Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 01689/16.4BEPRT |
Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
Data do Acordão: | 10/25/2024 |
Tribunal: | TAF do Porto |
Relator: | LUÍS MIGUEIS GARCIA |
Descritores: | SUBSÍDIO; ASSOCIAÇÃO PÚBLICA; CASA DO DOURO; PRESCRIÇÃO; BOA FÉ; |
Sumário: | I) – Não resultando os apontados erros de julgamento, o recurso não obtém provimento.* * Sumário elaborado pelo relator (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
Votação: | Unanimidade |
Meio Processual: | Acção Administrativa Comum |
Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: |
1 |
Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo: [SCom01...], S.A. (Rua ..., ... ...), em acção administrativa por si intentada contra a Autoridade de Gestão do Programa de Desenvolvimento Rural (Rua ..., ... ...) e contestada pelo Ministério da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural (Praça ... ... ...), interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF do Porto, que a julgou improcedente. Conclui: A. O presente recurso vem interposto da Douta Sentença proferida no âmbito da ação administrativa de impugnação de atos, que correu termos no Tribunal Administrativo de Porto, sob o n.º de processo 1689/16.4BEPRT, em que é Autora [SCom01...], S.A. ([SCom01...]), e Ré Autoridade de Gestão do Programa de Desenvolvimento Rural. B. O Tribunal a quo decidiu julgar improcedente a presente ação administrativa e, em consequência, absolveu a Ré (Recorrida) do pedido. C. A questão central que se discute nos presentes autos gira em torno da exclusão da Recorrente como entidade beneficiária, para efeitos do artigo 5.º do Regulamento de aplicação da ação 1.1.1 do PRODER, uma vez que seria de não considera-la como uma PME, nos termos do anexo à Recomendação 2003/361/CE. D. Após um controlo ex post, a Entidade Recorrida entendeu que a Recorrente não reunia os pressupostos à concessão do financiamento, porquanto à data da aprovação a Casa do Douro detinha 40% do capital social daquela. E. Pelo que, urge necessário determinar qual a natureza jurídica da Casa do Douro, para efeitos do n.º 4 do artigo 3.º do Titulo I do anexo à Recomendação n.º 2003/361/CE. F. À data da apresentação do pedido do apoio pela Recorrente, os Estatutos da Casa do Douro em vigor era o que foram aprovados pelo Decreto-lei 277/2003 de 6 de novembro. Refere no artigo 1.º, n.ºs 1 e 2, que a Casa do Douro está constituída sob a forma de associação pública, cujo objeto consiste na representação e prossecução dos interesses de todos os viticultores, das suas associações e adegas cooperativas da Região Demarcada do Douro, através do exercício das atribuições e competências previstas nos Estatutos. G. Nas palavras de VITAL MOREIRA a Casa do Douro não se manteve como entidade pública por mor do Estado, mas sim apesar do Estado. Antes de ser uma entidade pública a Casa do Douro é uma organização da vitivinicultura duriense. H. É, pois, uma associação de representação profissional. I. A Casa do Douro como associação tem um substrato pessoal e uma estrutura corporacional, sendo pública porque criada pelo Estado para desempenho de tarefas públicas. Assenta na filiação direta dos produtores, mas também das associações destes. É um organismo de representação sindical, mas também uma organização com funções oficiais de corregulação. J. Constitui entendimento pacifico na doutrina que as associações públicas profissionais, como é o caso da Casa do Douro, pertencem a categoria constitucional da administração autónoma, que consiste na administração de interesses coletivos, próprios de certas coletividades, por meio de corporações de interesse público ou outras formas de organização representativa, dotadas de poderes administrativo, que elas exercem sob responsabilidade própria, sem sujeição a um poder de direção ou de superintendência do Estado nem formas de tutela administrativa de mérito. K. O artigo 199.