Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte -Subsecção Social-:
RELATÓRIO
«AA», «BB» e «CC», com domicílio profissional na Praça ..., ... ..., na qualidade de únicos e universais herdeiros, e em representação da herança aberta por óbito de seu pai, «DD», instauraram acção administrativa contra a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, com sede no Largo ..., ... ..., peticionando: i) a anulação da deliberação da Direcção da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores de 30-05-2016 por vício de violação de lei e ii) a condenação da Ré no pagamento da quantia de 9.975,96€, acrescida dos respectivos juros moratórios à taxa legal desde a sua citação e até efectivo pagamento, a título de subsídio por internamento hospitalar, no termos e por força do disposto no art.º 1º, alíneas a) e b), art.º 2º, alínea a), e artigo 6º do Regulamento da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, aprovado pelo Decreto-lei 119/2015, de 29-06.
Por decisão proferida pelo TAF de Braga foi julgada a acção procedente,
anulada a deliberação impugnada, e condenada a Entidade Demandada no pagamento, à aqui Autora, do montante de 9.975,96€, a título de comparticipação das despesas suportadas com o internamento hospitalar e intervenção cirúrgica do Beneficiário Dr. «DD», acrescidos de juros moratórios à taxa legal desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, a Ré formulou as seguintes conclusões:
1.ª Vem o presente recurso jurisdicional da sentença proferida pelo tribunal “a quo” que julgou procedente a presente acção administrativa e condenou a CPAS a pagar aos Autores, «o montante de 9.975,96 €, a título de comparticipação das despesas suportadas com o internamento hospitalar e intervenção cirúrgica do Beneficiário Dr. «DD», acrescidos de juros moratórios à taxa legal desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.»
2.ª A sentença recorrida julgou a presente acção procedente por entender, essencialmente, que o crédito reclamado pelos Autores, ora Recorridos, ou seja, a requerida comparticipação nas despesas de internamento hospitalar e cirurgia, a que foi sujeito o Beneficiário da CPAS, Dr. «DD», tem natureza patrimonial e, como tal, poderia ser objecto de transmissão para os seus herdeiros.
3.ª A CPAS entende que o tribunal “a quo” fez um errado enquadramento da questão e, por isso, fez uma incorrecta interpretação e aplicação das normas legais e regulamentares em vigor.
4.ª Pois, na realidade, o direito de crédito invocado pelos Autores na presente acção é um direito de natureza pessoal que não é transmissível aos herdeiros do Beneficiário em causa. Senão vejamos,
5.ª A CPAS é uma Caixa de Reforma que visa, essencialmente, conceder pensões de reforma e subsídios de invalidez aos seus beneficiários.
6.ª Ou seja, a CPAS não é um subsistema de saúde e o “benefício” em causa nesta acção não tem a natureza nem a função de um seguro de saúde.
7.ª Por outro lado, a CPAS, para além dos seus fins estatutários (que resultam de imperativos legais) tem uma vertente assistencial que, por sua iniciativa e sempre condicionado às disponibilidades anuais do fundo de assistência, a Direcção decidiu criar.
8.ª E na criação deste “benefício”, previsto no referido “Regulamento da Comparticipação nas Despesas de Internamento Hospitalar e/ou Intervenções Cirúrgicas do Beneficiário, do Cônjuge e Filhos Menores e Com Maternidade da Beneficiária ou Cônjuge do Beneficiário” (regulamento aprovado pela Direcção da CPAS por Deliberação de 17.11.1993 e Deliberação de 15.09.2015, http://www.cpas.org.pt/1regulamentos.aspx), a CPAS pretendeu que a comparticipação em causa, ainda que pecuniária, tivesse uma natureza intuitu personae.
9.ª Pois, tratando-se de advogados ou solicitadores que, por via da sua inscrição na CPAS não têm direito à chamada baixa médica, o beneficio em causa, visa auxilia-los pecuniariamente (aos próprios advogados/solicitadores) no contexto profissional, nas situações em que por motivo de doença (própria, do cônjuge ou de filhos menores) tenham tido de suportar despesas hospitalares e/ou tenham visto diminuída a sua capacidade de ganho.
10.ª De facto, o art.º 8.º do referido Regulamento dispõe que “Os benefícios previstos nos artigos 1.° e 2.°, serão atribuídos aos Beneficiários que estiverem a pagar à Caixa contribuições referidas no artigo 79.° do Regulamento (Beneficiários ordinários) desde que: a) tenham mais de um ano de inscrição na Caixa; b) não tenham dívida de contribuições.”
11.ª Do referido artigo 8.º do Regulamento em causa resulta claro e taxativo que, na data do requerimento, além de terem preenchido o prazo de garantia e de não terem contribuições em dívida, os Beneficiários têm, obrigatoriamente, de estar a pagar contribuições à CPAS.
