Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00516/18.2BEPNF-S1 |
Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
Data do Acordão: | 06/06/2024 |
Tribunal: | TAF de Penafiel |
Relator: | PAULO FERREIRA DE MAGALHÃES |
Descritores: | PROCESSO DISCIPLINAR; INFRACÇÃO DISCIPLINAR; PENA DISCIPLINAR DE SUSPENSÃO CUMPRIDA; APLICABILIDADE DA LEI N.º 38-A/2023, DE 02 DE AGOSTO; INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE; EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA; |
Sumário: | 1 - Da amnistia de infrações disciplinares prevista na Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, decorre o efeito essencial e típico de qualquer amnistia – impedir que o agente agraciado sofra a sanção que lhe poderia vir a ser [ou que já lhe foi] aplicada pela prática de uma infração –, pelo que a conformação concreta dos respetivos efeitos fica dependente das regras estatuídas no regime jurídico disciplinar aplicável, enquanto legislação subsidiária ou complementar. 2 - Tratando os autos de uma infracção disciplinar praticada em 04 de fevereiro de 2018, consubstanciada na ausência do Autor do seu posto de trabalho, incumprindo com o disposto no artigo 27.º, n.º 1, alíneas a), b) e c) do Estatuto do pessoal do Corpo da Guarda Prisional, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 3/2014, de 09 de janeiro, é manifesto que a mesma se subsume no âmbito do disposto nos artigos 2.º, n.º 2, alínea b) e 6.º, ambos da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, por não se dilucidar dos autos nem do PA que estejam em causa ilícitos disciplinares que constituam simultaneamente ilícitos criminais, ou que o Autor seja reincidente no cometimento de infracções disciplinares. 3 - Neste pressuposto, a amnistia devia ter sido aplicada pela 1.ª instância, sendo que, não o tendo sido, deve sê-lo por este TCA Norte, enquanto instância de julgamento em sede de recurso jurisdicional ora em apreço, declarando amnistiada a pena disciplinar de suspensão por 30 dias aplicada ao representado do Autor [Cfr. artigo 14.º da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto], e declarando a inutilidade superveniente da lide [Cfr. artigo 277.º, alínea e), do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA], na parte em que a amnistia abarca todos os efeitos da pena aplicada, tornando-se assim inútil, nessa parte, a continuação da lide. 4 - Em face da aplicação positiva da Lei n.º 38.-A/2023 de 02 de agosto, e devendo ser declarada amnistiada a infracção disciplinar, o Autor tem direito a fazer prova da sua inocência tendo por referência a factualidade que lhe foi imputada pela Administração e que esteve na base da aplicação da sanção disciplinar, ou seja, o direito a que a pretensão por si deduzida na impugnação judicial da decisão punitiva seja apreciada no seu mérito potencial, quando subjacente à sua motivação para efeitos de entender não lhe dever/pode ser aplicada a amnistia, estiver o pressuposto de que não praticou qualquer ilícito, seja de natureza disciplinar ou penal. 5 – Determinar a extinção da instância, quando tenha sido requerida a sua continuação, por não se conformar o interessado com a pena disciplinar que lhe foi aplicada, ainda que suspensa na sua aplicação, constitui a final uma limitação do direito do Autor e a consagração de uma absoluta impossibilidade de poder ver revertida essa decisão, ficando sempre a pairar sob a sua figura o véu da eventualidade do cometimento dos factos integradores do ilícito, mas que veio a ser amnistiado.* * Sumário elaborado pelo relator (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
Votação: | Maioria |
Meio Processual: | Acção Administrativa Comum |
Decisão: | Conceder parcial provimento ao recurso. |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I - RELATÓRIO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA [devidamente identificado nos autos] Réu na acção que contra si foi intentada por «AA» [também devidamente identificado nos autos], inconformado com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, em 16 de fevereiro de 2024 [visando o seu requerimento a fls. 299 dos autos – SITAF], pela qual, em suma, julgou pela não aplicabilidade da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto [que estabelece um perdão de penas e uma amnistia de infracções por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude], e assim, pela não ocorrência da extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, tendo determinado a prossecução dos termos dos autos, veio interpor recurso de Apelação. * No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencou a final as conclusões que ora se reproduzem: “[…] I - Do objeto do recurso 1. No caso em apreço na presente ação administrativa está em causa a impugnação do ato de aplicação de sanção disciplinar de suspensão por 30 dias. 2. O Ministério da Justiça, ora Recorrente, considerou nos autos que, no caso é aplicável a Lei da amnistia e que a ação deve ser extinta por inutilidade superveniente nos termos do artigo 6.º da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, em conjugação com o artigo 127.º e 128.º do Código Penal. 3. Ora, a amnistia, (cfr. regime jurídico previsto nos artigos 127.º e 128.º do Código Penal, aplicável com as devidas adaptações) extingue o procedimento disciplinar e no caso de ter havido condenação faz cessar a execução da sanção disciplinar e dos seus efeitos. 4. E, o MJ, para além de ter invocado a lei também fez referência a doutrina e jurisprudência proferida, aliás, pelo mesmo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel em processo idêntico de impugnação de ato que aplicou sanção disciplinar. 5. Assim configura erro de julgamento, por errada interpretação e aplicação da lei, o facto de no despacho recorrido ser mantido o entendimento de que: “No caso dos autos, importa destacar, em primeiro lugar, que os efeitos desta amnistia apenas neutraliza a utilidade da acção anulatória quando o amnistiado possa, efectivamente, retirar um benefício útil dos efeitos da amnistia. O que não se verifica neste caso, uma vez que a acção proposta pelo Autor visa obter a anulação/declaração de nulidade do acto que lhe aplica uma pena disciplinar de 30 dias de suspensão com fundamento na sua ilegalidade e que determinou, entre outras, a perda de remuneração. Neste contexto, caso se dê por verificados os pressupostos da inutilidade superveniente da lide, o amnistiado encontrar-se-à impossibilitado de ver reconstituída a sua situação hipotética actual, caso a presente acção venha a ser julgada procedente. Em contraponto, daquela decisão não resulta para a sua esfera jurídica nenhum benefício ou efeito útil, pelo que, e perante a pronúncia do Autor, os presentes autos devem seguir os seus termos. Assim, devem os autos prosseguir.” 6. Ora, no caso, a sanção disciplinar aplicada ao Autor, ora Recorrido, por se encontrar no âmbito de aplicação da Lei da amnistia, implica necessariamente a cessação da responsabilidade disciplinar do Autor, ora Recorrido, e a presente ação deixa de ter objeto, precisamente a sanção disciplinar impugnada, ocorrendo uma impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide. 7. A inutilidade superveniente da lide dá origem à extinção da instância cuja decisão do Tribunal não é de absolvição, mas puramente declarativa (artigo 277.°, alínea e) do CPC, ex vi artigo 1.° e 89.°, n.° 4 do CPTA. 8. Nos casos de extinção da instância, o juiz deve abster-se de conhecer do pedido. 9. Segundo o preceituado no artigo 615.°, n.° 1, alínea d), do CPC é nula a sentença/decisão quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afeta a decisão recorrida advém de um excesso de pronúncia (2.° segmento da norma), por não ter declarado a extinção da instância e indevidamente determinar o prosseguimento dos autos para conhecer do mérito da ação. 10. Se ao apreciar a matéria excetiva, o juiz do saneador expressamente declarou que ela não era causa de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide e fez prosseguir os autos, significa que esta decisão faz caso julgado formal, não podendo o Recorrente, posteriormente em sede de sentença apresentar recurso com fundamento neste vicio do despacho saneador que fez caso julgado formal, cfr. artigo 595.°. n.° 1 alínea a) e n.° 3 do CPC, aplicável ex vi artigo 1-° do CPTA. 11. Quando uma decisão judicial que deveria ter sido objeto de recurso autónomo não o foi, tendo consequentemente transitado em julgado, não pode o tribunal superior, em sede de recurso da decisão final, contrariar a decisão anteriormente proferida e transitada, sob pena de violação do caso julgado formal. 12. Nestes termos, caso o Recorrente não recorra já deste despacho saneador, o mesmo, entretanto, faz caso julgado formal quanto à causa de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, ficando impossibilitado de apresentar recurso desta questão decidida no despacho saneador, o que configura uma situação prevista na alínea h) do n.° 2 do artigo 644.° do CPC, de um recurso que depois seria absolutamente inútil. II - Do erro de julgamento A – Da recusa da aplicação da lei da amnistia 13. A decisão do despacho saneador recorrido consubstancia uma situação de recusa da amnistia, opção que a lei da amnistia não prevê para as sanções disciplinares. 14. Com o devido respeito, afigura-se ao Recorrente, que o Tribunal não pode recusar a aplicação da lei da amnistia (Lei n.° 38-A/2023, de 2 de agosto) por inexistência de base legal para o efeito. 15. Na verdade, está em causa nos presentes autos uma sanção disciplinar de suspensão pelo período de 30 dias, pelo que, nos termos previstos na alínea b) do n.° 2 do artigo 2.° e artigo 6.° da Lei n.° 38-A/2023, de 2 de agosto, a referida sanção disciplinar está amnistiada. 16. O artigo 11.° da citada Lei n.