º, al. d), da CRP, faz a distinção entre administração do Estado (direta ou indireta) e administração autónoma. A administração autónoma distingue-se da administração indireta, uma vez que a primeira não visa a prossecução dos interesses gerais da coletividade nacional confiadas ao Estado. L. Pelo exposto, e contrariando ao que entendeu o Tribunal a quo na Sentença recorrida, conclui-se que a Casa do Douro não pode ser considerada uma associação integrada na administração direta ou indireta do Estado, mas sim como uma administração autónoma que não é Estado. M. Por outro lado, quando a Casa do Douro entra no capital da Recorrente, não é o Estado que toma uma posição relevante na empresa, mas sim o Douro vinhateiro. O próprio Estado sempre deixou claro que não apoiava essa participação. N. Foi pedido uma parecera PGR que se pronunciou pela ilicitude do negócio. De facto, o negócio nunca foi anulado, mas também nunca se chegou a consumar essa participação. O. Para efeitos da interpretação a dar ao previsto no anexo à Recomendação, o termo organismo público utilizado deve entender-se como organismo direto ou indireto do Estado e que participação pública é uma participação saída do orçamento do Estado. P. A Casa do Douro não visava a prossecução dos interesses gerais da coletividade nacional confiadas ao Estado, mas apenas os interesses da coletividade que a forma, dirigidos por órgãos eleitos pelos membros, dotados de auto-orientação, munidos de autonomia orçamental e financeira, sem intervenção do Estado. Q. Não há elementos que caraterizem a Casa do Douro como coletividade pública ou organismo público para efeitos da Recomendação e muito menos para qualificar a participação daquela na Recorrente como uma participação pública, consubstanciando posição diversa da Decisão que ora se recorre. R. Por último, como pressupostos previstos para os “organismos de direito público” no direito da contratação pública, a Casa do Douro apenas tem personalidade jurídica e, como tal, não preenche os critérios para a qualificação de “organismo de direito público”. S. Com efeito, a Casa do Douro não integra os conceitos de “coletividade pública” ou “organismo público” para efeito da norma em apreço, por não fazer parte da administração do Estado, por prosseguir primeiramente os interesses próprios da coletividade que a forma, por o Estado não financiar a sua atividade, nem controlar ou sequer participar na sua gestão e por não lhe poder impor qualquer orientação político-administrativa. T. Certo é que, a Recorrente não sofreu nenhuma vantagem, nem interferência do Estado pela participação da Casa do Douro. Não pode, por isso, ser motivo de exclusão de fundos da EU a que os seus concorrentes têm acesso. Assim, constitui uma violação do princípio da igualdade e das regras da concorrência. U. Posto isto, sendo afastada a aplicabilidade do artigo 168.º, n.º 4 do CPA (novo), por contraposição ao disposto no artigo 141.º do CPA (anterior), revelar-se-á importante verificar qual o regime aplicável quanto aos requisitos e condições exigíveis à anulação administrativa de um ato constitutivo de direitos concedidos face aos incentivos da UE. V. Assim, a Jurisprudência do STA entende que, tendo em conta o primado do direito da União Europeia e à inexistência de disposição nacional especificamente aplicável, devem ser observados os prazos e condições previstos na Regulamentação Comunitária aplicável [Acórdão do STA de 2.12.2010, Acórdão n.º 29.1.2014; Acórdão do STA de 9.4.2014]. Em especial, o último Aresto que prevê a possibilidade de aplicação do Regulamento (CE/EURATOM) n.º 2988/95 cujo prazo de prescrição é de 4 anos. W. Facto é que, tendo em conta às circunstâncias do caso concreto, o Regulamento (CE/EURATOM) não é aplicável, já que aplica-se quando se detetem irregularidades no âmbito dos procedimentos. X. A irregularidade não decorre do ato ou omissão da Recorrente, mas sim do erro de apreciação da Recorrida. Y. O regime previsto no Regulamento n.º 2988/95 não é igualmente aplicável, por não estar em causa uma situação de irregularidade decorrente de ato ou omissão pela beneficiária (Recorrente), neste caso na sua candidatura. Z. Pelo que, a Recorrida já não se encontrava em prazo para proferir o ato de anulação, e por isso, este é ilegal, por violação do artigo 141.º do CPA aplicável. AA. Mesmo que fosse de aplicar o regime decorrente do Regulamento (CE/EURATOM) n.