12.ª E isso só acontece se os Beneficiários estiverem vivos (eles próprios e não, por sua morte, a herança ou os herdeiros), pois legalmente apenas os Beneficiários podem estar a pagar contribuições à CPAS.
13.ª Donde se conclui que a comparticipação deve ser requerida en vida pelo Beneficiário e é em relação a este que têm de se verificar os requisitos da atribuição da comparticipação, designadamente, o estar a pagar contribuições.
14.ª Mas, além disso, devemos presumir que o legislador, no caso a Direcção da CPAS, se expressou bem, pelo que se bastasse que o beneficiário não tivesse dívida de contribuições, a expressão “aos Beneficiários que estiverem a pagar à Caixa contribuições referidas no artigo 79.° do Regulamento” seria, além do mais, redundante e desnecessária.
15.ª Resulta assim da própria letra do Regulamento do “Benefício” que a Direcção quis atribuir este benefício apenas e só aos Beneficiários que se encontrem a pagar contribuições (o que, naturalmente, pressupõe que estejam vivos) o que significa que o benefício tem uma natureza intuitu personae.
16.ª Ou seja, do disposto no Regulamento em causa, pode concluir-se que a referida comparticipação abrange as despesas suportadas efectivamente pelo Beneficiário em consequência de doença sua e que é concedida ao próprio Beneficiário.
17.ª Mas ainda que tal não se entendesse, nos termos do disposto no art.º 14.º do Regulamento em causa, “as dúvidas ou casos omissos, que a aplicação das presentes normas venha a suscitar, serão resolvidas pela Direcção da Caixa”, pelo que a dúvida ou pretensa omissão de regulamentação que o presente caso viesse suscitar foi resolvido pela Direcção da CPAS nos termos constantes da deliberação de indeferimento ora judicialmente impugnada.
18.ª Ora, no âmbito da Lei de Bases da Segurança Social, os direitos de natureza pessoal, como nos presentes autos, vidé art.º 9.º, n.º 1 alínea a) do referido Regulamento, são direitos intransmissíveis.
19.ª E quando o referido Regulamento refere «a comparticipação nas despesas será atribuída mediante requerimento do Beneficiário» só pode querer dizer que, de facto, se trata de um direito pessoal do próprio Beneficiário e, por isso, é apenas este quem tem capacidade para a requerer e não os seus herdeiros;
20.ª Razões pelas quais não pode ser acolhida a interpretação da sentença recorrida, uma vez que o direito de crédito do beneficiário é de natureza pessoal e não de natureza patrimonial.
21.ª Assim, ao contrário do que sucede com muitas das relações patrimoniais do “de cujus”, o direito às prestações a pagar pelas instituições de segurança social, como no caso da CPAS, não são passíveis de transmissão aos herdeiros.
22.ª A sentença recorrida violou o disposto no art.º 72.º, n.º 1 da Lei de Bases da Segurança Social (Lei n.º 4/2007, de 16/01) e os artº 1.º, al. a), art.º 2.º, al. a), art.º 8.º, art.º 9.º, n.º 1, al. a) e art.º 14.º todos do “Regulamento da Comparticipação nas Despesas de Internamento Hospitalar e/ou Intervenção Cirúrgicas do Beneficiário, do Cônjuge e Filhos Menores e com Maternidade da Beneficiária ou Cônjuge do Beneficiário” (regulamento aprovado pela Direcção da CPAS por Deliberação de 17.11.1993 e Deliberação de 15.09.2015).
23.ª Deve, por isso, a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que confirme o teor da Deliberação da Direcção da CPAS de 30/05/2016, constante da Acta n.º ...16, por não enfermar de qualquer vício.
Nestes termos e com o suprimento, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue a presente acção administrativa improcedente, por não provada, e, em consequência, confirme o teor da Deliberação da Direcção da CPAS, tomada na sessão de 30 de Maio de 2016, constante da Acta n.º ...16, por não enfermar de qualquer vício, com o que se fará a acostumada JUSTIÇA !
«CC» e outros, em representação da herança de «DD», apresentaram contra-alegações, concluindo:
1. Nos presentes autos os demandantes peticionam o pagamento pela CPAS do valor de 9.975,96€ a título de comparticipação das despesas suportadas com o internamento hospitalar e intervenção cirúrgica do malogrado e saudoso Dr. «DD», seu pai, montante este acrescido dos respectivos juros moratórios à taxa legal desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento.
2. Os demandantes fazem-no na qualidade de únicos e universais herdeiros de seu pai.
3. Alega a recorrente que a lei estabelece o princípio da intransmissibilidade das prestações de carácter social pelo que o direito do pai dos autores, Dr. «DD», não lhes é transmissível por força da sucessão hereditária.
4. É, clara a ratio legis do disposto no artigo 72, seu nº 1, da lei nº4/2007, de 16/01 quando determina a intransmissibilidade destes direitos: a sua não dissipação por qualquer modo de direitos fundamentais pelo próprio beneficiário!
