Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00697/09.6BEAVR; 698/09.4BEAVR; 700/09.0BEAVR |
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Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
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Data do Acordão: | 11/30/2022 |
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Tribunal: | TAF de Aveiro |
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Relator: | Tiago Miranda |
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Descritores: | APENSAÇÃO DE PROCESSOS, IRS, MAIS VALIAS IMOBILIÁRIAS (CATEGORIA G), PROVA DO PREÇO INFERIOR AO VALOR PATRIMONIAL ANTES DA REDACÇÃO DADA AO ART. 44º NºS 5 E 6 DO CIRS PELA LEI 82-E |
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Sumário: | I – É legalmente possível a apensação de dois processos de impugnação a uma acção administrativa especial da competência do tribunal tributário, desde que ocorram os demais requisitos constantes do artigo 28º e 5º do CPTA, passando, então, a seguir-se apenas esta última forma de processo. II - Antes da entrada em vigor dos nºs 4 e 5 do artigo 44º do CIRS na redacção introduzida pela lei nº 82º-E/2014 de 31 de Dezembro já assistia ao contribuinte beneficiário de uma mais valia imobiliária tributável como rendimento da categoria G de IRS o direito a provar, perante a AT, a veracidade do preço inferior ao valor da avaliação do imóvel para efeitos de IMT, pois tal decorria directamente do artigo 73º da LGT e até da Constituição Fiscal. III – O procedimento tributário a seguir era o previsto no artigo 129ª (depois 139º) do CIRC ex vi artigo 5º do artigo 31º-A do CIRS, aplicado por analogia. |
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Recorrente: | Autoridade Tributária e Aduaneira |
Recorrido 1: | AA |
Votação: | Unanimidade |
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Meio Processual: | Ação administrativa especial - Impugnação de atos relativos a isenções ou beneficios fiscais - 1ª espécie - Recursos jurisdicionais [Del. 2186/2015] |
Decisão: | Negar provimento aos recursos. |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | A Autoridade Tributária e Aduaneira interpôs o presente recurso de apelação relativamente à sentença proferida em 14 de Outubro de 2015 no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, que julgou procedente a acção administrativa especial e as acções objecto dos apensos em epígrafe identificados, nas quais os Contribuintes AA, contribuinte fiscal n.º .17.......47, residente na Rua ..., ... (Proc.º 697/09.6BEAVR), BB , contribuinte fiscal nº 17......70, residente na Rua ..., ... (Proc.º 698/09.4BEAVR ) , e CC , contribuinte fiscal nº 18.......47, residente na Rua ..., ... (Proc.º 700/09.0BEAVR ), pediram a anulação dos actos administrativos do Director de Finanças de ..., que indeferiram os seus pedidos de instauração de “procedimento para prova do preço efectivo” nos termos do artigo 129º do CIRC, aplicável ao artigo 44º, nº 2, do CIRS (categoria G) por força da interpretação analógica do artigo 31º - A, nº 6, deste último Código (Categoria B) e do citado artigo 129º, nº1, do CIRC. No recurso impugnou, também, o despacho interlocutório objecto de aclaração por despacho de 19/6/2012, aclarado por despacho de 10/7/2012, que determinou a apensação dos processos. Rematou a sua alegação com as seguintes conclusões: «A - Do recurso interposto do despacho interlocutório I. Carece de sustentação legal o despacho que determine a apensação de impugnações judiciais a uma acção administrativa especial. II. Ainda que a lei o permitisse, sempre seria necessário que os processos se encontrassem na mesma fase processual, o que in casu não se mostra verificado, porquanto o Ministério não foi notificado nos processos de impugnação judicial. III. A base legal que sustentou o despacho sindicado – Código de Procedimento e de Processo Tributário – não é aplicável a acções administrativas especiais. IV. O Código de Processo nos Tribunais Administrativos contempla regras próprias relativas à apensação e coligação, que, todavia, não acolhem a apensação pretendida pelo despacho aqui recorrido. V. Só seria legítima a apensação se, após convolação das acções de impugnação judicial em acções administrativas especiais, a Entidade Pública fosse, nos termos legais, citada para a apresentar a sua contestação no prazo legal, razão pela qual o despacho recorrido é ilegal e deve ser revogado. B - Do Recurso da douta Sentença de 14/10/2015 que julgou procedente a Acção administrativa especial e determinou a anulação dos actos impugnados VI. No que respeita à sentença recorrida, salvo o devido respeito, também andou mal ao dar procedência ao pedido principal por aplicação da “norma com o conteúdo correspondente ao artigo 44º CIRS na redacção actual”. VII. O Tribunal a quo sustentou em síntese que se deve entender que o artigo 44º n.2 do CIRS é uma norma de incidência tributária que contém uma presunção legal, e que de acordo com a alteração legislativa ocorrida, através da lei N.º 82-E/2014, de 31 de Dezembro, a sentença recorrida defende que esta nova redacção do artigo tem natureza interpretativa, e por isso aplicável à situação dos autos. VIII. Considera que estão cumpridos os requisitos para que se possa considerar como norma interpretativa; ou seja que no caso, a solução do direito que vigorava na altura dos factos era pelo menos incerta e a solução da lei nova seria aquela a que o intérprete poderia e deveria chegar dentro dos limites das regras de hermenêutica. IX. Além de que, a sentença recorrida considera que o acto impugnado não tem efeito de "caso decidido"(sem embargo da sua impugnabilidade autónoma). X. E assim, partindo de uma tese em que considera que a situação em apreciação “ainda não esgotou os seus efeitos” não havendo por isso violação do princípio da proibição retroactividade e que a lei nova, atendendo ao n.º 2 do artigo 12º do Código Civil, dispõe em concreto sobre o conteúdo desta relação jurídica, decide pela aplicação da “norma com o conteúdo correspondente ao artigo 44º CIRS na redacção actual”. XI. Ora, salvo o devido respeito, a sentença recorrida incorre em vício de violação de lei, fazendo uma errada interpretação do direito aplicável, nomeadamente dos artigos artigo 44.ºe 31 º-A n.º 6 do CIRS, 139º do CIRC e 64º do CPPT e do n.º 2 do artigo 12º e n.º 1 do artigo 13 ambos do Código Civil, assim como também fez uma errada interpretação dos factos e consequentemente fez uma errada aplicação da lei a esses factos, razão pela qual deve ser revogada. XII. Sendo certo que o artigo 44º tem uma nova redacção dada pela Lei N.º 82-E/2014, de 31 de Dezembro, não se pode, contudo, aceitar que essa alteração tenha natureza interpretativa. XIII. Na sentença recorrida defende-se que por já existir em sede de IRC entendimento semelhante ao aditado agora ao artigo 44º do CIRS para os sujeitos passivos singulares registados para o exercício de actividade comercial (artº 31º-A CIRS) e para as pessoas colectivas (139º CIRC), a lei nova veio dar uma solução, que era incerta na data da prática do facto, e que por essa razão se deve considerar como norma interpretativa. XIV. Tal não é admissível, assim como não se pode aceitar que se considere que estamos perante um facto duradouro, e que não se tenha ainda consumado. XV. No caso dos autos o que está em causa é um despacho de indeferimento do pedido de produção de prova do preço efectivo na transmissão de um imóvel e subjacente a este pedido, está a fixação do valor patrimonial de um imóvel, do qual irá depender o cálculo e o apuramento de imposto, ou seja a tributação dos SP em IRS, por mais valias obtidos na categoria G nos termos do artigo 10º do CIRS como o próprio Requerente, ora Recorrido afirma, no pedido de produção de prova do preço efectivo. XVI. Assim, a decisão em causa, de indeferimento de um pedido de produção de prova do preço efectivo, não se pode considerar um facto duradouro, ainda que essa decisão não esteja completamente assente na ordem jurídica porque “Impugnada”, esse facto esgota-se naquele momento, não se trata de uma situação que perdure no tempo. XVII. Ora, atente-se no entendimento supra transcrito do Acórdão do STA, em Acórdão do Pleno da Secção n.