também resulta do referido na sentença a págs. 35/53, dentro da matéria referente à motivação da matéria de facto, onde se refere o seguinte: “Sobressai ainda do confronto entre o teor do relatório inspetivo com o depoimento das testemunhas e parte com os documentos constantes dos autos que é incontroversa a realização dos trabalhos que constam das faturas-recibo de AA. O que a IT coloca em causa é que este tenha procedido à sua realização nos termos relevados pelas faturas-recibo que emitiu”
47º - Tal comprova os serviços que o AA prestou à impugnante.
48º - E também vem reforçar os factos, que o AA possuía um pavilhão local de trabalho, e pessoal ao seu serviço.
49º - A recorrente entende ter feito demonstrar nos autos a necessária prova ou então, pelo menos, suscitasse a fundada dúvida sobre a suficiência legal e factual da liquidação em causa.
50º - Deste modo, de acordo com o estabelecido no art.º 100º do CPPT, sempre que subsista “fundada dúvida” sobre a existência e qualificação do facto tributário, deverá o ato impugnado ser anulado.
51º - Decisão que o tribunal não tomou, com clara violação do art.º 100º do CPPT, bem como, o art.º 99º da LGT, preceitos que o Tribunal ignorou.
52º - Também a recorrente no que respeita à factualidade assente, considera que a mesma, é INSUFICIENTE para considerar a ação improcedente.
53º - Conforme anteriormente a recorrente já alegou, na fundamentação da matéria dada como provada, o Tribunal não coloca em causa o depoimento das testemunhas, que as considerou fidedignas.
54º - Depoimento da testemunha BB a págs. 34/35 da sentença:
“Disse, ainda, ao Tribunal que aquando das deslocações à instalação da empresa para carregar material, o senhor AA se fazia acompanhar de trabalhadores que falavam mal ou não falavam o Português, reputando-os de ucranianos ou romenos (o que confere com as declarações deste no âmbito do relatório inspetivo, mas é distinto do que este declarou em juízo – Marroquinos”.
55º - Por sua vez a testemunha CC (presidente da concelhia de ...y do Partido ... – último parágrafo, pág. 32 da sentença) diz o seguinte, e citando:
“Por fim a testemunha CC confirmou ter visto o senhor AA a proceder com outras pessoas à colocação de outdoors na campanha eleitoral autárquica de 2013, na qualidade de Presidente da concelhia do Partido ...”
56º - Como o Tribunal na sentença, não colocou reservas ao depoimento destas testemunhas, torna-se clara a existência de pessoal, ao serviço do AA, devendo resultar um ponto assente resultante da prova testemunhal, que desse como provada a existência de pessoal, nomeadamente:
Ponto ...O AA tinha pessoal ao seu serviço, no que respeita aos serviços prestados à recorrente.
57º - Também na sequência do anteriormente concluído no nº anterior, um outro ponto que deveria ter sido criado, e dado como provado, seria o seguinte:
Ponto...A realização dos trabalhos que constam das faturas-recibo de AA foram realizadas.
58º - Tal ponto resulta do que se escreve na douta sentença, a págs. 35/53:
“Sobressai ainda do confronto entre o teor do relatório inspetivo com o depoimento das testemunhas e parte com os documentos constantes dos autos que é incontroversa a realização dos trabalhos que constam das faturas-recibo de AA”.
59º - Estes pontos, a terem existido, teriam certamente feito com que a decisão ora recorrida fosse outra.
60º - O Tribunal recorrido, não deu provimento à pretensão da impugnante, de anulação da tributação autónoma, pois entendeu que esta não logrou cumprir o ónus da prova que sobre si recaia.
61º - A sentença recorrida considerou que: Resulta do relatório de inspeção tributária, que a Administração Tributária constatou que a impugnante, com referência ao exercício de 2015, contabilizou gastos cujo o suporte são faturas – recibos de atos isolados emitidos por AA contribuinte sinalizado como emitente de documentos falsos por os mesmos não terem subjacente operações efetivamente realizadas. Entendeu-se que para além da desconsideração do gasto fiscal estava em causa o facto de terem existido fluxos financeiros a partir de conta bancária da sociedade, associados ao pagamento daquelas faturas que foram qualificados como “despesas não documentadas” e sujeitos a tributação autónoma.
62º - O que está sujeito a tributação autónoma é a despesa não documentada, daí que a questão que se coloca é saber se os cheques nºs ...61, ...58, ...55 e .......43 indicados no ponto III.1.2.1. do relatório ponto D. do probatório da pág. 27 da douta sentença, configuram despesas não documentadas.
63º - Os conceitos de despesa não documentada ou confidencial foram definidos pelos Tribunais Superiores.
64º - Despesas não documentadas são despesas relativamente às quais não existe prova documental, embora não haja ocultação da sua natureza, origem ou finalidade. (Acórdão do STA do Pleno da Secção do CT nº 0600/08 de 02/10/2009)
65º - Quanto ao conceito de despesas não documentadas, como explica Rui Duarte Morais in Apontamentos ao IRS, Almedina, pág. 172, trata-se de despesas que apesar de registadas na contabilidade, não existe, ou não é disponibilizada, documentação que permita conhecer o seu fundamento ou os respetivos beneficiários.
66º - Se analisarmos os cheques que estão em causa, discriminados na matéria provada no referido ponto D., os mesmos foram emitidos ao portador, e levantados ao balcão em numerário por funcionárias do SP, nomeadamente os cheques nºs ...61 e ...55, foram levantados por DD, e os cheques nºs ...58 e .......43 foram levantados por EE.
67º - O levantamento desses cheques também foi confirmado pela testemunha DD, conforme resulta da douta sentença, no segmento da motivação da matéria de facto. (Veja-se pág. 34, 32 parágrafo)
68º - Relativamente a estes cheques sabe-se quem foi o destinatário, pese embora a recorrente argumente estão associados ao pagamento das faturas emitidas por AA.
69º - Argumento que não foi aceite pela sentença recorrida, que julgou improcedente o pedido de anulação de liquidações de IRC e IVA, por considerar que a administração tributária demonstrou a existência de indícios sérios de faturação falsa.
70º - Não é pela sentença recorrida ter dado como não provado que o AA tenha sido o real beneficiário daquelas importâncias, que pode extrair a conclusão que a tributação autónoma daqueles montantes não enferma do vicio de violação da lei por violação do art.º 88º nº 1 do CIRC, já que este facto é indiciário de que as faturas subjacentes não correspondem a operações reais.
71º - A não aceitação de determinado encargo como custo, não acarreta necessariamente a sua consideração como despesa não documentada, para efeitos de tributação autónoma nos termos do art.º 88º nº 1 do CIRC, desde logo porque estão em causa duas figuras que assentam em pressupostos distintos.
72º - Com efeito, a tributação autónoma de despesas não documentadas têm como pressupostos que: i) as despesas em questão tenham efetivamente ocorrido e ii) que o respetivo beneficiário não seja cognoscível.
73º - Ao contrário do que acontece com a dedução de despesas, ou do respetivo IVA suportado, em que o ónus da prova dos pressupostos do exercício do direito recai sobre o contribuinte, cumpre à Administração Tributária demonstrar a verificação dos pressupostos do direito de tributar autonomamente as despesas não documentadas.
74º - No que concerne à tributação autónoma, competia à administração Tributária demonstrar de forma clara e inequívoca que não era possível identificar o real beneficiário do levantamento dos cheques nºs ...61, ...55, ...58 e .......43.
75º - Resulta do probatório no ponto D. capítulo III.1.2.1. do relatório da pág. 27 da douta sentença, que a Administração Tributária relativamente a estes cheques obteve a identificação das pessoas que efetuaram o levantamento dos respetivos valores e não procedeu a qualquer diligência probatória.
76º - Não se encontrando verificado um dos requisitos de que a lei faz depender a tributação autónoma, designadamente a demonstração por parte da AT que o respetivo beneficiário não era cognoscível, a solução a seguir é decidir que a liquidação efetuada é ilegal por violação do art.º 88º nº 1 do CIRC.
77º - Entendeu o Tribunal a quo que estão em causa fluxos monetários a favor de beneficiários não identificados e que a impugnante não cumpriu o ónus de demonstrar os destinatários de tais saídas monetárias.
78º - A Administração Tributária em sede de procedimento tributário, com vista à liquidação de impostos, e por força do artigo 582 da LGT, tem por incumbência a descoberta da verdade material, pautando-se por critérios objetivos, apurar os factos, independentemente de os mesmos lhe serem ou não desfavoráveis.
79º - Acresce que o art.º 58º da LGT terá de ser interpretado em conjugação com o art.º 74º da LGT o qual estabelece as regras relativas à repartição do ónus da prova.
80º - Preceitua, o nº 1 do art.º 74º da LGT que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.
81º - É sabido que compete à Administração Tributária o ónus de provar a existência dos pressupostos legais (vinculativos) da sua atuação, isto é, cabe-lhe provar que se verificam os factos que integram o fundamento previsto na lei para que seja ela a liquidar o imposto que o contribuinte deixou de liquidar, demonstrando a existência e conteúdo do facto tributário.
82º - Recaía sobre a Administração tributária o ónus de provar os pressupostos para a emissão da liquidação oficiosa nos termos do artº 74º nº 1 da LGT, o que não logrou fazer.
83º - Pretendendo a Administração Tributária, liquidar IRC do ano de 2015, a título de tributações autónomas, impugna-se que demonstrasse factos constitutivos dos direitos da administração tributária a esse tributo.
84º - O tribunal recorrido ao entender que cabia à impugnante provar quem foram os beneficiários das saídas monetárias da empresa, fez uma incorreta aplicação do art.º 74º nº 1 da LGT.
85º - No sentido de que cabe à administração tributária provar a existência de todos os pressupostos que a determinaram a efetuar correções ao declarado pelo contribuinte, pronunciou-se o Acórdão do TCA -Norte de 19/11/2020 in processo nº 508/18.1BEAVR, onde foi apreciado um caso idêntico ao do aqui em apreço.
86º - O Tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento quanto à matéria de facto, e violou os artigos 88º nº 1 do CIRC e, arts.º 8º al. e), artsº 58º, 74º nº 1, 99º da LGT, arts.º 45º, 100 e 125º do CPPT, arts.º 154º, 607º nº 4 e 5 e 615º nº 1 als. B), c), e d), a art.º 266º da CRP.

Termos em que, se requer a V. Exas. conceder provimento ao presente recurso, e em consequência, ser revogada a sentença ora recorrida, e substituída por uma outra que julgue a Impugnação Judicial totalmente procedente condenando a Ré no pedido formulado pela Impugnante, conforme consta da Impugnação judicial.”
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Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; submete-se o processo à Conferência para julgamento.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida enferma de nulidade, designadamente por contradição entre os fundamentos e a decisão, se incorreu em erro de julgamento de facto e de direito, ao considerar que a AT actuou legalmente, carreando elementos suficientes para que fossem desconsiderados os custos declarados e não fosse deduzido o respectivo IVA, por se verificarem indícios sérios de “facturação falsa”, e se incorreu em erro de julgamento no que tange à tributação autónoma, por se verificarem “despesas não documentadas”.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto
Da sentença prolatada em primeira instância consta decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
Com relevância para a decisão a proferir consideram-se provados os seguintes factos [a numeração da paginação referida será efetuada por apelo à paginação eletrónica constante do SITAF salvo expressa menção em sentido contrário]:
A. A Impugnante é uma sociedade comercial que se à prestação de serviços de publicidade [cfr. resulta do relatório inspetivo. Facto incontrovertido].
B. A Impugnante foi alvo de procedimentos inspetivos efetuados a coberto das OI201701459 e OI201702418 com referência aos exercícios de 2013 a 2015.
[cfr. emerge do relatório inspetivo integrante do procedimento administrativo inserto nos presentes autos].
C. No âmbito do procedimento inspetivo referido no facto precedente foram propostas as seguintes correções (EUR):

2013
2015
Matéria Tributável
IRC
725,56
IVA
Imposto em falta
IRC
1.122,68
52.046,10
IVA
25.387,80
[cfr. emerge do relatório inspetivo que faz parte integrante do procedimento administrativo inserto nos presentes autos].
D. As correções propostas pela Inspeção Tributária tiveram a seguinte fundamentação:
“(...)
II.3.6.1. Faturas-recibo emitidas por AA
Durante o ano de 2013 o SP R..., Lda contabilizou sete faturas-recibo de atos isolados (Anexo II) emitidas por AA (doravante apenas AA), NIF ...., conforme quadro abaixo:

Registo Contabilístico Data / Diário / N.º Doc.
Recibo N.º
Data
Descritivo
Gasto
IVA
Emissão
Prest. Serviço
Conta SNC
Valor €
Conta SNC
Valor €
2013-10-31 1 6
20
31-10-2013
1-10-2013
A
62113
15.000,00 €
2432331
3.450,00 €
2013-10-31 1 7
21
31-10-2013
4-10-2013
B
62113
15.000,00 €
2432331
3.450,00 €
2013-11-30 1 34
23
26-11-2013
26-11-2013
C
62113
14.200,00 €
2432331
3.266,00 €
2013-11-30 1 35
24
26-11-2013
26-11-2013
D
62113
16.340,00 €
2432331
3.758,20 €
2013-12-31 1 53
33
30-12-2013
30-12-2013
E
622113
12.000,00 €
2432331
2.760,00 €
2013-12-31 1 54
31
27-12-2013
27-12-2013
F
622113
11.100,00 €
2432331
2.553,00 €
2013-12-31 1 55
32
27-12-2013
27-12-2013
G
622113
20.500,00 €
2432331
4.715,00 €
104.140,00 €23.952,20 €

A - Montagem de painéis (material fornecido pelo cliente) no local de ...x referente às autárquicas de 2013.
B - Montagem de painéis (material fornecido pelo cliente) no local de ...y referente às autárquicas de 2013.
C - Montagem de painéis (material fornecido pelo cliente). Alteração de imagem da 2° fase. Locais: Concelho de ...k..., referente a autárquicas de 2013.
D - Serviço de manutenção de painéis / rede fixa. Decapagem, pintura, alteração de chapas danificadas, revisão das Infraestruturas dos mociços ao solo. Locais: ...k ..., ... e ....
E - Serviço de reposição de estruturas - derivado ao temporal do dia 24 de dezembro de 2013.
F - Serviço de manutenção de painéis / rede fixa. Decapagem, pintura, alteração de chapas danificadas, revisão das infraestruturas
dos mociços ao solo. Locais: ... e ....
G - Serviço de manutenção de painéis I rede fixa. Decapagem, pintura, alteração de chapas danificadas, revisão das infraestruturas dos mociços ao solo. Locais: ..., ... e ....