5. Salvo o devido respeito, a posição assumida pelo CPAS é confusa e incongruente com o próprio princípio e seu legal objectivo societário prioritário: o de prover aos advogados e solicitadores uma velhice condigna, que represente adequadamente a recompensa de uma vida de trabalho e da inerente participação no sistema previdencial.
6. De facto, e nos termos do artigo 1º do RCPAS a actuação da CPAS “...visa fins de previdência e de proteção social dos advogados e dos associados da Câmara dos Solicitadores.”, os quais deverão sempre presidir e nortear a sua actividade de previdência social.
7. No caso “sub judice”, e como resulta à saciedade do alegado na Douta Sentença proferida nos presentes autos, “o crédito em causa nos presentes autos ... não configura uma qualquer transmissão do direito das prestações para terceiros, que o convertessem em titulares do direito subjectivo daquele beneficiário”.
8. Estamos, isso sim, perante o direito de carácter patrimonial de reembolso das despesas suportadas com o internamento hospitalar e intervenção cirúrgica suportadas pelo beneficiário, Dr. «DD», pelos sues legítimos e universais herdeiros.
9. Ora, a CPAS, aqui recorrente, não só oblitera da sua decisão os seus objectivos prioritários e primaciais de protecção social na vida e na velhice dos advogados seus contribuintes obrigatórios!, como não se coíbe de fazer uso interpretativo absolutamente enviesado do principio da intransmissibilidade das prestações sociais, estabelecido em protecção dos beneficiários sociais, para ao invés coartar e suprimir direitos legítimos dos mesmos.
10. Os princípios da intransmissibilidade, da irrenunciabilidade e da penhorabilidade parcial são consagrados como garantias dos próprios beneficiários essenciais à sua conservação na esfera pessoal e patrimonial, uma vez que estamos perante direitos fundamentais de carácter social que o estado de direito democrático quer garantir aos seus cidadãos, e por tal exclui do comércio jurídico.
11. A sucessão constitui o chamamento de uma ou mais pessoas à titularidade das relações jurídicas patrimoniais de uma pessoa falecida, nos termos do disposto no artigo 2024º do Código civil.
12. A sucessão visa assegurar a continuidade das relações patrimoniais tituladas pelo “de cujus”, e tal no interesse geral de credores, familiares e outros pessoas que com o finado detenham relações patrimoniais.
13. Os herdeiros sucedem nos direitos e nas obrigações do “de cujus” e está na sua disponibilidade a sua aceitação ou repúdio.
14. Compete aos herdeiros exercer conjuntamente em nome da herança os direitos a esta relativos, podendo agir no sentido de obter a cobrança dos créditos activos da herança, nos termos do disposto no artigo 2091º do código civil.
15. Assim, e aberta a herança por falecimento do beneficiário Dr. «DD», o seu direito a ser ressarcido pelas despesas por si pagas ao Hospital ... foi exercido legitimamente pelos co-herdeiros em representação da herança; tendo a companhia de seguros [SCom01...] cumprido com a sua obrigação, mas, e infundadamente, a aqui ré recusado o seu cumprimento.
16. De facto, e ignorando todos os princípios legais de protecção social aos beneficiários que devem orientar a sua acção previdencial, a decisão da Direcção da CPAS, viola o estabelecido pelo Regulamento da Comparticipação da ré no seu artigo 1º, al. a) e b), artigo 2º, sua al. a) e artigo 6º, bem como, do disposto nos artigos 2025º e 2091º do Código civil, pela deliberação proferida pela Direcção do CPAS, na sua reunião de 30 de maio de 2016.
17. Pelo exposto, neste âmbito não merece qualquer censura a sentença proferida pelo Meritíssimo Juiz a quo.
NESTES TERMOS,
Confirmar a douta sentença recorrida é fazer justiça.