º 2988 (o que só se admite por mera hipótese académica), os efeitos decorrentes desta aplicação tinha que ser estancados pela proteção da boa-fé e da confiança que a prática do ato de concessão gerou na esfera da Recorrente. BB. A boa-fé do candidato, aqui Recorrente, e à lisura do seu comportamento podem fazer com que, mesmo existindo irregularidade na concessão do apoio, que a relevância anulatória deva ceder perante a necessidade de tutela da confiança e da boa-fé. CC. Haveria sempre outra forma para obter o mesmo efeito da proteção da confiança que passaria pela compensação a beneficiária Recorrente pela anulação do ato, nos termos do artigo 168.º, n.º 6, do CPA. Contra-alegou o réu Ministério, rematando que “deve o presente recurso ser julgado improcedente e, em consequência, ser confirmada a douta sentença recorrida”. * O Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer (art.º 146º, nº 1, do CPTA) no sentido do não provimento do recurso, fundamentalmente alinhando: «(…) 7 – Temos assim que o facto de a Casa do Douro, que detinha à data da concessão do apoio 40% do capital social da recorrente, ser uma pessoa colectiva de direito público, retirava a esta empresa a qualidade de PME elegível para dele poder beneficiar. Independentemente do que se possa pensar da visão e definição da política europeia de incentivos a este nível, no caso vertente tem de se admitir que a sua configuração legalmente prevista e desde logo a circunstância de a Casa do Douro ter como parte da sua receita regular a quotização dos associados que é obrigatória para quem exerce a actividade vinhateira na Região Demarcada do Douro, e portanto estar em condições distintas daquilo a que se chama «mercado», faz com que, se bem interpretamos os princípios e os fins do programa em causa, as considerações tecidas sobre essa matéria no despacho de revogação/ anulação do apoio e na sentença recorrida estão inteiramente acertadas à luz da doutrina e jurisprudência nacional e europeia, que aliás esta última decisão cita com pertinência. 8 – Relativamente à invocada extemporaneidade do despacho de revogação, também se nos afigura não ter razão a recorrente, salvo melhor opinião: com efeito, a mesma defende que o prazo para a (…)». Sem resposta. * Cumpre decidir, dispensando vistos. * Os factos, que o tribunal “a quo” fixou como provados: A. Em 2011 a Autora apresentou candidatura ao “Programa de Desenvolvimento Rural”, no âmbito da Acção 111/2010, publicitado pelo Aviso n.º 06/Acção111/2010 – cfr. formulário PRODER constante da Pasta 1 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; B. A candidatura identificada em A) foi aprovada em 07/03/2012, para um investimento total de operação no valor de 4.078.271,54 euros e investimento elegível no valor de 1.387.339,66 euros, tendo sido firmado o contrato de financiamento, na qual a Autora era beneficiária, com o n.º ... – cfr. contrato de financiamento constante da Pasta 1 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; C. Mediante ofício n.º ...15... de 24/11/2015 foi a Autora notificada para apresentar audiência prévia no âmbito “acção 111.2 Modernização e Capacitação de Empresas – Componente 2 – Agroindústria – pedido de Apoio n.º 27484 – Verificação dos Critérios de Elegibilidade” – cfr. ofício de fls. 105 e 106 da pasta n.º 5 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; D. Mediante carta registada datada de 15/12/2015 a Autora apresentou audiência prévia no âmbito da “acção 111.2 Modernização e Capacitação de Empresas – Componente 2 – Agroindústria – pedido de Apoio n.º 27484 – Verificação dos Critérios de Elegibilidade” – cfr. documento de fls. 97 a 101 da pasta n.º 5 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; E. Mediante decisão da Gestora do Programa de Desenvolvimento Rural de 26/03/2016, foi determinada a anulação da decisão de aprovação do PA n.º 27484, assim como, a instauração de procedimento legal para a restituição unilateral, pelo IFAP, do contrato de financiamento e para recuperação de verbas recebidas pela Autora, com os seguintes fundamentos: “(…) Nestes termos: A. Considerando que a beneficiária submeteu o PA n.