Conforme já se referiu, estas faturas-recibo emitidas por AA, registadas na contabilidade do SP R..., Lda, foram o motivo que desencadeou o presente procedimento inspetivo, por aquele SP (AA) estar sinalizado como não declarante e emitente de documentos, no caso faturas-recibo, que titulam serviços que não têm subjacente operações efetivas, ou, dito de outra forma, representam os chamados negócios simulados ou faturas falsas.
Independentemente dos elementos disponíveis no seio da AT sobre o emitente AA, que se detalharão de seguida, o SP R..., Lda, enquanto operador económico registado, não se pode refugiar no desconhecimento da lei ou em chavões do género “não sabemos onde trabalha", “não temos qualquer contacto", “foi para aquele serviço e depois nunca mais o contactámos”, “não sabemos onde são as suas instalações”, etc., numa manifesta violação das mais básicas noções / atuações correntes nas relações comerciais entre clientes e fornecedores.
No que tange ao invocado desconhecimento da lei, o que não se concede de todo, atendendo ao facto de estarmos perante contribuintes que, não obstante a sua dimensão económica não despiciente, subcontratam serviços de contabilidade e consultoria fiscal, para além das infrações óbvias, em sede de IRC e IVA, pela utilização de faturas-recibo que não consubstanciam a aquisição de serviços efetivos, saltam à vista pelo menos mais estas duas infrações / desconformidades de natureza fiscal:
(I) O SP R..., Lda aceitou como documentos que titulam serviços efetuados (adquiridos), sete faturas-recibo de ato isolado, emitidos entre outubro e dezembro de 2013, com indicação de serviços efetuados naquele período, o que denota desde logo alguma “distração” por parte do adquirente do serviço:
a. Como o próprio nome indica, ato isolado constitui uma ação isolada e não prevista / recorrente, o que não é manifestamente o caso do emitente em questão que emitiu (para a R..., Lda, entenda-se) sete faturas-recibo, relativas a “supostos" serviços efetuados durante aqueles meses, todos do mesmo género, logo deveria ser um operador registado, no mínimo, como prestador de serviços / trabalhador independente (categoria B do IRS) e não, como se "apresentou", como um prestador de um serviço esporádico (ato isolado);
b. Acresce referir que não existe qualquer razão para que não tenha sido feita a retenção na fonte de IRS no momento do pagamento / colocação à disposição dos valores em causa: era uma obrigação que recaía sobre o SP R..., Lda que, à luz da alínea c) do n.° 1 do artigo 101° do CIRS, ascendia aos 11,5% - a única possibilidade de tal acontecer seria a circunstância dos valores em causa não atingirem os limites previstos no n.° 1 do artigo 53° do CIVA (€ 10.000,00), o que não é manifestamente o caso em qualquer um dos recibos;
(ii) Quando instado a provar / apresentar elementos comprovativos dos pagamentos efetuados a AA, o SP R..., Lda, invocando que se tratava de solicitação de AA, referiu que grande parte dos pagamentos teriam sido efetuados em numerário, o que, atendendo aos valores em questão, viola o n.° 3 do artigo 63°-C da LGT que estipula a obrigação relativa a pagamentos superiores a € 1.000,00 de permitirem a identificação inequívoca do destinatário final dos mesmos, o que não se verifica, de todo, quando se realizam "pagamentos em numerário".

II.3.6.2. Elementos disponíveis na AT sobre AA
No âmbito de ação externa levada a cabo pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de ..., credencial DI ...69, foram recolhidos os elementos que a seguir se detalham sobre o SP AA (AA), NIF ...:
(i) Apesar de ter declarado no cadastro da AT domicílio fiscal no Reino Unido (...), ouvido em auto de declarações indicou que possui endereço em Portugal para onde pode ser encaminhada a correspondência: Beco ...;
(ii) Apesar de não estar registado para o exercício de qualquer atividade, emitiu ao longo dos anos 2013, 2014, 2015 e 2016 recibos verdes ou faturas recibo, para diversas entidades, num montante global que ascendeu a € 485.041,04, acrescidos de IVA no montante de € 111.559,44, totalizando € 596.600,48;
(iii) Os diversos documentos emitidos (recibos verdes de atos isolado e faturas-recibo), foram emitidos a título de “honorários” e têm descritivos diversos (serviços de corte, costura, serviços da equipa “A", montagem e desmontagem de estruturas, colocação de painéis, manutenção de painéis, venda de equipamento, etc.), apesar de nunca terem sido indicadas / identificados quaisquer meios técnicos e humanos (leia-se, instalações, equipamentos e pessoal) que permitissem levar a cabo os serviços que referem terem sido efetuados;
(iv) Nas diligências efetuadas junto dos contribuintes (SP operadores económicos registados) utilizadores dos documentos emitidos por AA, identificaram-se traços comuns de atuação, para além de outras coincidências, conforme se detalha:
a. Cerca de 80% dos documentos emitidos com os valores em causa (na ordem dos 390 mil euros de base tributável), estão concentrados em seis operadores económicos (SP utilizadores) cujos serviços de contabilidade e consultoria fiscal são prestados pela mesma sociedade: V... Lda, NIF ...., com sede em FF, sendo que o contabilista certificado indicado no cadastro da AT para aqueles SP é GG, NIF ...., ou HH, NIF ..., respetivamente sócio gerente e funcionária daquela sociedade;
b. Das diligências efetuadas de solicitação de cópia.. frente e verso dos cheques emitidos para pagamento a AA, concluiu-se que, em regra, os únicos valores pagos efetivamente à ordem de AA, e depositados em conta bancária por si titulada [Ou pelo menos com a sua identificação simultaneamente na frente e no verso do cheque, o que pressupõe que terá sido o próprio a fazer o levantamento / recebimento do mesmo.],
correspondem ao somatório dos valores do IVA mencionados nos documentos (faturas-recibo) emitidos;
c. Relativamente aos restantes valores, utilizaram-se expedientes diversos, como sejam, valores em aberto e regularizados aquando da intervenção da AT por via de encontro entre contas, valores que apesar de registados como sendo pagamentos a AA se veio a concluir tratar-se de levantamentos em numerário por funcionários ou pelos sócios gerentes dos SP, ou ainda depositados em contas particulares dos sócios gerentes, ou de outras empresas clientes, em relação especial com o SP em causa, etc.;
d. A maioria dos intervenientes (SP`s utilizadores) referiu terem sido utilizados os expedientes de "pagamentos em numerário" por solicitação de AA, porque teria problemas com os Bancos, mas a "tese" acabou por ser contrariada quando se percebeu que parte dos pagamentos (nomeadamente a parcela correspondente ao IVA) foram efetivamente pagos com cheque nominativo e à ordem do próprio AA;
e. Em regra, não têm qualquer contacto atual com AA, tendo os serviços em causa sido isolados, não foram efetuadas quaisquer consultas prévias / pedidos de orçamentos, nem existem quaisquer outros meios id6neos de prova (documentos de transporte / guias dos materiais utilizados / transportados entre as empresas e as “instalações” de AA, etc.) sobre a efetividade dos serviços adquiridos e não conhecem as instalações, meios e/ou pessoal ao serviço de AA;
f. Das diligências efetuadas junto daqueles seis operadores económicos, não existe evidência de práticas comerciais com outros fornecedores que sejam similares às levadas a cabo com AA, como sejam, pelo menos, pagamentos em numerário de faturas (ou documento equivalente) com montantes t5o expressivos, desconhecimento absoluto das instalações e meios onde são efetuados os serviços subcontratados;
(v) No âmbito daquela credencial, AA foi ouvido em auto de declarações [Os referidos autos de declarações constam em arquivo da AT, junto da referida credencial, bem como (cópia) junto dos "papéis de trabalho" da presente ordem de serviço, não se juntando cópia ao presente relatório na medida em que consta informação relativa a outros SP sem qualquer relação com o SP R..., Lda, a não ser o denominador comum de serem utilizadores de faturas recibo emitidas por AA , razão pela qual se entende ser de preservar o sigilo fiscal] por duas vezes, a 23 e 30-05-2017, tendo afirmado o que de seguida se resume:
a. Confrontado com o “volume" de faturas-recibo emitidas entre 2013 e 2016, confirmou ter sido ele mesmo a emitir os documentos no Portal da AT e que os entregou aos utilizadores-clientes na pessoa dos gerentes / responsáveis;
b. Identificou uma empresa (A - nome fictício) para quem teria emitido um recibo verde (RV008) no montante € 3.000,00 acrescidos de € 690,00 de IVA, em 24-07-2013, mas que não corresponde a qualquer transação realizada, tendo recebido apenas € 50,00 pelo documento;
c. Numa primeira fase referiu que tinha recebido todos os valores na altura da emissão dos documentos, nada lhe sendo devido pelos clientes;
d. Relativamente ao cliente B (nome fictício), não terá recebido a totalidade dos valores (constantes das faturas recibo emitidas) porque o trabalho não terá sido bem executado;
Declarou ainda que, relativamente a este cliente, que os restantes valores recebidos, além dos € 5.500,00, foram levados por si para um banco em França;
e. Referiu ainda que possuía conta bancária na Caixa ....1, não sabendo o n.° da conta; perante a solicitação dos extratos bancários, de janeiro de 2013 a dezembro de 2016, não só daquela conta como também da conta que referiu possuir em França (para onde referiu ter canalizado parte dos valores recebidos), respondeu que não sabia se o banco forneceria essa informação e que iria consultar o seu advogado;
f. Relativamente à empresa R..., Lda, referiu que todos os valores das faturas foram recebidos aquando da emissão, nada lhe sendo devido, sendo que os cheques foram levados para França e depositados na sua conta bancária; Conforme se detalhará adiante, no âmbito do presente procedimento inspetivo concluiu-se que: (i) só os valores do IVA foram objetivamente pagos a AA e no final de 2013, (ii) o remanescente, manteve-se em aberto até ao inicio de 2015, foi levantado ao balcão por funcionários do SP R..., Lda (com relações familiares com os sócios gerentes), ao que se seguiram, em regra, entregas em numerário (de valores aproximados) na conta bancária da empresa, a título de “empréstimos / suprimentos dos sócios"; Assim sendo, significa que estamos perante falsas declarações de AA que afirmou ter recebido todos os valores incluídos nos documentos emitidos e na altura da respetiva emissão, acrescentando, no caso da R..., Lda, que os cheques teriam sido levados para França onde teriam sido depositados;
g. Relativamente a um outro cliente para quem emitiu faturas recibo (cliente C - nome fictício) no montante global de € 20.602,50 (valor com IVA incluído - RV n.° 58 e 59), não se lembra se executou algum serviço e se recebeu aquele valor, não obstante afirmar ter sido ele a entregar os documentos (fatura recibo) na empresa; Relativamente a este cliente C, importa referir que na sequência de diligências efetuadas pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de ... (DI...23). o mesmo (responsáveis da empresa C) acabou por reconhecer as ilicitudes praticadas, regularizando voluntariamente a situação em falta por via da submissão de declarações de substituição de IVA e IRC;
h. Relativamente a um outro cliente para quem emitiu faturas recibo (cliente D - nome fictício) no montante global de € 14.760,00 (valor com IVA incluído — RV n.° 69 e 70), não se lembra que tipo de trabalho fez e se o mesmo foi liquidado na totalidade; Relativamente a este cliente D, importa referir que na sequência de diligências efetuadas pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de ... (DI201703634), o mesmo (responsáveis da empresa D) acabou por reconhecer as ilicitudes praticadas, regularizando voluntariamente a situação em falta por via da submissão de declaração de substituição de IVA [Neste caso não foi substituída a declaração modelo 22 de IRC na medida em que, tratando-se do ano de 2016 e tendo sido recebida a notificação antes de ser submetida a declaração anual do exercício (antes do final de Maio de 2017), o sujeito passivo corrigiu atempadamente o resultado tributável a declarar, tendo feito prova do mesmo]:
i. Por fim e em termos genéricos, excetuando as situações particulares acima referidas, afirmou que "... executou os trabalhos que constam da designação das faturas com equipas de estrangeiros a trabalhar ao negro, estrangeiros esses que os ia buscar numa carrinha de nove lugares, Mitsubishi, oriundos de Espanha, mas não eram espanhóis, principalmente emigrantes romenos e ucranianos e que não se lembra do nome de nenhum deles.".
Mais recentemente (em 29-09-2017), no âmbito das credenciais específicas a seis dos contribuintes utilizadores das faturas-recibos emitidas por AA, entre os quais o SP R..., Lda, através da colaboração de GG (contabilista certificado e sócio gerente da sociedade que presta os serviços de contabilidade aos referidos seis contribuintes), conseguiu-se contactar novamente AA. Voltámos a recolher um termo de declarações, em que AA reitera as informações antes recolhidas, não havendo grandes divergências. De todo o modo, reproduzem-se para o presente relatório os factos relatados, com exceção das referências a outros contribuintes:
“(...)
No âmbito das declarações prestadas, foi afirmado pelo declarante acima identificado:
(i) Questionado sobre a veracidade dos serviços prestados que constam nos documentos (faturas-recibo de ato isolado) emitidos, referiu que os serviços existiram e que foram efetivamente prestados:
(ii) Questionado sobre a razão por nunca se ter registado na AT para o exercício de uma atividade profissional, referiu que desconhecia ser necessário na medida em que vinha emitindo os recibos verdes diretamente no portal das finanças, pelo que considerava ser essa via a suficiente em termos declarativos:
(iii) Questionado sobre a razão para não ter declarado (para efeitos de IRS e IVA) à AT os valores constantes das faturas-recibo emitidas, referiu que estando os recibos verdes declarados no portal das finanças, não seria necessária mais nenhuma obrigação em termos declarativos: no entanto, reconhece saber que nunca entregou os valores do IVA constantes nos documentos emitidos; No entanto, também quer deixar claro que investiu num conjunto de automóveis para venda que vieram a ser apreendidos pela Alfândega de ..., sendo essa a principal razão para não ter entregue o IVA;
(iv) Questionado sobre os locais e meios, técnicos e humanos, utilizados para levar a cabo o volume de serviços que constam dos documentos emitidos, nomeadamente serviços de corte e costura, bem como de arranjo, colocação e montagem de painéis publicitários, referiu que os trabalhos foram executados num armazém na zona industrial do ...; o referido armazém estaria cedido por uma amigo a quem pertencia o armazém e que entretanto foi para Angola; No referido armazém existiam máquinas e equipamentos para a realização dos trabalhos de corte e costura; a mão-de-obra era recrutada essencialmente por pessoal estrangeiro (romenos e ucranianos) que trazia de Espanha: os pagamentos eram efetuados a dinheiro vivo;
(v) Questionado sobre a existência de comprovativos do transporte de bens / matérias-primas / produtos acabados conexos com os serviços prestados, nomeadamente guias de transporte, referiu que não tinha nada, também porque a maioria dos clientes eram da zona, muito perto;
(vi) Questionado sobre a existência de comprovativos idóneos (nomeadamente extratos bancários pessoais) em como terá recebido os valores constantes nas faturas-recibo emitidas, bem como terá pago aos eventuais fornecedores ou pessoal que terá subcontratado, referiu que a maioria dos recebimentos e pagamentos eram efetuados em dinheiro e em valores certos, como sejam € 1.000,00, € 1.500,00, €2.000,00, etc.; continua a não ter extratos bancários para disponibilizar à AT;
(vii) Questionado especificamente sobre os serviços, meios utilizados, recebimentos e forma de contacto com algumas das sociedades em análise (para quem emitiu faturas-recibo), referiu o seguinte:
a. (...)
b. Relativamente à sociedade R..., Lda, com o NIF ... não aconteceu nada de relevante para além do que referiu em termos genérico, exceto que os trabalhos estão relacionados com a manutenção de painéis publicitários e afins por altura das eleições autárquicas; referiu ainda que o material era fornecido pelo cliente;
c. (...)
(viii) Questionado sobre a sua atividade profissional atual, referiu que trabalha na área de compra e venda de automóveis e pneus usados, nomeadamente em França. Luxemburgo e Reino Unido.
(ix) Questionado sobre a sua residência habitual quando se desloca a Portugal, referiu que para efeitos de correspondência pode ser contactado para o seguinte endereço: B ... - ...
(...)”
Em síntese, estamos perante um cidadão (AA) que, não estando registado para o exercício de qualquer atividade profissional, durante os anos de 2013 a 2016, emitiu recibos verdes e/ou faturas recibo de ato isolado, em montante que ascendeu a pouco menos de seiscentos mil euros (IVA incluído), nunca tendo declarado qualquer valor para efeitos de IRS, nem entregue o valor do IVA (superior a cem mil euros) que foi liquidado em cada um dos documentos emitidos.
Confrontado com estes factos, não obstante manter que, para a esmagadora maioria dos casos, efetuou os serviços descritos nos documentos emitidos, que recebeu os valores em causa na altura da emissão dos documentos e que os mesmos foram depositados em contas bancárias suas em Portugal e em França, a verdade é que não logrou, de todo, comprovar o alegado:
(i) Não existem quaisquer evidências de meios técnicos utilizados (equipamentos / máquinas) para, por exemplo, efetuar trabalhos de corte e costura em peles / couro, nem documentos ou guias de transporte dos materiais ou produtos finais entre as instalações dos clientes e as suas;
(ii) Não existe evidência das instalações que terão sido utilizadas para efetuar os trabalhos que são referidos, nem são conhecidas quaisquer outras instalações onde exerça ou tenha exercido atividade - as referências efetuadas neste último termo de declarações continuam a ser vagas, mesmo porque não identificou o referido armazém, apesar de reconhecer que já lá não estaria nada porque o próprio equipamento / máquinas já teriam sido levadas para Angola pelo tal amigo que lhe cedeu o armazém e equipamento;
(iii) Não foram identificadas quaisquer pessoas que tenham trabalhado para AA, nem no âmbito dos "serviços” referidos nos documentos emitidos, nem em qualquer outra atividade sob o seu comando;
(iv) Não fez prova do depósito dos valores em causa em contas bancárias por si tituladas, nem quando lhe foram solicitados os extratos bancários das respetivas contas;
(v) Contrariamente ao alegado, existem evidências claras e inequívocas de que parte substancial dos valores em causa acabou por ser levantada em numerário ao balcão, pelos próprios sócios-gerentes ou funcionários das empresas suas clientes, ou ainda outros destinos (outras empresas, terceiros sem quaisquer relação com os referidos clientes, etc.);
(vi) Ele próprio assume ter emitido documentos que não consubstanciam serviços efetivos, para além de pelo menos duas empresas clientes (utilizadores) já terem assumido a ilicitude e regularizado as situações em falta.
Em suma, pelos elementos acima referidos, resulta evidente que estamos perante um emitente de faturas recibo / recibos verdes falsos, que pretendem titular serviços prestados que não consubstanciam operações efetivas, desde logo porque o emitente não evidencia estrutura (leia-se meios técnicos de instalações e equipamentos, e/ou humanos) capaz para a respetiva execução, sendo que de entre todos os indícios recolhidos e que se foram descrevendo ao longo do presente relatório, destacam-se as seguintes práticas / evidências que se constataram e legitimam o enquadramento preconizado pela AT:
(i) Documentos emitidos preferencialmente no final do ano;
(ii) Pagamento (por parte dos SP utilizadores) a AA (emitente), ainda que efetuado em parcelas, apenas do valor correspondente ao somatório dos valores do IVA;
(iii) Diferença (valores em aberto), apesar de "registada” como se de pagamentos a AA se tratassem, estão documentadas com cheques ao portador, levantados em numerário ao balcão, desconhecendo-se a identidade dos beneficiários finais, ou, quando conhecida, não lograram justificar o motivo pelo qual tais pagamentos terão sido efetuados;
(iv) Ausência total de quaisquer comprovativos das operações / “serviços” realizados, seja na esfera do emitente (AA), seja na esfera das empresas utilizadoras; e
(v) Por último, mas não menos relevante, o facto de algumas das empresas utilizadoras já terem assumido as ilicitudes em causa e, perante a intervenção da AT, terem-se prontificado a regularizar as situações em falta.
Resta referir que estamos na presença do chamado negócio simulado, cuja moldura está tipificada no artigo 103° do RGIT como Crime Fiscal, sendo que na perspetiva do emitente, sendo não declarante, está em causa a falta de declaração de rendimentos em IRS e a falta de entrega de imposto (IVA) indevidamente liquidado.
Por outro lado, na perspetiva dos utilizadores, a vantagem patrimonial indevida consubstancia-se na dedução indevida de gastos (1RC) e na dedução indevida de IVA. Por outro lado, em resultado dos exfluxos financeiros das sociedades, que foram efetivos, estando associados a despesas não documentadas (por falta de identificação inequívoca dos beneficiários daqueles fluxos financeiros), está também em causa a falta de tributação autónoma (IRC) prevista no artigo 88° do CIRC.