A Senhora Procuradora Geral Adjunta notificada, nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO
Na sentença foi fixada a seguinte factualidade:
1. O Dr. «DD» era advogado, com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados – facto não controvertido;
2. Na qualidade de advogado, era beneficiário da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, com o n.º ...06 – facto não controvertido;
3. De igual modo, era titular, na Companhia de Seguros [SCom01...], do seguro de saúde “...”, celebrado ao abrigo de “Protocolo de Seguro de Saúde de Grupo - Advogados e Solicitadores” com a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, nos termos do qual tem direito ao reembolso pela Companhia de Seguros [SCom01...] de 70% da totalidade das despesas por si pagas e o remanescente pela Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, com o limite máximo de € 9.975,96 por ano – facto não controvertido;
4. No dia 12-02-2016 o Dr. «DD» foi internado no Hospital ..., a fim de ser submetido a uma intervenção cirúrgica para colocação de uma válvula aórtica – facto não controvertido;
5. No dia 17-02-2016, na sequência de complicação do foro clínico ocorrida no pós-operatório, o Dr. «DD» faleceu – facto não controvertido e conforme ao doc. n.º 1 junto com a petição inicial, cujo teor se tem por integralmente reproduzido;
6. Aquando do internamento no Hospital ..., o Dr. «DD» efectuou depósito no valor de 33.000,00€, para pagamento do internamento e operação cirúrgica a que ia ser submetido – facto não controvertido e conforme ao doc. n.º 5 junto com a petição inicial, cujo teor se tem por integralmente reproduzido;
7. Além do montante identificado no ponto anterior, foi ainda paga ao Hospital ... a quantia de 2.827,38€, pelos serviços hospitalares prestados ao falecido Dr. «DD» – facto não controvertido e conforme ao doc. n.º 5 junto com a petição inicial;
8. Nos termos do seguro existente e do protocolo celebrado com a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, a companhia de seguros [SCom01...] procedeu ao reembolso do montante de 24.816,67€ – facto não controvertido e conforme ao doc. n.º 6 junto com a petição inicial;
9. Em virtude do decesso do Dr. «DD», deu-se a abertura da sua sucessão, tendo sucedido como únicos e universais herdeiros os seus filhos «AA», «BB» e «CC» – facto não controvertido e conforme ao doc. n.º 2 junto com a petição inicial;
10. A herança, representada por todos os seus herdeiros, requereu, em 19-052016, à Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores o pagamento do benefício pelo internamento hospitalar e intervenção cirúrgica – facto não controvertido e conforme aos docs. n.ºs 3 e 4 juntos com a petição inicial, cujo teor se tem por integralmente reproduzido;
11. A Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, por deliberação da Direcção da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, datada de 30-05-2016, indeferiu o pedido de comparticipação identificado no ponto anterior – facto não controvertido e conforme ao doc. n.º 4 junto com a petição inicial, cujo teor se tem por integralmente reproduzido;
12. A presente acção deu entrada em juízo em 22-08-2016 – cfr. comprovativo de entrega de documento a fls. 2 do suporte físico dos autos.
DE DIREITO
Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podendo o Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Sem embargo, por força do artigo 149.º do CPTA, o Tribunal, no âmbito do recurso de apelação, não se quedará por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decidirá “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
Assim,
A Recorrente interpôs recurso da sentença proferida pelo Tribunal a quo por discordar da decisão na medida em que determina “o pagamento do montante de 9.975,96€ a título de comparticipação das despesas suportadas com o internamento hospitalar e intervenção cirúrgica do beneficiário Dr. «DD», acrescidos de juros moratórios à taxa legal desde a data da citação até efectivo pagamento.”
E, na medida em que o Tribunal a quo considera “... a natureza patrimonial do direito ao reembolso das despesas incorridas pelo falecido Beneficiário da CPAS, e atendendo à substituição, pela herança, na titularidade do acervo patrimonial (bens, créditos e débitos) do de cujus, mostrando-se, de igual modo, legitimada a apresentação do pedido de reembolso, na medida em que o direito relativo à herança foi exercido por todos os herdeiros, nos termos do disposto no artº 2091º do Código Civil, inexistem obstáculos legais ao ressarcimento de tais montantes na esfera jurídica da herança, aqui representada pelos herdeiros....”.
Cremos que lhe assiste razão.
Na óptica da Recorrente o Tribunal fez um errado enquadramento da questão e, por isso, fez uma incorrecta interpretação e aplicação das normas legais e regulamentares em vigor. Pelo que deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue a presente acção administrativa improcedente e, em consequência, a Deliberação da Direcção da CPAS, constante da Acta n.º ...16, tomada na sessão de 30 de Maio de 2016, ser mantida por não enfermar de qualquer vício.
Vejamos,
A sentença recorrida julgou a acção procedente por entender, essencialmente, que o crédito reclamado pelos Autores, ora Recorridos, ou seja, a requerida comparticipação nas despesas de internamento hospitalar e cirurgia, a que foi sujeito o Beneficiário da CPAS, Dr. «DD», tem natureza patrimonial e, como tal, poderia ser objecto de transmissão para os seus herdeiros, os Autores.
Pode ler-se na sentença recorrida: «a questão que se coloca, portanto, é a de aferir da natureza pessoal ou patrimonial do crédito requerido.»
«Como ponto de partida dir-se-á que os fins de protecção prosseguidos por qualquer sistema de pensões – aí se incluindo a CPAS – justificam que haja uma indisponibilidade dos respectivos direitos, sem o que o Beneficiário deles poderia dissipá-los, até «in toto», desprotegendo e frustrando tais fins.»
«Daí que o legislador expressamente tenha consagrado a propósito das prestações concedidas pela segurança social, no art.º 72.º, n.º 1, da Lei n.º 4/2007, de 16/01, o princípio da instransmissibilidade das prestações, enquanto regra geral que abrange também as prestações de regimes especiais, tais como a CPAS.»