º 01504/14 de 16-09-2015 em processo referente a tributação de mais valias, e que releva aqui para demonstrar que a fixação do momento em que se geram as mais valias, é que é relevante para aferir de qual a lei aplicável ao caso. XVIII. Este mesmo acórdão transcreve outro Acórdão do STA de datado de 04 de Dezembro de 2013, também esclarecedor quanto à questão em apreço e que diz: «Com efeito, em matéria de incidência de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, o Código do IRS estabelece que “constituem mais-valias os ganhos obtidos que (…) resultem da alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários” e determina que “os ganhos consideram-se obtidos no momento da alienação” - artigo 10º, nº 1, al. b), e nºs 3 e 4. Isto é, estabelece, de forma clara e inequívoca, que os incrementos patrimoniais ou ganhos derivados da alienação onerosa de partes sociais, que se consubstanciam na diferença entre o valor da aquisição e o valor de realização desses bens, constituem mais-valias que se consideram obtidos no momento da alienação. Por conseguinte, as mais-valias surgem logo que o valor arrecadado pelo respectivo titular/transmitente é superior ao valor pelo qual adquirira o bem, isto é, logo que ocorre a alienação e é alcançado o inerente ganho. O que quer dizer que é neste ganho, obtido no momento da alienação, que reside o facto tributário gerador das mais-valias. E sendo o ganho medido pela diferença entre o valor de realização e o da aquisição do próprio bem, e, por conseguinte, avaliado em cada concreto acto de alienação, torna-se claro que a mais-valia se reporta a cada ganho de per si. Razão por que … consideramos que o facto tributário se reporta ao momento em que se realizam as mais valias, ou, por outras palavras, o facto tributário que as origina e conforma nasce e esgota-se no preciso momento (autónomo e completo) da alienação e coetânea realização das mais-valias, sendo, por isso, um facto tributário instantâneo, e não um facto tributário complexo de formação sucessiva ao longo de um ano. XIX. Também na situação dos autos o pedido de prova de preço efectivo faz parte de um procedimento relacionado com tributação em mais valias, e assim, temos de considerar consideramos que o facto tributário se reporta ao momento em que se realizam as mais-valias, ou, por outras palavras, o facto tributário que as origina e conforma nasce e esgota-se no preciso momento (autónomo e completo) da alienação. XX. A sentença recorrida errou ao entender que se pode aplicar lei nova a facto que ocorreu em 2009 a fixação do Valor patrimonial tributável de imóvel para tributação em IRS, não sendo por isso possível a aplicação das novas alíneas do artigo 44º do CIRS à situação dos autos. XXI. Pelo que, ao decidir assim, a sentença a quo é violadora do princípio da retroactividade da lei, e faz errada aplicação do n.º 2 do artigo 12º do CC, e errada interpretação da matéria factual, não se podendo manter. XXII. Mesmo considerando que não se trata de um facto duradouro o indeferimento de pedido de prova de preço efectivo, também as alíneas aditadas ao artigo 44º do CIRS, também não têm natureza interpretativa, e por isso também não se podem aplicar à situação dos autos. XXIII. Aliás, para que pudessem ter natureza interpretativa, essa natureza tem que lhe ser atribuída pela própria Lei que introduziu as alterações, tratando-se pois de uma interpretação autêntica, do próprio legislador, XXIV. Além de que neste caso também não se pode aceitar que a norma interpretativa se integre na norma interpretada, retroagindo os seus efeitos ao início da vigência desta (art. 13º, nº 1 do C. Civil), razão pela qual ao não existir essa atribuição de natureza interpretativa, pela lei de alteração, não pode o intérprete ir além da vontade do legislador, incorrendo a decisão recorrida em violação do princípio da irretroactividade fiscal. Veja-se o supra transcrito Ac. do S.T.A. de 24-03-2010, Proc. nº 01241/09, www.dgsi.pt que as diferentes redacções do preceito em causa correspondem a diferentes opções legislativas, que foi o que aconteceu na alteração agora introduzida. XXV. Na verdade a decisão que está a ser escrutinada, na decisão a quo foi tomada na vigência da lei anterior, e o pensamento do legislador era outro, conforme defendeu a ora ER nos presentes autos em sede de contestação e de alegações. XXVI. Aliás, é entendimento da AT e de acordo com o principio da legalidade a que a AT se encontra obrigada, e das normas aplicáveis à data da prática do facto, que não existe qualquer previsão legal que possibilite aos particulares - fora do âmbito de previsão do então artigo 129.º do CIRC ou do artigo 31.º-A do CIRS - desencadear o procedimento denominado “prova de preço efectivo”. XXVII. Era entendimento do legislador, que se encontrava vedado aos particulares a utilização de tal mecanismo legal. XXVIII. Refira-se porém que, ao contrário do que os recorridos pretendiam fazer crer, estes não se mostram desprotegidos nos seus direitos de ilidir a presunção que decorre do n.º 2 do artigo 44.º do CIRS. XXIX. E os Recorridos bem o sabem, pois que vieram em sede contenciosa requerer a convolação do pedido de prova de preço efectivo formulado, em procedimento de elisão de presunção, previsto no artigo 64.º do CPPT. XXX. Convolação essa que, todavia, não foi requerida em sede graciosa. XXXI. Ora, tendo os Recorridos, perante a notificação do acto de liquidação que reflecte a presunção do artigo 44.º do CIRS, optado por deduzir impugnação judicial contra as liquidações, onde discutem, aliás, a legalidade da presunção decorrente do artigo 44.º do CIRS, fizeram uso de um meio processual adequado à elisão da presunção, e dentro do prazo legal para o efeito. XXXII. Assim, não é possível admitir a convolação daquele pedido, em pedido de elisão nos termos do artigo 64.º do CPPT, nem a decisão recorrida o poderia defender. XXXIII. Não será aliás errado concluir que aos particulares são assegurados meios de elisão da presunção do artigo 44.º do CIRS, mais amplos do que aqueles que são conferidos aos demais contribuintes na prova do preço efectivo de transacção dos imóveis. XXXIV. Não se mostrava assim viável, ou sequer relevante, a pretensão dos Recorridos, de ver determinada a convolação dos pedidos de prova de preço efectivo em pedidos de elisão do artigo 64.º do CPPT, não só pelos motivos já acima mencionados, mas igualmente porque as regras daquele procedimento (o momento e local da apresentação, o órgão a quem é dirigido, os termos em que é tramitado o procedimento, e as consequências da não resposta, no prazo legalmente prescrito), não se compaginam com os condicionalismos em que foi formulado o pedido de prova de preço efectivo, cuja convolação se pretende, não ficando todavia prejudicados o direito dos AA. à tutela efectiva dos direitos que pretendem fazer prevalecer. XXXV. Em suma, as decisões do órgão da AT que indeferiu os pedidos de prova de preço efectivo, consubstanciam, uma correcta interpretação e aplicação do quadro legal vigente. XXXVI. Acresce que a sentença recorrida por assim não ter entendido, alem do mais incorreu em grave violação do princípio da irretroactividade da lei fiscal, que é em geral, reconduzido ao princípio da protecção da confiança ínsito na ideia de estado de direito democrático, ou mesmo ao princípio da capacidade contributiva” – cf. José Casalta Nabais, Jurisprudência do Tribunal Constitucional em matéria fiscal, in Boletim da faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, nº 57, 1993, p. 404. XXXVII. Pelo supra exposto, a sentença recorrida deve ser revogada, por ter decidido contrariamente à lei, fazendo uma errada interpretação do direito aplicável, nomeadamente dos artigos 44.º e 31º-A n.º 6 do CIRS, 139º do CIRC e 64º do CPPT e do n.º 2 do artigo 12º e n.º 1 do artigo 13º, ambos do Código Civil, assim como também fez uma errada interpretação dos factos.» Notificados, os Recorridos responderam à alegação. Concluíram nos seguintes termos: «CONCLUSÕES: I. Do recurso interposto do despacho interlocutório e do subsequente despacho de aclaração: 1. Ao contrário do defendido pela Recorrente, a apensação das impugnações à presente acção foi legalmente sustentada e cabalmente fundamentada e foi decidida de acordo com as regras constantes dos artigos 105.° {primeira parte) do CPPT, 4.°, n.° 1, 5.°, n.° 1, 12.°, n.° 1 e 28.° do CPTA, de acordo com os quais não é requisito sine qua non que os processos objecto de apensação se encontrem na mesma fase processual e, estando em causa formas de processo diferentes, deverá ser adaptada a forma da acção administrativa especial. II. Do recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a acção administrativa especial e determinou a anulação dos actos impugnados: 2. O objecto do presente litígio consiste em saber se se deve considerar que o artigo 44. °, n.º 2 do CIRS (na redacção vigente à data do facto tributário) era, à data, uma norma de incidência tributária, que continha uma presunção legal, presunção essa ilidível através do recurso ao mecanismo do procedimento para prova do preço efectivo previsto no artigo 129.° do CIRC. 3. O tribunal a quo entendeu que sim, com base [n]os seguintes fundamentos: - o artigo 44.°, n.° 2 do CIRS (na redacção vigente à data do facto tributário) é uma norma de incidência tributária, que contém uma presunção legal; - tal presunção pode ser ilidida mediante prova em contrário; - os Recorridos, na qualidade de sujeitos passivos, gozam do direito de recorrer aos mecanismos legalmente previstos nos artigos 129.° do CIRC e 31.