° 38-A/2023, sob a epígrafe, “Recusa de amnistia”, refere expressamente no seu n.º 1 que: “Independentemente da aplicação imediata da presente lei, os arguidos por infrações previstas no artigo 4.° podem requerer, no prazo de 10 dias a contar da sua entrada em vigor, que a amnistia não lhes seja aplicada, ficando sem efeito o despacho que a tenha decretado”. Sendo que, as infrações previstas no artigo 4.° da citada lei são apenas e tão só as infrações penais, cuja pena aplicável não seja superior a 1 ano de prisão ou a 120 dias de multa. 17. Ou seja, decorre clara e expressamente do n.° 1 do artigo 11.° da Lei n.° 38A/2023 a possibilidade de os arguidos por infrações penais previstas no artigo 4.° poderem recusar a aplicação da lei da amnistia. 18. Situação que não foi prevista para os autores de infrações disciplinares, como é o caso dos presentes autos. E não estando prevista na atual lei a possibilidade de estes últimos poderem recusar a amnistia, tal possibilidade está-lhes vedada. 19. Isto porque, tratando-se as leis da amnistia de providências de exceção, devem as mesmas interpretar-se e aplicar-se nos termos em que se encontram redigidas, sem ampliações decorrentes de interpretações extensivas ou por analogia, nem restrições que nelas não venham expressas (neste sentido, vide acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.10.2001, Proc. n.° 00P3209, entre outros do mesmo Tribunal, bem como o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 22.02.2021, Proc. n.° 384/09.5IDBRG.G3). 20. É pela natureza excecional das normas constantes das leis da amnistia que elas não comportam aplicação analógica, nos termos do disposto no artigo 11.° do Código Civil, sendo pacífico na jurisprudência que, por idêntica razão, não admitem interpretação extensiva ou restritiva. 21. “Sendo, assim, insuscetíveis de interpretação extensiva (não pode concluir-se que o legislador disse menos do que queria), de interpretação restritiva (entendendo-se que o legislador disse mais do que queria) e afastada em absoluto a possibilidade de recurso à analogia, impõe-se uma interpretação declarativa, em que não se faz mais do que declarar o sentido linguístico coincidente com o pensar legislativo...” (cf. acórdão citado do STJ, de 25.10.2001). 22. O que também encontra eco nos n.°s 2 e 3 do artigo 9.° do CC. 23. E, ainda que se aceitasse a possibilidade de o Autor, ora Recorrido, poder recusar a aplicação da lei da amnistia, sempre o seu pedido teria de ser apresentado no prazo de 10 dias a contar da entrada em vigor da referida lei, ou seja, até ao dia 15 de setembro de 2023, o que não foi o caso. 24. Assim, e pelos motivos expostos, afigura-se ao Recorrente inexistir base legal sustentada que permita ao Tribunal recusar a aplicação da lei da amnistia, aos presentes autos e determinar o prosseguimento dos autos. B – Dos efeitos da aplicação da Lei da amnistia aos autos 25. Em situações idênticas às dos presentes autos – impugnação da aplicação de sanção disciplinar de suspensão por 30 dias - constata-se que, a generalidade dos tribunais é unanime em decidir no sentido de que se verificam todos os pressupostos estabelecidos nos artigos 2.°, n.° 2, alínea b) e 6.° da Lei n.° 38-A/2023 para que a infração disciplinar imputada ao Autor, ora Recorrido, seja amnistiada. 26. E, quanto aos efeitos da amnistia relativamente à responsabilidade disciplinar, é também unanimemente considerado que a amnistia é o ato de graça pelo qual o poder político (a Assembleia da República) declara, por uma lei formal, geral e abstrata, extinta a responsabilidade criminal/disciplinar derivada de factos cometidos dentro de um período de tempo, por uma categoria geral de pessoas. Significa assim o apagamento dos efeitos jurídicos das sanções amnistiadas. 27. Nesse sentido, a sanção disciplinar aplicada ao Autor, ora Recorrido, por se encontrar amnistiada, implica necessariamente a cessação da responsabilidade disciplinar, pelo que a presente ação deixa de ter objeto, precisamente a sanção disciplinar impugnada. 28. A inutilidade superveniente da lide dá origem à extinção da instância cuja decisão do Tribunal não é de absolvição, mas puramente declarativa (artigo 277.°, alínea e) do CPC, ex vi artigo 1.° e 89.°, n.° 4 do CPTA. 29. Donde, por força do disposto nos artigos 1.°, 2.°, n.° 2, alínea b), 6.° da citada Lei n.° 38-A/2023 em conjugação com o artigo 128.° do Código Penal, deve ser julgada extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide (artigo 277.°, alínea e), do CPC, aplicável por força do artigo 1.° do CPTA. Nestes termos, e nos melhores de direito, deve a decisão recorrida ser alterada e declarada a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide. […]” ** O Recorrido apresentou Contra Alegações, a final das quais enunciou as conclusões que para aqui se extraem como segue: “[…] CONCLUSÕES: 1. Ao contrário do que sucedeu na Lei 23/91 de 4 de julho ou na Lei 29/99, de 12 de maio, a Lei 38-A/2023, de 2 de agosto apenas previu a possibilidade de recusa da amnistia por parte dos arguidos por infrações previstas no artigo 4.º do mesmo diploma (as infrações penais), não conferindo a mesma possibilidade aos arguidos por infrações disciplinares (cf. artigo 11.º da citada Lei 38/2023). 2. Esta diferença é, sem dúvida, relevante e não pode deixar de ser devidamente considerada na aplicação da Lei da Amnistia de 2023, que não pode gerar uma simples extinção da instância, como defende o Réu., sob pena de se produzir o efeito exatamente contrário ao pretendido. 3. Pelas especificidades próprias do direito administrativo e do processo disciplinar administrativo, o despacho de 23-04-2018, não obstante ter sido impugnado judicialmente e ainda não se considerar definitivo, existe e permanecerá vigente na ordem jurídica até que seja anulado ou declarado nulo, sendo certo que, no caso concreto e por força do disposto no art. 223.º da LTFP, até já produziu todos os seus efeitos, tendo a sanção disciplinar de suspensão com perda de retribuição e antiguidade sido aplicada e cumprida pelo Autor na íntegra. 4. Estas especificidades próprias do processo disciplinar administrativo não têm paralelo no processo penal, em que, como é sabido, não é possível a execução de qualquer pena antes de estarem esgotados todos os meios de impugnação da decisão que a aplique. 5. No processo disciplinar, tal não acontece ou pode não acontecer, pelo que a simples extinção da instância por via da amnistia, já depois de ter sido proferida a decisão sancionatória e iniciada ou terminada a sua execução, implicaria um resultado perverso e inadmissível, na medida em que determinaria, em vez de perdão, punição sem julgamento da causa. 6. É o que acontece no caso concreto: a extinção pura e simples da instância por inutilidade superveniente, sem anulação da decisão sancionatória ou dos efeitos que esta já produziu (como é pretendido pelo Réu), implicará que o Autor, que já foi punido, continue punido e seja impedido de exercer o seu direito impugnar e reverter a decisão sancionatória através dos meios que a lei faculta. 7. Por outras palavras, uma solução destas apenas serviria para acabar com o processo e não para amnistiar o que quer que seja, resultando que jamais poderá ser permitido, sobretudo porque, como já ficou acima dito, a Lei 38A/2023, de 2 de agosto não previu a possibilidade de recusa da amnistia nos casos das infrações disciplinares abrangidas pelo artigo 6.º (cf. artigo 11.º da citada Lei 38/2023). 8. Nessa medida, exige-se que, no caso concreto, a aplicação do regime previsto no art. 128.º do Código Penal ao processo disciplinar seja feita com as devidas adaptações, tendo em conta as características próprias do direito e processo disciplinar, sob pena de se produzirem efeitos absurdos e injustos. 9. A amnistia fez extinguir a responsabilidade disciplinar do Autor (art. 127.º do Código Penal) e não pode haver sanção se não há responsabilidade disciplinar. 10. Por isso é que a aplicação da Lei 38-A/2023 em processos disciplinares em que a decisão sancionatória já foi proferida mas ainda não é definitiva (porque é suscetível de impugnação pelos meios legalmente previstos e, por isso, suscetível de ser invalidada) tem de implicar a anulação da decisão que aplicou a sanção ou, pelo menos, dos efeitos que esta já tiver produzido. 11. Esta solução é a solução que se afigura mais correta, também tendo em conta os princípios e normas do direto administrativo: a anulação da decisão sancionatória (que, aliás, seria sempre possível ao abrigo do disposto nos art. 165.º, n. 2 e 168.º do CPA) justifica-se porque, por efeito (superveniente) da amnistia, se extinguiu a responsabilidade do Autor e, por conseguinte, deixou de existir fundamento para a punição. 12. Estamos perante um facto superveniente que é fundamento de anulação do despacho punitivo (artigo 86.º do CPTA). 13. Acresce que esta solução também é a que melhor se adequa à alteração que se verificou no regime legal disciplinar aplicável aos trabalhadores em funções públicas, que deixou de prever que a amnistia não destroi os efeitos antes produzidos pela aplicação da pena disciplinar, ao contrário do que sucedia durante a vigência dos Estatutos Disciplinares da Função Pública aprovados pelos DL 24/84, de 16 de janeiro e 58/2008, de 9 de setembro (cf. art. 11.º, n. 4 e 9.º, n. 5, respetivamente). 