«Não obstante, o crédito em causa nos presentes autos, atinentes ao reembolso das despesas suportadas com o internamento hospitalar e intervenção cirúrgica a que se submeteu o Beneficiário Dr. «DD», onde, malogradamente, veio a falecer, não configura uma qualquer transmissão do direito das prestações sociais para terceiros, que o convertessem em titulares do direito subjectivo daquele Beneficiário.»
«Trata-se, tão somente, do direito ao ressarcimento das despesas efectivamente suportadas pelo Beneficiário da CPAS, continuando o falecido Beneficiário a ser o único titular daquele direito de crédito.»
«O que reconduz a um direito de conteúdo patrimonial, pertencente ao Beneficiário e objecto de transmissão, nos termos legais, pela via sucessória.»
(...) «Ora, considerando a natureza patrimonial do direito ao reembolso das despesas incorridas pelo falecido Beneficiário da CPAS, e atendendo à substituição, pela herança, na titularidade do acervo patrimonial (bens, créditos e débitos) do “de cujus”, mostrando-se, de igual modo, legitimada a apresentação do pedido de reembolso, na medida em que o direito relativo à herança foi exercido conjuntamente por todos os herdeiros, nos termos do disposto no art.º 2091.º do Código Civil, inexistem obstáculos legais ao ressarcimento de tais montantes na esfera jurídica da herança, aqui representada pelos herdeiros ...»
Concluindo, por isso, pela procedência da acção e na condenação da CPAS no pagamento aos Autores do montante de 9.975,96 €, a título de comparticipação das despesas suportadas com o internamento hospitalar e intervenção cirúrgica do Beneficiário Dr. «DD», acrescido de juros moratórios à taxa de juro legal desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
Entende a Recorrente que a sentença recorrida não fez o correcto enquadramento da natureza da CPAS, bem como uma correcta interpretação das normas legais e regulamentares aplicáveis ao caso sub judice e nós corroboramos.
De facto, a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores foi criada pelo Decreto-Lei nº 36550, de 22 de outubro de 1947, com âmbito nacional, tendo como âmbito pessoal de abrangência os advogados e solicitadores.
Nos termos do diploma da sua criação, a CPAS foi criada como Instituição de Previdência reconhecida pela Lei nº 1884, de 16 março de 1935, e pertence à 2ª categoria das indicadas na Base I da referida Lei nº 1884, ou seja: Caixa de Reforma ou Previdência.
Consideram-se como Caixas de Reforma ou de Previdência as instituições de inscrição obrigatória que abrangem pessoas que, sem dependência de entidades patronais, exercem determinadas profissões, serviços ou actividades, tendo tais instituições por fim proteger os beneficiários e os seus familiares na invalidez, na velhice e por morte (cfr. artigo 1º do DL nº 46548, de 23.9).
E, independentemente da concessão de pensões de reforma por velhice ou invalidez, a CPAS pode ainda conceder subsídios por morte, doença ou assistência (cfr. artigos 40º a 78º do Regulamento aprovado pelo Decreto-Lei nº 119/2015, de 29/06, e doravante designado por RCPAS). Consequentemente, a CPAS é uma Instituição de Previdência com um regime autónomo do Regime Geral da Segurança Social, não se confundindo com o Regime de Segurança Social dos Trabalhadores Independentes, criado pelo Decreto-Lei nº 8/82, de 18 de janeiro, revisto pelo Decreto-Lei nº 328/93, de 25 de setembro, cujo artº 13º excluía expressamente os advogados, e, actualmente, pela Lei n.º 110/2009, de 16 de setembro, que no art.º 139.º, n.º 1, alínea a), dispõe expressamente que «são excluídos do âmbito pessoal do regime dos trabalhadores independentes: a) os advogados e solicitadores que, em função do exercício da sua actividade profissional, estejam integrados obrigatoriamente no âmbito pessoal da respectiva Caixa de Previdência...»
Assim, a CPAS é tutelada por um regime próprio e privativo de Segurança Social, de auto-contribuição em fundo-fechado, sem qualquer “apport” financeiro, quer do orçamento da segurança social, quer do orçamento do Estado.
Estando o regime específico da CPAS ainda consagrado no artº 106º da Lei nº 4/2007, de 16 de janeiro, que aprova as bases da segurança social e cuja redacção é a seguinte:
Artigo 106º
Aplicação às instituições de previdência
“Mantêm-se autónomas as instituições de previdência criadas anteriormente à entrada em vigor do Decreto-Lei nº 549/77, de 31 de dezembro, com os seus regimes jurídicos e formas de gestão privativas, ficando subsidiariamente sujeitas às disposições da presente lei e à legislação dela decorrente, com as necessárias adaptações.”