°-A do CIRS, uma vez que os mesmos devem ser aplicados por analogia a situações de rendimentos da categoria G, como a dos presentes autos; - a aplicação ao presente caso do mecanismo legalmente previsto nos artigos 129.° do CIRC e 31.°-A do CIRS é a solução jurídica que se coaduna com a garantia dos Recorridos ao seu direito constitucional a uma tributação sobre o rendimento real; - a actual redacção do artigo 44.° n.° 2 do CIRS, introduzida pela Lei n.º 82- E/2014, de 31 de Dezembro, em vigor desde 1/1/2015, tem natureza interpretativa e deve, por esse motivo, ser aplicada à situação dos autos. 4. Conclui a sentença, defendendo que, face aos fundamentos apresentados e supra referidos, deverá ser aplicada ao presente caso a solução que, actualmente, se encontra contida na redacção do artigo 44.°, n.º 2 do CIRS porquanto a mesma traduz, hoje, a solução de direito que já resultava da aplicação da lei em vigor à data do facto tributário. De facto, como bem refere o tribunal a quo, a solução jurídica hoje contida o artigo 44.°, n.° 2 CIRS - possibilidade de recurso ao procedimento para prova do preço efectivo - coincide com a solução jurídica que resultava, à data do facto tributário, da aplicação do artigo 73.° LGT, do princípio da tributação sobre o rendimento real e do princípio da igualdade e da capacidade contributiva. 5. A Recorrente alega que o tribunal a quo julgou a acção procedente por considerar que a nova redacção do artigo 44.º, n.° 2 do CIRS tem natureza interpretativa, devendo por esse motivo, ser aplicada ao caso dos autos. No entanto, não é isso que consta do teor da decisão aqui em causa. São vários os fundamentos apresentados pelo tribunal a quo para a decisão proferida sendo certo que, a natureza da nova redacção do artigo 44.°, n.° 2 do CIRS é apenas um deles. 6. Com efeito, como se retira da leitura da sentença aqui recorrida, os fundamentos invocados pelo tribunal a quo para decidir como decidiu são diversos e, na sua grande maioria, em nada se relacionam com a natureza (interpretativa ou não) da nova redacção do n.° 2 do artigo 44.º do CIRS, centrando-se, antes, na natureza de tal norma à data do facto tributário e nos princípios de direito fiscal e constitucional que garantem ao sujeito passivo, por um lado o direito a ilidir qualquer presunção existente na lei fiscal e, por outro lado, a ser tratado da mesma forma que outros sujeitos passivos em igual situação. 7. Tendo em consideração o objecto do presente litígio, o tribunal a quo defendeu não haver duvidas que o artigo 44.°, n.° 2 do CIRS (na redacção vigente á data do facto tributário) é uma norma de incidência tributária, que contém uma presunção legal, presunção essa passível de ser ilidida mediante prova em contrário, gozando os Recorridos, na qualidade de sujeitos passivos, do direito de recorrer aos mecanismos legalmente previstos nos artigos 129.° do CIRC e 31 ,°-A do CIRS, para garantia do seu direito constitucional a uma tributação sobre o rendimento real. 8. Estando, assim, assente a natureza da norma do artigo 44.°, n.° 2 do CIRS e a presunção legal nela contida, cumpre sublinhar que “(…) o recurso, por parte do legislador a presunções não significa que o contribuinte fique irremediavelmente condenado ao resultado da avaliação indirecta pois, como refere a própria LGT, as pretensões consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário” – cf. artigo 73.º da LGT. Tais presunções têm, pois, carácter juris tantum, ou seja, relativamente às mesmas existe sempre a possibilidade de ser feita prova do contrário, proibindo-se, assim, presunções legais absolutas de rendimentos. 9. Assim sendo, impedir o contribuinte de fazer essa prova - argumentando que a quantificação tem, necessariamente, de ser aquela que resulta da aplicação de um critério estritamente legal e que assenta numa ficção ou presunção de um determinado valor de realização sujeito a tributação (valor de realização padrão), - constituiria, desde logo, uma clara e directa violação do aludido artigo 73° da LGT, pois que, estando nós no âmbito da incidência objectiva de IRS, há que dar à parte desfavorecida com esta presunção a possibilidade de a ilidir, mediante prova em contrário (n° 2 do artigo 350° do Código Civil). 10. Neste sentido, veja-se o entendimento do Professor XAVIER DE BASTOS (17) a respeito da disposição em análise (artigo 44.° n.° 2 do CIRS): “(...) tem de ser interpretada no sentido de que se limita a estabelecer uma presunção sobre o valor de realização, que cede perante prova em contrário, ou seja, prova de que o valor de realização foi efectivamente inferior ao valor tomado como base para a liquidação do IMT”. 11. O contrário seria reconhecer uma presunção absoluta de rendimentos, uma presunção Jures (SIC) et [de] Jure, expressamente proibida pelo nosso ordenamento jurídico, uma vez que permitiria uma tributação sem qualquer apego e correspondência com a capacidade contributiva real, o que, em última instância, se traduziria numa grosseira violação dos mais elementares princípios e garantias de um estado de direito e num ostensivo retrocesso civilizacional. 12. Face ao exposto, no quadro legal em vigor à data do facto tributário, não restava ao alienante - pessoa singular não inscrito na categoria B do CIRS - outra solução para proceder ao afastamento da presunção legal contida no artigo 44.°, n.° 2 do CIRS, senão o recurso a uma interpretação analógica, com as necessárias adaptações, do n.° 6 do artigo 31.°-A do CIRS (categoria B do IRS), que por sua vez remete para o procedimento previsto no artigo 129.° n.° 1 do CIRC, uma vez que foi esse, aliás, o procedimento que a lei previu para as mais-valias prediais que sejam rendimentos da categoria B. 13. Acresce que não há qualquer impedimento à aplicação, por analogia, da norma do n.° 6 do artigo 31.°-A às mais-valias prediais da categoria G. Com efeito, trata-se de uma norma procedimental relativamente à qual não vigora qualquer proibição de aplicação analógica. Esta aplicação analógica justifica-se, também, pela existência de uma enorme similitude entre as situações previstas nos n.° l do artigo 31.°-A do CIRS e o n.° 1 do artigo 58.°-A° do CIRC, e o artigo 44.° n.° 2 do CIRS, e, também, pelo facto de não se poder aceitar um regime diferenciado para as mais-valias prediais, por comparação aos rendimentos empresariais e profissionais, pois, a não ser assim, haveria “então para rendimentos iguais tratamentos diferenciados, sem qualquer justificação válida, a dano do principio da igualdade (artigo 13º CRP)” e consequentemente , do princípio da capacidade contributiva. 14. Este entendimento veio, aliás, a ser, expressamente, confirmado pelo próprio legislador na nova redacção dada ao artigo 44.°, n.° 2 pela Lei n.° 82-E/2014, de 31 de Dezembro, em vigor desde 1/1/2015, que aditou ao artigo 44.° do CIRS em apreço o seguinte: “5-0 disposto no n.° 2 não é aplicável se for feita prova de que o valor de realização foi inferior ao ali previsto. 6 - A prova referida no número anterior deve ser efectuada de acordo com o procedimento previsto no artigo 139. ° do Código do IRC, com as necessárias adaptações.” 15. Por último, acrescenta-se que, interpretar o artigo 44.°, n.° 2 do CIRS (na redacção à data do facto tributário em questão) no sentido de não permitir a elisão da respectiva presunção nele estabelecida, através do procedimento previsto no artigo 129.° do CIRC, por força da interpretação analógica do artigo 31.°-A, n.° 6 do CIRS - como defende a Recorrente - constitui, na nossa opinião, uma violação do principio da tutela efectiva garantida a todos os cidadãos, nos termos do artigo 268.°, n.° 4 da CRP de acordo com o qual, “É garantido aos administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma (...)” Termos em que: Devem os recursos interpostos ser julgados totalmente improcedentes, e, nessa medida, mantidos integralmente quer os despachos interlocutório e de aclaração recorridos, quer a sentença recorrida que julgou a presente Acção Administrativa Especial procedente e determinou a anulação dos actos impugnados, com todas as consequências legais.» Dispensados os vistos, nos termos do artigo 657º nº 4 do CPC, cumpre apreciar e decidir. II- Delimitação do objecto do recurso A - Conforme jurisprudência pacífica, o âmbito do recurso é delimitado pelo objecto das conclusões das alegações, interpretadas em função daquilo que se pretende sintetizar, isto é, o corpo das alegações. Posto isto, as questões que cumpre apreciar em apelação são as seguintes: 1ª Questão Errou em matéria de Direito, a Mª Juiz do processo, autora dos despachos de 19/6/2012 e de 10/7/2012, designadamente violou os artigos 10º nº 2 e 11º, 4º, 5º e 28º do CPTA na redacção de então – anterior à reforma introduzida pelo DL n.º 214-G/2015, de 02/10 – e 105º do CPPT, quando determinou a apensação das então impugnações judiciais nºs 698/09.4BEAVR e 700/09.4BEAVR à então já acção administrativa especial nº 697/09.6BEAVR (essencialmente por os processos apensados terem forma diversa e diversos demandados e regimes de representação em juízo e se encontrarem em fase diferente daquela em que se encontrava o principal)? 