14. O que significa que, anteriormente, um trabalhador em funções públicas que estivesse na situação do Autor já sabia que a aministia não destriuiria os efeitos já produzidos pela sanção, pelo que, se pretedesse conseguir tal objetivo, teria de recusar a aplicação da aminstia, faculdade que também era reconhecida nas anteriores leis que decretaram aministias e deixou de ser. 15. E não é verdade que as consequências da amnistia sobre os efeitos já produzidos pela sanção possam ou até devam considerar-se matéria estranha aos presentes autos, na medida em que a procedência do pedido - anulação despacho que aplicou a sanção – implicaria também, automaticamente, a destruição de todos os efeitos produzidos por esta. Nestes termos e nos mais de direito, deve o recurso da Entidade Demandada ser julgado improcedente […]” * O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso interposto, fixando os seus efeitos. ** O Ministério Público junto deste Tribunal Superior não emitiu parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional. *** Com dispensa dos vistos legais [mas com envio prévio do projecto de Acórdão], cumpre apreciar e decidir. *** II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 639.º e 635.º n.ºs 4 e 5, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], sendo que, de todo o modo, em caso de procedência da pretensão recursiva, o Tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida pois que, ainda que venha a declarar a sua nulidade, sempre tem de decidir [Cfr. artigo 149.º, n.º 1 do CPTA] “… o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito.”, reunidos que estejam os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas. Previamente, sempre cumprirá apreciar, em conformidade com o teor do requerimento apresentado pelo Recorrido, pelo qual juntou as Contra alegações de recurso, se o recurso apresentado é extemporâneo. ** III - FUNDAMENTOS IIIi - DE FACTO Do processado nestes autos, e também dos autos principais [cuja consulta efectuamos no SITAF], resultam as seguintes incidências processuais: 1 – No dia 16 de fevereiro de 2024, em momento antecedente da prolação do despacho saneador, dessa mesma data, o Tribunal a quo proferiu o despacho que constitui objecto deste recurso, que para aqui se extrai como segue: “Requerimento fls. 299 do SITAF Vem o Réu Ministério da Justiça requerer a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, na medida em que, e se bem percebemos, por este Tribunal estar vinculado à sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela. Desnecessário se torna rebater esta questão. Nos termos do artigo 203.º da Constituição da República Portuguesa, os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei. Não obstante, já nos pronunciamos a este respeito, pelo que mantemos o decidido – “No caso dos autos, importa destacar, em primeiro lugar, que os efeitos desta amnistia apenas neutraliza a utilidade da acção anulatória quando o amnistiado possa, efectivamente, retirar um benefício útil dos efeitos da amnistia. O que não se verifica neste caso, uma vez que a acção proposta pelo Autor visa obter a anulação/declaração de nulidade do acto que lhe aplica uma pena disciplinar de 30 dias de suspensão com fundamento na sua ilegalidade e que determinou, entre outras, a perda de remuneração. Neste contexto, caso se dê por verificados os pressupostos da inutilidade superveniente da lide, o amnistiado encontrar-se-à impossibilitado de ver reconstituída a sua situação hipotética actual, caso a presente acção venha a ser julgada procedente. Em contraponto, daquela decisão não resulta para a sua esfera jurídica nenhum benefício ou efeito útil, pelo que, e perante a pronúncia do Autor, os presentes autos devem seguir os seus termos”. Assim, devem os autos prosseguir. […]” 2 – Visando esta decisão, o Ministério da Justiça veio apresentar em 26 de fevereiro de 2024, o recurso de Apelação ora em apreço; 3 – No requerimento de apresentação das Alegações de recurso, referiu o que segue: “Ministério da Justiça (MJ), Réu no Ação Administrativa supra identificado, em que é Autor «AA», notificado do despacho saneador proferido nos autos, que determinou o prosseguimento dos autos com a fixação do objeto do litígio e dos temas de prova, e com ele não se conformando, por erro de julgamento, em concreto, de direito, por errada interpretação e aplicação da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto [sublinhado da autoria deste TCA Norte], vem ao abrigo dos artigos 141.º, n.º 1, 142.º, n.º 3, alíneas b) e n.º 5 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e artigo 644.º n.º 2 alínea h) do CPC, interpor recurso, com efeito suspensivo, para o Tribunal Central Administrativo Norte. […]” 4 – Por requerimento do Ministério da Justiça, junto aos autos principais, em 04 de outubro de 2023, o mesmo pugnou pela extinção do procedimento disciplinar, e consequentemente, pela inutilidade superveniente da lide – Cfr. fls. 276 desses autos; 5 – Precedendo despacho datado de 06 de outubro de 2023, e em ordem a garantir o direito ao contraditório [Cfr. fls. dos autos principais], o Autor ora Recorrido veio apresentar requerimento, referindo entre o mais que atenta a data da infracção, a mesma está abrangida pela Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, tendo a final formulado o seguinte pedido: “Nestes termos e nos mais de direito que serão doutamente supridos, tendo em conta as especificidades do processo disciplinar administrativo, requer que o despacho proferido em 23-04-2018 pelo Senhor Diretor Geral de Reinserção e Serviços Prisionais seja anulado pela circunstância superveniente de ter deixado de existir a infração que lhe serviu de fundamento, em resultado da Lei 38-A/2023, de 2 de agosto, circunstância essa que aqui se invoca.” 6 – Nessa sequência, no dia 05 de janeiro de 2024 [Cfr. fls. dos autos principais] foi proferido o despacho que para aqui se extrai como segue: “[…] Da aplicação da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto A amnistia é uma forma de extinção da responsabilidade delitual, que pode ter por objecto, para além dos crimes e respectivas penas, também outras categorias punitivas públicas, como é o caso das infracções disciplinares. A amnistia prevista e disciplinada pela Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, abrange, de acordo com o artigo 5.º, as infracções disciplinares. Com efeito, importa lembrar que a amnistia “não destrói os efeitos já produzidos pela aplicação da pena” – cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 301/97 –, uma vez que “ao apagar a infracção disciplinar, o que a amnistia apaga são os efeitos disciplinares - e suas repercussões - não os outros efeitos (salvo disposição legal expressa em contrário)”. Por outro lado, importa sublinhar que “o legislador que aprova a amnistia [tem] liberdade para definir os efeitos desta, designadamente para, no âmbito da amnistia das infracções disciplinares, destruir ou não os efeitos já produzidos pela aplicação da pena”. Ora, no caso do artigo 5.º da Lei n.º 38-A/2023, do respectivo enunciado legal resulta evidente que o legislador não optou pela solução de determinar a destruição dos efeitos já produzidos pela aplicação das penas disciplinares, pelo que estes efeitos permanecem, mesmo que seja determinada a amnistia da infracção disciplinar. Quer isto dizer que os efeitos das penas disciplinares apenas podem ser destruídos através da anulação do acto que a tenha aplicado, isto porque, os efeitos da amnistia não se sobrepõem nem se confundem com os efeitos anulatórios do acto que aplica a sanção disciplinar, pelo que, in casu, não se verifica os requisitos necessários para determinar a inutilidade superveniente da lide. No caso dos autos, importa destacar, em primeiro lugar, que os efeitos desta amnistia apenas neutraliza a utilidade da acção anulatória quando o amnistiado possa, efectivamente, retirar um benefício útil dos efeitos da amnistia. O que não se verifica neste caso, uma vez que a acção proposta pelo Autor visa obter a anulação/declaração de nulidade do acto que lhe aplica uma pena disciplinar de 30 dias de suspensão com fundamento na sua ilegalidade e que determinou, entre outras, a perda de remuneração. Neste contexto, caso se dê por verificados os pressupostos da inutilidade superveniente da lide, o amnistiado encontrar-se-à impossibilitado de ver reconstituída a sua situação hipotética actual, caso a presente acção venha a ser julgada procedente. Em contraponto, daquela decisão não resulta para a sua esfera jurídica nenhum benefício ou efeito útil, pelo que, e perante a pronúncia do Autor, os presentes autos devem seguir os seus termos. Notifique. […]” 7 – Notificado desse despacho datado de 05 de janeiro de 2024 [Cfr. fls. dos autos principais], o Réu ora Recorrente veio apresentar requerimento, onde entre o mais referiu que no “… que se refere às considerações explanadas no mesmo despacho…” , e de que “… não se pode acolher a consideração de que não se verifica os requisitos necessários para determinar a inutilidade superveniente da lide e que o processo deve prosseguir.”, e bem assim, de que “… ao invés do determinado pelo despacho, o que ocorreu, certamente por lapso de facto e de direito e em violação da lei processual, os autos não podem prosseguir …”, tendo para o efeito identificado uma Sentença proferida pelo TAF de Mirandela num processo que aí correu termos, concluindo a final por que a acção seja extinta por inutilidade superveniente da lide. 8 – Tendo sido notificado desse requerimento, o Autor ora Recorrido veio apresentar requerimento, do qual se extrai, entre o mais, a alegação de que no despacho datado de 05 de janeiro de 2024 já tinha havido pronuncia sobre essa questão e que o requerimento deve ser indeferido. ** IIIii - DE DIREITO Como assim resulta do requerimento de apresentação das Alegações de recurso ora em apreço, está em causa a invocada decisão constante do despacho saneador proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, pela qual, em suma, determinou que os autos devem prosseguir termos, por não se verificar fundamento para a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide decorrente da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, que estabeleceu um perdão de penas e uma