Assim, a CPAS é uma Caixa de Reforma que «tem por fim conceder pensões de reforma e subsídios por invalidez aos seus beneficiários.» (art.º 3.º, n.º 1 do RCPAS, aprovado pelo D.L. n.º 119/2015, de 29/06), podendo, nos termos do n.º 2 do art.º 3.º do RCPAS, conceder subsídios por morte e de sobrevivência aos familiares dos seus beneficiários e outros subsídios de acordo com as disponibilidades anuais do fundo de assistência.». Ou seja, a CPAS é uma Caixa de Reforma que visa, essencialmente, conceder pensões de reforma e subsídios de invalidez aos seus beneficiários.
Por outro lado, a CPAS não é um subsistema de saúde e o “benefício” em causa nesta acção não tem a natureza nem a função de um seguro de saúde.
Com efeito, para além dos seus fins estatutários (que resultam de imperativos legais) a CPAS tem uma vertente assistencial que, por sua iniciativa e sempre condicionado às disponibilidades anuais do fundo de assistência, vide n.º 2 do artigo 3.º do RCPAS, a Direcção decidiu criar.
Ora, na criação deste “benefício”, previsto no referido “Regulamento da Comparticipação nas Despesas de Internamento Hospitalar e/ou Intervenções Cirúrgicas do Beneficiário, do Cônjuge e Filhos Menores e Com Maternidade da Beneficiária ou Cônjuge do Beneficiário” (aprovado por deliberação da Direcção da CPAS de 17.11.1993 e de 15.09.2015, disponível em http://www.cpas.org.pt/1regulamentos.aspx), a CPAS pretendeu que a comparticipação em causa, ainda que pecuniária, tivesse uma natureza intuitu personae. Pois, tratando-se de advogados ou solicitadores que, por via da sua inscrição na CPAS não têm direito à chamada baixa médica, o beneficio em causa, visa auxilia-los pecuniariamente (a ELES, advogados/solicitadores, aos beneficiários) no contexto profissional, nas situações em que por motivo de doença (própria, do cônjuge ou de filhos menores) tenham tido de suportar despesas hospitalares e/ou tenham visto diminuída a sua capacidade de ganho.
Por outro lado, nos termos do disposto no “Regulamento da Comparticipação nas Despesas de Internamento Hospitalar e/ou Intervenções Cirúrgicas do Beneficiário, do Cônjuge e Filhos Menores e Com Maternidade da Beneficiária ou Cônjuge do Beneficiário” o requerimento para a atribuição deste “benefício” deve ser feito pelo próprio Beneficiário e não por qualquer herdeiro.
De facto, o art.º 8.º do referido Regulamento dispõe que “Os benefícios previstos nos artigos 1.º e 2.º, serão atribuídos aos Beneficiários que estiverem a pagar à Caixa contribuições referidas no artigo 79.º do Regulamento (Beneficiários ordinários) desde que:
a) tenham mais de um ano de inscrição na Caixa;
b) não tenham dívida de contribuições.”
Desta norma (artigo 8.º) resulta que, na data do requerimento, além de terem preenchido o prazo de garantia e de não terem contribuições em dívida, os Beneficiários têm, obrigatoriamente, de estar a pagar contribuições à CPAS. E por definição, isso só acontece se os Beneficiários estiverem VIVOS (eles próprios e não, por sua morte, a herança ou os herdeiros), pois legalmente apenas os Beneficiários podem estar a pagar contribuições à CPAS.
A contrario, em caso de falecimento dos Beneficiários, no internamento (como foi o caso) ou no período de 4 meses durante o qual a comparticipação pode ser requerida, estes deixam de pagar contribuições à CPAS, pelo que não reúnem as condições de atribuição da comparticipação.
Donde se conclui que a comparticipação deve ser requerida em vida pelo Beneficiário (ou por quem legalmente o represente) e é em relação ao Beneficiário que têm de se verificar os requisitos da atribuição da comparticipação, designadamente, o estar a pagar contribuições.
Nos termos do disposto no art.º 9.º, n.º 3 do Código Civil «na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.»
“Artigo 9º
Interpretação da lei
1 - A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2 - Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3 - Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”
Com efeito, funcionando a letra da lei como ponto de partida e como limite da interpretação - na expressão de «EE», “[a] letra não é só o ponto de partida, é também um elemento irremovível de toda a interpretação” - Introdução e Teoria Geral, 13.ª ed., Almedina, 2005, pág. 396. -, o entendimento adotado pelos ora Recorridos não é consentâneo, nem se coaduna, com tal regra interpretativa basilar, prevista nos termos do artigo 9.º do CC.
Onde o legislador não legisla, não deve o intérprete legislar, não podendo ser tomado em conta o pensamento legislativo que não recolha na letra da lei um mínimo de correspondência textual (artº 9º/2 do Código Civil).
Segundo este preceito, relativo à interpretação da lei, não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso; assim, mesmo quando o intérprete “...se socorre de elementos externos, o sentido só poderá valer se for possível estabelecer alguma relação entre ele e o texto que se pretende interpretar”- cfr. João Baptista Machado, em Introdução ao Direito Legitimador, 1983-189.