II.3.6.3. Relação R..., Lda e AA: elementos recolhidos
No decurso do procedimento inspetivo ao SP R..., Lda, com referência aos registos e documentos emitidos por AA, para além de terem sido recolhidos os originais dos documentos emitidos, notificámos (Anexo III) os responsáveis do SP para esclarecimentos adicionais, nos termos que de seguida se reproduzem:
“(...)
1. justificar, na óptica do artigo 23.º do CIRC, a indispensabilidade dos gastos registados nas contas SNC 62113 e 622113, ano de 2013, conforme registos que se listam abaixo:

Data / Diário / N.º Doc.
Conta SNC
Observação
Valor €
2013-10-31 1
6
62113
Fatura-Recibo de AA
15.000,00 €
2013-10-31 1
7
62113
Fatura-Recibo de AA
15.000,00 €
2013-11-30 1
34
62113
Fatura-Recibo de AA
14.200,00 €
2013-11-30 1
35
62113
Fatura-Recibo de AA
16.340,00 €
2013-12-31 1
53
622113
Fatura-Recibo de AA
12.000,00 €
2013-12-31 1
54
622113
Fatura-Recibo de AA
11.100,00 €
2013-12-31 1
55
622113
Fatura-Recibo de AA
20.500,00 €

2. Para além de justificar a indispensabilidade daqueles gastos para a obtenção de rendimentos sujeitos a IRC, relativamente àqueles gastos, pretende-se ainda:
a. Indicação clara do tipo de trabalho subcontratado e justificação para o mesmo;
b. Eventuais contratos, propostas ou orçamentos prévios ou troca de comunicação em que terão sido encomendados aqueles serviços;
c. Guias de transporte ou afins comprovativos da eventual saída e/ou entrada, das instalações da empresa, de matérias-primas /mercadorias conexas com aqueles trabalhos;
d. Detalhe dos funcionários que prestaram aquele serviço, com as eventuais folhas de obra que incluam os dias e trabalhos efetuados, bem como o local onde o serviço foi prestado;
e. Identificação (nome e NIF) dos eventuais funcionários que terão sido subcontratados por aquele prestador de serviço;
f. Correspondência entre os trabalhos efetuados (prestados por AA) e o cliente final (da sociedade R..., Lda) para quem foram repercutidos aqueles serviços, com apresentação da faturação subsequente respetiva;
g. Indicação se aqueles documentos emitidos já foram totalmente liquidados, ou. dito de outra forma, se a sociedade ainda está em dívida com AA relativamente aos serviços prestados que foram titulados por aqueles sete documentos;
h. Tendo sido apresentado um extrato de conta-corrente com AA (conta SNC 2211 - código 664), onde constam pagamentos efetuados por cheque em fevereiro de 2015, justificação para o diferimento deste pagamento para o ano de 2015;
i. Relativamente aos cheques (frente e verso) que nos foram exibidos como tendo sido para efetuar pagamentos a AA em fevereiro de 2015 (quatro cheques no valor de € 11.192,20, € 28.000,00, € 30.000,00 e € 35.000,00), justificação para os mesmos terem sido levantados ao balcão pelas funcionárias da sociedade EE e DD, que são também familiares dos sócios gerentes da sociedade;
j. Comprovativos idóneos dos efetivos beneficiários finais daqueles valores,
3. Comprovativos idóneos em como as entradas, efetuadas através de depósitos em numerário em contas bancárias da sociedade (Banco ..., conta ...12), a título de "suprimentos dos sócios" e registadas nas contas SNC 253212201 e 253212202 (registos n.° 10, diário 5, em 28-02-2015), nos montantes de € 25.000,00 (12,5 mil em cada), € 28.000,00 (14 mil em cada) e € 33.000,00 (16,5 mil em cada), têm origem efetiva nos sócios gerentes da sociedade (II e JJ);
(...)”
Em resposta à notificação da AT, conforme (Anexo IV), os responsáveis do SP prestam os esclarecimentos que a seguir se reproduzem:
“(...)
1 - Os gastos efetuados e registados ocorreram na sequência das encomendas recebidas dos vários partidos políticos, por causa das eleições autárquicas de 2013, que tornaram indispensável a aquisição dos serviços de montagem de painéis e aplicação dos respetivos cartazes publicitários. Além disso, naquele mesmo ano foi necessário reparar (levantar, endireitar e pintar) e repor alguns painéis, propriedade da “R..., Lda", em virtude dos temporais ocorridos naquele ano, uma vez que a companhia de seguro declinou qualquer responsabilidade, tendo a “R..., Lda" que ordenar e custear a sua reparação.
2 -
a) - O trabalho subcontratado foi aquele que vem mencionado nas respetivas faturas (montagem e reparação de painéis), pelas razões acima descritas.
b) - Em ambas as situações, a contratação foi verbal, feita via telefone, em função das necessidades. Isto é a prática normal e corrente da nossa empresa. Jamais fizemos contratos com quem nos presta serviços. Não é prática da nossa empresa.
c) Não foram emitidas guias de transporte por parte da empresa “R..., Lda” uma vez que o serviço foi prestado pelos funcionários do Sr. AA, sendo ele quem fez o transporte e aplicação do material, pelo que era da sua responsabilidade emitir e fazer-se acompanhar de tais guias;
d) Na sequência do que atrás foi dito, esclarecemos que não temos folhas de obra, nem sabemos quem foram os funcionários que executaram o trabalho, porque os mesmos não foram efetuados por nós.
e) Não sabemos.
f) As faturas emitidas pelo Sr. AA são referentes a diferentes campanhas eleitorais (diferentes partidos e Municípios):
Partido B...
Partido ...
Partido ...
Partido B...
E incluem ainda a mencionada reparação de Outdoors da rede de sistema de aluguer, propriedade R..., Lda
g) Tudo liquidado, nada devendo ao Sr. AA.
h) Efetivamente o pagamento final dos serviços prestados pelo Sr. AA foi efetuado no ano de 2015, sendo que tal diferimento se deveu ao facto de parte do trabalho de reparação e reposição dos painéis ter sido efetuado no decurso do ano de 2014 (trabalhos referentes às contas SNC 62113, 622113).
Além disso os trabalhos executados para os partidos políticos, referente às autárquicas de 2013, foram pagos à "R..., Lda” com atraso considerável, sendo que ainda nesta data no ano de 2017 ainda temos facturas por liquidar referente às autárquicas de 2013, o que, associado às dificuldades de liquidez da empresa, impediram o pagamento ao Sr. AA em data anterior. Além de que, no ano de 2014, o Sr. AA exigiu que os pagamentos lhe fossem feitos em numerário pelo facto de ter as suas contas bloqueadas.
i) Em relação aos cheques, o que sucedeu foi o seguinte, no início do ano de 2015, quando o trabalho estava já concluído, o Sr. AA veio à sede da “R..., Lda” pedir, novamente, que o pagamento fosse feito em numerário porque se mantinha a sua situação de bloqueamento das contas bancárias. Face aos valores em causa, a "R..., Lda” disse-lhe que não dispunha de dinheiro para pagar. A solução encontrada, foi a sociedade emitir cheques para serem levantados ao balcão, sendo o seu valor entregue ao Sr. AA. Como os sócios-gerentes andam diariamente a acompanhar e a trabalhar nas montagens e em reuniões, não tendo disponibilidade para irem pessoalmente ao balcão do banco, delegaram tal tarefa nas trabalhadoras EE e DD, que, por serem as únicas que tinham conta no mesmo banco (Millennium) eram também as únicas que conseguiam levantar os cheques ao balcão por se tratar de cheques traçados/cruzados. Os cheques foram depositados e levantados em dias em que o Sr. AA veio à sede da empresa, tendo-lhe sido entregue o respetivo quantitativo em numerário.
j) O beneficiário daqueles valores foi o Sr. AA.
3 - O empréstimo dos sócios deram entrada todos em numerário foram todos efectuados antecipadamente na entidade bancária para fazerem face aos cheques emitidos para pagamento ao Sr AA.
Conforme foi dito, o Sr. AA conclui o trabalho e pretendia ser pago mas face ao atraso no pagamento por parte dos partidos políticos os sócios tiveram que emprestar dinheiro à sociedade para fazer face àquela despesa.
(...)”
Com referência à resposta dos responsáveis do SP à notificação efetuada, importa tecer os seguintes considerandos:
(i) Relativamente aos trabalhos propriamente ditos, a justificação é inatacável, como de resto sucede na grande maioria das situações análogas em que está em causa a utilização de faturação falsa;
(ii) Naturalmente o que não colhe é a total ausência de evidências sobre os trabalhos efetuados: guias de transporte, orçamentos, contactos, troca de correspondência, folhas de obra, etc., sendo que não podemos esquecer a magnitude dos valores em causa: cerca de 104 mil euros (acrescidos de 24 mil euros em IVA) de subcontratos, concentrados num único fornecedor e num tão curto espaço de tempo;
(iii) Nos meios de pagamento utilizados, bem como nas justificações dos responsáveis do SP, entroncam as principais incongruências que legitimam o enquadramento preconizado pela AT, senão vejamos:
a. Há desde logo uma enorme contradição entre as declarações dos responsáveis do SP e as declarações de AA, emitente dos documentos: os responsáveis do SP alegam ter pago o remanescente em aberto durante o mês de fevereiro de 2015 e em numerário, enquanto, por seu lado, AA refere ter recebido todos os valores da R..., Lda, na data da emissão dos documentos (últimos no final de dezembro de 2013), por cheque, que terá levado para França onde os terá depositado numa conta por si titulada;
b. Também existe uma inconsistência quando os responsáveis do SP alegam que o diferimento de parte do pagamento se deveria ao facto dos trabalhos terem decorrido também durante o ano de 2014, quando dos próprios documentos emitidos consta a data da efetiva prestação do serviço que, em regra, é anterior à data da emissão do documento - e todos eles foram emitidos em 2013;
c. Da disponibilização das imagens frente e verso dos cheques da sociedade (Anexo V) que serviram para pagar a AA, conforme se detalhará mais adiante, conclui-se que o valor efetivamente emitido à ordem de AA, distribuído por cinco cheques todos pagos no final de 2013, ascendeu a € 23.900,00 que, curiosamente ou talvez não, corresponde praticamente ao valor do IVA dos documentos emitidos (€ 23.952,20);
d. Quanto ao remanescente (€ 104.192,20) que ficou em “aberto" na conta-corrente com o fornecedor AA, foi regularizado em fevereiro de 2015 com a emissão de quatro cheques que, não obstante estarem documentados na contabilidade como se de pagamentos a AA se tratassem, se veio a provar estarem emitidos "ao portador”, constando do verso a identificação de duas funcionárias do SP R..., Lda, com vínculo familiar aos dois sócios gerentes (esposa e irmã) da sociedade, que terão procedido ao levantamento em numerário daqueles valores;
e. Na resposta à notificação da AT, os responsáveis do SP confirmam que os cheques terão sido levantados por aquelas funcionárias para pagar em numerário a AA;
f. Acontece que, conforme se pode ver no Anexo VI, para a esmagadora maioria daquele valor, na mesma data em que foram pagos / levantados aqueles cheques ao balcão, foram efetuadas entregas em numerário na mesma conta, de valores bastante aproximados, contabilizados como “suprimentos / empréstimos” dos sócios à sociedade;
g. Dito de outra forma, estamos em crer que o dinheiro saiu e voltou a entrar na esfera da sociedade, com uma pequena nuance: os sócios passaram a ser credores da sociedade por conta de alegados empréstimos (?) que terão (?) efetuado, donde decorre que a qualquer momento poderão retirar aqueles valores da empresa sem qualquer tributação;
h. Acresce referir que sobre esta matéria, em resposta à notificação da AT para apresentar comprovativos idóneos da real proveniência / origem nos sócios destes suprimentos, os responsáveis do SP limitaram-se a referir que os empréstimos haviam sido efetuados em numerário [Que havia sido efetuado em numerário já a AT sabia. O que se pretendia eram comprovativos id6neos da origem daqueles valores, ou seja, para efetuar entregas em numerário de 86 mil euros (25+28+33) no espaço de três dias (ente 2 e 4 de fevereiro de 2015), importava apresentar, por exemplo, comprovativos desses levantamentos de contas particulares dos sócios, efetuadas nesses dias ou, quanto muito, próximos. Ou teriam os sócios esse dinheiro à sua guarda escondido em qualquer colchão? Não s6 os responsáveis e sócios gerentes não aportaram ao processo qualquer comprovativo idóneo, como resulta, por demais evidente, que os valores entregues a título de "suprimentos” são os mesmos que alegadamente serviriam para pagar a AA] e
que se destinavam ao pagamento dos cheques a AA porque a empresa não teria disponibilidades para tal - ora tal facto é comprovadamente falso, porquanto não é essa a realidade que retrata o extrato bancário da sociedade constante no Anexo VI.
Em conclusão, os factos elencados ao longo do ponto II.3.6. do presente relat6rio levam a concluir estarmos perante a utilização, por parte do SP R..., Lda, de documentos, emitidos por AA, a titular “serviços" que não consubstanciam operações efetivas, sendo que tal desiderato permitiu ao SP R..., Lda obter vantagens patrimoniais decorrentes da dedução indevida de gastos na quantificação do resultado tributável em IRC, falta de tributação aut6noma em IRC (despesas não documentadas) e dedução indevida de IVA.
(...)
III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS
III.1. IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO DE PESSOAS COLETIVAS
.... Correções ao Resultado Tributável
III.1.1.1. Documentos que representam negócio simulado / faturas falsas
Conforme se detalhou ao longo dos pontos II.3.6.1. a II.3.6.3. do presente relat6rio, o SP R..., Lda registou na sua contabilidade, no ano de 2013, gastos cujos documentos de suporte são faturas-recibo de atos isolados emitidas por AA, contribuinte sinalizado na AT como emitente de documentos falsos porquanto não têm subjacentes operações efetivamente realizadas.
Os documentos e registos em causa são os que constam do quadro abaixo:

Registo Contabilístico Data / Diário / N.º Doc.
Recibo N.º
Data
Descritivo
Gasto
IVA
Emissão
Prest. Serviço
Conta SNC
Valor €
Conta SNC
Valor €
2013-10-31 1 6
20
31-10-2013
1-10-2013
A
62113
15.000,00 €
2432331
3.450,00 €
2013-10-31 1 7
21
31-10-2013
4-10-2013
B
62113
15.000,00 €
2432331
3.450,00 €
2013-11-30 1 34
23
26-11-2013
26-11-2013
C
62113
14.200,00 €
2432331
3.266,00 €
2013-11-30 1 35
24
26-11-2013
26-11-2013
D
62113
16.340,00 €
2432331
3.758,20 €
2013-12-31 1 53
33
30-12-2013
30-12-2013
E
622113
12.000,00 €
2432331
2.760,00 €
2013-12-31 1 54
31
27-12-2013
27-12-2013
F
622113
11.100,00 €
2432331
2.553,00 €
2013-12-31 1 55
32
27-12-2013
27-12-2013
G
622113
20.500,00 €
2432331
4.715,00 €
104.140,00 €
23.952,20 €

A - Montagem de painéis (material fornecido pelo cliente) no local de ...x referente às autárquicas de 2013.
B - Montagem de painéis (material fornecido pelo cliente) no local de ...y referente às autárquicas de 2013.
C - Montagem de painéis (material fornecido pelo cliente). Alteração de imagem da 2° fase. Locais: Concelho de ...k ..., referente a autárquicas de 2013.
D - Serviço de manutenção de painéis / rede fixa. Decapagem, pintura, alteração de chapas danificadas, revisão das Infraestruturas dos mociços ao solo. Locais: ..., ...k ..., ..., ... e ....
E - Serviço de reposição de estruturas - derivado ao temporal do dia 24 de Dezembro de 2013.
F - Serviço de manutenção de painéis / rede fixa. Decapagem, pintura, alteração de chapas danificadas, revisão das infraestruturas dos mociços ao solo. Locais: ..., ..., ..., ..., ... e ....
G - Serviço de manutenção de painéis I rede fixa. Decapagem, pintura, alteração de chapas danificadas, revisão das infraestruturas dos mociços ao solo. Locais: ..., ..., ..., ..., ... e ....

No que concerne especificamente ao exercício económico de 2013, a consequência daqueles registos contabilísticos nas contas SNC 62113 e 622113 daquelas faturas-recibos, redundou na dedução indevida de gastos no montante global de € 104.140,00.
De entre os factos e evidências recolhidas que preconizam, de forma clara e inequívoca, o enquadramento preconizado pela AT, amplamente detalhados ao longo dos pontos II.3.6.1. a II.3.6.3. do presente relatório, resumem-se de seguida:
(i) Elementos disponíveis na AT sobre o próprio emitente (AA), que é não declarante para efeitos de IVA e IRS, não obstante ter emitido faturas-recibo, entre 2013 e 2016, em valor que ascende a quase seiscentos mil euros (IVA incluído), sendo que nem está registado para o exercício de qualquer atividade profissional, nem evidencia capacidade em termos de meios (equipamentos, instalações e pessoal) para prestar os “serviços” em causa;
(ii) Ouvido (AA) em auto de declarações, não logrou comprovar nem a efetividade dos serviços, nem o recebimento dos valores correspondentes aos documentos (faturas-recibo, recibos verdes, faturas) emitidos;
(iii) Diligências efetuadas pela AT junto dos diversos clientes de AA (utilizadores dos documentos por si emitidos), legitimam os indícios de negócio simulado: pagamento a AA apenas do valor correspondente ao IVA, restantes valores “levantados em numerário" ao balcão e/ou canalizados para contas dos sócios-gerentes das empresas, inexistência de quaisquer comprovativos (mesmo na esfera dos clientes) dos serviços efetuados (orçamentos, guias de transporte, identificação dos meios, pessoas e locais onde os “serviços” foram efetuados, etc.), inexistência de atuações idênticas com outros fornecedores e, mais importante ainda, reconhecimento da ilicitude tipificada, não só pelo próprio AA (embora só relativamente a um caso), como também por duas das empresas clientes que, após intervenção da AT, se prontificaram a regularizar a situação em falta;
(iv) No caso específico do SP R..., Lda, os seus responsáveis não lograram comprovar de forma inequívoca a efetividade dos serviços, existem contradições e incongruências nos esclarecimentos prestados pelos responsáveis do SP e do próprio AA quanto ao momento do recebimento e, mais importante ainda, os elementos recolhidos na contabilidade do SP R..., Lda comprovam que nas
mesmas datas em que foram levantados / pagos os cheques em numerário, alegadamente a AA, os mesmos valores acabaram por entrar novamente nas contas bancárias da sociedade, a título de suprimentos dos sócios ... efetuados também eles em numerário, sem que os referidos sócios, apesar de notificados para o efeito, fizessem qualquer prova da proveniência / origem daquele dinheiro.
Notificados para apresentar cópias frente e verso dos cheques emitidos para pagar a AA pelos “serviços efetuados”, os responsáveis do SP R..., Lda apresentaram os seguintes documentos (ver Anexo V):

Ordem
Cheque n.º
Data
À ordem de:
Valor €
Ref. no verso cheque
Data movim. Banco
A
...72
01-11-2013
(I)
4.000,00 €
(II)
01-11-2013
B
...69
31-10-2013
(I)
2.900,00 €
(II)
05-11-2013
C
...42
26-11-2013
(I)
3.500,00 €
(II)
27-11-2013
D
...39
27-11-2013
(I)
3.500,00 €
(II)
27-11-2013
E
...49
28-12-2013
(I)
10.000,00 €
(II)
27-12-2013
F
...61
02-02-2015
ao portador
28.000,00 €
(III)
02-02-2015
G
...58
03-02-2015
ao portador
30.000,00 €
(IV)
03-02-2015
H
...55
04-02-2015
ao portador
35.000,00 €
(III)
04-02-2015
I
.......43
05-02-2015
ao portador
11.192,20 €
(IV)
05-02-2015
128.092,20€
(I) À ordem de AA
(II) Assinado no verso por AA
(III) Assinado no verso por DD
(IV) Assinado no verso por EE

Como resultado desta diligência (apresentação de cópias frente e verso dos cheques) podem retirar-se as seguintes conclusões objetivas:
(i) Valores pagos a AA: € 23.900,00 [Que basicamente corresponde ao valor total do IVA constante dos documentos emitidos.]
(cheques A e E);
(ii) Valores pagos / levantados por duas funcionárias da sociedade: € 104.192,20 (cheques F a I).
Relativamente às duas funcionárias da sociedade R..., Lda que levantaram ao balcão os cheques F a I supra indicados, importa reforçar que para além de funcionárias (trabalhadoras dependentes do SP) são também familiares diretos dos sócios gerentes do SP R..., Lda:
(i) DD é irmã do sócio gerente JJ e também sobrinha do sócio gerente II;
(ii) EE é esposa do sócio gerente II.
Adicionalmente, os elementos recolhidos não se esgotaram na simples identificação de cheques ao “portador” e que foram levantados em numerário, desconhecendo-se os beneficiários efetivos, situação que entroncaria, desde logo, na existência de fluxos financeiros destinados a pagar “despesas não documentadas", passíveis de sujeitar a tributação em IRC à taxa de 50%.
De facto, conforme já se adiantou em anterior ponto do relat6rio, existe uma ligação bastante objetiva entre aqueles exfluxos financeiros da sociedade (ou pelo menos de grande parte) e a sua reentrada na esfera societária sob a forma de suprimentos dos sócios.
Conforme se comprova pela cópia.. do extrato bancário da sociedade e dos documentos relativos a suprimentos efetuados em fevereiro de 2015 (ver Anexo VI), praticamente nas mesmas datas dos levantamentos dos cheques (alegadamente para pagar a AA em numerário), foram efetuados dep6sitos em numerário, a título de suprimentos / empréstimos dos sócios, senão vejamos:
(i) Em 02-02-2015, foi pago / levantado o cheque n.° ...61 de € 28.000,00, sendo que no mesmo dia foi efetuado depósito em numerário de € 25.000,00 (registo contabilístico n.° 10, diário 5, 28-02-2015, nas contas SNC 253212201 e 253212202);
(ii) Em 03-02-2015, foi pago / levantado o cheque n.° ...58 de € 30.000,00, sendo que no mesmo dia foi efetuado depósito em numerário de € 33.000,00 (registo contabilístico n.° 10, diário 5, 28-02-2015, nas contas SNC 253212201 e 253212202);
(iii) Em 04-02-2015, foi pago / levantado o cheque n.° ...55 de € 35.000,00, sendo que no mesmo dia foi efetuado depósito em numerário de € 28.000,00 (registo contabilístico n.° 10, diário 5, 28-02-2015, nas contas SNC 253212201 e 253212202);
(iv) Em 24-02-2015, foi recebida em conta bancária da sociedade, transferência bancária, no montante de € 7.000,00, proveniente de conta bancária (Banco ...1 n.° ...14) titulada pelos sócios II e JJ [A prova da titularidade desta conta consta dos pr6prios documentos comprovativos dos suprimentos (Anexo VI). No documento relativo à ordem de transferência é visível que a conta pertence a “KK”, ou seja, o sócio-gerente com pelo menos mais alguém. No final do mesmo documento constam as assinaturas dos dois sócios-gerentes (II e JJ) a autorizar a transferência. Para além disso, constam da contabilidade outros movimentos relativos a suprimentos em que foi utilizada aquela conta bancária, designadamente cheques, constando o nome de II no cheque. Por fim não faria sentido que a referida conta fosse de apenas um dos sócios gerentes e os registos contabilísticos correspondentes de contrapartida fossem nas contas SNC dos dois sócios, sempre na proporção de 50% cada].
Tudo somado (pontos i a iv) conclui-se que os exfluxos representados por três daqueles cheques (F, G e H) no montante global de € 93.000,00, reentraram novamente na conta bancária da sociedade, praticamente nas mesmas datas, havendo apenas um diferimento de € 7.000,00 para 24-02-2015 e que, neste caso, foi efetuado por transferência bancária. Relativamente ao remanescente, foi efetuado em numerário, sem que fosse efetuada qualquer prova da origem daquelas entradas como sendo do património individual dos sócios, não obstante o SP ter sido notificado para o fazer - e não esquecer que estamos a falar de entradas em numerário no montante de € 86.000,00, no espaço de trios dias. Ficou por esclarecer (melhor dizendo, por responder) onde e como os sócios “foram buscar” este dinheiro.
Independentemente de estar claro que, aparentemente, o dinheiro voltou a entrar na esfera societária, a verdade é que com esta "manipulação” de valores, os dois sócios gerentes ficaram credores da sociedade num montante de € 93.000,00, sendo que objetivamente não ocorreu qualquer diminuição real do seu patrim6nio individual (ou pelo menos não fizeram prova disso mesmo). Não obstante o exposto, conforme se pode ver pelo respetivo extrato contabilístico (Anexo VII) [Foram exibidos dois extratos (de cada conta), um primeiro no início do procedimento e um segundo numa fase posterior e em resposta à notificação da AT, com alguns lançamentos retificativos, mas que na prática em nada alteram o entendimento da AT aqui vertido], na presente data esse crédito mantém-se, estando os referidos sócios em condições de, a qualquer momento, proceder ao levantamento daqueles valores sem qualquer tributação.
Em face da factualidade acima exposta, fica pelo menos o forte indício de que os valores levantados em numerário ao balcão, representados por aqueles três fluxos financeiros da sociedade (cheques F, G e H), terão tido como destinatários os próprios sócios gerentes do SP R..., Lda, ao que se terá seguido a reentrada do capital na esfera societária, na forma de suprimentos.
Não obstante o exposto, tendo sido notificado para se pronunciar sobre aqueles cheques, os responsáveis do SP em nenhum momento assumem tal desiderato (no que poderia configurar a atribuição de rendimentos aos sócios, fosse da categoria A ou E do IRS), antes, pelo contrário, mantêm que os valores se destinaram a pagar a AA. Nessas circunstâncias, na medida em que não logrou comprovar, de forma inequívoca, que aquele (AA) foi o beneficiário final efetivo dos pagamentos em causa, será proposta a tributação autónoma em IRC, a título de “despesas não documentadas, por se considerar serem fluxos financeiros associados a despesas não documentadas.
Relativamente ao cheque identificado com a letra I, não se tendo conseguido fazer o mesmo tipo de ligação / nexo entre o respetivo pagamento / levantamento e a eventual reentrada na esfera societária, atendendo a que também neste caso os responsáveis do SP mantêm que se trataram de levantamentos em numerário para pagar a AA, sem contudo fazerem prova inequívoca (nem inequívoca, nem mais ou menos, na verdade não efetuaram prova nenhuma) do alegado, será também proposta a tributação autónoma em IRC, a título de “despesas não documentadas", por se considerar serem fluxos financeiros associados a despesas não documentadas.
Por fim, no que respeita aos valores comprovadamente pagos a AA, os mesmos serão objeto de proposta de correção em sede própria / procedimento autónomo dirigido ao referido AA.
Em face do exposto, no que respeita a IRC — resultado tributável, em consequência de toda a factualidade acima descrita, o SP R..., Lda, com referência ao ano de 2013, reduziu o seu resultado tributável no montante global de € 104.140,00, sendo que a norma violada é a do artigo 23° do CIRC e a moldura punitiva está tipificada no artigo 103° do RGIT como Crime Fiscal, que se consubstancia também em virtude dos montantes da vantagem patrimonial obtida (superior a € 15.000,00).
(...)