2ª Questão A ser afirmativa a resposta da questão anterior, qual a sanção do Direito para a ilegalidade das apensações? 3ª Questão Errou, a sentença recorrida, em matéria de direito, designadamente violou os artigos artigo 44.º e 31 º-A n.º 6 do CIRS, 139º do CIRC e 64º do CPPT e o n.º 2 do artigo 12º e n.º 1 do artigo 13º ambos do Código Civil, ao anular os actos impugnados com fundamento numa natureza interpretativa e com base nisso, eficácia retroactiva, dos nºs 5 e 6 do artigo 44º do CIRS, na redacção dada a este artigo pela lei nº Lei N.º 82-E/2014, de 31 de Dezembro, de maneira a abranger os pedidos dos Recorridos, de abertura de procedimento, nos termos do artigo 139º do CIRC, para prova do preço efectivo de venda do prédio urbano (terreno para construção) identificado nos autos? 4ª Questão De todo o modo, errou, a Sentença recorrida, em matéria de direito, violando os artigos 12º nº 2 e 13º nº 1 do CC, ao aplicar aquela nova redacção do artigo 44º do CIRC aos actos impugnados, com fundamento numa suposta natureza duradoura ou sucessiva (não instantânea) da relação jurídica fonte da mais valia em causa, quando a compra e venda é um negócio de efeitos instantâneos e ocorreu antes da entrada em vigor daquela alteração legislativa? 5ª questão Errou, antes, a sentença recorrida, ao anular os actos impugnados também com fundamento numa alegada violação, pela AT, do dever de convolar o pedido dos Recorrentes num pedido de abertura do procedimento previsto no artigo 64º do CPPT, porque as regras daquele procedimento (o momento e local da apresentação, o órgão a quem é dirigido, os termos em que é tramitado o procedimento, e as consequências da não resposta, no prazo legalmente prescrito) não se compaginam com os condicionalismos em que foi formulado o pedido de prova de preço efectivo, sendo certo que não ficava, todavia, prejudicado o direito dos AA. à tutela efectiva dos direitos que pretendem fazer prevalecer, atenta a possibilidade de impugnação das consequentes liquidações? III - Apreciação do objecto dos recursos Da fundamentação do despacho de apensação, convém reter os seguintes trechos da aclaração de 10/7/2012: «Ao contrário do alegado pela Entidade Demandada, no seu pedido de aclaração, a fls 256 dos autos, à data do despacho de apensação proferido nos presentes autos (19-06-2012), onde consta a respectiva contestação, a Administração Tributária já tinha sido notificada, nos processos n.º 698/09.4BEAVR e 700/09.0BEAVR para contestar, em 5 de Abril de 2011, encontrando-se efectivamente todos os processos, portanto, na mesma fase processual. Todavia, mesmo que não estivessem na mesma fase processual tão não obstaria à referida apensação, desde que não estivesse qualquer um dos processos em estado muito mais avançado, de modo à apensação representar um atraso considerável para a sua conclusão, o que manifestamente não sucede no caso. (…) Qual a causa de pedir e os pedidos formulados nos processos n.º 697/09.6BEAVR, 698/09.0BEAVR e 700/09.0BEAVR? (…) Em suma, verifica-se, com clareza, que causa de pedir nos 3 processos é a mesma e os pedidos inscrevem-se no âmbito da mesma relação jurídica material, sendo que a procedência dos pedidos depende, no essencial, da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito. Estão, pois, reunidos, todos os pressupostos objectivos de conexão para que possa ocorrer a ordenação da apensação, como ocorreu. Quanto ao facto dos presentes autos terem sido corrigidos para outra forma processual, in casu Acção Administrativa Especial, razão pela qual foi citada como Entidade Demandada o Ministério das Finanças, ao passo que nos processos n.º698/09.4BEAVR e 700/09.0BEAVR não ter sido feita a mesma correcção processual, correndo como impugnação judicial, ali tendo sido citada a Administração Tributária, representada em juízo pela Fazenda Pública, nos termos previstos pelos artigos 9.º e 15.º do CPPT, clarifica-se que, como acima foi sublinhado, não constitui obstáculo à cumulação de pedidos o facto de lhes corresponderem formas de processo diferentes visto que a lei processual prevê, nessa hipótese, um mecanismo de adaptação processual, previsto no artigo 5.º do CPTA e alínea c) do artigo 2.º do CPPT, não sendo, portanto, contrária à lei a citada apensação. (…) Portanto, por força do disposto no artigo 5.º do CPTA, após a apensação ordenada, todos os pedidos vertidos nos processos n.º 697/09.6BEAVR, n.º 698/09.4BEAVR e n.º 700/09.0BEAVR, seguirão a forma de acção administrativa especial, aproveitando-se os articulados constantes dos respectivos autos. (…) Trata-se ao fim ao cabo da consagração do princípio da adequação formal, concedendo-se o poder ao juiz de aproveitar os actos e formalidades praticados em respeito Ora, também não poderiam ter sido convolados os autos dos processos n.º º698/09.4BEAVR e 700/09.0BEAVR, no âmbito do processo n.º 697/09.6BEAVR, para acção administrativa especial, antes da apensação ordenada. Ademais, da lei e das garantias de defesa do réu e de ordenar a prática de novos actos, sendo que o Réu, nos processos n.º698/09.4BEAVR e n.º 700/09.0BEAVR não ficou diminuído nas suas garantias de defesa, já que em nenhum deles foi apresentada contestação, apenas o tendo feito no processo n.º 697/09.6BEAVR, podendo aproveitar-se tudo o que foi praticado até ao fim dos articulados, passando a aplicar-se as regras do CPTA respeitantes à AAE, se as regras relativas ao princípio do pedido e à tempestividade da acção o permitirem, como permitem. (…)» A fundamentação da sentença recorrida em matéria de facto e de direito é a seguinte: «3. Fundamentação 3.1 Matéria de facto dada como provada. Com base na posição assumida pelas partes e nos documentos junto aos autos e no processo administrativo (PA) apenso considera-se provada a seguinte matéria de facto, com relevância para a decisão: 1. No dia 3/10/2006, em escritura pública de “compra e venda” lavrada no Cartório Notarial ... os agora Autores declararam que, pelo preço global de € 954.650,00, que já receberam, vendem o prédio urbano, da espécie “terreno para construção”, inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o artigo nº ...95 – fls. 60 a 63 do PA em apenso; 2. O referido prédio foi objecto de avaliação directa de que resultou a fixação, “após 2ªavaliação”, de valor patrimonial tributário de € 1.951.260 – fls. 19 do PA; 3. Em 31/3/2009 os agora Autores apresentaram no Serviço de Finanças de ... petições, cada um por si, requerendo a instauração de “procedimento tributário para prova do preço efectivo da transmissão” em termos idênticos aos dos presentes autos – fls. 4 e seguintes do PA; 4. Por cartas registadas, cujos ofícios foram assinados em 1/10/2009, os agora Autores foram notificados das decisões de indeferimento dos pedidos acima referidos – fls. 148 a 164 do PA; 5. Nessas decisões, a AT considerou não ser aplicável ao caso dos autos o disposto no artigo 31º-A do CIRS, pelo que não é possível aplicar subsidiariamente o regime previsto no artigo 129º do CIRC – fls. 149 a 151 do PA; 6. Em 15/10/2009, sob registo postal, foram enviadas para este Tribunal as petições iniciais que originaram os presentes autos – fls.3 de cada um dos processos físicos; * 3.2 – Matéria de facto dada como não provada: Não se apuraram outros factos com relevância para a boa decisão da questão. * 4 – Motivação de facto A convicção do tribunal teve por base o confronto das posições das partes assumidas nos respectivos articulados e a análise global dos documentos juntos aos autos e ao processo administrativo, conforme se indica em cada número de 3.1 supra, e que, por não estarem impugnados, se dão como integralmente reproduzidos. Do conjunto da prova produzida e da posição assumida pelas partes resultou a convicção de que os Autores, agindo como proprietários em nome particular do “terreno para construção” em causa, venderam esse imóvel fora do âmbito de qualquer actividade comercial exercida regularmente com tal objecto. Os factos acima relatados são pacíficos, não havendo qualquer litígio entre as partes quanto a eles, limitando-se a divergência apenas ao entendimento que fazem das normas legais que invocam.» Posto isto, enfrentemos as questões supra enunciadas. 1ª Questão Errou em matéria de Direito, a Mª Juiz do processo, autor dos despachos de 19/6/2012 e de 10/7/2012, designadamente violou os artigos 10º nº 2 e 11º, 4º, 5º e 28º do CPTA na redacção de então – anterior à reforma introduzida pelo DL n.