E refere José Lebre de Freitas, in BMJ 333º-18 “A “mens legislatoris” só deverá ser tida em conta como elemento determinante da interpretação da lei quando tenha o mínimo de correspondência no seu texto e no seu espírito”.
Assim, no presente caso, devemos presumir que o legislador, no caso a Direcção da CPAS, se expressou bem, pelo que se bastasse que o beneficiário não tivesse dívida de contribuições, a expressão “aos Beneficiários que estiverem a pagar à Caixa contribuições referidas no artigo 79.º do Regulamento” seria, além do mais, redundante e desnecessária.
Resulta assim da própria letra do Regulamento do “Beneficio” que a Direcção quis atribuir este benefício apenas e só aos Beneficiários que se encontrem a pagar contribuições (o que, naturalmente, pressupõe que estejam vivos).
Por último é de salientar que em qualquer caso, “as dúvidas ou casos omissos, que a aplicação das presentes normas venha a suscitar, serão resolvidas pela Direcção da Caixa” (vide artigo 14.º do Regulamento do “benefício”), pelo que a dúvida ou pretensa omissão de regulamentação que o presente caso viesse suscitar foi resolvido pela Direcção da CPAS nos termos constantes da deliberação de indeferimento ora judicialmente impugnada.
Pelo que tal Deliberação da Direcção da CPAS, em causa nos presentes autos, tem de ser confirmada.
Com efeito, tendo em consideração o facto de a comparticipação em causa, ainda que de natureza pecuniária, ter sido instituída intuitu personae, como é expressamente referido na Deliberação impugnada, «tal estatuição vai ao encontro do princípio da intransmissibilidade das prestações consagrado da Lei de Bases da Segurança Social», «ou seja, o direito às prestações atribuídas pela segurança social é um direito fortemente personalizado...».
Ilídio das Neves, na sua obra “Dicionário Técnico e Jurídico de Protecção Social” (Coimbra Editora, 2001, pág. 417) define “intransmissibilidade das prestações” da seguinte forma: «característica das prestações de regimes ou sistema de protecção social que, juntamente com outras (impenhorabilidade e irrenunciabilidade), integra o princípio das indisponibilidades. Significa que o direito a prestações de segurança social, embora integre plenamente o património jurídico do seu titular, sofre de restrições ou de impedimentos quanto à possibilidade de o interessado dispor dele, de o transferir, de uma maneira ou de outra, para o património de outrem. A regra da intransmissibilidade, estabelecida na Lei de Bases (...) consiste na impossibilidade de cessão, total ou parcial, a título gratuito ou oneroso, em vida ou por morte, do direito às prestações.».
Acrescentando, todavia, o mesmo autor (ob. cit., pág. 418) «no entanto, as pensões de sobrevivência, também chamadas «pensões de reversão» resultam de uma certa forma de transmissão, imposta por lei, mas na dependência da vontade dos interessados...».
E esta perspectiva encontra-se vertida na Deliberação da Direcção da CPAS, impugnada na presente acção, quando se refere que «no que tange às prestações atribuídas aos familiares dos beneficiários falecidos, são elas próprias tidas como direitos derivados que resultam, sem dúvida, de uma certa forma de “transmissão”, contudo, os titulares das prestações por morte são, por direito próprios, os familiares e não já o “de cujus”» «ou seja, os familiares adquirem tais direitos por serem familiares de um beneficiário da segurança social, daí serem direitos derivados, mas tais direitos, expressa e taxativamente legislados, são direitos próprios dos familiares, sendo em relação a estes que se tem de aferir o preenchimento dos requisitos e condições de atribuição.» (cfr. n.ºs 9 e 10 da proposta de Deliberação da Direcção da CPAS, impugnada nestes autos).
Todavia, no presente caso, não estamos perante direitos derivados, mas perante um direito que tem de ser exercido pelo próprio Beneficiário, no caso o Dr. «DD».
De facto, nos termos do artigo 9.º, n.º 1, do referido “Regulamento da Comparticipação nas Despesas de Internamento Hospitalar e/ou Intervenções Cirúrgicas do Beneficiário, do Cônjuge e Filhos Menores e Com Maternidade da Beneficiária ou Cônjuge do Beneficiário”, «a comparticipação nas despesas será atribuída mediante requerimento do Beneficiário em impresso próprio (...) acompanhado da documentação respectiva, de modo a:
a) identificar o doente ou o requerente, e também sempre o Beneficiário a quem a comparticipação é concedida....». Ou seja, como se refere na Deliberação impugnada, o Regulamento em causa nesta acção «não prevê que os familiares possam requerer a comparticipação nas despesas hospitalares havidas por internamento do beneficiário falecido.».