amnistia de infracções por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude. Como assim deflui do processado nos autos, no âmbito do requerimento pelo qual apresentou as suas Contra alegações, o Recorrido sustentou, em suma, que a decisão que determinou o prosseguimento dos autos, negando a aplicação da Lei 38-A/2023, de 02 de agosto, nos termos e com a interpretação por que o Réu ora Recorrente pugna, não foi proferida no despacho saneador, mas sim no despacho datado de 05 de janeiro de 2024, que foi prolatado após audiência contraditória das partes, e que a decisão recorrida mais não é do que a confirmação do que o Tribunal a quo já havia decidido em torno dos termos e pressupostos da aplicabilidade do referido diploma legal. Neste patamar, por aqui julgamos que assiste razão ao Recorrido. Vejamos pois por que termos. Como assim resulta do probatório por nós fixado supra, o que dele se extrai é que o Ministério da Justiça veio junto do Tribunal a quo, em dois momentos sucessivos, requerer que outra fosse a decisão que já tinha proferido em torno da aplicação à situação dos autos da recente Lei da Amnistia, como assim defende, no sentido de ser decretada a extinção da instância, atenta a entrada e vigor da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, que como refere assim o suporta. Com efeito, atento o teor do requerimento que o Réu ora Recorrente apresentou em 04 de outubro de 2023, e após a garantia do exercício do direito ao contraditório por parte do Autor ora Recorrido, foi com explicitada clareza que o Tribunal a quo apreciou e decidiu, concreta e especificamente, por seu despacho datado de 05 de janeiro de 2024, em torno de que não estavam verificados os requisitos em ordem a ser determinada a inutilidade superveniente da lide, como por si [Réu] havia sido requerido, e nesse conspecto, que os autos deviam seguir os seus ulteriores termos. Tendo sido regularmente notificado desse despacho, e inconformado com o seu teor, reportando-se às “… considerações explanadas no mesmo despacho…” e referindo que não pode “… acolher a consideração de que não se verifica os requisitos necessários para determinar a inutilidade superveniente da lide e que o processo deva prosseguir.”, e bem assim, de que esse julgamento “… ocorreu, certamente por lapso de facto e de direito e em violação da lei processual …”, amparando-se para esse efeito numa Sentença proferida pelo TAF de Mirandela, o Ministério da Justiça tornou a pedir, a final do requerimento, a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide. No despacho sob recurso, o Tribunal a quo tornou a ser claro na decisão proferida, enfatizando que já havia apreciado e decidido sobre a inaplicabilidade da Lei n.º 38A/2023, de 02 de agosto, tendo inclusivamente extraído e citado parte do texto do seu próprio segmento decisório anteriormente proferido, e que os autos deviam seguir os seus termos para conhecimento do mérito da pretensão neles deduzida pelo Autor, sendo que, por reporte à Sentença do TAF de Mirandela identificada pelo Réu, o Tribunal a quo apreciou e decidiu ainda, e bem, que tendo subjacente o disposto no artigo 203.º da CRP, que os Tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à Lei. Efectivamente, em torno do pedido que lhe foi formulado pelo Réu ora Recorrente pelo seu requerimento apresentado nos autos em 04 de outubro de 2023, o Tribunal a quo apreciou e decidiu por seu despacho datado de 05 de janeiro de 2024, que os autos deviam seguir os seus termos, por não ocorrência da invocada inutilidade superveniente da lide. Trata-se porém de um despacho interlocutório [e bem assim, porque não foi proferido em sede do despacho saneador], que sendo reputado pelo Réu como lesivo da sua posição, e até, no sentido de que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento [referiu até que o foi, por lapso] de facto e de direito e em violação da lei processual, tratando a decisão judicial, entre o mais, como sendo a explanação de considerações, no quanto poderia/deveria o Réu ter prosseguido era na sua impugnação por via de recurso ordinário, de Apelação, mas sem que fosse devida a sua subida imediata por recurso de Apelação autónoma [Cfr. artigo 142.º, n.º 5 do CPTA e artigo 644.ºs. 3 e 4 do CPC]. Aqui chegados. Julgamos que a sanção disciplinar em apreço nos autos, de suspensão por 30 dias, e que foi cumprida pelo ora Recorrido estará a coberto da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, em face do disposto nos seus artigos 2.º, n.º 2, alínea b), e 6.º, ou seja, e que é passível de ser amnistiada por ter sido cometida até às 00,00 horas de 19 de junho de 2023. Porém, em face do que apreciamos e decidimos tendo por referência as conclusões das Alegações de recurso apresentadas pelo Recorrente, os autos deviam ter continuado os seus termos no TAF de Penafiel, como assim de resto já tinha apreciado e decidido o Tribunal a quo em 05 de janeiro de 2024. Vejamos. Em torno da continuação dos autos para efeitos de ver apreciada a legalidade do acto que aplicou ao Autor a pena disciplinar, no sentido de poder ver reconstituída a sua situação hipotética, assiste razão ao Recorrido, pois que, como assim julgamos, a perda de remuneração durante esses 30 dias não pode ser compaginada como um efeito da pena disciplinar, que tendo sido amnistiada, tenha de manter-se, pese embora o Autor ora Recorrido também não ter prestado a sua função a favor do Réu, mas não por vontade sua. Atenta a posição vertida nas suas Contra alegações, julgamos que o Autor ora Recorrido é titular de um concreto interesse em agir, e que passa pela continuação dos autos tendo em vista a apreciação da/s invalidade/s que vêm por si apontadas ao acto administrativo sob impugnação. Aqui chegados. Por julgarmos com interesse para a decisão a proferir, para aqui convocamos o recente Acórdão do STA, datado de 29 de fevereiro de 2024, proferido no Processo n.º 03008/14.5BELSB. Nesses autos estava em apreço a apreciação da invalidade de todos os actos de instrução e de decisão, incluindo os despachos do Director Nacional da Polícia de Segurança Pública e do Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna, que a final derivaram na conclusão de que o arguido, um agente policial, violou deveres que consubstanciavam a prática de infracção disciplinar, sendo que depois de ponderadas as circunstâncias envolventes que rodearam o facto subjacente à referida infração, as circunstâncias atenuantes e agravantes e as exigências sancionatórias, foi aplicada ao arguido a pena de 50 [cinquenta] dias de suspensão. O Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa [TACL] veio a julgar a acção procedente, do que foi interposto recurso de Apelação para o TCA Sul, que por seu Acórdão datado de 19 de maio de 2022 veio a confirmar o julgado em 1.ª instância, do que foi interposto recurso de Revista para o STA, que por seu Acórdão datado de 20 de outubro de 2022 proferido em formação de apreciação preliminar, julgou pela sua admissão, com fundamento, em suma, na necessidade de ser conhecido o termo da contagem do prazo de prescrição do procedimento disciplinar na PSP. Já em sede da apreciação do mérito do recurso de Revista, o respectivo relator, com fundamento em que a infração imputada ao agente representado pelo Recorrido ocorrera em 22 de janeiro de 2009, ordenou por seu despacho de 30 de janeiro de 2024, a notificação das partes para, querendo, se pronunciarem sobre a eventual extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, em consequência da aplicação da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, ao abrigo do disposto nos seus artigos 2.º, n.º 2, alínea b), 6.º e 7.º, n.º 1, alíneas j) e k). Tendo as partes emitido pronúncia, o Recorrente Ministério da Administração Interna veio referir, em suma, ver com muito bons olhos a aplicação ao Autor da ação da recente Lei da Amnistia [Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto], mas que se opunha à extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, com fundamento em que o objecto do recurso de Revista se mantém incólume após a publicação da referida Lei nº 38-A/2023, por estar em vista, caso não tenha ocorrido a prescrição do procedimento disciplinar, que a Lei da Amnistia, pura e simplesmente, seria inaplicável. Ora, o STA veio a apreciar como devida a precedência do conhecimento da amnistia prevista nos artigos 2.º, n.º 2, alínea b), 6.º e 7.º, n.º 1, alíneas j) e k), todos da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, sobre a questão da prescrição do procedimento disciplinar [ou mesmo sobre outras questões que se tenham suscitado no âmbito da ação administrativa de impugnação de actos administrativos de aplicação de sanções disciplinares], e que a sua aplicação, podendo conduzir à extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, torna irrelevante o conhecimento do momento exacto em que o poder disciplinar se extingue por prescrição, de modo a impedir a aplicação da sanção disciplinar considerada devida, e nesse sentido, que a eventual aplicação da amnistia pode tornar a discussão inútil se, independentemente do momento considerado relevante para efeitos de prescrição, tornar inaplicável a sanção disciplinar. Neste conspecto, para aqui extraímos parte desse Acórdão do STA, como segue: Início da transcrição “[...] 5. Mesmo sem aprofundar a discussão dogmática sobre a autonomização da “amnistia imprópria” face ao “perdão genérico” (num quadro em que a amnistia já é perspetivada como pressuposto negativo da punição, e não como modo de extinção da infração) – sobre o ponto, v., por todos Figueiredo Dias, ob. cit., p. 687 e ss. (conceção ampla de amnistia) e Francisco Aguilar, Amnistia e Constituição, Almedina, Coimbra, 2004, p. 51 e ss. (conceção restrita de amnistia, em que o seu caráter como amnistia “própria” ou imprópria” «não reside já na sua previsão normativa, mas antes nas situações da vida que aquela irá regular, em função de existir uma decisão condenatória com força de caso julgado») –, certo é que «quer a amnistia de crimes, quer a amnistia de infrações disciplinares estão sujeitas a princípios comuns» (v. o Ac. TC n.