º 214-G/2015, de 02/10 – e 105º do CPPT, quando determinou a apensação das então impugnações judiciais nºs 698/09.4BEAVR e 700/09.4BEAVR à então já acção administrativa especial nº 67/09.6BEAVR (essencialmente por os processos apensados terem forma diversa e diversos demandados e regimes de representação em juízo e se encontrarem em fase diferente daquela em que se encontrava o principal)? É nesta questão que se esgota o recurso do despacho interlocutório de apensação, a estes autos, dos processos de impugnação nºs 698/09.4BEAVR e 700/09.0BEAVR. O despacho recorrido abordou criteriosa e exaustivamente todas as objecções que já então haviam sido colocadas no requerimento de aclaração, entre as quais as que sustentam a presente questão. Dificilmente se lhe poderá acrescentar algo, de tão exaustivo que é. De nossa lavra diremos que, efectivamente, tal como ali se sustenta, não obstavam à apensação a diversidade de formas de processo, já que os processos passaram, por força do despacho recorrido, a prosseguir a forma e acção administrativa especial, por aplicação analógica do artigo 5º do CPTA, forma de processo com a qual os pedidos são plenamente compatíveis, a alegada diversidade dos demandados – aí não se trata de diversidade destes mas de mera diversidade da forma estatutária de a mesma pessoa colectiva pública, o Estado, estar em juízo – ou a diversidade de fases processuais porque, como ali se explica, a mesma nem sequer ocorria. Além disso, e sobretudo, é tão flagrante a economia processual conseguida, atenta a total sobreponibilidade dos pedidos e das causas de pedir, sem a menor degradação do estatuto processual dos autores em cada acção, que dificilmente se compreende a resistência da Recorrente à solução processual em crise. O contrário, isto é, a não apensação, é que poderia seria ruinoso para a própria Recorrente, se vencida, atenta a triplicação de decisões e de custas. Como assim, bem andou a Mª Juiz do processo, ao tempo, em determinar as apensações em crise, pelo que o recurso do despacho interlocutório haverá de improceder. 2ª Questão A ser afirmativa a resposta da questão anterior, qual a sanção do Direito para a ilegalidade das apensações? Esta questão fica prejudicada, atenta a solução dada à anterior. 3ª Questão Errou, a sentença recorrida, em matéria de direito, designadamente violou os artigos artigo 44.º e 31 º-A n.º 6 do CIRS, 139º do CIRC e 64º do CPPT e o n.º 2 do artigo 12º e n.º 1 do artigo 13º ambos do Código Civil, ao anular os actos impugnados com fundamento numa natureza interpretativa e com base nisso, eficácia retroactiva, dos nºs 5 e 6 do artigo 44º do CIRS, na redacção dada a este artigo pela lei nº Lei N.º 82-E/2014, de 31 de Dezembro, de maneira a abranger os pedidos dos Recorridos, de abertura de procedimento, nos termos do artigo 139º do CIRC, para prova do preço efectivo de venda do prédio urbano (terreno para construção) identificado nos autos? Importa antes de mais confirmar o pressuposto em que labora a questão, isto é, verificar, no teor da sentença recorrida, se o Mº Juiz a quo fundamentou a sua decisão de anular os despachos impugnados, numa aplicação do nº 2 do artigo 44º do CIRS introduzido pela Lei nº 82-E/2014 de 31 de Dezembro (que aprovou o Orçamento do Estado para 2015), por se entender tratar-se de uma norma interpretativa. A sobredita redacção dos nºs 5 e 6 do artigo 44º do CIRC rezava e reza assim: 5 - O disposto no n.º 2 não é aplicável se for feita prova de que o valor de realização foi inferior ao ali previsto. 6 - A prova referida no número anterior deve ser efectuada de acordo com o procedimento previsto no artigo 139.º do Código do IRC, com as necessárias adaptações. De relacionável com esta matéria, tudo o que encontramos na sentença recorrida está no seguinte trecho: «(…) Os Autores entendem que, sob pena de inconstitucionalidade, tem de se entender que ao caso se deve considerar que o artigo 44º, nº 2 do CIRS é uma norma de incidência tributária que contém uma presunção legal, que esta é ilidível e que o procedimento para prova do preço efectivo previsto no artigo 129º do CIRC é aplicável por interpretação analógica do artigo 31º-A, nº 6, do CIRS. A AT entende que não é possível aplicar o artigo 36º-A do CIRS, e em consequência, deve ser afastada a aplicação do regime previsto no artigo 129º do CIRC, porque essas normas apenas se aplicam a sujeitos passivos da categoria B do CIRS ou a pessoas colectivas sujeitas a IRC. Vejamos: Pressuposto de toda a tese dos Autores é o entendimento de que o artigo 44º, nº 2, do CIRS constitui uma norma de incidência, que contém uma presunção legal que tem de ser ilidível. De facto, o artigo 73º da LGT dispõe que “As presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário”. Não temos dúvida de que esta norma usa o termo “incidência” em sentido lato (mais amplo do que o sentido usado no artigo 103, nº 2 da CRP) e que, por isso, a norma em causa se inclui no conceito de “norma de incidência tributária”. Nesse sentido, por todos, Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, 2006, Volume I, áreas Editora, comentário 3 ao artigo 64º e nota de rodapé nº 1, pág. 503, segundo o qual esse conceito, na vertente objectiva, abrange as normas que indicam os bens, actividades ou situações sobre que assentam a tributação e as (que) determinam o quantitativo do tributo, incluindo as que indicam qual a matéria colectável, as taxas e os benefícios fiscais. Além disso, só pode entender-se que a norma do artigo 44º, nº 2 do CIRS (segundo a qual: para determinação do ganho sujeito a tributação considera-se “valor de realização” a contraprestação financeira obtida na transmissão onerosa, prevalecendo sobre esta o valor patrimonial tributário do imóvel, se for superior aquela) contém uma presunção legal, que, por estar consagrada em norma de incidência tributária, é passível de ser ilidida mediante prova em contrário. De facto, estando em causa a tributação do rendimento a CRP exige que a tributação se faça tendencialmente sobre o rendimento real, e não sobre o rendimento normal (cf. artigo 104º, nºs 1 e 2, sendo certo que, diferentemente, no caso da tributação do património, sua aquisição ou propriedade, o nº 3 do mesmo artigo põe a tónica na igualdade de tratamento dos cidadãos abrindo portas à tributação segundo critérios de normalidade como o do “valor de mercado”). Embora a CRP se refira expressamente à tributação do rendimento das “empresas”, entende-se geralmente, que a exigência de tratamento justo (ou mais: tendencialmente protector, cf. artigo 67º) da família, impõe que o rendimento das pessoas singulares seja tributado de acordo com o seu valor real (efectivo ou presumido, conforme as circunstâncias). Essa foi a finalidade confessada da reforma da tributação do rendimento operada pela criação do IRS em substituição dos impostos que o antecederam (imposto profissional e imposto complementar). Por isso, consta do ponto 21 do Preâmbulo do diploma que aprovou o CIRS (Decreto-Lei nº 442-A/88, de 30 de Novembro) que “Assim, não só se limitou significativamente o recurso a presunções e se eliminou a possibilidade de a administração fiscal se servir de critérios de razoabilidade para definir o limite de deduções e encargos, como se estabeleceu que a base da determinação do rendimento colectável é a declaração do contribuinte, só podendo proceder-se à fixação administrativa desse rendimento na falta de tal declaração, quando os rendimentos declarados não correspondam aos reais ou se afastem dos presumidos na lei ou haja necessidade de utilizar métodos indiciários.”. Por sua vez, o artigo 44º do CIRS dispunha, na altura dos factos: “1 - Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se valor de realização: a) No caso de troca (…); b) No caso de expropriação, (…); c) No caso de afectação de quaisquer bens do património particular do titular de rendimentos da categoria B a actividade empresarial e profissional, (…); d) d) No caso de valores mobiliários alienados pelo titular do direito de exercício de warrants autónomos de venda, e para efeitos da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º, (…); e) Tratando-se de bens ou direitos referidos na alínea d) do n.º 4 do artigo 24.º, quando não exista um preço ou valor previamente fixado, (…); f) Nos demais casos, o valor da respectiva contraprestação. 2 - Nos casos das alíneas a), b) e f) do número anterior, tratando-se de direitos reais sobre bens imóveis, prevalecerão, quando superiores, os valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de Sisa (imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis) ou, não havendo lugar a esta liquidação, os que devessem ser, caso fosse devida. 3 - No caso de troca por bens futuros, (…). 4 - No caso previsto na alínea c) do n.º 1 (…)”. O artigo 2º da Lei nº 82-E/2014, de 31 de Dezembro, em vigor desde 1/1/2015, aditou o seguinte: “5 - O disposto no n.º 2 não é aplicável se for feita prova de que o valor de realização foi inferior ao ali previsto. 6 - A prova referida no número anterior deve ser efectuada de acordo com o procedimento previsto no artigo 139.