Por outro lado, como também salienta a mesma Deliberação, «a comparticipação das despesas hospitalares em apreço não é de atribuição automática» uma vez que «não basta que o beneficiário tenha estado internado para ter direito à comparticipação nas despesas havidas; é necessário (...) que o beneficiário exprima à CPAS, dentro de um prazo de caducidade estabelecido para o efeito (4 meses), a vontade de requerer a referida comparticipação.». Pelo que, como bem refere a decisão da CPAS, «no que se refere ao chamado requisito de natureza jurídica da prestação, a comparticipação em apreço só pode ser accionada pelo titular da prestação em consequência da sua livre actuação, de acordo com o princípio da autonomia da vontade». Acrescentando a deliberação da CPAS, «requisito esse que, por definição, não pode ser suprível por terceiro, porque são eles próprios requisitos pessoais e intransmissíveis.». Concluindo, por isso, a deliberação que, «... os beneficiários da CPAS são os únicos com legitimidade para requerer a comparticipação em apreço, razão pela qual o ora requerente carece de legitimidade para fazê-lo.».
Isto é, do disposto nos vários artigos do Regulamento em causa, pode concluir-se que a referida comparticipação abrange as despesas suportadas efectivamente pelo Beneficiário em consequência de doença sua e que é concedida ao próprio Beneficiário. E quando o referido Regulamento refere «a comparticipação nas despesas será atribuída mediante requerimento do Beneficiário» só pode querer dizer que, de facto, é o próprio Beneficiário quem tem capacidade para a requerer e não os seus herdeiros.
Razões pelas quais não pode ser acolhida a interpretação da sentença recorrida, uma vez que o direito de crédito do beneficiário é de natureza pessoal e não de natureza patrimonial. Por isso, ao contrário do que sucede com muitas das relações patrimoniais do “de cujus”, o direito às prestações a pagar pelas instituições de segurança social, como no caso da CPAS, não são passíveis de transmissão aos herdeiros.
E, por isso, bem andou a deliberação impugnada quando, relativamente ao teor do art.º 9.º, n.º 1 alínea a), referiu que «tal estatuição vai ao encontro do princípio da intransmissibilidade das prestações consagrado na Lei de Bases da Segurança Social».
Assim, ao contrário do aresto recorrido, a deliberação impugnada fez correcta interpretação do “Regulamento da Comparticipação nas Despesas de Internamento Hospitalar e/ou Intervenção Cirúrgicas do Beneficiário, do Cônjuge e Filhos Menores e com Maternidade da Beneficiária ou Cônjuge do Beneficiário”, regulamento aprovado pela Direcção da CPAS por Deliberação de 17.11.1993 e Deliberação de 15.09.2015.
Tal equivale a dizer que a sentença violou o disposto no art.º 72.º, n.º 1 da Lei de Bases da Segurança Social (Lei n.º 4/2007, de 16/01) e os artigos 1.º, al. a), 2.º, al. a), 8.º, 9.º, n.º 1, al. a) e 14.º todos do “Regulamento da Comparticipação nas Despesas de Internamento Hospitalar e/ou Intervenção Cirúrgicas do Beneficiário, do Cônjuge e Filhos Menores e com Maternidade da Beneficiária ou Cônjuge do Beneficiário”.
A sentença recorrida será assim revogada.
Em suma,
Como reconhecido na sentença, o legislador expressamente consagrou, a propósito das prestações concedidas pela segurança social, no art.º 72º, n.º 1, da Lei n.º 4/2007, de 16-01, o princípio da intransmissibilidade das prestações, enquanto regra geral que abrange também as prestações de regimes especiais, tais como a CPAS.
Apesar disso, considerou que o crédito em causa nos presentes autos, atinente ao reembolso das despesas suportadas com o internamento hospitalar e intervenção cirúrgica a que se submeteu o Beneficiário Dr. «DD», onde, malogradamente, veio a falecer, não configura uma qualquer transmissão do direito das prestações sociais para terceiros, que o convertessem em titulares do direito subjectivo daquele Beneficiário;
Considerou tratar-se, tão-somente, do direito ao ressarcimento das despesas efectivamente suportadas pelo Beneficiário da CPAS, continuando o falecido Beneficiário a ser o único titular daquele direito de crédito, o que se reconduz a um direito de conteúdo patrimonial, pertencente ao Beneficiário e objecto de transmissão, nos termos legais, pela via sucessória;
Não vemos, como suprarreferido, que assim seja, razão pela qual a deliberação impugnada, ao determinar o indeferimento da comparticipação nas despesas de internamento hospitalar e intervenção cirúrgica a que se submeteu o Beneficiário Dr. «DD», por intransmissibilidade “mortis causae” do crédito peticionado, não enferma de vício de violação de lei;
O direito de crédito do beneficiário é de natureza pessoal e não de natureza patrimonial.
Procedem as Conclusões das alegações.
DECISÃO
Termos em que se concede provimento ao recurso, revoga-se a sentença e julga-se improcedente a acção.
Custas a cargo dos Recorridos.
Notifique e DN.
Porto, 27/9/2024
Fernanda Brandão
Isabel Jovita
Rogério Martins |