º 301/97, n.º 6; itálicos acrescentados): «Constituindo um obstáculo à efetivação da punição, as amnistias são da competência reservada da Assembleia da República (cfr. o artigo 164º, alínea g), da Constituição) e revestem forma de lei. Nessa medida, quaisquer limitações estabelecidas na lei quanto às condições ou aos efeitos da amnistia – como as do nº 4 do artigo 11º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local ou as do artigo 126º do Código Penal de 1982 – valerão apenas na medida em que, por força da lei da amnistia, não sejam afastadas. É que, sendo esta posterior – e especial –, as normas que a compõem sempre prevalecerão sobre as antes estabelecidas em normas de igual hierarquia (cfr. J. Figueiredo Dias, ob. cit., p. 695, que considerava o referido artigo 126º do Código Penal de 1982 "legislação subsidiária"). Neste contexto, poderá perguntar-se: é constitucionalmente admissível à Assembleia da República amnistiar infrações disciplinares sem destruir os efeitos já produzidos pela aplicação da pena – como o determina aquele normativo e, por omissão de expressa previsão noutro sentido, se tem de entender que foi querido pelo legislador da Lei nº 23/91, de 4 de Julho? 7. Tendo em conta a liberdade de conformação reconhecida neste domínio ao legislador (cfr., neste sentido, os Acórdãos deste Tribunal nºs.152/93 e 153/93 […]), não poderá deixar de responder-se afirmativamente àquele quesito, desde que seja salvaguardada a legitimidade material da amnistia, a qual, segundo Eduardo Correia/Taipa de Carvalho (cfr. ob. cit., p. 17), “deve afirmar-se sempre e apenas quando ocorrerem situações em que a defesa da comunidade sócio-política seja melhor realizada através da clemência que não da punição” ou, como refere J. de Sousa e Brito, sempre que a amnistia se reconduzir à “totalidade dos fins do Estado, legítimos num Estado de Direito”, e não apenas “aos fins específicos do aparelho sancionatório do Estado e ainda menos à prevenção dos factos do tipo de infração visado pela norma amnistiante” (cfr. Sobre a amnistia, in Revista Jurídica da AAL, nº 6 (1986), p. 43). Sob o ponto de vista constitucional, a legitimidade das leis de amnistia de infrações punidas por normas de direito público deve ser aferida à luz do princípio do Estado de Direito, donde resulta que os fins das leis de amnistia não podem ser incompatíveis com a realização de um tal princípio.» Estes princípios, que de algum modo, concretizam um conceito constitucional de amnistia, foram corroborados pelo Ac. TC n.º 116/2001, n.º 7: «O Tribunal Constitucional, no mencionado Acórdão nº 301/97, considerou expressamente ser constitucionalmente admissível à Assembleia da República amnistiar infrações disciplinares sem destruir os efeitos já produzidos pela aplicação da pena, desde que seja salvaguardada a legitimidade material da amnistia. […] Ora, decorre da jurisprudência constitucional sumariamente citada que a definição de certas condições de concessão de uma amnistia integra o espaço de liberdade de conformação legislativa, podendo o legislador estabelecer limites aos efeitos da medida de graça, efeitos esses que não têm, desse modo, de significar a destruição de todas as consequências da infração amnistiada. Compreende-se, de resto, que assim seja, uma vez que a concessão da amnistia, consubstanciando uma medida excecional, repercute-se no funcionamento do sistema sancionatório público, impedindo a normal produção de efeitos das normas que o integram. Trata-se, pois, de uma intervenção singular, em ordem a valores específicos e necessariamente legítimos (cf., quanto à natureza e legitimidade de tais valores, os Acórdãos n.º 444/97 e 510/98), cuja concreta extensão assim como as respetivas condições de aplicação não se encontram constitucionalmente pré-definidas. Os limites a tal medida referem-se então aos seus fins (como o Tribunal Constitucional apreciou nos Acórdãos n.ºs 444/97 e 510/98), de forma a que, com a concessão da amnistia, não se afetem princípios fundamentais do Estado de direito. O carácter mais ou menos restrito dos seus efeitos (uma vez assente, sublinhe-se, a legitimidade material e teleológica da medida de graça), ou seja, os efeitos concretos da infração amnistiada que são eliminados, assim como as repercussões processuais da medida também poderão ser livremente conformadas pelo legislador dentro dos assinalados limites. Por outro lado, a aplicação da amnistia não poderá, naturalmente, limitar, ainda que reflexamente, de modo inevitável outros direitos fundamentais do agente beneficiário. Adianta-se, porém, de imediato, que in casu tal não acontece, pois pode ser requerida a não aplicação da amnistia, nos termos do artigo 10º da Lei n.º 29/99, de 12 de Maio. Em resumo, pode afirmar-se que a amnistia se traduz num benefício concedido pelo Estado, com maior ou menor amplitude, e que, consubstanciando uma valoração excecional e de algum modo acidental da infração, deixa intocados os direitos e as garantias fundamentais do agente, caso possa, por opção livre do potencial beneficiário, não ser aplicado.» Nesta linha de entendimento, também se afirma na jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo: «[a]mnistia própria ou imprópria, já não pode hoje conceberse, o instituto, como no passado, como uma forma de esquecimento ou apagamento dos factos e da ilicitude, deles, mas simplesmente como um ato de renúncia do Estado ao seu direito de os punir ou de prosseguir na execução da punição já decretada» (v. o Ac. STA, de 22.04.1997, P. 39538, publicado no Apêndice ao Diário da República, 2.ª série, de 23.03.2001). 6. De todo o modo, e sem prejuízo do enquadramento dogmático da amnistia na doutrina da consequência jurídica do crime enquanto pressuposto negativo da punição, sujeito na sua configuração concreta ao poder de conformação do legislador democrático, e das consequências daí advenientes para a amnistia de infrações disciplinares, importa não esquecer, por um lado, que a responsabilidade criminal – mas o mesmo vale mutatis mutandis para a responsabilidade disciplinar – só se efetiva através do procedimento criminal: ou seja, não há que considerar efeitos punitivos da prática de dado facto previsto como crime que não decorram de uma condenação definitiva (transitada em julgado) pela prática do crime (facto punível e juízo de censurabilidade). Nessa medida, compreende-se a “imagem” frequentemente associada à amnistia própria – ou seja, aquela que, por ser anterior à condenação com trânsito em julgado, extingue o procedimento criminal (cfr. o artigo 128.º, n.º 2, do Código Penal) – de “apagamento” ou “esquecimento” da própria infração criminal em causa. Expressas em termos dogmaticamente menos rigorosos, é frequente deparar com afirmações como: «a amnistia atinge a punibilidade dos atos definidos como crime; atua em função dos crimes, deixando os atos praticados até ao momento histórico-jurídico considerado de poderem ser enquadrados nos tipos legais amnistiados»; ou «amnistia, enquanto medida de graça de caráter geral e pressuposto negativo da punição, é aplicada em função do tipo de ilícito, considerando abstratamente as infrações (i.e., “apagando” a natureza criminal do facto)» (assim, por exemplo, v. o Ac. TRL, de 23.01.2024, P. 1161/20.8PBSNT-D.L1-5; itálicos acrescentados). Por outro lado, cumpre igualmente ter presente que a ausência de condenação penal não “apaga” a ação ou os factos na sua materialidade, os quais poderão relevar como pressupostos de facto de efeitos não penais (ou não disciplinares). 7. A Lei n.º 38-A/2023 é muito parca na caracterização da amnistia de infrações disciplinares praticadas por membros das forças policiais, limitando-se a uma delimitação positiva e negativa daquelas que pretende abranger: – Infrações disciplinares: i) praticadas até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023; e ii) cuja sanção aplicável não seja superior a suspensão; desde que, – Tais infrações: i) não constituam simultaneamente ilícitos penais não amnistiados pela mesma Lei n.º 38-A/2023; ii) se praticadas no exercício de funções, não constituam violação de direitos, liberdades e garantias pessoais dos cidadãos, e iii) não sejam praticadas por reincidentes. É entendimento comum da jurisprudência dos tribunais superiores, que, enquanto providências de exceção, as leis de amnistia devem interpretar-se e aplicar-se nos seus precisos termos, sem ampliações ou restrições que nelas não venham expressas, não admitindo, por isso, e em via de princípio, interpretação extensiva, restritiva ou analógica (cfr. o Ac. TRL, de 24.01.2024, P. 778/23.3T8PDL-A.L1-4, com amplas referências jurisprudenciais). Significa isto que o legislador deixou um amplo espaço para a aplicação daquilo a que Figueiredo Dias designa de legislação subsidiária: preceitos da lei ordinária que prevêem consequências determinadas de uma amnistia, mas que, dado o valor legal da norma amnistiante, só são aplicáveis na medida em que não sejam expressamente afastadas pela lei da amnistia (v. Autor cit., ob. cit, p. 695; em sentido substancialmente idêntico, v. também Maia Gonçalves, Código Penal Português – Anotado e Comentado e Legislação Complementar, 12.ª ed., Almedina Coimbra, 1998, anot 4 ao art. 128.º, p. 410). 8. In casu, o agente representado pelo recorrido foi punido disciplinarmente por factos praticados em relação a agentes da GNR, em 22.01.2009, e que foram avaliados como representando a violação dos deveres de zelo, correção e aprumo, previstos no Regulamento Disciplinar da Polícia Segurança Pública, aprovado pela Lei n.