º 27484 em 28 de Fevereiro de 2011; B. Considerando que nada data de submissão daquela candidatura a associação pública Casa do Douro detinha 40% do capital social da beneficiária; C. Considerando que a Recomendação 2003/361/CE, da Comissão, de 06 de Maio de 2003, se aplica não só à aferição da dimensão das PME, mas também à aferição da dimensão das empresas semigrandes referidas no art.º 5 do Regulamento de aplicação da Acção n.º 1.1.1 do PRODER; D. Considerando, em consequência, que a dimensão da beneficiária não pode ser aferida pelos critérios estabelecidos para apurar a dimensão das PME, pois, tendo em conta o que dispõe n.º 4, do art.º 3.º, do Anexo da Recomendação, a beneficiária é excluída do universo das PME atenta a referida participação da Casa do Douro no seu capital social; E. Considerando, finalmente, que tal consideração determina o incumprimento, por parte da beneficiária, do requisito da elegibilidade no art. 5.º da portaria n.º 289-A/2008, de 11 de Abril; Decide-se: 1) Anular a decisão de aprovação do PA n.º 27484; (…)” - cfr. decisão da gestora constante da pasta 5 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; F. A 1/07/2016 a Autora interpôs Recurso Hierárquico da decisão identificada em C), o qual veio a ser rejeitada com o fundamento de que “(…) De acordo com o disposto no n.º 7 do artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 137/2014, de 12 Setembro, que estabelece o modelo de governação dos fundos europeus estruturais e de investimento e respectivos programas de desenvolvimento rural, para o período de programação de 2014 a 2020, dos actos praticados pela autoridade de gestão, no caso, do PDR2020, não cabe recurso hierárquico. (…)” – cfr. recurso hierárquico e ofício n.º ...16... constante da Pasta 5 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; G. A Autora apresentou reclamação da decisão identificada em D), a qual foi indeferida com o seguinte fundamento: “(…) O acto administrativo em questão, que V. Exa pretende impugnar, via recurso hierárquico, foi praticado pela autoridade de gestão do PDR2020, não obstante o seu conteúdo respeitar ao programa PRODER. Nessa medida, tendo a autoridade de gestão do ODR2020 assumido a gestão dos programas PRODER e PRRN (…) daquele acto não cabe recurso hierárquico. Como V. Exas. bem referem, já no que respeita à regulamentação aplicável ao apoio, a Portaria n.º 289-4-A/2008, de 11 de abril e suas posteriores alterações, que estabelece o regime de aplicação da acção n.º 1.1.1 do PRODER, não foi revogada e continua a aplicar-se este regime jurídico aos respectivos Pedidos de Apoio. Com efeito, as Portarias regulamentadoras do programa PRODER contêm exclusivamente os regimes de aplicação e gestão dos apoios, não sendo essa a sede própria para regulamentar a impugnação dos actos praticados pela autoridade de gestão. Considerando que é a lei que veda expressamente o recurso hierárquico dos actos praticados pela autoridade de gestão do PDR2020, reitera-se que o dispositivo legal opera ope legis, sem necessidade de qualquer outro acto administrativo que o determine. Face ao exposto, o acto que V. Exa. pretende impugnar não é susceptível de recurso hierárquico (…)” - cfr. reclamação e ofício n.º ...16... constante da pasta 5 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; H. À data da candidatura identificada em A) e do contrato de financiamento identificado em B), formado na sequência a aprovação do PA n.º 27484m a Casa do Douro detinha 40% do capital social da Autora – facto admitido por acordo. * O Direito. A Autora peticionou que «a decisão recorrida seja revogada e, consequentemente, seja proferido despacho de anulação da deliberação da Autoridade de Gestão que decidiu revogar/anular a aprovação do pedido de apoio PA n.º 27484, e assim fique sem efeito a instauração do procedimento legal para recuperação de verbas recebidas.». O tribunal “a quo” terminou por julgar “totalmente improcedente a presente acção administrativa e, consequentemente absolve-se a Entidade Demandada do pedido”, depois de ter dado pronúncia quanto às questões que assim identificou: 1. Da natureza jurídica da Casa do Douro, para efeitos de elegibilidade da Autora nos termos do Artigo 5.