III.1.1.4. Resumo das correções ao resultado tributável
Em resultado das correções propostas nos pontos III.1.1.1. a III.1.1.3. do presente relatório, resulta um volume global de correções e correspondente alteração do resultado tributável, conforme quadro abaixo:
Valor em €
Ponto Relatório
2013
III.1.1.1
Negócio simulado – faturas falsas
104.140,00
III.1.1.2
Outros gastos não dedutíveis
4.851,09
III.1.1.3
Rendimentos indevidamente registados
-108.265,53
Valor total das correções
725,56
Resultado Tributável Declarado
22.674,70
Resultado Tributável Corrigido
23.400,26

III.1.2. Correções ao Imposto- Tributação autónoma
III.1.2.1. Pagamentos sem identificação dos beneficiários - despesas não documentadas
Conforme se detalhou ao longo dos pontos II.3.6.1. a II.3.6.3. e III.1.1.1. do presente relatório, o SP R..., Lda registou na sua contabilidade, no ano de 2013, gastos cujos documentos de suporte são faturas-recibo de atos isolados emitidas por AA, contribuinte sinalizado na AT como emitente de documentos falsos porquanto não têm subjacentes operações efetivamente realizadas.
Para além da desconsideração do gasto fiscal (conforme proposto no ponto III.1.1.1. do relatório), está também em causa o facto de terem existido exfluxos financeiros a partir de conta bancária da sociedade, associados ao pagamento daquelas faturas.
Conforme se referiu naquele ponto do relatório, o SP R..., Lda foi notificado para comprovar os beneficiários efetivos dos pagamentos efetuados, nomeadamente com a apresentação de cópia frente e verso dos cheques que teriam servido para efetuar aqueles pagamentos.
Da referida resposta, relativamente ao conjunto de cheques que se listam abaixo, obteve-se a seguinte informação:
Ordem
Cheque n.º
Data
À ordem de:
Valor €
Ref. no verso cheque
Data movim. Banco
F
...61
02-02-2015
ao portador
28.000,00 €
(III)
02-02-2015
G
...58
03-02-2015
ao portador
30.000,00 €
(IV)
03-02-2015
H
...55
04-02-2015
ao portador
35.000,00 €
(III)
04-02-2015
I
.......43
05-02-2015
ao portador
11.192,20 €
(IV)
05-02-2015
104.092,20 €
(III) Assinado no verso por DD
(IV) Assinado no verso por EE

Importa notar que cabe aos responsáveis do SP documentar adequadamente a totalidade dos registos contabilísticos efetuados, nomeadamente identificar os beneficiários dos pagamentos da empresa.
A esse respeito sempre se recorda o estatuído no artigo 63°-C da LGT que refere (no n.°1) a obrigatoriedade do SP possuir, "... pelo menos, uma conta bancária através da qual devem ser, exclusivamente, movimentados os pagamentos e recebimentos respeitantes à atividade empresarial desenvolvida." Por outro lado, o n.° 2 acrescenta que "Devem, ainda, ser efetuados através da conta ou contas referidas no n. 1 todos os movimentos relativos a suprimentos, (...), bem como quaisquer outros movimentos de ou a favor dos sujeitos passivos." (Sublinhado nosso).
Por fim, o n.° 3 refere que Os pagamentos respeitantes a faturas ou documentos equivalentes de valor igual ou superior a 1.000 € devem ser efetuados através de meio de pagamento que permita a identificação do respetivo destinatário, designadamente transferência bancária, cheque nominativo ou débito direto" (Sublinhado nosso).
A comprovação dos beneficiários dos pagamentos efetuados compete inequivocamente ao SP, sendo que a imagem frente e verso dos cheques acima referidos, continua a ser inconclusiva quanto a este último desiderato (identificação dos beneficiários) - os cheques foram comprovadamente emitidos ao portador, mas levantados ao balcão por funcionárias do SP (com relação familiar). Não obstante os fortes indícios, de que já demos conta no presente relatório (ponto III.1.1.1.), de que o mesmo dinheiro voltou a entrar na esfera da sociedade na forma de suprimentos efetuados pelos sócios, os responsáveis do SP continuam a assumir que os pagamentos seriam para liquidar as faturas de AA. Assim sendo, entendemos que para estes exfluxos financeiros da sociedade a favor de terceiros não identificados de forma concreta / inequívoca, estão em causa:
(i) Por um lado, relativamente a cada cheque / pagamento, a violação do artigo 129° do RGIT, nomeadamente quanto ao seu n.° 3 que prevê uma coima para a "... realização de pagamentos através de meios diferentes dos legalmente previstos", que é o que está em causa na medida em que se desconhecem os beneficiários e os valores em causa são superiores a € 1.000,00;
(ii) Por outro lado, não obstante não estar em causa qualquer gasto fiscal (não foi "debitada” qualquer conta SNC da classe 6 - gastos no momento do pagamento) que tenha contribuído para o resultado tributável do SP, não deixam de ser exfluxos monetários da sociedade a favor de terceiros não identificados e que o SP, não obstante ter sido notificado para o efeito, não logrou identificar ou comprovar adequadamente (desconhecem-se os beneficiários e a que título tais pagamentos foram efetuados); nessa medida, sendo fluxos reais, estamos perante fluxos financeiros para pagamento de despesas não documentadas sujeitas a tributação autónoma à taxa de 50%, nos termos do n.° 1 do artigo 88° do CIRC;
O objetivo das tributações autónomas é tentar evitar que, através de determinadas despesas, o sujeito passivo utilize para fins não empresariais bens que geraram gastos fiscalmente dedutíveis, ou que sejam pagas remunerações a terceiros com evasão aos impostos que seriam devidos por estes. A realização de tais despesas implica um encargo fiscal adicional para quem nelas incorre porque a lei supõe que desta forma alguém deixa de pagar impostos.
Em suma, conclui-se que relativamente aos registos n.°s 72 e 75, diário 5, 28-02-2015, que se consubstanciou nos lançamentos a crédito (efetivas saídas monetárias da sociedade no ano de 2015) na conta SNC 12, estão em causa os cheques identificados no quadro acima, conforme atestam os lançamentos / registos contabilísticos da empresa, mas sobretudo os exfluxos reais aferidos a partir dos extratos bancários da sociedade. Atendendo a que os responsáveis do SP, não obstante terem sido notificados para o fazer, não lograram identificar, de forma inequívoca, os beneficiários efetivos (e o título a que foram efetuados) daqueles pagamentos, conclui-se que estamos perante fluxos financeiros para pagamento de despesas não documentadas que, nos termos do n.° 1 do artigo 88° do CIRC, estão sujeitas a tributação autónoma à taxa de 50%.
Assim, conclui-se que o SP R..., Lda, através de tais práticas, com referência ao exercício de 2015, deixou de entregar imposto (IRC) nos cofres do Estado, relativo a tributação autónoma, no montante de € 52.046,10 (104.092,20 x 50%).

III.1.2.2. Falta de tributação autónoma relativamente a gastos com VLP e despesas de Representação
(...)
III.2. IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO
III.2.1. Imposto indevidamente deduzido- negócio simulado
Conforme se referiu nos pontos II.3.6.1. a II.3.6.3. e III.1.1.1. do presente relatório, o SP R..., Lda registou na sua contabilidade gastos que documentou com faturas-recibo emitidas por AA. Como já amplamente se detalhou, tais documentos não têm subjacente operações económicas / serviços que efetivamente ocorreram, consubstanciando o chamado negócio simulado e/ou faturas falsas.
Conforme decorre da jurisprudência sobre a matéria, nomeadamente, do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16/03/2016, processo n.° 0587/15, “E volvendo, então, à concreta situação dos autos, há, portanto, que concluir que a AT, para proceder a correções decorrentes da não aceitação da dedução do IVA mencionado nas faturas relativamente às quais considerou que as transações nelas mencionadas não correspondem à realidade, não tinha de fazer prova da existência de acordo simulatório (existência de divergência entre a declaração e a vontade negociai das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros - cfr. art. 240° do CCivil) para satisfazer o ónus de prova que sobre si impende. Antes lhe bastando provar a factualidade que a levou a não aceitar a respetiva dedução de imposto, factualidade essa que tem de ser suscetível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respetivos documentos de suporte, só então passando a competir ao contribuinte o ónus de prova do direito de que se arroga (o de exercer o direito à dedução do IVA) e que não é reconhecido pela AT, ou seja, o ónus de prova de que as operações se realizaram efetivamente."
Ora os factos amplamente relatados ao longo do presente relatório, que colocam em causa a efetiva prestação de serviços por parte de AA ao sujeito passivo em análise, abalam claramente a presunção de veracidade daquelas operações, pelo que competiria ao SP o ónus da prova de que as operações se realizaram efetivamente e que se verificam os pressupostos para a dedução do IVA mencionado naquelas faturas, o que, conforme anteriormente demonstrado e não obstante ter sido notificado para o fazer, não se verificou de todo.
De acordo com o disposto no n.° 3 do artigo 19.° do Código do IVA "Não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura”, pelo que, se considera como indevidamente deduzido o IVA com base naquelas faturas-recibos, no ano de 2013, no montante total de € 23.952,20, conforme se detalha no quadro abaixo:
Registo Contabilístico Data / Diário / N.º Doc.
Recibo N.º
Data
IVA
Período
Imposto
Emissão
Prest. Serviço
Conta SNC
Valor €
2013-10-31 1 6
20
31-10-2013
1-10-2013
2432331
3.450,00 €
1310
6.900,00 €
2013-10-31 1 7
21
31-10-2013
4-10-2013
2432331
3.450,00 €
2013-11-30 1 3
23
26-11-2013
26-11-2013
2432331
3.266,00 €
1311
7.024,20 €
2013-11-30 1 3
24
26-11-2013
26-11-2013
2432331
3.758,20 €
2013-12-31 1 5
33
30-12-2013
30-12-2013
2432331
2.760,00 €
1312
10.028,00 €
2013-12-31 1 5
31
27-12-2013
27-12-2013
2432331
2.553,00 €
2013-12-31 1 5
32
27-12-2013
27-12-2013
2432331
4.715,00 €

III.2.2. Imposto indevidamente deduzido relativamente a gastos com VLP
(...)”
[Cfr. relatório inspetivo constante do procedimento administrativo inserto nos presentes autos].
E. Em razão do sancionamento superior das propostas constantes do relatório referido no facto precedente foram emitidas as seguintes liquidações de IRC:
§ Liquidação de IRC do ano de 2013 n.° ...39, no valor de EUR 1.655,06;
§ Liquidação de IRC do ano de 2015 n.° ...79, no valor de EUR 52.046,10.
[Cfr. docs. 1 e 4 anexos à petição inicial do processo principal].
F. As liquidações referidas no facto precedente deram origem à emissão das seguintes notas de cobrança
§ Respeitante ao ano de 2013 n.° ...31, no valor de EUR 1.503,11;
§ Respeitante ao ano de 2015 n.° ...46, no valor de EUR 55.205,93;
[Cfr. docs. 1 e 4 anexos à petição inicial do processo principal].
G. Em razão do sancionamento superior das propostas constantes do relatório referido no facto «D» foram emitidas as seguintes liquidações de IVA:
Período
Liquidação
Descrição
Valor Liq. (€)
Nota Cobrança
Valor Nota (€)
2013-07
2017 ...49
IVA
758,89
2017 ...18
758,89
2013-07
2017 ...04
J. LL.
128,72
2017 ...19
128,72
2013-08
2017 ...49
IVA
109,40
2017 ...04
109,40
2013-09
2017 ...49
IVA
109,40
2017 ...05
109,40
2013-10
2017 ...79
IVA
6.130,43
2017 ...06
6.130,43
2013-10
2017 ...83
J. LL.
978,85
2017 ...07
978,85
2013-11
2017 ...85
IVA
5.777,79
2017 ...08
5.777,79
2013-11
2017 ...84
J. LL.
902,91
2017 ...09
902,91
2013-12
2017 ...88
IVA
973,66
2017 ...10
973,66
2013-12
2017 ...85
J. LL.
148,84
2017 ...11
148,84
2014-01
2017 ...12
IVA
4.123,15
2017 ...99
4.123,15
2014-01
2017 ...38
J. MM
823,10
2017 ...00
823,10
2014-02
2017 ...32
IVA
1.979,16
2017 ...01
1.979,16
2014-02
2017 ...02
J. MM
385,79
2017 ...02
385,79
2014-04
2017 ...72
IVA
4.141,36
2017 ...03
4.141,36
2014-04
2017 ...40
J. MM
768,34
2017 ...04
768,34
2014-05
2017 ...82
IVA
1.284,68
2017 ...05
1.284,68
2014-05
2017 ...41
J. MM
232,69
2017 ...06
232,69
29.757,16

[Cfr. Docs. 1, 3, 5, 7, 9, 11, 13, 15, 17, 19 anexos à petição inicial do processo apenso].
H. A Impugnante contabilizou no ano de 2013 as faturas consideradas falsas pela Inspeção Tributária, deduzindo o IVA nelas mencionado e relevando contabilisticamente o seu valor como custo.
[Facto incontrovertido e que emerge do relatório inspetivo constante do procedimento administrativo inserto nos presentes autos].
I. Relativamente aos factos constantes do relatório inspetivo foi instaurado o processo de inquérito n.° ..../18.3IDAVR...
[Cfr. cópia do ofício e despacho de suspensão que constituem a peça n.° 004669117 do SITAF].
J. A Impugnante procedeu ao pagamento das liquidações contestadas em sede do processo de execução fiscal ...72 em 21 de março de 2018
[Cfr. guia que faz fls. 216 a 218 dos autos – processo físico].
K. AA foi locatário de um armazém sito no Parque ..., em ..., entre 18 de março de 2013 e pelo menos 11 de novembro de 2014
[Cfr. declarações do próprio, cópia do contrato de arrendamento que faz fls. 271 do processo físico e auto elaborado pela Alfândega de fls. 272 a 276 onde é mencionada ação inspetiva no local].

Não se provaram outros factos com interesse para a decisão.