º do Código do IRC, com as necessárias adaptações. (…)” Verifica-se, assim, que a lei nova veio dar ao artigo 44º do CIRS redacção idêntica à do invocado artigo 31º-A, nº 6, do CIRS, que dispõe “1 - Em caso de transmissão onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, sempre que o valor constante do contrato seja inferior ao valor definitivo que servir de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis, ou que serviria no caso de não haver lugar a essa liquidação, é este o valor a considerar para efeitos da determinação do rendimento tributável. 2 - Para execução do disposto no número anterior, se à data em que for conhecido o valor definitivo tiver decorrido o prazo para a entrega da declaração de rendimentos a que se refere o artigo 57.º, deve o sujeito passivo proceder à entrega da declaração de substituição durante o mês de Janeiro do ano seguinte. 3 - O disposto no n.º 1 não prejudica a consideração de valor superior ao aí referido quando a Autoridade Tributária e Aduaneira demonstre que esse é o valor efectivo da transacção. 4 - Para efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 3.º, nos n.ºs 2 e 6 do artigo 28.º e no n.º 1 do artigo anterior, deve considerar -se o valor referido no n.º 1 do presente artigo, sem prejuízo do disposto nos números seguintes. 5 - O disposto nos n.ºs 1 e 4 não é aplicável se for feita prova de que o valor de realização foi inferior a o ali previsto. 6 - A prova referida no número anterior deve ser efectuada de acordo com o procedimento previsto no artigo 139.º do Código do IRC, com as necessárias adaptações.”. Portanto, independentemente de saber se o artigo 44º do CIRS é uma norma de incidência [(e se, para isso, teria de constar do Capítulo “I- Incidência”, artigos 1º a 21º) ou uma norma/critério de quantificação da matéria colectável (enquadrada no “Capítulo II – Determinação do rendimento colectável”, artigos 22º a 67º do CIRS)], a verdade é que o legislador entende agora que tal norma contém uma presunção legal que admite elisão por prova em contrário. Situação idêntica já estava prevista na lei vigente ao tempo dos factos, quando se tratasse de sujeitos passivos registados para o exercício de actividade comercial (artigo 129º, actual 139º, do CIRC quanto às pessoas colectivas ou artigo 31º-A do CIRS, quanto a pessoas singulares enquadradas na categoria B). Mal se percebendo o motivo da falta de previsão legal expressa no mesmo sentido quando estavam causa pessoas singulares não inscritos na categoria B do CIRS. Em rigor, da interpretação que deveria ser feita das normas vigentes sempre seria de concluir que por se tratar de tributação de rendimentos da família (embora englobados na categoria G) se lhes aplica o princípio da tributação do rendimento real e que, resultando de presunção consagrada em norma de incidência tributária, já vigorava naquele tempo “norma” segundo a qual deveria ser permitida a prova do preço efectivo da transmissão, senão com recurso à aplicação analógica do artigo 31º-A do CIRS, pelo menos fazendo aplicação directa do disposto no artigo 64º do CPPT. De onde resulta que se deve entender que a nova redacção do artigo 44º, nº 2 do CIRS, na parte em que adita os nºs 5 e 6, tem natureza interpretativa. Para que uma lei nova possa ser interpretativa são necessários dois requisitos: que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei. Se o julgador ou o intérprete, em face dos textos antigos, não podiam sentir-se autorizados a adoptar a solução que lei nova vem consagrar, então esta é decididamente inovadora. - cf. AC STJ de 13/11/2007, procº 07A3564, disponível em www.dgsi.pt. De facto, no caso, a solução do direito que vigorava na altura dos factos era pelo menos incerta e a solução da lei nova seria aquela a que o intérprete poderia e deveria chegar dentro dos limites das regras de hermenêutica. Nos termos do nº 1 do artigo 13º do CC, a lei interpretativa integra-se na lei interpretada, ficando salvos, porém, os efeitos já produzidos pelo cumprimento da sentença passada em julgado, por transacção, ainda que não homologada, ou por actos de análoga natureza como seria a situação da decisão administrativa com efeito de caso de decidido. O acto impugnado não tem efeito de “caso decidido” (sem embargo da sua impugnabilidade autónoma). Por outro lado, a disposição legal resultante da nova redacção dos nºs 5 e 6 do artigo 44º do CIRS apenas entrou em vigor em 1/1/2015, aplicando-se para o futuro (artigo 12º, nº 1, do CC). Pelo que pode haver quem entenda (quando se negue a sobredita natureza interpretativa) que a nova lei não se aplica ao caso dos autos. Crê-se, todavia, que a norma actualmente em vigor tem perfeita aplicação ao caso dos autos, na medida em que o pedido administrativo agora sob apreciação impediu o esgotamento dos efeitos durante a vigência da lei anterior (sem prejuízo da impugnabilidade do acto administrativo em causa). Ora, não estando ainda esgotados esses efeitos a situação em apreciação pode beneficiar do disposto na parte final do nº 2 do artigo 12º do CC, segundo o qual “quando (a lei nova) dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhe deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor”. Neste sentido, o STA considera que “podemos fixar o seguinte entendimento: se a nova regulamentação legal se prende com qualquer facto produtor de certo efeito, ela tem, tão só, aplicação aos factos novos; já se a nova regulamentação se conexiona apenas ao direito, sem referência ao facto que lhe deu origem, então a lei nova aplica-se às relações jurídicas já constituídas que subsistam à data da sua entrada em vigor. Nesta conformidade, as normas de natureza substantiva contidas na LGT não se aplicam a factos e efeitos já consumados no domínio da lei anterior; mas se essas normas definirem o conteúdo (ou efeitos) de relações jurídico-tributárias duradouras, como é o caso da maior parte das obrigações tributárias, sem referência ao facto que lhes deu origem, elas vão aplicar-se não só às relações e situações jurídicas que se constituírem após a sua entrada em vigor, como, também, a todas aquelas que, constituídas antes, protelem a sua vida para além do momento da entrada em vigor da nova regra. Donde decorre que é perfeitamente possível, no nosso sistema jurídico, aplicar normas tributárias compreendidas em diferentes diplomas (lei antiga e a lei nova) a uma relação ou situação jurídica de natureza tributária duradoura, não podendo o efeito imediato da lei nova ser considerado, em tais situações, como representando um efeito retroactivo” - Ac. STA de 28/9/2011, rec. 0790/11, disponível em www.dgsi.pt. Como se pode ler no Acórdão de 28/9/2011, proc. 0764/11, socorrendo-se do ensino de BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 2002, p. 243, o STA considera que “achando-se uma situação jurídica em curso de constituição, passa o respectivo processo constitutivo a ficar imediatamente subordinado à lei nova”, e isto porque “é na vigência desta que a constituição (ou seja, o facto constitutivo "completo") se vem a verificar” (sublinhado nosso). Como demonstra aquele autor, esta situação não implica qualquer retroactividade já que é na vigência da lei nova (artigo 44º do CIRS na redacção dada pelo artigo 2º da Lei nº 82-E/2014, de 31 de Dezembro), que se vem a verificar o facto duradouro relativo à apreciação do pedido dos agora Autores. Também, como se refere no aresto do STA de 3/3/2010, citando, de novo, a lição de Baptista Machado “( ... ) nada impede que a lei nova se aplique a factos passados que ela assume como pressupostos impeditivos ou desimpeditivos (isto é, como pressupostos negativos ou positivos) relativamente à questão da validade ou admissibilidade da situação jurídica, questão essa que é da sua exclusiva competência” e “tendo o decurso global do prazo o valor de um facto constitutivo (ou extintivo) de um direito ou situação jurídica, se tal prazo ainda se encontrava em curso no momento do início de vigência da lei nova, é porque tal situação jurídica ainda não se encontrava constituída (ou extinta) neste momento”. Logo, cabe à lei nova a competência para determinar os requisitos da constituição da mesma situação jurídica. Achando-se uma situação jurídica em curso de constituição, passa o respectivo processo constitutivo a ficar imediatamente subordinado à lei nova”. Aplicando o exposto ao caso vertente tem de se considerar que o acto impugnado ainda não se consumou, ainda não se tornou eficaz, e que o pedido que o originou mantém actualidade e pode (e deve) beneficiar do regime previsto na lei nova actualmente em vigor, que coincide com a pretensão dos Autores. Não se diga que a aplicação da lei nova ao caso dos autos viola o princípio da não retroactividade das leis ou o princípio da confiança. Note-se que, como vem afirmando o Tribunal Constitucional (Acórdão nº 85/2010, proc. 653/09), a retroactividade “autêntica”, em que a norma pretende ter efeitos sobre o passado (eficácia ex tunc), deve distinguir-se a “retroactividade aparente” “(parcial ou inautêntica)”, também denominada retrospectividade ou retroactividade quanto a efeitos jurídicos (cf. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, Coimbra, 1998, p. 255). Nesta última cabem situações como a dos autos em que uma lei pretende vigorar para o futuro mas acaba por tocar em situações, direitos ou relações jurídicas desenvolvidas no passado mas ainda existentes à data da sua entrada em vigor (pedido de abertura de procedimento de prova do preço efectivo da transmissão imobiliária, ainda sem efeito de caso decidido). Trata-se de situações, nas palavras de GOMES CANOTILHO, em que “há certos efeitos jurídicos da lei nova vinculados a pressupostos ou relações iniciadas no passado”. Assim sendo, para haver violação do princípio da proibição da retroactividade, era necessário que ocorresse retroactividade autêntica, isto é, que a lei nova tivesse sido aplicada a um facto passado, inteiramente decorrido ao abrigo da lei antiga, o que como se demonstrou, não sucede no caso autos. Do mesmo modo, não ocorre qualquer violação do princípio da protecção da confiança, na vertente da segurança jurídica. Como ficou consignado no Acórdão do Supremo Tribunal de 28/9/2011, seguindo jurisprudência do Tribunal Constitucional, para averiguar se há violação destes princípios terá de se proceder “a um justo balanceamento entre a protecção das expectativas dos cidadãos decorrentes do princípio do Estado de direito democrático e a liberdade constitutiva e conformadora do legislador, também ele democraticamente legitimado, legislador ao qual, inequivocamente, há que reconhecer a legitimidade (senão mesmo o dever) de tentar adequar as soluções jurídicas às realidades existentes, consagrando as soluções mais acertadas e razoáveis, ainda que elas impliquem que sejam 'tocadas' relações ou situações que, até então, eram regidas de outra sorte». “Sendo que só uma retroactividade intolerável, que afecte de forma inadmissível e arbitrária os direitos e expectativas legitimamente fundados dos cidadãos, viola o princípio de protecção da confiança, ínsito na ideia do Estado de direito”. Acresce que, como se viu, a lei nova veio dar ao artigo 44º do CIRS redacção idêntica à do invocado artigo 31º-A, nº 6, do CIRS, que dispunha (…) e agora dispõe (…). Acresce ainda que, mesmo considerando a AT que o artigo 31º-A do CIRS não se aplica a pessoas singulares que não sejam sujeitos passivos da categoria B do CIRS, sempre haveria de considerar, na falta de outro fundamento que a isso obstasse, ser de aplicar o disposto no artigo 64º do CPPT, que não sofre da mesma limitação, e convolar imediatamente o pedido. Em suma: por força do sobredito, ao caso é de aplicar a norma com o conteúdo correspondente ao do artigo 44º CIRS na redacção actual.» Perante este discurso é inegável que a sentença recorrida se funda expressamente, se não apenas, também e, até, a título principal, nos nºs 5 e 6 do artigo 44º do CIRS na redacção que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2015, portanto, depois do facto tributário, que ocorreu em 3 de Outubro de 2006, e que a fundamentação para tal aplicação reside, também, embora não apenas, na natureza alegadamente interpretativa daquela nova redacção do artigo 44º do CIRS. Uma vez isto assente, há que dizer desde já que não se sufraga, nesta parte, a fundamentação de direito da sentença. Na verdade, do que se trata, a ocorrer a perplexidade que o Mª Juiz a quo tão bem expõe e a inovação legislativa veio resolver, não será de uma dúvida de interpretação, mas de uma lacuna legislativa, a resolver com recurso à aplicação analógica, como a própria sentença reconhece ser uma alternativa e os Autores requereram. Ora, integrar uma lacuna com recurso à integração analógica já não é hermenêutica, isto é, interpretação do texto jurídico, se não metodologia do direito (stricto sensu), pelo que não tem sentido colocar a questão da natureza “interpretativa” da nova redacção do artigo 44º do CIRS, especialmente dos seus nºs 5 e 6. Aliás – perguntamos retoricamente – de que norma é interpretativa a nova redacção do artigo 44º do CIRC? A Sentença recorrida não o diz, precisamente porque, no seu próprio entender, não há tal norma, mas lacuna de norma. De facto, o artigo 44º era de todo silente na matéria agora contemplada, por muito que isso contrastasse com a norma que previa a situação objecto da requerida aplicação analógica (os nºs 5 e 6 do artigo 31º-A (aplicável directamente apenas aos titulares de rendimentos profissionais e empresariais). Em conclusão, o pressuposto que a sentença recorrida diz verificar-se para recorrer a uma aplicação da redacção actual dos nºs 5 e 6 do artigo 44º do CIRC ao facto tributário de 2006, enquanto normas interpretativas, não se verificava, pelo que a resposta à questão em apreciação só pode ser afirmativa. 4ª Questão De todo o modo, errou, a sentença recorrida, em matéria de direito, violando os artigos 12º nº 2 e 13º nº 1 do CC, ao aplicar aquela nova redacção do artigo 44º do CIRC aos actos impugnados, com fundamento numa suposta natureza duradoura ou sucessiva (não instantânea) da relação jurídica fonte da mais valia em causa, quando a compra e venda é um negócio de efeitos instantâneos e ocorreu antes da entrada em vigor daquela alteração legislativa? Também a resposta a esta questão tem de ser afirmativa. Na verdade, sem embargo da correição científica de tudo o que expõe em sede geral, a sentença recorrida erra quando nela subsume o caso sub judice, pois considera objecto (duradouro) da Lei nova, a aplicar retrospectiva mas não retroactivamente, o acto administrativo que a deve (ou não) aplicar, quando na verdade a lei nova nada dispõe sobre actos administrativos, dispõe outrossim sobre factos jurídicos, acontecidos no “comércio jurídico”, que resultem num ganho tributável em IRS, como acontece com a venda de um imóvel. Quanto ao acto administrativo impugnado apenas tem sentido discutir se o mesmo devia ou não aplicar a Lei nova ao facto jurídico pretérito, que foi a venda de um imóvel ocorrida em de 2006. Ora esse facto jurídico – venda de um imóvel, por determinado preço – nada tem de duradouro, no sentido de dar início a uma relação jurídica integrada por direitos cujo exercício e cumprimento, por sua natureza, se reitere ou renove no tempo, antes se esgotou na translação de propriedade do terreno e no nascimento do crédito relativamente ao preço ou na recepção deste. Assim sendo, não ocorrem os pressupostos de qualquer aplicação retrospectiva da nova redacção do artigo 44º do CIRC, designadamente dos seus nºs 5 e 6, pelo que só pode corresponder a um erro de direito a aplicação que deles pretende, a sentença recorrida, ser feita. 5ª questão Errou, antes, a sentença recorrida, ao anular os actos impugnados também com fundamento numa alegada violação, pela AT, do dever de convolar o pedido dos Recorrentes num pedido de abertura do procedimento previsto no artigo 64º do CPPT, porque as regras daquele procedimento (o momento e local da apresentação, o órgão a quem é dirigido, os termos em que é tramitado o procedimento, e as consequências da não resposta, no prazo legalmente prescrito) não se compaginam com os condicionalismos em que foi formulado o pedido de prova de preço efectivo, sendo certo que não ficava, todavia, prejudicado o direito dos AA. à tutela efectiva dos direitos que pretendem fazer prevalecer, atenta a possibilidade de impugnação das consequentes liquidações? Efectivamente, a sentença recorrida, ainda que mui brevemente, também invocou, como fundamento da decidida ilegalidade dos despachos impugnados, a não convolação dos requerimentos dos Recorridos num pedido de abertura do procedimento a que se refere o artigo 64º do CPPT. Fê-lo nos dois derradeiros parágrafos da fundamentação de direito, que por facilidade, voltamos a transcrever. “Acresce ainda que, mesmo considerando a AT que o artigo 31º-A do CIRS não se aplica a pessoas singulares que não sejam sujeitos passivos da categoria B do CIRS, sempre haveria de considerar, na falta de outro fundamento que a isso obstasse, ser de aplicar o disposto no artigo 64º do CPPT, que não sofre da mesma limitação, e convolar imediatamente o pedido. Em suma: por força do sobredito, ao caso é de aplicar a norma com o conteúdo correspondente ao do artigo 44º CIRS na redacção actual”. Note-se que desta feita já não se diz que se aplica a redacção superveniente do artigo 44º do CIRC, mas sim “norma com o conteúdo correspondente”, ou seja, já não se sustenta qualquer aplicação retroactiva ou retrospectiva dos nºs 5 e 6 do artigo 44º do CIRS, mas uma integração de uma suposta – mas não indicada nem demonstrada – indeterminação do procedimento previsto no artigo 64º. Não se pode sufragar a vaga invocação de “norma correspondente”, desde logo porque tal norma não existia ao tempo do negócio tributado. Depois, se porventura o Mº Juiz a quo se quis referir à “norma que o próprio intérprete criaria se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema”, conforme dispõe o artigo 