º do Regulamento de aplicação da acção 1.1.1 do PRODER; 2. Da violação do prazo para a anulação administrativa de actos administrativos, mediante os quais são concedidos fundos comunitários; 3. Da violação do princípio da boa-fé. Vejamos, seguindo mesma ordem, que o recurso também calcorreia. → A respeito “Da natureza jurídica da Casa do Douro, para efeitos de elegibilidade da Autora nos termos do Artigo 5.º do Regulamento de aplicação da acção 1.1.1 do PRODER”. A decisão recorrida explanou com desenvoltura: «Conforme resulta do teor do acto objecto da presente impugnação, a Entidade Demandada considerou que a Autora não constituía uma entidade beneficiária, para efeitos do Artigo 5.º do Regulamento de aplicação da acção 1.1.1 do PRODER, dado que não seria de considerar uma PME nos termos da Recomendação 2003/361/CE. De acordo com recomendação supra referida, mais concretamente com o Artigo 1.º do Título I do seu Anexo, entende-se por empresa qualquer entidade que, independentemente da sua forma jurídica, exerce uma actividade económica. São, nomeadamente, consideradas como tal as entidades que exercem uma actividade artesanal ou outras actividades a título individual ou familiar, as sociedades de pessoas ou as associações que exercem regularmente uma actividade económica. Por seu turno, dispõe o Artigo 2.º estabelece os efectivos e os limites financeiros que definem as categorias de empresas – Pequenas e Médias Empresas – sendo que o Artigo 3.º define o tipo de empresas que são tidas em consideração para o cálculo dos efectivos e dos montantes financeiros, para efeitos do Artigo 2.º. Neste aspecto, atendo o thema decidendum, importa referir o disposto o n.º 4 do Artigo 2.º da Recomendação em questão, nos termos do qual não poderá ser considerada uma PME – nos termos da Recomendação e para efeitos das políticas comunitárias aplicadas no interior da Comunidade e do Espaço Económico Europeu – se 25% ou mais do seu capital ou dos direitos de voto foram controlados, ainda que de forma indirecta, por uma ou várias colectividades públicas ou organismos públicos, a título individual ou de forma conjunta. Trata-se, portanto, de um critério de exclusão, que retira as empresas – na acepção do Artigo 1.º do Anexo da Recomendação – do conceito de PME, independentemente do número de trabalhadores que empreguem ou do volume de negócios que tenham, ou seja, independentemente dos critérios plasmados no Artigo 2.º do Anexo da Recomendação. Ora, pese embora a candidatura ao PRODER efectuada pela Autora tenha sido aprovada no ano de 2011 – cfr. Item H) do probatório – a verdade é que, no âmbito de um controlo ex post, verificou-se que que a Autora não reunia os pressupostos à concessão do financiamento. Tais medidas de controlo foram motivadas pelo relatório do Tribunal de Contas Europeu, no qual se concluiu que existem insuficiências no acompanhamento e na avaliação efectuada pelos Estados-Membros na execução e gestão da dotação orçamental para o desenvolvimento rural, pelo que deveriam ser implementadas melhorias no que respeita ao acompanhamento das candidaturas, de forma a fomentar a eficácia e eficiência da despesa, assim como, da selecção das operações e projectos a financiar. Ora, é indubitável que no ano de 2011 a Casa do Douro detinha 40% do capital social da Autora – cfr. Item H) do probatório – razão pela qual, o que se impõe é determinar qual a natureza jurídica daquela entidade para efeitos do n.º 4 do Artigo 3.º do Título I do Anexo da Recomendação n.º 2003/361/CE. A Casa do Douro, que surgiu com a designação de “Federação Sindical dos Viticultores da Região do Douro”, foi instituída pelo Decreto 21883, de 18 de Novembro de 1932, de forma a colmatar a necessidade de organização dos produtores desta região vitivinícola. Resulta do preambulo do Decreto-lei n.