Motivação da matéria de facto:
No que respeita à fundamentação, a convicção do Tribunal baseou-se essencialmente numa apreciação crítica [artigos 396.° do Código Civil e 607.°, n.º 5 do CPC, ex vi do art.º 2.° do CPPT], e à luz das regras da experiência comum, do exame da globalidade dos documentos juntos aos autos, incluindo os constantes do procedimento administrativo apenso, não impugnados e da prova testemunhal realizada.
Para a formação da convicção do Tribunal contribuiu ainda as declarações prestadas pelo representante legal da Impugnante, JJ e das testemunhas arroladas, a saber, GG (contabilista certificado da Impugnante desde a sua constituição), AA (o emitente dos documentos aqui em crise), NN (administrativa da Impugnante e irmã do sócio-gerente JJ), EE (administrativa da Impugnante e mulher do sócio-gerente OO) e Ricardo Manuel Pereira Tavares (presidente da concelhia de ...y do partido ...).
No que tange aos depoimentos das testemunhas, estes foram genericamente coerentes e espontâneos, embora por uma ou outra vez o mandatário deixasse pistas na formulação da questão quanto à resposta pretendida, mas sem que se considere que tal viciou a lisura dos depoimentos.
Todavia, importa salientar que embora os depoimentos tomados isoladamente fossem coerentes e congruentes, quando confrontados entre si verifica-se que os testemunhos não são coerentes na sua totalidade, como adiante se referirá.
Desde logo se verifica que em sede de declarações de parte o sócio-gerente da Impugnante, JJ, corroborou a narrativa que constava a petição inicial. Todavia, do seu depoimento constam duas afirmações que são relevantes para a decisão da causa: (i) que se deslocou às instalações do Sr. AA, mas ficou à porta, sem o encontrar porquanto ninguém lá estava; ulteriormente afirmou que lá foi poucas vezes e nunca o viu no armazém; (ii) que a reparação dos painéis assolados pela intempérie foi efetuada após a campanha das autárquicas de junho de 2013 (com a ressalva de algumas reparações mais urgentes por questão de perigo).
O contabilista limitou-se a afirmar que procedeu à contabilização dos documentos relativos aos suprimentos.
A testemunha AA, o emitente das faturas-recibo em causa, no geral confirmou as alegações feitas pela Impugnante no seu articulado inicial, afirmando que angariou mão-de-obra através de um mural no intermarché de ..., onde tinha colocado o seu contacto.
Referiu que trabalhou com 3 ou 4 colaboradores, “não tendo trabalhadores”, que colocou os cartazes cujas fotografias constavam dos autos, utilizando o seu armazém de ... e que estes eram Marroquinos. Na contrainstância afirmou que emitiu faturas antes de executar o trabalho e que as reparações foram efetuadas após a campanha eleitoral.
Questionado se “terão passado 6 ou 7 meses” entre os danos e a reparação, a resposta foi “não, não”.
Declarou, ainda, que o Sr. JJ chegou a ir ao armazém de ... e que lá falou com ele por diversas vezes. Aduziu que o material ficava dentro do armazém (enquanto que o Sr. JJ declarou que quando lá se deslocou existia material no exterior deste).
O depoimento nestas matérias está em clara contradição com o declarado pelo sócio-gerente.
A testemunha DD, no essencial, confirmou o levantamento dos cheques por si e pela EE para pagar ao Sr. AA, confirmou a ocorrência da intempérie que levou à danificação dos outdoors, que os trabalhos contratados ao Sr. AA eram efetuados mediante fotografias, sem contratos escritos e que os atrasos nos pagamentos a este se deviam ao atraso no pagamento das campanhas eleitorais.
Afirmou, ainda, e corroborando as declarações do sócio-gerente que a sociedade não tinha pessoal para colocação e reparação dos outdoors, apenas para a colocação nestes da publicidade.
Disse, ainda, ao Tribunal que aquando das deslocações à instalação da empresa para carregar material o Sr. AA se fazia acompanhar de trabalhadores que falavam mal ou não falavam o Português, reputando-os de ucranianos ou romenos (o que confere com as declarações deste no âmbito do relatório inspetivo, mas é distinto do que este declarou em juízo – Marroquinos).
A testemunha EE, mulher de um gerente e tia do outro, confirmou, também, a contratação do Sr. AA para montar e desmontar os outdoors e, ulteriormente, para proceder à reparação dos outdoors danificados.
Por fim a testemunha CC confirmou ter visto o Sr. AA a proceder com outras pessoas à colocação de outdoors na campanha eleitoral autárquica de 2013, na qualidade de presidente da concelhia do Partido ....
Feita esta referência ao teor dos depoimentos, importa referir que a convicção do Tribunal resultou da análise crítica e em conjunto da prova constante dos autos, ponderando-se o teor dos documentos, mesmo que estes não tenham suportado diretamente qualquer facto levado ao probatório.
Sobressai, ainda, do confronto entre o teor o relatório inspetivo com o depoimento das testemunha e parte e com os documentos constantes dos autos que é incontroversa a realização dos trabalhos que constam nas faturas-recibo de AA. O que a IT coloca em causa é que este tenha procedido à sua realização nos termos relevados pelas faturas-recibo que emitiu.
Nesse domínio num ponto a prova foi clara, o próprio admitiu que alguns trabalhos foram realizados em 2014 e que emitiu faturas antes da sua realização.
No que concerne ao ónus da prova e sua repartição, tal matéria será objeto de desenvolvimento adiante.”
2. O Direito
No grosso das conclusões das alegações de recurso, sustenta a Recorrente, no essencial, que o tribunal a quo se quedou por uma fundamentação escassa, não tendo realizado a imprescindível apreciação crítica da prova, motivação contraditória, invocando, ainda, que a factualidade assente é insuficiente, o que conduz à nulidade da sentença, ao abrigo do disposto no artigo 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e no artigo 615.º, n.º 1, alínea b), c) e d) do Código de Processo Civil (CPC).
Vejamos.
De acordo com o disposto no artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa, as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
O dever de as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo serem fundamentadas está também consagrado no artigo 154.º, n.º 1, do CPC.
Por outro lado, nos artigos 125.º do CPPT e 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC, está prevista a nulidade da sentença quando não sejam especificados os fundamentos de facto e de direito da decisão.
A nulidade - por falta de especificação dos fundamentos de facto - abrange tanto a falta de discriminação dos factos provados e não provados, exigida pelo artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, como a falta do exame crítico das provas previsto no artigo 607.º, n.º 3 do CPC. - a propósito, cfr. Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e Processo Tributário, anotado e comentado, 6.ª edição, Vol. II, p. 358.
Com efeito, decorre do disposto nos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT e 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis com as devidas adaptações, por força do artigo 2.º, alínea e) do CPTT, que o juiz tem o dever de declarar quais os factos que o tribunal julga provados e não provados, fundamentando a decisão sobre a matéria de facto, devendo especificar os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, analisando criticamente as provas.
Exige-se assim, por um lado, a análise crítica dos meios de prova produzidos e, por outro, a especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do juiz, expressa na resposta positiva ou negativa dada à matéria de facto controvertida. O exame crítico da prova deve consistir na indicação dos elementos de prova que foram utilizados para formar a convicção do juiz e na sua apreciação crítica, de forma a ser possível conhecer as razões por que se decidiu no sentido decidido e não noutro. Ou seja, a fundamentação de facto não se deve limitar à mera indicação dos meios de prova em que assentou o juízo probatório sobre cada facto, devendo revelar o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo juiz ao decidir como decidiu sobre os pontos da matéria de facto – cfr. Jorge Lopes de Sousa, obra citada, p. 321.
O julgador não se deve limitar, pois, a uma simples e genérica indicação dos meios de prova produzidos, impondo-se-lhe que analise criticamente essa prova produzida.
Todavia, a falta de fundamentação susceptível de integrar a nulidade prevista no artigo 125.º do CPPT e na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC é apenas a que se reporta à falta absoluta de fundamentos (quer referente aos factos quer ao direito), que não uma fundamentação escassa, deficiente [cfr. Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, p. 687, Fernando Amâncio Ferreira, Manual de Recursos em Processo Civil, p. 55].
No caso dos autos, é manifesto que tal vício não se verifica, já que, como resulta do probatório supra reproduzido, o tribunal recorrido deixou aí consignado os factos dados como provados, indicando, individualizadamente, os meios probatórios que suportaram essa decisão de facto com a respectiva motivação.
Com efeito, lida a decisão de facto, constata-se que cada ponto da matéria de facto provada está suportado na indicação do correspondente meio de prova documental e/ou testemunhal (cfr. ponto K), sendo que o Meritíssimo Juiz a quo não deixou também de indicar a razão de ciência das testemunhas, nem de indicar, ainda que sumariamente, a “motivação da decisão”, bem como, em sede de apreciação jurídica, de proceder à apreciação crítica da globalidade da prova e de retirar dos factos assentes as ilações que entendeu pertinentes.
Ademais, tal nulidade só ocorre quando faltem em absoluto os fundamentos em que assentou a decisão. Apenas a total e absoluta ausência de fundamentação afecta o valor legal da sentença, acarretando a sua nulidade, o que não ocorre quando a fundamentação é escassa, incompleta, não convincente, deficiente ou errada - cfr. Alberto dos Reis, in CPC Anotado, vol. V, p. 139/140 e Antunes Varela e outros, in Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra, p. 687.
E se existem factos que, na óptica da Recorrente, devem constar do probatório e outros que dele não devem constar ou se não foi ponderado ou foi mal valorado algum elemento probatório, tal não constitui vício de nulidade da sentença, mas eventual erro de julgamento, que o tribunal sindicará como tal. Isto dito, pretende a Recorrente, por um lado, que a matéria de facto é insuficiente para fundamentar uma boa decisão da causa, por outro, o Tribunal não poderia ter dado como provados determinados factos, atenta a prova documental e testemunhal carreada para os autos, nem poderia tirar as ilações que tirou dos mesmos.
Na 3.ª conclusão afirma que a sentença recorrida definiu a matéria de facto dada como provada somente apoiada na prova documental, praticamente só no relatório de inspecção tributária, conforme consta dos pontos A a K do probatório, e que ao se apoiar apenas na prova documental, levou a incorrecta apreciação dos factos e da prova realizada – cfr. também as conclusões 4.ª, 5.ª, 6.ª e 9.ª.
Sustenta, ainda, a Recorrente não se entender que factos pretenderia o tribunal provar com o ponto D. do probatório e que a circunstância de se aceitar, sem qualquer reserva, o conteúdo do relatório de inspecção tributária foi instrumental para a improcedência da impugnação judicial – cfr. conclusões 10.ª, 15.ª a 17.ª.
Na nossa situação, o tribunal recorrido optou por reproduzir parcialmente o teor do RIT na decisão da matéria de facto (cfr. ponto D., de onde decorre que foi elaborado RIT, destacando-se que as correcções propostas pela inspecção tributária tiveram a fundamentação cujo teor se mostra transcrito por extracto), considerando-se tal técnica prática e útil, pois dá a conhecer toda a factualidade que consubstancia a declaração fundamentadora do acto de liquidação impugnado, porquanto é essencial conhecer-se a motivação do acto impugnado, de modo a que este tribunal a possa sindicar e analisar se a Administração Tributária demonstrou os pressupostos que a legitimam a proceder às correcções aqui em causa.
Neste sentido, destaca-se o Acórdão do TCA Norte, de 23/05/2019, proferido no âmbito do processo n.º 1949/11.0BEPRT, que, pela sua relevância, passamos a reproduzir parcialmente:
“(…) O Meritíssimo Juiz a quo levou ao probatório o teor do relatório de inspecção, dado ser neste que reside toda a factualidade que consubstancia a declaração fundamentadora dos actos de liquidação impugnados, porquanto é essencial conhecer-se a motivação do acto impugnado, de modo a que o tribunal a possa sindicar. Tal fundamentação pode (e deve) integrar o probatório, dado ser à luz dessa fundamentação do acto impugnado (vertida no relatório de inspecção tributária) que o tribunal ad quem tem de sindicar se a administração tributária demonstrou os pressupostos que a legitimam a proceder às correcções à matéria tributável aqui em causa. Na verdade, as informações oficiais, em que se integra o relatório de inspecção e respectivos anexos, fazem fé, quando devidamente fundamentadas (artigos 76.º, n.º 1 da LGT e 115.º, n.º 2 do CPPT). O que significa, desde logo, que a Fazenda Pública não tem que repetir em juízo o esforço instrutório e probatório que desenvolveu em sede de procedimento administrativo. Ou seja, por força das normas do artigo 76.º, n.º 1 da LGT e do artigo 115.º, n.º 2 do CPPT, a Fazenda Pública pode valer-se em sede judicial da factualidade que apurou no procedimento administrativo, sem ter de reproduzir essa prova em tribunal.
No entanto, isto não significa que se os factos aí afirmados forem impugnados na petição inicial (nomeadamente por desconhecimento ou por oposição), o tribunal esteja dispensado de valorar a respectiva prova (é que uma coisa é dar como provado que a administração tributária realizou os actos de inspecção descritos no probatório e recolheu as informações aí referidas e outra, distinta, é dar como provado o que aquela concluiu). O facto de os fundamentos aduzidos no relatório de inspecção tributária constarem do probatório em nada colide com a eventual prova que a Impugnante possa fazer nos autos, em sentido contrário àqueles.
Em regra, o local apropriado para se efectuar tal juízo será na subsunção dos factos ao direito em que o juiz (depois de dar como assente, na resposta à matéria de facto, que a administração tributária concluiu o que concluiu) aprecia a qualidade do respectivo discurso fundamentador e confirma se houve ou não erro sobre a suficiência dos pressupostos de facto da tributação. Quando a impugnação do facto afirmado for feita por oposição, “o juízo sobre a ocorrência do facto afirmado pelos serviços de inspecção tributária depende da prova que for feita dos factos materiais que forem alegados pelo impugnante e da sua idoneidade para abalar os juízos de facto que o relatório ou as suas conclusões exprimam. Sendo tais factos alegados na petição e relevantes para a decisão, deve o juiz formular o juízo sobre a sua existência na resposta à matéria de facto e sobre a sua idoneidade na aplicação do direito aos factos” (cf. acórdão, ainda inédito, deste TCAN de 6/6/2012, Processo 79/04.6 BEPNF).
Por outro lado, o contraditório é sempre assegurado (i) pelo dever de notificar as conclusões ao sujeito passivo (na fase administrativa) e (ii) pelo dever de notificar o teor das informações oficiais logo que juntas ao processo judicial, como decorre do artigo 115.º, n.º 3 do CPPT. No caso de serem omitidas essas notificações e terem influência na decisão do procedimento e na decisão judicial, estas podem ser anuladas precisamente com fundamento nessa omissão (artigo 60.º da LGT e artigos 115.º do CPPT e 201.º do CPC, respectivamente), salvo se esta for irrelevante para o teor da decisão proferida. Constituindo o relatório da acção de inspecção um documento autêntico (artigo 371.º, n.º 1 do CC), uma vez que é exarado por funcionário da administração tributária, no âmbito e exercício das respectivas funções, o mesmo tem força probatória plena relativamente aos factos afirmados como sendo praticados pela administração tributária ou com base na percepção dos seus órgãos e que apenas pode ser ilidida nos termos da lei (artigos 363.º e ss. do CC e 546.º e ss do CPC).
Não se vislumbra, pois, que a Recorrente possa pretender que no probatório da sentença recorrida não seja consignada a factualidade vertida no relatório da acção de inspecção e que corresponde ao declarado como encontrado na contabilidade da Impugnante e emitentes das facturas em causa e saber se essa factualidade permite ou não as ilações retiradas pela administração tributária já é questão diferente e que adiante apreciaremos.
Pelo que vimos de dizer se conclui que, ao relevar a factualidade que consta do relatório de inspecção tributária (e em que se fundamenta a liquidação impugnada) nos termos que constam da sentença recorrida, não foi violado pelo tribunal qualquer dos princípios e direitos decorrentes das normas que a Recorrente enunciou. Cfr. nestes precisos termos o acórdão deste TCAN de 26.02.2015, processo 118/2002TFPRT. (…)”
Com efeito, a reprodução parcial da declaração fundamentadora do acto de liquidação impugnado não colide com a circunstância de terem sido apurados factos diversos, que constam da decisão da matéria de facto (referimo-nos, em concreto, ao ponto K. do probatório), que se mostram, parcialmente, em oposição com os dados apresentados pela AT na fundamentação do acto.
O cerne do recurso interposto passa, assim, por saber se a sentença errou na apreciação da matéria de facto e, consequentemente, se errou ao concluir que a Administração Tributária fez prova, como estava onerada, da existência de indícios sérios e sólidos que levassem à conclusão de que as facturas contabilizadas pela Impugnante não correspondiam a reais operações.
Além do mais, “não ocorre omissão relevante de factos, com consequências anulatórias, se estes, não obstante não terem sido especificamente autonomizados na decisão da matéria de facto, se encontram referenciados e analisados na discussão jurídica da causa.” – cfr. Acórdão do TCAN, de 21/11/2019, proferido no âmbito do processo n.º 514/09.7BEPNF.
In casu, o teor do relatório de inspecção tributária (lido em articulação com os seus anexos) permite sindicar se a AT reuniu os factos-índice suficientes para efectuar as correcções em causa.
Porém, a Recorrente defende, ainda, que o tribunal recorrido concluiu em clara contradição entre os fundamentos e a decisão que consta da sentença recorrida, ou pelo menos, existe ambiguidade ou obscuridade que torna a decisão ininteligível, com violação do plasmado no artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do CPC e artigo 125.º do CPPT, causa de nulidade da sentença – cfr. conclusões 7.ª, 45.ª e 46.ª das alegações do recurso.
Sustenta a Recorrente que tal ambiguidade ou obscuridade também resulta do referido na sentença, na página 35/53, na motivação da decisão da matéria de facto, onde se refere o seguinte: “Sobressai ainda do confronto entre o teor do relatório inspetivo com o depoimento das testemunhas e parte e com os documentos constantes dos autos que é incontroversa a realização dos trabalhos que constam das faturas-recibo de AA. O que a IT coloca em causa é que este tenha procedido à sua realização nos termos relevados pelas faturas-recibo que emitiu”.
Nos termos do preceituado no citado artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, é nula a sentença quando os seus fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
Encontramo-nos perante um corolário lógico da exigência legal de fundamentação das decisões judiciais em geral consagrado no artigo 154.º, n.º 1 do Código de Processo Civil. O vício em análise, o qual tem como premissa a eventual violação do necessário silogismo judiciário que deve existir em qualquer decisão judicial, terá lugar, como referimos, somente quando os fundamentos da sentença devam conduzir, num processo lógico, a uma decisão oposta ou, pelo menos, diferente da que foi adoptada.
No processo judicial tributário o vício de oposição entre os fundamentos e a decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artigo 125.º, nº. 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
No caso sub judice, não se detecta a presença na sentença recorrida de tal nulidade em análise, pois as ilações que o tribunal foi retirando, a apreciação de cada vício invocado, mostram-se consentâneas com a decisão de improcedência da impugnação. Mesmo quanto ao excerto da motivação da decisão da matéria de facto, transcrito supra, não pode ser lido isoladamente, dado que, no parágrafo seguinte, o tribunal recorrido explicou que, nesse domínio, num ponto a prova foi clara, o próprio emitente AA admitiu que alguns trabalhos foram realizados em 2014 e que emitiu facturas antes da sua realização; logo, os elementos constantes das facturas em apreço não corresponderão, tale quale, à realidade, o que vai de encontro ao segmento decisório, não se vislumbrando tal vício de nulidade da sentença.