º 7/90 de 20 de fevereiro (“RDPSP”; cfr. supra o n.º 2). Por tais factos, foi aplicada ao agente da PSP, por despacho do Comandante do ..., de 23.07.2010, uma pena de 50 dias de suspensão, «nos termos do art.º 25.º, n.º 1, alínea d), Art.º 27.º n. 3, Art.º 29. n.º 1, alínea b) conjugado com os Artigos 43.º e 46.º, todos do RD/PSP» (cfr. ibidem). Na sequência de recursos administrativos, foi proposta uma ação administrativa especial em que, além do mais, foi pedida a anulação da aplicação daquela sanção disciplinar (cfr. supra o n.º 1). Tal ação, de que emerge o presente recurso de revista, ainda se encontra pendente, pelo que a decisão sancionatória objeto da mesma também ainda não se tornou definitiva. Verifica-se, pelo exposto, que a amnistia decretada pela Lei n.º 38-A/2023 é plenamente aplicável no caso sub iudicio. 9. Do enunciado dos artigos 2.º, n.º 2, alínea a), e 6.º da Lei n.º 38-A/2023 apenas resulta, com interesse para os presentes autos, que são amnistiadas as infrações disciplinares cometidas até à 00:00 horas de 19.06.2023 cuja sanção aplicável não seja superior a suspensão. Deste modo, vale o conceito constitucional de amnistia – «um obstáculo à efetivação da punição» (Ac. TC n.º 301/97, n.º 6); «impedir-se que o agente agraciado sofra a sanção a que poderia vir a ser (ou a que já foi) condenado» (Ac. TC n.º 510/98, n.º 3) –, o qual, como referido, «descreve apenas o principal efeito jurídico da amnistia, deixando em aberto os efeitos jurídicos que podem separar a amnistia do perdão, como o da restituição dos direitos de que a condenação privou o criminoso ou de aproveitar aos reincidentes e criminosos por tendência, ou o do apagamento da sanção no registo, por exemplo. Mas mesmo que o regime destes últimos efeitos seja idêntico na amnistia e no perdão, tal não é uma necessidade conceptual, mas uma proposta de política legislativa que pode ser ou não seguida pelo legislador ordinário» (assim, v. ibidem, o Ac. TC n.º 510/98). Ora, como referido, no caso da amnistia prevista nos artigos 2.º, n.º 2, alínea b), e 6.º da Lei n.º 38-A/2023, não existem outros efeitos legalmente previstos, pelo que a amnistia das infrações disciplinares abrangidas por aquelas normas se limita ao efeito principal, ou seja, o de neutralizar os efeitos da sanção aplicável à infração disciplinar que deixa de poder ser punida. Todavia, na ausência de outras determinações, a conformação concreta de tais efeitos decorre das regras estatuídos no regime jurídico disciplinar aplicável, enquanto legislação subsidiária ou complementar. No caso dos autos, vale o disposto nos artigos 38.º, n.º 5, 54.º, alínea e) e 59.º do RDPSP, regime jurídico em vigor à data da prática da infração. Em especial, o citado artigo 59.º, n.º 1, estatui que a amnistia faz cessar a execução da pena, se ainda estiver a decorrer, mas não anula os efeitos já produzidos pela sua aplicação, mantendo-se o respetivo registo unicamente para os efeitos expressos no mesmo Regulamento. Quanto à pena de suspensão, prevê o respetivo artigo 27.º, n.º 3, que a mesma se traduz no afastamento completo do serviço durante o período de cumprimento da pena e na perda, para efeitos de remuneração, antiguidade e aposentação, de tantos dias quantos tenham durado a suspensão. Recorde-se que a pena de 50 dias de suspensão foi aplicada ao agente representado pelo recorrido, nos termos dos artigos 25.º, n.º 1, alínea d), 27.º n. 3, e 29.º n.º 1, alínea b), todos do RDPSP, por despacho datado de 23.07.2010 e executada em 2014 (cfr. supra o n.º 2). 10. Entre os efeitos que prima facie se podem ter como já produzidos pela execução de tal pena de suspensão, contam-se o afastamento do serviço durante o período de 50 dias e a perda da correspondente remuneração (artigo 27.º, n.º 3, do RDPSP), assim como as perdas de oportunidade relativamente à promoção ou acesso durante o período de um ano (v. ibidem, o artigo 29.º, n.º 1, alínea b) ). Porém, a perda de 50 dias para efeitos de antiguidade e de aposentação ainda não se consumaram e são, por conseguinte, neutralizados pela amnistia. Cumpre, por isso, indagar se, tendo em conta os efeitos já produzidos pela aplicação da sanção ao representado pelo ora recorrido, subsiste algum interesse na ação de impugnação de que emerge o presente recurso de revista em determinar se o poder disciplinar prescreveu, ou não, antes do ato que determinou a efetivação da responsabilidade disciplinar – o despacho do Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna, datado de 12.09.2014 (cfr. supra o n.º 2). 11. No que se refere à perda da remuneração correspondente ao período da suspensão de funções, a mesma não pode, em rigor, ser tida como um efeito já produzido da pena disciplinar. Conforme se refere no Ac. TC n.º 301/97, n.º 8: «[D]o que se trata, no caso, é da aplicação de uma pena disciplinar (de suspensão) que importou uma interrupção bilateral numa relação sinalagmática: o vencimento deixou de ser pago, não tanto por isso constituir um efeito da pena, mas por ter sido deixado de prestar o trabalho que tal vencimento remunerava. Ao apagar a infração disciplinar, o que a amnistia apaga são os efeitos disciplinares – e suas repercussões – não os outros efeitos (salvo disposição legal expressa em contrário). Assim, conforme este Tribunal decidiu no Acórdão nº 107/92 (publicado no Diário da República, II Série, de 15 de Julho de 1992), “não tendo os interessados exercido as suas funções, não têm eles direito a receber os respetivos vencimentos, que ... representam a contraprestação pelo exercício efetivo do cargo”. Decorrendo do nosso ordenamento jurídico que “o vencimento consiste na remuneração recebida pelo exercício do cargo em que o funcionário esteja provido, salvo nos casos excecionais considerados na lei” […], tal perda de remuneração não é um puro efeito da aplicação da pena, mas de outras normas jurídicas, que mantêm a sua aplicação qualquer que seja o entendimento conferido à extensão dos efeitos das amnistias […].» Por outro lado, e conforme tem sustentado a jurisprudência deste Supremo Tribunal, a eliminação do efeito negativo do não pagamento dos vencimentos em consequência de sanções disciplinares como a suspensão ou a demissão que venham a ser consideradas ilegais não se opera pelo pagamento dos vencimentos relativos ao período de afastamento do funcionário do serviço em sede de execução de sentença, mas através de uma ação de indemnização dos prejuízos concretamente sofridos, em consequência do ato ilegal praticado pela Administração e anulado ou declarado nulo pelo tribunal (teoria da indemnização e não teoria do vencimento) – cfr., entre muitos, os Acs. STA, de 9.02.1999, P. 24711B; de 24.05.2000, P. 45977; de 17.04.2002, P. 32101A; de 19.04.2004, P. 222/04; ou de 28.05.2008, P. 69/08. Trata-se, em qualquer caso, de um ónus do interessado e não de um dever da Administração. Já no tocante à impossibilidade de promoção ou acesso durante o período de um ano previstas no artigo 29.º, n.º 1, alínea b), do RDPSP, as mesmas só se concretizaram como efeito já produzido da pena disciplinar, caso tenham surgido oportunidades de tais promoções ou acessos, o que não é invocado pelo recorrido. Acresce que a reconstituição da carreira, em sede de execução de sentença anulatória, em princípio, só impõe que se levem em conta as promoções que devessem ter ocorrido por antiguidade, mas já não as promoções que dependam de concurso ou escolha. Ou seja, só se pode atribuir relevância a promoções relativamente às quais esteja excluída qualquer dose de aleatoriedade, como acontecerá, designadamente, com promoções exclusivamente dependentes do preenchimento de pré-determinados módulos de tempo de exercício de funções em categoria inferior. 12. A pretensão expressa pelo recorrido de ser aplicada ao seu representado a amnistia decretada pela Lei n.º 38-A/2023, pode, nestes termos, ser interpretada no sentido de que, no caso vertente, e em seu entender, apesar de estar em causa uma amnistia imprópria (aquela que se esgota na eliminação dos efeitos de sanções disciplinares ainda não consumados), não há efeitos da suspensão aplicada já produzidos que careçam de ser eliminados ou destruídos retroativamente, tudo se passando como se de uma amnistia própria se tratasse. Ou seja, na perspetiva do recorrido, a amnistia aplicada in casu fará cessar a responsabilidade disciplinar do arguido seu representado, não tendo este mais interesse em prosseguir com o processo tendente à anulação da pena que lhe foi aplicada: para o passado, não há quaisquer efeitos de tal pena a destruir; e os efeitos da mesma ainda não produzidos, nomeadamente os relativos à antiguidade e aposentação, são neutralizados pela amnistia decretada pela Lei n.º 38-A/2023. Daí poder concluir-se que a eficácia concretamente assumida pela amnistia ora em análise no caso vertente fez desaparecer também, à semelhança do que sucedeu nos recentes acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo de 16.11.2023, P. 262/12.0BELSB, de 7.12.2023, P. 1618/19.3BELSB, e de 7.12.2023, P. 2460/19.7BELSB, o objeto da ação que visa a declaração de nulidade ou anulação do ato que aplicou a pena disciplinar. E assim sendo, «não subsiste nenhum interesse em determinar se o poder disciplinar prescreveu ou não antes da prática daquele ato, porque não existem outros efeitos jurídicos a extinguir para além daqueles que são extintos pela própria amnistia» (v. os citados acórdãos). [...]