º 76/95, de 19 de Abril – que aprovou os estatutos da Casa do Douro e o Regulamento Eleitoral do Conselho Regional de Vitivinicultores da Casa do Douro – que, após a criação de uma organização sindical dos viticultores, com inscrição obrigatória, foram, igualmente, atribuídas àquela organização sindical funções de natureza pública, “(…) designadamente no domínio da disciplina da produção de vinho e de mostos, na fixação de preços mínimos e na intervenção para o escoamento de vinhos”. Mais resulta daquela preâmbulo que “(…) Apesar da extinção dos organismos corporativos obrigatórios, determinada pelo Decreto-Lei 443/74, de 12 de Setembro, o Decreto-Lei 486/82, de 28 de Dezembro, que extinguiu aquela Federação, manteve a Casa do Douro como pessoa colectiva de direito público, com atribuições de natureza pública muito semelhantes às anteriores. Esta natureza jurídica manteve-se com a alteração estatutária introduzida pelo Decreto-Lei 288/89, de 1 de Setembro, assim como as referidas atribuições quanto à disciplina e controlo da produção dos vinhos da Região. Em toda a evolução legislativa verificada sempre se pretendeu fazer confluir na Casa do Douro, por um lado, o objectivo da representação unitária dos produtores durienses e, por outro, o da descentralização regional no exercício de atribuições públicas, no âmbito da disciplina de produção do vinho da Região. Estes objectivos extravasavam, no entanto, o universo dos próprios produtores, confundindo-se com o de todo o sector dos produtos vínicos durienses e, em especial, com o do vinho do Porto. Ora, face à concorrência crescente nos mercados agrícolas, é geralmente reconhecido que só a concertação interprofissional pode facultar a auto-regulação em cada fileira agro-alimentar e a harmonização dos interesses que a integram, pelo que designadamente para o sector do vinho, a legislação nacional, bem como a de outros Estados membros da União Europeia, vem consagrando o modelo de gestão interprofissional para a disciplina da produção e para o controlo e certificação da qualidade dos produtos de qualidade susceptíveis de protecção da respectiva denominação de origem. Na linha da orientação introduzida pela lei-quadro das regiões demarcadas vitivinícolas, Lei 8/85, de 4 de Junho, e tendo em conta a experiência adquirida com a presente organização do sector do vinho do Porto e a vontade manifestada pelos representantes do comércio e da produção, impõe-se criar uma comissão interprofissional que, à semelhança do que acontece com as regiões demarcadas vitivinícolas de maior renome internacional, assuma as funções de disciplina e controlo da produção e comercialização dos vinhos e produtos vínicos de qualidade da Região Demarcada do Douro, para a qual transitarão as inerentes competências actualmente atribuídas quer à Casa do Douro quer ao Instituto do Vinho do Porto. Pelo presente diploma visa-se, assim, alterar os Estatutos da Casa do Douro, para viabilizar a criação da Comissão Interprofissional da Região Demarcada do Douro, mantendo-se, no entanto, a Casa do Douro como pessoa colectiva de direito público, de base associativa, à qual continuará a incumbir o recenseamento dos produtores da Região e a sua representação na referida organização interprofissional, em paridade com os representantes do comércio de vinhos e produtos vínicos desta Região.” (sublinhado nosso) Nos termos do Artigo 1.º do Decreto-lei n.º 76/94, de 19 de Abril, a Casa do Douro é uma associação pública, a qual tem por objecto a representação e a prossecução dos interesses de todos os vitivinicultores e adegas cooperativas da Região Demarcada do Douro, através do exercício das atribuições previstas no seu estatuto. No ano de 2003 impôs-se a necessidade de proceder á alteração dos estatutos aprovados por aquele diploma legal, com o intuito de “(…) simplificar e aperfeiçoar o modelo de gestão do sector, reduzindo o número de entidades públicas com intervenção neste domínio e concentrando a supervisão da viticultura duriense num único organismo. Por outro lado, visa-se redefinir o papel a desempenhar pela Casa do Douro neste contexto, valorizando a sua vertente associativa e de defesa dos interesses dos viticultores (…)” – preâmbulo do Decreto-lei n.º 277/2003, de 6 de Novembro. Em todo o caso, e não obstante a alteração aos estatutos introduzida por aquele diploma legal, manteve-se a natureza pública da Casa do Douro, de base associativa. Resulta, por conseguinte, do Artigo 1.º do Estatutos aprovados pelo Decreto-lei n.º 277/2003, de 6 de Novembro, que a Casado Douro é uma associação pública. Este diploma não sofreu alterações até ao Decreto-lei n.