Seguindo a sistematização das conclusões de recurso, a Recorrente alude à insuficiência da factualidade assente, salientando que o tribunal não deu qualquer importância à prova testemunhal, não tendo influenciado a decisão – cfr. conclusões 8.ª e 52.ª das conclusões do recurso.
Assim, sustenta a Recorrente que, com base nos depoimentos das testemunhas BB e CC, que o tribunal recorrido considerou fidedignos, e a que alude a motivação da decisão da matéria de facto (cujo excerto a Recorrente transcreve), deveriam ter sido dados como provados os seguintes factos (não contemplados na sentença recorrida):
1- O AA tinha pessoal ao seu serviço, no que respeita aos serviços prestados à Recorrente.
2- A realização dos trabalhos que constam das facturas-recibo de AA foram realizadas.
Ora, desde logo, a matéria vertida em 2, no peticionado aditamento, jamais poderá integrar a decisão da matéria de facto, na medida em que consubstancia matéria conclusiva. Com efeito, a decisão de facto apenas pode integrar factos simples, constituindo tarefa subsequente do tribunal, desses factos singelos, retirar ilações e subsumi-los ao direito. A formulação de tal matéria, tale quale foi redigida pela Recorrente, limita o julgamento e condiciona de forma inapelável o desfecho da acção, pelo que não se pode atender ao seu pedido de aditamento ao probatório.
No que tange ao ponto 1, a Recorrente socorre-se, para tanto, do que o tribunal recorrido escreveu acerca do depoimento da testemunha BB, na página 34/53 da sentença:
“Disse, ainda, ao Tribunal que aquando das deslocações à instalação da empresa para carregar material, o senhor AA se fazia acompanhar de trabalhadores que falavam mal ou não falavam o Português, reputando-os de ucranianos ou romenos (o que confere com as declarações deste no âmbito do relatório inspetivo, mas é distinto do que este declarou em juízo – Marroquinos”.
O que desde logo ressalta é a razão para o tribunal não ter formado convicção quanto à existência de trabalhadores ao serviço do emitente AA – a dessintonia declarada relativamente à nacionalidade dos mesmos.
A Recorrente ainda insiste na descrição realizada pelo tribunal recorrido quanto às declarações da testemunha CC (presidente da concelhia de ...y do Partido ... – último parágrafo, pág. 32 da sentença) na página 34/53 da decisão recorrida: “Por fim a testemunha CC confirmou ter visto o senhor AA a proceder com outras pessoas à colocação de outdoors na campanha eleitoral autárquica de 2013, na qualidade de Presidente da concelhia do Partido ...”
Argumenta a Recorrente que, como o tribunal recorrido não colocou reservas ao depoimento destas testemunhas, torna-se clara a existência de pessoal, ao serviço do AA, devendo resultar um ponto assente, da análise da prova testemunhal, que considerasse provada a existência de pessoal.
Com efeito, a Recorrente poderia ter invocado na petição de impugnação a verificação de erro nos factos que pressupuseram as conclusões e a actuação da AT, pois, por força do disposto no artigo 346.º do Código Civil, à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório, pode a parte contrária (in casu o contribuinte) opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos e, se o conseguir, a questão é decidida contra a parte onerada com a prova.
Todavia, no artigo 26.º da petição inicial (dos dois processos – 548/18 e 558/18), a Recorrente limita-se a invocar que “na execução dos serviços o Sr. AA e a sua equipa iam seguindo as instruções da impugnante conforme os pedidos dos partidos”. Ou no artigo 41.º da petição de impugnação (dos dois processos): “no que se refere à montagem dos painéis, as estruturas foram levadas pelo Sr. AA e a sua equipa nas suas viaturas e depois consoante as montagens decorriam vinham dois colaboradores carregar mais estruturas de painéis que seguiam para os locais conforme o planeamento estava a decorrer.”
Isto significa que a Recorrente nunca chegou a alegar, em concreto, que trabalhadores tinha ao seu serviço ou sequer identificou os seus colaboradores, não podendo o tribunal levar ao probatório a matéria peticionada em 1 supra, dado a sua natureza genérica e, mais uma vez, conclusiva. Somente invocando, individualmente, o nome de cada trabalhador, seria possível avançar para um início de prova e, depois, vir, eventualmente, a concluir que o emitente AA tinha “pessoal” ao seu serviço. Na petição inicial, como vimos, a impugnante limitou-se a aludir a uma “equipa” e a “dois trabalhadores”, mas, como salientou o tribunal recorrido, ora seriam ucranianos ou romenos, ora se afirmou que seriam marroquinos, não permitindo formar firme convicção acerca da existência de colaboradores ao serviço do emitente AA. Também a forma como teria angariado esta mão-de-obra não é coincidente com declarações em sede de procedimento inspectivo: ia buscar estrangeiros numa carrinha de nove lugares, oriundos de Espanha (não se lembra do nome de nenhum deles) e em sede judicial: declarou ter afixado anúncio para mão-de-obra num hipermercado.
Note-se que, quanto às instalações deste emitente, no artigo 42.º da petição inicial, o impugnante afirmou saber que este tinha um armazém em ..., ..., tendo sido produzida prova nesse sentido, o que permitiu ao tribunal recorrido considerar provada a matéria vertida no ponto K., acabando por infirmar as conclusões da AT, no relatório inspectivo, de que o emitente das facturas em causa não teria instalações. O mesmo não logrou demonstrar a Recorrente quanto a eventual erro de facto no que tange à ilação subjacente ao “pessoal”.
Nesta conformidade, nada há a aditar ao probatório relativamente a esta matéria.
Na 2.ª conclusão, a Recorrente alerta que a AT não cumpriu o seu ónus de prova, aludindo ao disposto no artigo 100.º do CPPT, dado que entende ter demonstrado nos autos a necessária prova ou então, pelo menos, terá suscitado a fundada dúvida sobre a suficiência legal e factual da liquidação em causa. Concluindo que, de acordo com o estabelecido no artigo 100.º do CPPT, sempre que subsista fundada dúvida sobre a existência e qualificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado – cfr. conclusões 49.ª e 50.ª das alegações do recurso.
Embora o Meritíssimo Juiz “a quo” tenha motivado os factos considerados provados, com análise crítica e concatenada da prova, sem que dessa fundamentação resulte qualquer dúvida; a Recorrente pretenderá passar a ideia de que no espírito do julgador há-de ter assolado dúvida, pelo que devia ter chamado à colação o artigo 100.º, n.º 1 do CPPT.
O preceito referido constitui uma afloração do princípio “in dubio contra fiscum”, vigente no momento da decisão sobre facto incerto na aplicação da lei e com alcance análogo ao do princípio “in dubio pro reo” no que respeita à apreciação da prova em processo penal. Tal princípio leva a que o interesse substancial da justiça domine o actual processo tributário em detrimento do mero interesse formal ou financeiro do Estado - cfr. Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, Almedina, 1972, pág.158; Soares Martínez, Direito Fiscal, 8ª. edição, 1996, pág.133 e seg.; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.267; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 29/11/95, rec.19247, Apêndice ao D.R., 14/11/97, pág.2800 e seg.; ac.S.T.A.-2ª. Secção, 13/12/95, B.M.J. 452, pág.315 e seg.
Este princípio consubstancia uma aplicação no processo de impugnação judicial do cânone geral sobre o ónus da prova no procedimento tributário enunciada no artigo 74.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. Cânone este também aplicável ao processo judicial tributário.
Saber se, perante a prova produzida, há dúvidas sobre a existência ou quantificação de um facto tributário é uma questão essencialmente de facto. Assim, se o Tribunal decidiu dar como provada a existência ou inexistência de um facto tributário não haverá lugar à aplicação desta norma. Só em situações em que não houver a certeza se existe ou não o facto deverá fazer-se aplicação desta regra sobre o ónus da prova, decidindo a questão contra quem tem tal ónus - cfr. Acórdão do STA-2ª.Secção, 14/01/2004, rec.1480/03; Ac. do T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/3/2012, proc.1103/06; Ac. do T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/3/2014, proc.7188/13; Ac. do T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/9/2014, proc.7546/14; Jorge Lopes de Sousa, Código do Procedimento e do Processo Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6.ª edição, 2011, pág.134.
No caso concreto, de acordo com a factualidade apurada, a impugnante/Recorrente não conseguiu fazer prova que gerasse dúvida, de qualquer espécie, sobre a existência ou quantificação do facto tributário. Como a dúvida sobre a existência ou quantificação do facto tributário tem que resultar de prova produzida, ou seja, é uma questão que só se coloca após a produção de prova, não se pode aplicar, no caso sub judice, o mencionado princípio “in dubio contra fiscum”.
A AT reuniu vários factos indiciadores de que as operações constantes das facturas emitidas por AA não corresponderiam a transacções reais, de acordo com a regra geral que decorre do artigo 74.º, n.º 1, da LGT. Nesta situação, cabia à Impugnante /Recorrente, fazer a contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos e, conseguindo-o, a questão deverá ser decidida contra a parte onerada com a prova. Esta é a regra que se extrai, como já tínhamos mencionado, do artigo 346.º do Código Civil e que também decorre do artigo 100.º, n.º 1 do CPPT.
Como resulta da abordagem precedente, a Recorrente não foi diligente na produção de contraprova destinada a suscitar a dúvida sobre os factos evidenciados pela AT como constitutivos do direito a que esta se arroga, tão-pouco a invocação da respectiva factualidade se mostrou eficaz na petição inicial, daí que não pode reclamar a aplicação da regra prevista no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT.
Não se tendo efectuado qualquer alteração à decisão da matéria de facto, mostra-se estabilizado o probatório; vejamos, então, se a factualidade recolhida em sede inspectiva suporta as correcções praticadas e impugnadas e se a subsunção jurídica dos factos foi, ou não, correctamente efectuada.
Sustenta a Recorrente que o tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento ao concluir que a administração tributária recolheu factualidade indiciária bastante de que as facturas emitidas por AA não titulam operações reais.
Alega que os factos vertidos no relatório inspectivo, pelos quais a Impugnante veio a ser responsabilizada, resultam de uma mistura de ilações, juízos e conclusões, respeitantes a terceiros. Acrescenta que, no ponto D. da matéria dada como provada, é analisada na maior parte, um grupo de empresas, e onde a Impugnante acarreta com as consequências imputadas a actos de terceiros, inclusive do AA. Que tais actos de terceiros, não foram praticados pela Impugnante, deles não teve conhecimento, nem sequer participou ou retirou qualquer vantagem dos mesmos – cfr. conclusões 13.ª, 15.ª a 20.ª das alegações do recurso.
Vejamos.
É sabido que a circunstância de as operações se encontrarem documentadas em factura e recibo e terem sido devidamente inscritas na contabilidade faz presumir a existência da operação; mas, tal presunção deixa de se verificar, nomeadamente, quando a contabilidade ou escrita do contribuinte revelarem indícios fundados de que não reflectem ou impedem o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo (artigo 75º, nº 1 da Lei Geral Tributária). Portanto, se a administração tributária recolher indícios fundados de que os documentos de suporte, apesar de formalmente correctos, não reflectem uma verdadeira transacção (seja relativamente aos sujeitos, objecto, datas, valores), cessa a presunção de veracidade das operações constantes de tais documentos.
Por outro lado, é jurisprudência pacífica, reiterada e uniforme, quando a liquidação adicional de IVA tem por fundamento o não reconhecimento das deduções declaradas pelo contribuinte, ou quando a AT desconsidera custos pelo mesmo declarados, compete à administração tributária fazer a prova de que estão verificados os pressupostos legais legitimadores da sua actuação, designadamente constantes do artigo 82.º, n.º 1 do CIVA, ou seja, assentando o juízo da administração tributária na consideração de que as operações e o valor a que se referem as facturas em causa não correspondem à realidade, terá de demonstrar a existência de indícios sérios de que as operações referidas nas facturas foram simuladas.
Feita essa prova, cabe ao contribuinte o ónus da prova de que as operações económicas que estiveram subjacentes à dedução do imposto (artigo 19.º do CIVA) ou à declaração dos custos (artigo 23.º do CIRC), se realizaram efectivamente - neste sentido, entre muitos outros, acórdãos do STA, de 24/4/2002, Recurso nº 102/02; de 23/10/2002, Recurso nº 1152 /02; de 9/10/2002, Recurso nº 871/02; de 20/11/2002, Recurso nº 1483/02; de 30/4/2003, Recurso nº 241/03; de 14/1/2004, Recurso nº 1480/03 e do TCAN, por todos, acórdão de 24/1/2008, Processo 01834/04.
Isto posto, cumpre averiguar se a administração tributária fez prova, como lhe competia, da existência de indícios sérios e objectivos, susceptíveis de permitir a conclusão de que as facturas contabilizadas pela Impugnante não correspondem a reais operações, e, nessa medida, pela indevida dedução do respectivo IVA e pela indevida consideração dos gastos.
Todavia, a administração tributária não tem de fazer a prova directa da simulação, isto é, a prova dos pressupostos exigidos pela lei civil para que se verifique a simulação (cf. artigo 240.º do Código Civil), sendo suficiente a prova indirecta a factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova ” (cfr. Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, Coimbra, 1972, p. 154).
Os indícios são definidos por João de Castro Mendes como aqueles factos que “permitem concluir pela verificação ou não verificação de outros factos, em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência” - citado por José Luís Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, 2 edição, p. 311.
Não perdendo de vista o enquadramento jurídico gizado relativamente ao ónus da prova aplicável às correcções em causa e considerando os factos apurados em sede inspectiva (que outros não podem ser relevados), vejamos se resulta dos factos relatados que a administração fiscal fez prova da verificação de indícios que lhe permitiam concluir que as questionadas facturas do emitente AA não tiveram subjacentes quaisquer operações económicas realizadas entre ele e a Impugnante.
Em caso afirmativo e só nesse, importará indagar se a Impugnante logrou demonstrar em Tribunal que, não obstante os indícios colhidos, as operações reflectidas nas facturas desconsideradas são reais, ou seja, que os concretos sujeitos passivos realizaram efectivamente as operações económicas mencionadas naquelas facturas.
Iremos desconsiderar a circunstância de o emitente AA estar sinalizado na AT como sendo emitente de facturação falsa, para não corrermos o risco de extrapolar tal aspecto para operações comerciais que poderão ter existido ou formar qualquer pré-juízo, embora, efectivamente, outros utilizadores de facturas emitidas por AA tenham admitido a verificação de anomalias desta natureza e tenham regularizado a sua situação com “o fisco”, conforme é patente no relatório Inspectivo.
No caso, a administração tributária considerou que as facturas contabilizadas pela Impugnante não correspondiam a efectivas operações económicas, com base, nomeadamente, nos seguintes indícios elencados no RIT e melhor discriminados na sentença recorrida:
· Um volume considerável de facturação concentrado em 3 meses, sem que existam documentos relativos à relação contratual, ou relativos à execução das obras (autos de medição, guias de transporte, etc);
· emissão de documentos em 2013 relativos a serviços que alegadamente foram prestados em 2014;
· levantamento do valor dos cheques alegadamente utilizados para pagamento ao prestador de serviços e suprimentos simultâneos à sociedade.
A Recorrente contrapõe que do relatório inspectivo constam supostos factos, que entram em contradição com pontos da matéria dada como provada, e da fundamentação da mesma – cfr. conclusão 21.ª das alegações do recurso.
Refere-se, essencialmente, a elementos recolhidos pela AT acerca do emitente AA, no sentido de não ser possível que este tivesse feito os trabalhos constantes das facturas, uma vez que não possuía instalações. É verdade que o tribunal considerou provada a existência de um local onde poderiam ser executados trabalhos, conforme ponto K do probatório. Contudo, a circunstância de esse facto indiciante ter sido infirmado em sede judicial, não descredibiliza totalmente todo o restante trabalho instrutório da AT. Restam, ainda, os indícios que destacámos supra e o facto de AA, na qualidade de testemunha, ter admitido que alguns trabalhos foram realizados em 2014, embora as facturas já estivessem emitidas antes de esses trabalhos terem sido levados a cabo; bem como pagamentos em numerário e o levantamento do valor dos cheques que supostamente serviriam para pagamento dos serviços prestados, associados a explicações pouco convincentes do seu destino e motivação para tal prática, quando se detectaram suprimentos de valores idênticos, contemporâneos, à Recorrente.
Queremos com esta abordagem significar que, apesar de se ter infirmado um facto relativo à falta de instalações, de poderem até existir alguns meios humanos (damos de barato), que colaborariam com o emitente AA na execução de trabalhos, e de este não ter prestado in casu serviços referentes a calçado ou corte de peles (seriam trabalhos respeitantes a outros utilizadores), mas relativos a painéis e suportes publicitários, não descredibiliza, como vimos, outros indícios, ainda fundados, de que as operações descritas nas facturas em apreço seriam falsas.
A verdade é que a Impugnante não logrou produzir prova suficiente no sentido de demonstrar a fragilidade de cada um dos indícios que destacámos, sendo que a Recorrente, neste recurso, nem sequer alude às vicissitudes inerentes aos pagamentos e ao desfasamento temporal entre a realização dos trabalhos e a facturação.
Realce-se que, partindo dos referidos indícios recolhidos pela AT, pode formar-se um juízo sério e consistente sobre a probabilidade de estarem em causa operações simuladas, sendo que à AT cabia precisamente fazer esta prova, e não a prova de que as operações eram, com toda a certeza, simuladas. Ou seja, a administração logrou cumprir, de modo sustentado e fundamentado, o ónus da prova que lhe competia.
Afigura-se, pois, que os indícios recolhidos pela Administração Tributária para sustentar a desconsideração, quer dos gastos em sede de IRC, quer da dedução do IVA incluído nas referidas facturas, são suficientemente sérios e consistentes para abalar a presunção de veracidade das facturas registadas contabilisticamente, e das subsequentes declarações entregues pela Impugnante, e, bem assim, para sustentar o juízo de que, com elevado grau de probabilidade, as facturas não têm aderência a operações efectivamente realizadas.
Nada mais é dito a este propósito no recurso, não sendo objecto do mesmo a não demonstração da materialidade da operações em crise, pelo que, nesta parte, se impõe manter o julgamento realizado pelo tribunal recorrido.