10º nº 3 do CC – certo é que este recurso metodológico apenas é lícito para integrar lacunas legislativas e, aliás, apenas na falta de previsão legal de caso análogo. Ora, nem o procedimento do artigo 64º do CPPT ostenta evidentes lacunas nem a sentença recorrida indicou qualquer lacuna a integrar. Na verdade, o procedimento do artigo 64º do CPPT destina-se em geral à elisão de toda e qualquer presunção legal prevista em normas de incidência tributária, bem se compreendendo, assim, que não contenha uma norma correspondente aos nºs 5 e 6 do artigo 31º-A do CIRC, nem ao procedimento do artigo 129º (actual 139º) do CIRC (para o qual aquele nº 6 remete). Por isso, ao representar-se a aplicação do procedimento do artigo 64º do CPPT ao procedimento de pedido de prova do preço real apresentado pelos ora autores, não tinha sentido conceber a aplicação, nesse procedimento, de uma norma correspondente aos nºs 5 e 6 do artigo 44º do CIRC, na nova redacção. A aplicação do procedimento previsto no artigo 64º do CPPT só pode equacionar-se, portanto, tal como vem (suficientemente) gizado nos três números que o integram, sem mais. Como se viu a propósito das anteriores questões e melhor se explicitou na exposição geral integrante da sentença recorrida, em sede de IRS, até à Lei nº 82-E/2014 de 31 de Dezembro, que introduziu os nºs 5 e 6 do artigo 44º do CIRS, diversamente do que acontecia para os ganhos obtidos na venda de bens imóveis no exercício de actividades empresariais e profissionais (artigo 31º-A nºs 5 e 6 do CIRS), o Legislador não previa (expressa e especificamente) o direito e um procedimento especial para os contribuintes beneficiários de ganhos (mais-valias) obtidos nas vendas de bens imóveis alheias ao exercícios daquelas actividades económicas provarem a realidade do preço mencionado na escritura, inferior ao patrimonial. A posição da Recorrente, de daí concluir pela exclusão do direito a produzir tal prova é insustentável, pois isso redundaria na consagração de uma presunção inelidível em matéria que, substancialmente, é de incidência de imposto, pois delimita quantitativamente o objecto do mesmo. Tal inelidibilidade violaria frontalmente o artigo 73º da LGT e até a Constituição Fiscal. Neste sentido ocorre citar o primeiro parágrafo do sumário do AC do STA de 23/06/2021 no processo 02681/15.1BEALM: “I - Tendo em atenção o princípio da igualdade, na vertente da imposição de imposto segundo a capacidade contributiva e do objectivo constitucional da «repartição justa dos rendimentos e riqueza» (n.º 1 do art. 103.º da CRP), a imputação de matéria colectável considerando como valor de realização o que resultar para efeitos de IMT, nos termos do n.º 2 do art. 44.º do CIRS, quer se reconduza a uma presunção legal ou a uma ficção legal, deverá ter-se por ilidível, face ao disposto no art. 73.º da LGT, sob pena de inconstitucionalidade.” Aliás, tal interpretação do nº 2 do artigo 44º do CIRS, na redacção deste artigo anterior à sobredita alteração do artigo, foi, entretanto, proscrita pelo Tribunal Constitucional, em sede de fiscalização concreta, em acórdão, proferido em 02/05/2017, no proc. n.º 285/15, que o julgou materialmente inconstitucional, «na interpretação segundo a qual, para efeitos da determinação dos ganhos sujeitos a IRS relativos a mais-valias decorrentes da alienação onerosa de bens imóveis, ali se estabelece uma “presunção inelidível” por violação do princípio da capacidade contributiva ínsito nos artigos 103.º, n.º 1 e 13.º da Constituição da República Portuguesa”. Assim, assentamos na elidibilidade da presunção, disposta no artigo 44º nº 2 do CIRS – redacção vigente antes da Lei nº 82-E/2014, de 31 de Dezembro – de que o valor de realização da venda do “terreno para construção”, feita pelos Autores foi o da segunda e definitiva avaliação, para efeitos de IMT, mediante a prova de que o preço real foi efectivamente o “escriturado”. Não se diga que basta que essa elisão se possa fazer por via judicial mediante a impugnação da consequente liquidação de IRS, como alega a recorrente. De modo nenhum isso se pode admitir. Se o contribuinte tem o direito subjectivo a tentar elidir a presunção, provando que o preço real foi o “escriturado”, então a AT tem de lho poder reconhecer ou negar extrajudicialmente, pelo que tem de haver procedimento tributário ordenado a tal decisão. Enfim, os actos impugnados, enquanto se fundamentaram nessa suposta inelidibilidade, são anuláveis, por violação de lei. E ao assim também julgar, andou bem o Mª Juiz a quo. Questão de resposta menos evidente é a saber se o procedimento tributário que a AT devia seguir, em face dos requerimentos dos AA, na falta de previsão específica, ao contrário do que sucedia para o caso análogo dos ganhos obtidos na venda de imóveis no exercício de actividade empresaria e profissional, em que o artigo 31º-A nºs 5 e 6, que remetia para o procedimento previsto no CIRC para idêntica situação (129º, hoje 139º, do CIRC) era o procedimento previsto em geral para toda a elisão de presunções em matéria de incidência, no artigo 64º do CPPT ou, outrossim, o daquele artigo 129º do CIRC, ex vi nºs 5 e 6 do artigo 31º-A do CIRS, aplicados in casu por analogia. A regra de que a norma geral derroga a norma especial aponta para uma aplicação do procedimento geral previsto no artigo 64º do CPPT. Julga, porém, este Tribunal, tal como a Recorrente, que este procedimento, atentas as suas singeleza e generalidade, bem como as diferenças injustificadas que traria ao tratamento das mais valias tributáveis com rendimentos da categoria G, designadamente quanto à diferença de órgão competente para decidir, não é o adequado, nem foi o previsto pelo Legislador para os beneficiários destes rendimentos provarem o preço real inferior ao valor da avaliação patrimonial. Com efeito, as necessidades inerentes à especial natureza dos negócios de transmissão onerosa de propriedade sobre imóveis, que ditaram a concepção do procedimento constante do artigo 129º do CIRC (hoje, 139º), aplicável aos ganhos tributáveis em IRC e, ex vi nº 6 do artigo 31º-A do CIRS, aos ganhos tributáveis em IRS quando obtidos no exercício de actividades empresariais e profissionais – desde os elevados valores de imposto habitualmente envolvidos até à obrigatoriedade da celebração por escritura pública – fazem-se sentir com a mesma premência no caso de os ganhos serem obtidos por pessoas individuais, fora do exercício dessas actividades. Note-se que, como bem lembram os Autores na PI, arcados em prestigiosa doutrina, o princípio da legalidade tributária (artigo 8º da LGT) não obsta ao recurso a uma aplicação analógica das normas gizadas apenas para o caso dos ganhos obtidos no exercício da transição onerosa de bens imóveis no exercício de actividades profissionais e empresariais e por sujeitos passivos de IRC, uma vez que se trata de normas de natureza adjectiva e o recurso a elas é favorável ao contribuinte. Portanto, à semelhança do que defenderam os Autores na PI e no pedido de abertura do procedimento, julgamos que era e é de aplicar por analogia, ao exercício do direito que os AA têm, de tentar provar a realidade do preço que constou na escritura púbica de compra e venda, o procedimento resultante do disposto pela conjugação do nº 6 do artigo 31º-A do CIRS com o artigo 129º do CIRC, (redacção e numeração anteriores ao DL nº 159//2009 de 13 de Julho) actual artigo 139º do mesmo diploma. Conclusão Do exposto resulta que, se é certo que há erro de direito na invocação quer da natureza interpretativa da nova redacção do artigo 44º nºs 5 e 6 do CIRC, quer da natureza duradoura do facto objecto da pretendida aplicação da mesma nova redacção, quer na invocação do artigo 64º do CPPT, com ou sem criação de norma correspondente à daqueles nºs 5 e 6, nem por isso deixou o Mª Juiz a quo de julgar bem quando entendeu terem os Autores direito a tentarem provar perante a Autoridade Tributária e Aduaneira, em sede de procedimento tributário, que o valor de realização da venda do seu terreno de construção foi o constante da escritura; e quando, também com fundamento nisso, decidiu anular os despachos impugnados. Por isso, o recurso improcede, com a presente fundamentação. Já a acção, essa, procede, desta feita, com a fundamentação exposta a propósito da quinta questão supra enunciada e apreciada, sendo tal fundamentação que haverá de se ter presente quando houver de ser executado o ora julgado, ou seja, haverá que fazer os requerimentos dos Autores seguirem o procedimento previsto no outrora artigo 129º, hoje 139º do CIRC, ex vi nº 6 do artigo 31º-A do CIRS, aplicado, este, por analogia. Dispositivo Pelo exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal em julgar improcedentes os dois recursos e procedentes as (três) acções, com a presente fundamentação. Custas pela Recorrente: artigo 527º do CPC. Porto, 30/11/2022 Tiago Afonso Lopes de Miranda Cristina da Nova Cristina Travassos Bento |