º 152/2014, de 15 de Outubro, alteração legislativa que visou a evolução da Caso do Douro “(…) para uma associação de direito privado e de inscrição voluntária dos agricultores, constituída nos termos do Código Civil, orientada para a representação nos órgãos interprofissionais da RDD e para a prestação de serviços aos viticultores nas áreas que concorram de forma mais directa para a rentabilização da actividade.” – cfr. preâmbulo daquele diploma legal. (sublinhado nosso) Assim, nos termos do Artigo 2.º do Decreto-lei n.º 152/2014, de 15 de Outubro “A partir de 1 de Janeiro de 2015 a representação dos viticultores nos órgãos interprofissionais da Região Demarcada do Douro (RDD) é assegurada através de uma ou mais associações de direito privado representativas dos viticultores, constituídas nos termos da lei geral. 2 - A associação de direito privado, de inscrição voluntária dos seus membros, que suceder à Casa do Douro deve ter por objecto a representação dos viticultores da RDD e a prestação de serviços aos viticultores, ter capacidade estatutária para actuar na totalidade da área da RDD, representar uma percentagem mínima de viticultores da RDD e do volume de produção ou da área de vinha da RDD a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da agricultura.” (sublinhado nosso) Em todo o caso, e não obstante a alteração da sua natureza [pelo menos do ponto de vista formal], a associação de direito privado a constituir, seria equiparada, para todos os efeitos legais, a pessoa colectiva de utilidade pública – cfr. Artigo 5.º Decreto-lei n.º 152/2014, de 15 de Outubro. Do exposto importa, por ora, realçar que desde 2003 a até 1 de Janeiro de 2015, a Casa do Douro assumiu a natureza de associação pública. As associações públicas integram, de forma indubitável, a Administração Pública. Resulta de forma expressa da Constituição da República Portuguesa, mormente do Artigo 267.º n.º 1 e n.º 4, que, “A Administração Pública será estruturada de modo a evitar a burocratização, a aproximar os serviços das populações e a assegurar a participação dos interessados na sua gestão efectiva, designadamente por intermédio de associações públicas, organizações de moradores e outras formas de representação democrática. (…) 4 – As associações públicas só podem ser constituídas para a satisfação de necessidades específicas, não podem exercer funções próprias das associações sindicais e têm organização interna baseada no respeito dos direitos dos seus membros e na formação democrática dos seus órgãos.” Trata-se, por isso, de uma categoria de entidades administrativas com dignidade constitucional. (sublinhado nosso). Ora, pese embora a Constituição não ofereça directamente uma noção operativa de descentralização – visto que emprega o mesmo conceito em normas de natureza distinta – a esmagadora maioria da doutrina nacional não hesita em enquadrar as associações públicas na designada política geral de descentralização da Administração Pública, nem tão pouco se coibiu de desenhar tal conceito, a partir do texto constitucional. Assim, a Constituição distingue, ainda que de forma implícita: i) descentralização administrativa – autarquias locais com consagração constitucional expressa [descentralização territorial local] e, bem assim, as entidades descentralizadas não territoriais [descentralização funcional/institucional/associativa/corporativa]; ii) descentralização político-administrativa, como é o caso, em especial, das regiões autónomas. As associações públicas seriam de enquadrar na descentralização administrativa de cariz democrático, dado que aquelas entidades adoptam uma organização de índole democrática [mormente quanto à formação dos seus órgãos]. Por outro lado, de notar a autonomia que lhes é própria e que se traduz na autocontenção do Estado perante as decisões que são adoptadas. Aliás, tal autonomia é justificada pela própria norma constitucional, nos termos da qual se pretende a desburocratização, a aproximação dos serviços da Administração Pública às populações e a participação dos interessados na própria gestão da Administração Públia [cfr. Artigo 267.º n.