Passemos, agora, à segunda parte do objecto do presente recurso, contendendo com invocação de erro, nos pressupostos de facto e de direito, na qualificação como despesa não documentada e a respectiva tributação autónoma – cfr. conclusões 60.ª a 85.ª das alegações do recurso.
O tribunal recorrido julgou improcedente esta questão, pois entendeu que a impugnante não logrou cumprir o ónus da prova que sobre si recaía.
Defende a Recorrente, abreviadamente, que se as despesas se mostrarem documentadas, ainda que porventura indevidamente, não podem ser classificadas como não documentadas e objecto de tributação autónoma; que mesmo que determinada transacção e/ou determinada despesa possa não ser considerada como custo, não se pode concluir, sem mais, que a mesma assume carácter de despesa não documentada e ser alvo de tributação autónoma em IRC.
A AT, com referência ao exercício de 2015, perante o registo na contabilidade da Recorrente de pagamentos alegadamente a AA, entendeu que tais valores representam uma saída de fundos da Recorrente (fluxos financeiros a partir de conta bancária da sociedade, associados ao pagamento daquelas facturas), os quais, na sua óptica e também na do tribunal recorrido, assumem o carácter de despesas não documentadas, dado corresponderem a saídas efectivas de meios monetários da Recorrente e não ser possível identificar, em concreto, o beneficiário desses fundos, o que viola a lógica do imposto sobre o rendimento, a qual assenta no pressuposto de que um custo numa entidade corresponde a um proveito noutra entidade, tendo presente que estaremos perante pagamentos de operações qualificadas como fictícias.
Na redacção vigente à data dos factos, dispunha o artigo 23.º do Código de IRC, que se consideram gastos ou perdas os incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, nomeadamente os seguintes:
«a) Os relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matérias utilizadas (…)»
Por outro lado, dispunha o artigo 23.º-A do mesmo Código sob a epígrafe “Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais” que:
«1 - Não são dedutíveis para efeito de determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação:
(…)
b) Despesas não documentadas».
E o artigo 88.º, sob a epígrafe “Taxas de tributação autónoma” dispunha:
«1 – As despesas não documentadas são tributadas autonomamente, à taxa de 50%, sem prejuízo da sua não consideração como gastos nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º-A. (…)»
Como se assinala no Acórdão do STA, de 04/19/2017, proferido no âmbito do processo n.º 01320/16, «A terminologia empregue no art.º 23.º e 81.º [88.º] é suficientemente esclarecedora de que o legislador estabeleceu diferença entre encargos não devidamente documentados e despesas não documentadas, reservando esta qualificação para as despesas que careçam em absoluto de comprovativo documental».
Em relação à diferença entre despesas confidenciais e despesas não documentadas, as primeiras serão aquelas relativamente às quais não é revelada a sua natureza, origem e finalidade, enquanto as segundas serão despesas relativamente às quais não existe prova documental, embora não haja ocultação da sua natureza, origem ou finalidade. Todas elas, no entanto, serão despesas não comprovadas documentalmente – cfr., neste sentido, o Acórdão do STA (Pleno da Secção do Contencioso Tributário), de 18/02/2009, processo n.º 0600/08.
Só as despesas confidenciais ou não documentadas são passíveis de tributação autónoma, não se incluindo nas despesas não documentadas os encargos não devidamente documentados, reservando a lei a qualificação de não documentadas para as despesas que careçam em absoluto de comprovativo documental, sendo que estas, para além de sujeitas a tributação autónoma, não são consideradas custo fiscal. Já os encargos não devidamente documentados, são aqueles que embora tenham suporte documental, este não se encontra devidamente emitido. Estes encargos serão ou não considerados custo fiscal, consoante o sujeito passivo consiga, ou não, justificar a operação contabilizada, em termos de propiciar à Administração fiscal um eficaz controlo das relações económicas quer do lado do adquirente quer do fornecedor, uma vez que, como se sabe, à revelação de um custo para um agente, contrapõe-se um proveito para o outro.
É nossa convicção que, a este propósito, a razão está do lado da Recorrente, dado que a AT não pode pretender afirmar que as operações e os documentos são falsos, por não corresponderem a transacções efectivas ou reais, e, ao mesmo tempo tributar autonomamente essas mesmas despesas. Note-se que as facturas não perdem a sua natureza fictícia pelo facto de a impugnante a elas ter recorrido para a cobertura de reais e efectivas operações com sujeitos passivos não emitentes, posto que os elementos caracterizadores das operações que descrevem não correspondem à realidade.
Realmente, nesta parte, o acto tributário padece de erro sobre os pressupostos de direito e de facto, isto porque as despesas não documentadas pressupõem a existência das operações a que respeitam, daí a sua tributação autónoma. Se inexiste o facto tributário, por as operações serem fictícias ou simuladas, não há lugar a tributação, atenta a ostensiva falta desse pressuposto.
Decorre do exposto que, muito embora o legislador não reconheça às despesas não documentadas a possibilidade de poderem ser deduzidas para efeito de determinação do lucro tributável, as considera, em todo o caso, fiscalmente, já que as tributa autonomamente e isto porque considera que essas despesas correspondem a operações realizadas.
Já o mesmo não sucede quanto às facturas fictícias e correspondentes despesas que nem são relevadas fiscalmente nem consideradas despesas efectuadas já que não têm subjacentes verdadeiras e reais operações. Pelo que a sua constatação apenas poderá determinar a correcção da matéria tributável, nomeadamente através da mera correcção técnica com o respectivo acréscimo da matéria colectável – cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 20/01/2004, proferido no âmbito do processo n.º 00589/03.
Ao sujeitar o encargo contabilizado pela impugnante e ora Recorrente a tributação autónoma, a AT incorreu manifestamente em erro nos pressupostos, sendo censurável, nesta parte, a sentença recorrida que validou este adicional de IRC.
Nesta conformidade, urge conceder parcial provimento ao recurso, revogar parcialmente a sentença recorrida e julgar a impugnação judicial parcialmente procedente, anulando as liquidações de IRC impugnadas somente no elemento que respeita à tributação autónoma (despesas não documentadas).
Todavia, a impugnante, na sua petição inicial, havia, igualmente, solicitado a condenação da AT ao pagamento dos juros indemnizatórios que forem devidos.
O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, derivado de anulação de um acto de liquidação, depende de ter ficado demonstrado no processo que esse acto está afectado por erro - sobre os pressupostos de facto ou de direito - imputável aos serviços, de que tenha resultado pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
Ora, os actos de liquidação de IRC em apreço, na parte relativa à tributação autónoma (por despesas não documentadas), não podiam ter sido praticados, pois enfermam, nessa parte, de erro sobre os pressupostos.
Nesta conformidade, os actos de liquidação impugnados estão, parcialmente, afectados por violação de lei imputável aos serviços. Demonstrado que foi pago imposto em excesso, haverá lugar à inerente restituição do imposto já pago [cfr. ponto J do probatório - a Impugnante procedeu ao pagamento das liquidações contestadas em sede do processo de execução fiscal n.º ............72 em 21 de Março de 2018], apenas a parte paga correspondente à tributação autónoma, e a condenação da Administração Fiscal ao pagamento dos juros indemnizatórios que forem devidos, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1 da LGT e 61.º, n.º 3 do CPPT.

Conclusões/Sumário
I - Impõe-se à Administração Tributária abalar a presunção de veracidade da declaração do imposto e dos respectivos documentos de suporte, atento o princípio da declaração vigente no nosso direito (artigo 75.º da LGT), só depois passando a competir ao contribuinte o ónus de provar a veracidade do declarado, o que quer dizer que se a Administração Tributária não fizer prova do bem fundado da formação do seu juízo, a questão relativa à legalidade do seu agir terá de ser resolvida contra ela, sem necessidade de ir analisar se a Impugnante logrou ou não provar, em tribunal, a veracidade da declaração.
II - Tal prova não tem de ser directa e dogmática, no sentido de evidente e intocável, antes pode resultar de circunstâncias colaterais e indirectas que, atentas a idoneidade dos respectivos meios de suporte e as regras da experiência comum, indiciem, segundo padrões de avaliação e aferição pautados por critérios de razoabilidade e normalidade, um determinado resultado como o mais legitimamente atendível.
III - Da decisão da matéria de facto devem constar factos simples e não matéria conclusiva (somente sobre os primeiros, quando controvertidos, deve recair a produção de prova, já que as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos). As conclusões de facto e de direito são efectuadas em julgamento pelo tribunal.
IV – O artigo 100.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, constitui uma afloração do princípio “in dubio contra fiscum”. Saber se, perante a prova produzida, há dúvidas sobre a existência ou quantificação de um facto tributário é uma questão essencialmente de facto. Assim, se o Tribunal decidiu dar como provada a existência ou inexistência de um facto tributário não haverá lugar à aplicação desta norma. Só em situações em que não houver a certeza se existe ou não o facto deverá fazer-se aplicação desta regra sobre o ónus da prova, decidindo a questão contra quem tem tal ónus.
V - As despesas não documentadas pressupõem a existência das operações a que respeitam, daí a sua tributação autónoma.
VI - As facturas falsas respeitam a operações ou serviços não existentes. Não são, assim, passíveis de tributação, por inexistência de facto tributário.

IV. Decisão
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder parcial provimento ao recurso, revogar parcialmente a sentença recorrida e julgar a impugnação judicial parcialmente procedente, anulando-se as liquidações impugnadas somente no elemento respeitante à tributação autónoma, por despesas não documentadas, condenando-se a Recorrida na restituição dessa parte do imposto pago e no pagamento dos juros indemnizatórios devidos.
Custas suportadas pelas partes, em ambas as instâncias, na proporção do decaimento, que se fixa em 35% a cargo da Recorrente e em 65% a cargo da Fazenda Pública; sendo que, nesta instância, as custas não incluem a taxa de justiça, uma vez que não contra-alegou.
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Porto, 14 de Julho de 2022
Ana Patrocínio
Paula Moura Teixeira
Conceição Soares