“ Fim da transcrição Em conformidade com o julgamento prosseguido pelo STA no Acórdão proferido, em torno de a amnistia prevista na Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, ser de aplicação imediata, e que deve preceder o conhecimento de qualquer outra questão que se tenha suscitado no âmbito da ação administrativa de impugnação de actos administrativos de aplicação de sanções disciplinares, e de que a sua aplicação, podendo conduzir à extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, torna a discussão inútil se se tornar inaplicável a sanção disciplinar, cumpre aferir se essa jurisprudência é aplicável à situação dos autos. Tratando os autos de uma infracção disciplinar praticada em 04 de fevereiro de 2018, consubstanciada na ausência do seu posto de trabalho, incumprindo com o disposto no artigo 27.º, n.º 1, alíneas a), b) e c) do Estatuto do pessoal do Corpo da Guarda Prisional, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 3/2014, de 09 de janeiro, é manifesto que se subsume no âmbito do disposto nos artigos 2.º, n.º 2, alínea b) e 6.º, ambos da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, não se dilucidando dos autos nem do PA que estejam em causa ilícitos disciplinares que constituam simultaneamente ilícitos criminais, ou que o Autor seja reincidente no cometimento de infracções disciplinares. Neste pressuposto, a amnistia devia ter sido aplicada pela 1.ª instância, sendo que, não o tendo sido, deve sê-lo por este TCA Norte, enquanto instância de julgamento em sede de recurso jurisdicional ora em apreço, como assim faremos consignar em sede do dispositivo, declarando amnistiada a pena disciplinar de suspensão por 30 dias aplicada ao representado do Autor [Cfr. artigo 14.º da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto], e declarando a inutilidade superveniente da lide [Cfr. artigo 277.º, alínea e), do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA], na parte em que a amnistia abarca todos os efeitos da pena aplicada. Ou seja, dada a superveniência de um diploma legal que por si é determinante da amnistia da pena disciplinar aplicada, na situação concreta dos autos, extinguiu-se a responsabilidade disciplinar do arguido [o representado do Autor ora Recorrido], o que reveste aptidão para que, em face do patenteado nos autos e na Lei, ser declarada a amnistia da infracção, tornando-se assim inútil, nessa parte, a continuação da lide, não sendo já, porém, fundamento que seja determinante da extinção da instância. Com efeito, não ocorre a extinção da instância, porquanto a sua continuação ainda reveste interesse e utilidade para o Autor ora Recorrido, na medida em que há efeitos da pena de suspensão aplicada já produzidos que carecem de ser eliminados ou destruídos retroativamente, como é a situação atinente ao período por que durou a suspensão e o representado do Autor não foi remunerado. Esses efeitos foram produzidos na esfera jurídica do Autor ora Recorrido, sendo que a declarada amnistia da infracção disciplinar [em termos de tudo se passar como se a mesma nunca tivesse sido cometida] não tem a virtualidade de os repor, nem o Recorrente disse nos autos que tal assim vai ser-lhe [ao Autor] garantido. Tendo cessado a responsabilidade disciplinar do Autor, por vontade, ou graça do legislador, e assim a pena que lhe foi aplicada e que o Autor pretendia ver sindicada judicialmente por via da impugnação judicial do acto administrativo que a fixou, quanto aos efeitos que a mesma visava atingir em sede da antiguidade e da aposentação, esses foram já neutralizados, deixando de ter qualquer valor ou eficácia, impondo-se a reposição da condição jurídica ao tempo em que não lhe tinha sido aplicada a pena, ou melhor, ainda antes de lhe ter sido instaurado o processo disciplinar. Mas já porém quanto aos efeitos produzidos no passado, o que é dizer, na situação concreta, o não pagamento de qualquer remuneração durante o período da suspensão, a lide já mantém utilidade, e deve prosseguir os seus termos, como assim apreciou e decidiu o Tribunal a quo, tendo subjacente a apreciação da ocorrência da invocada invalidade imputada ao acto administrativo, para a final ser formada a convicção de que, não padecendo dessa invalidade, e mantendo-se o acto nos seus termos e apenas para esse efeito, tem de manter-se a não remuneração, e em sentido inverso, caso seja formada a convicção de que ocorre a invalidade imputada ao acto administrativo, tem o Tribunal a quo que apreciar e decidir os termos e os pressupostos por que fixar esse montante, ponderando para tanto, entre o mais que se mostre devido, que o sujeito alvo do processo disciplinar não recebeu vencimento durante o período da suspensão, que também não prestou a sua actividade no âmbito desse período, mas que também não o fez porque a tanto foi obstado pela decisão punitiva, pois em circunstâncias tidas por normais, não fosse a interposição da sanção disciplinar, que já está amnistiada, teria cumprido a sua obrigação sinalagmática. Face ao que deixamos expendido supra, a pretensão recursiva do Recorrente tem assim de proceder, ainda que apenas em parte, sendo que, declarada a amnistia, devem os autos baixar ao TAF de Penafiel para efeitos de ser conhecido, tendo subjacente a causa de pedir imanente ao pedido deduzido a final a Petição inicial, se padece a decisão impugnada de invalidade determinante da sua nulidade/anulabilidade, que a final levasse a que não fosse aplicada a concreta pena disciplinar ao Autor ora Recorrido, e de outro modo, que tendo a mesma sido aplicada e cumprida pelo arguido, cumprirá então aferir dos termos e pressupostos em que deve ocorrer a reintegração da sua esfera jurídica, por via da não remuneração no período em causa. Como assim julgamos, assiste ao Autor ora Recorrido, enquanto arguido no processo disciplinar, e também enquanto demandante, o direito a que a pretensão por si deduzida na impugnação judicial da decisão punitiva seja apreciada no seu mérito potencial, quando subjacente à sua motivação para efeitos de entender não lhe dever/pode ser aplicada a amnistia, estiver o pressuposto de que não praticou qualquer ilícito, seja de natureza disciplinar ou penal. Determinar a extinção da instância, quando tenha sido requerida a sua continuação, por não se conformar o interessado com a pena disciplinar que lhe foi aplicada, ainda que suspensa na sua aplicação, constitui a final uma limitação do direito do Autor e a consagração de uma absoluta impossibilidade de ver revertida essa decisão, ficando sempre a pairar sob a sua figura o véu da eventualidade do cometimento dos factos integradores do ilícito, mas que veio a ser amnistiado. Em face do que assim resulta da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, não constituindo os factos imputados ao arguido infração disciplinar ou infração disciplinar militar, simultaneamente ilícito penal não amnistiado pela Lei e cuja sanção aplicável, e em ambos os casos, não seja superior a suspensão ou prisão disciplinar, e tendo sido impugnada a decisão que aplicou a pena, sempre a infracção deve ser amnistiada pela instância de julgamento, sendo certo que, quando o demandante pretenda a continuação dos autos, seja para efeitos de ser feito julgamento em torno de que não cometeu qualquer infracção passível, seja para efeitos de serem restaurados na sua esfera jurídica os efeitos já produzidos pela pena aplicada [é o caso da pena de suspensão, que implica a perda de vencimento], nessa eventualidade, e assim querendo o interessado, a lide não pode ser extinta por manter a sua utilidade, no que seja remanescente. Enfatizamos porém, que naquelas situações, o cidadão a quem foi aplicada pena disciplinar pode ter por certo que a infracção pode ser amnistiada de forma imediata e se assim for sua vontade, ser determinada a extinção da instância, desaparecendo da ordem jurídica por pressuposto dela, os efeitos que ainda não tenham sido produzidos, e nesse patamar, não mais se sabendo se os termos e os pressupostos em que a Administração se ancorou para lhe imputar o cometimento da infracção disciplinar eram válidos, isto é, se sempre ocorrerem e pelos termos e pressupostos fixados na decisão administrativa condenatória, ou então, pode prosseguir na apreciação do mérito da impugnação judicial do acto administrativo, como por si prosseguido, sendo certo que, na eventualidade de vir a ser julgada da validade do acto administrativo, e de assim vir a ficar patenteado numa Sentença proferida por um Tribunal, pese embora sempre a infracção disciplinar se ter por amnistiada, passa a ficar certo e firmado em sede da relação jurídica administrativa controvertida, que atenta a ilicitude da acção assacada ao arguido, que a actuação da Administração se tem por correcta, por isenta de qualquer crítica e a final de invalidade que seja determinante da sua nulidade ou anulação, com as legais consequências. Como assim julgamos, será sempre uma opção do demandante, que tem de fazer o balanceamento entre os resultados possíveis, e em que medida, um ou outro melhor se compaginam com a sua perspectiva hedonística da realidade. Neste patamar, e volvendo à situação dos autos, devendo ser continuada a instrução dos autos, devem ser extraídas consequências caso o Tribunal a quo se depare em presença de um acto inválido, que impôs ao arguido a impossibilidade de comparecer ao serviço e de aí prestar o seu serviço e de por isso ser remunerado. Em suma, sendo certo que o Tribunal a quo podia aplicar a Lei da Amnistia como assim constante do artigo 14.º da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, e sempre tendo essa aplicação de ser casuística, com ponderação dos termos e pressupostos de que depende a sua aplicação, na situação em apreço nos autos podia é certo assim ser declarada a inutilidade da lide em torno da incidência sobre o processado gerado visando a infracção disciplinar de 30 dias de suspensão, por verificação dos respectivos pressupostos e sem que venha invocada causa de exclusão da sua aplicação, e assim se neutralizando todos os efeitos já produzidos pela aplicação da pena disciplinar, todavia, tem o Autor ora Recorrido direito, sob pena de ver negado o direito à concessão de tutela jurisdicional efectiva [na acepção do artigo 20.º da CRP, o que foi densificado em lei ordinária, designadamente pelo artigo 2.º do CPTA], no sentido de ver restaurados na sua esfera jurídica todos os efeitos já produzidos, que lhe são lesivos, não agora por efeito da aplicação da Lei, mas decorrente da apreciação do mérito do pedido deduzido, e que a final passará por saber se, pese embora a interposta amnistia, o acto administrativo deve ser expurgado da ordem jurídica, por via do conhecimento do mérito do pedido na sua vertente anulatória. No fundo, e como assim julgamos, o Autor ora Recorrido, em face da aplicação positiva da Lei n.º 38-A/2023 de 02 de agosto, e devendo ser declarada amnistiada a infracção disciplinar, tem direito a fazer prova da sua inocência tendo por referência a factualidade que lhe foi imputada pela Administração e que esteve na base da aplicação da sanção disciplinar. Ou seja, os autos devem prosseguir os ulteriores termos, em ordem a ser apreciado e decidido se padecendo o acto impugnado de alguma invalidade que seja determinante da sua nulidade ou anulabilidade, se nesse patamar, o acto administrativo deve então ser declarado nulo ou anulado, com todas as consequências legais. * E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO: DESCRITORES: Processo disciplinar; Infracção disciplinar; Pena disciplinar de suspensão cumprida; Aplicabilidade da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto; Inutilidade superveniente da lide; Extinção da instância. 1 - Da amnistia de infrações disciplinares prevista na Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, decorre o efeito essencial e típico de qualquer amnistia – impedir que o agente agraciado sofra a sanção que lhe poderia vir a ser [ou que já lhe foi] aplicada pela prática de uma infração –, pelo que a conformação concreta dos respetivos efeitos fica dependente das regras estatuídas no regime jurídico disciplinar aplicável, enquanto legislação subsidiária ou complementar. 2 - Tratando os autos de uma infracção disciplinar praticada em 04 de fevereiro de 2018, consubstanciada na ausência do Autor do seu posto de trabalho, incumprindo com o disposto no artigo 27.º, n.º 1, alíneas a), b) e c) do Estatuto do pessoal do Corpo da Guarda Prisional, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 3/2014, de 09 de janeiro, é manifesto que a mesma se subsume no âmbito do disposto nos artigos 2.º, n.º 2, alínea b) e 6.º, ambos da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, por não se dilucidar dos autos nem do PA que estejam em causa ilícitos disciplinares que constituam simultaneamente ilícitos criminais, ou que o Autor seja reincidente no cometimento de infracções disciplinares. 3 - Neste pressuposto, a amnistia devia ter sido aplicada pela 1.ª instância, sendo que, não o tendo sido, deve sê-lo por este TCA Norte, enquanto instância de julgamento em sede de recurso jurisdicional ora em apreço, declarando amnistiada a pena disciplinar de suspensão por 30 dias aplicada ao representado do Autor [Cfr. artigo 14.º da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto], e declarando a inutilidade superveniente da lide [Cfr. artigo 277.º, alínea e), do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA], na parte em que a amnistia abarca todos os efeitos da pena aplicada, tornando-se assim inútil, nessa parte, a continuação da lide. 4 - Em face da aplicação positiva da Lei n.º 38.-A/2023 de 02 de agosto, e devendo ser declarada amnistiada a infracção disciplinar, o Autor tem direito a fazer prova da sua inocência tendo por referência a factualidade que lhe foi imputada pela Administração e que esteve na base da aplicação da sanção disciplinar, ou seja, o direito a que a pretensão por si deduzida na impugnação judicial da decisão punitiva seja apreciada no seu mérito potencial, quando subjacente à sua motivação para efeitos de entender não lhe dever/pode ser aplicada a amnistia, estiver o pressuposto de que não praticou qualquer ilícito, seja de natureza disciplinar ou penal. 5 – Determinar a extinção da instância, quando tenha sido requerida a sua continuação, por não se conformar o interessado com a pena disciplinar que lhe foi aplicada, ainda que suspensa na sua aplicação, constitui a final uma limitação do direito do Autor e a consagração de uma absoluta impossibilidade de poder ver revertida essa decisão, ficando sempre a pairar sob a sua figura o véu da eventualidade do cometimento dos factos integradores do ilícito, mas que veio a ser amnistiado. *** IV – DECISÃO Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Subsecção Administrativa Social da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, Acordam em conferência: A) em conceder PARCIAL PROVIMENTO ao recurso de Apelação deduzido pelo Ministério da Justiça; B) em declarar amnistiada a pena disciplinar de 30 dias de suspensão aplicada ao Recorrido; C) em declarar a inutilidade superveniente da lide, na parte abrangida pela amnistia da infracção disciplinar; D) em determinar a baixa dos autos ao Tribunal de 1.ª instância, para efeitos de aí serem prosseguidos os termos de processo que se mostrem devidos, em ordem a ser apreciada a invalidade apontada à decisão impugnada atinente ao acto administrativo que aplicou a pena disciplinar, com todas as consequências legais, se nada mais a tanto obstar. * Custas a cargo do Recorrente e do Recorrido, em partes iguais - Cfr. artigo 536.º, n.ºs 1 e 2, alínea c), do CPC. ** Notifique. * Porto, 06 de junho de 2024. Paulo Ferreira de Magalhães, relator Maria Fernanda Brandão Rogério Martins, com o voto de vencido que se segue: “Voto de vencido. Voto vencido a posição que fez vencimento quanto às alíneas B) e C) do dispositivo decisório, pelas seguintes razões, consignadas nos acórdãos de 17.05.2024, por mim relatados nos processos 1778/15.2BEBRG, 269/17.1BEMDL 95/22.6BEAVR, com declarações de voto e um voto de vencido, a ressalvar esta parte, bem como de acordo com o voto de vencido no acórdão da mesma data no processo 72/23.0 PRT: Os tribunais não são segunda instância administrativa sob pena de violação do princípio da separação de poderes consagrado no artigo 2º da Constituição da República Portuguesa. O objecto da decisão do Tribunal de Primeira Instância não é processo disciplinar em si – a que possa pôr termo por aplicação da Lei da Amnistia ou outra razão qualquer -, mas a decisão punitiva que pode, por exemplo, ter recusado a aplicação da Lei da Amnistia. A posição que aqui fez vencimento parte, quanto a mim, de um equívoco básico quanto ao objecto do procedimento administrativo, da acção judicial em primeira instância e do objecto do recurso jurisdicional em instância de recurso jurisdicional. Quanto aos tribunais superiores nem de forma indirecta o processo disciplinar é objecto do recurso jurisdicional. O objecto do recurso jurisdicional é a decisão do tribunal de primeira instância. O objecto da decisão do tribunal de primeira instância também não é processo disciplinar em si – a que possa pôr termo por aplicação da Lei da Amnistia ou outra razão qualquer -, mas a decisão punitiva que pode, por exemplo, ter recusado a aplicação da Lei da Amnistia. A aplicação da Lei da Amnistia em processo disciplinar movido por entidade administrativa, como é o caso, cabe à Administração e não aos Tribunais. Neste sentido, de resto, dispõe o artigo 14.º da Lei da Amnistia (Lei n.º 38-A/2023, de 02.08): “Nos processos judiciais, a aplicação das medidas previstas na presente lei, consoante os casos, compete ao Ministério Público, ao juiz de instrução criminal ou ao juiz da instância do julgamento ou da condenação.” A ideia subjacente a este preceito é a seguinte: competente para aplicar as medidas previstas na Lei da Amnistia é quem aplicou a sanção criminal ou disciplinar. Os juízes, em qualquer instância judicial, não são os juízes do “julgamento” da infracção administrativa nem da condenação. E apenas podem aplicar a Amnistia a sanções aplicadas nos processos judiciais, como decorre, a contrario, do citado preceito. Não podem aplicar a Lei da Amnistia, directamente, nos processos administrativos, disciplinares. A expressão “Nos processos judiciais” não deixa, quanto a mim, qualquer dúvida neste sentido. Fazendo-o, violam o referido artigo 14.º da Lei da Amnistia e, com ele, o princípio constitucional da separação de poderes. A amnistia é de conhecimento oficioso pelo Tribunal quando o tribunal dela pode (logo deve) conhecer. Não é de conhecimento oficioso onde, como é o caso, não pode conhecer. Sendo neste aspecto irrelevante a concordância das partes, por não terem reagido, quanto à aplicação da Lei da Amnistia à infração disciplinar, directamente, pelo Tribunal “a quo”, por a lei ser imperativa e, por isso, não estar na disponibilidade das partes. E sendo certo que retirar efeitos jurídicos para o processo judicial da Lei da Amnistia aplicável ao processo disciplinar é aplicar a Lei da Amnistia ao processo administrativo. No caso concreto, mostra-se à evidência, que o entendimento que aqui fez vencimento viola o princípio da separação de poderes: o tribunal decidiu aplicar a Lei da Amnistia à pena disciplinar aplicada – que assim fez desaparecer da ordem jurídica -, contra o entendimento de quem detém o poder disciplinar, a Entidade Demandada. Os artigos 6º e 14º da Lei da Amnistia de 2023, na interpretação feita na decisão recorrida, são inconstitucionais, por violação deste princípio constitucional, da separação de poderes. Pelo que não cabia ao Tribunal recorrido aplicar à acção judicial a Lei da Amnistia, antes se impunha conhecer de mérito. Revogaria, portanto, a decisão recorrida e ordenaria a baixa dos autos para conhecimento de mérito da acção, no seu todo.” |