º 1 da CRP] – “(…) o Estado tem de autovincular-se a manter certo grau de autocontenção perante as decisões das associações públicas, sacrificando o seu poder de direcção, mas sem prejuízo do exercício proporcionado de superintendência e/ou tutela que serve, mormente, para garantir a legalidade administrativa e/ou a concordância das soluções obtidas com os interesses públicos”. LEONG, Hong Cheng, “As associações públicas na organização administrativa: uma revisitação”, in Organização Administrativa: Novos Actores, Novos Modelos, pág. 537. A nossa doutrina maioritária integra as associações públicas na administração autónoma do estado, a qual ser traduz numa forma de integrar a orgânica da Administração Pública as entidades que, ainda que distintas do Estado, são titulares de interesses públicos que, não sendo interesses de toda a comunidade em geral, não deixam de ter tal natureza e, como tal, impõe-se, como se disse, o respeito pelo Estado pela titularidade desses interesses e a limitação do poder de intervenção Estadual à mera tutela de legalidade administrativa. De notar que, sempre poderão surgir situações em que o legislador poderá sujeitar as associações públicas, não à mera tutela de legalidade, mas também ao poder de superintendência, o qual deverá, naturalmente, ser justificado à luz do princípio da proporcionalidade; sendo que, nestes casos a associações públicas integrarão a administração indirecta do estado e não a administração autónoma [Nesse sentido vide MIRANDA, Jorge, As Associações Públicas no Direito Português, pág. 79 e 80; SOUSA, Marcelo Rebelo de Sousa, Lições Direito Administrativo, pág. 387 e 388; Vieira de Andrade, Lições de Direito Administrativo, Coimbra, 2015, pág. 120 e 121; pág. LEONG, Hong Cheng, “As associações públicas na organização administrativa: uma revisitação”, in Organização Administrativa: Novos Actores, Novos Modelos, pág.543]. Quanto à sua definição, e posição na orgânica administrativa, a doutrina também já cuidou de densificar sobejamente o conceito aqui em análise. Para JORGE MIRANDA, que adopta um conceito amplo, as associações públicas abrangem qualquer “pessoa colectiva de tipo constitucional constituída para a prossecução de interesses públicos e dotada dos necessários poderes jurídico-administrativos” [Jorge Miranda, “As Associações…”, op. cit. pág. 65 e 67]; Já pata VITAL MOREIRA, que adopta um conceito restrito, as associações públicas são “uma pessoa colectiva de direito público, de natureza associativa (cujo substrato é constituído por uma colectividade ou conjunto de particulares portadores de determinada posição ou interesse comum), criada como tal por acto de poder público, que desempenha tarefas administrativas próprias, relacionadas com os interesses dos próprios membros, e que, em princípio se governa a si mesma mediante órgãos próprios que emanam da colectividade dos seus membros, embora normalmente sujeitos a uma tutela estadual” [MOREIRA, VITAL, Administração Autónoma e Associações Públicas, pág. 382]; por fim, DIOGO FREITAS DO AMARAL adopta um conceito intermédio, segundo o qual as associações públicas são “pessoas colectivas públicas, de tipo associativo, destinadas a assegurara autonomamente a prossecução de determinados interesses públicos pertencentes a um grupo de pessoas que se organizam com esse fim” [Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo – Volume I, pág. 363 e 364.] Em todo o caso, é possível constar traços essenciais e semelhantes nas posições supra referidos: i) as associações públicas são pessoas colectivas de direito público que integram a Administração Pública; ii) adoptam um carácter associativo; iii) visam a prossecução de interesses públicos pertencentes, mas não reservados, a um grupo de pessoas. Não se olvida que a fungibilidade actual entre personalidade jurídica pública e privada que paira no seio da orgânica administrativa, atendendo ao facto de cada vez mais se verificar o exercício de funções materialmente administrativas por pessoas colectivas privadas, ou seja, com personalidade jurídica privada. O que é relevante, é que exista um acto público de autoridade – na forma de lei ou ao abrigo de uma lei ou decreto-lei autorizado – que concretize a transferência do ius imperii do Estado a uma entidade associativa. A este propósito a Autora refere que “(…) instituída como associação pública, na Casa do Douro se verifica o enlace entre esses interesses sociais diferenciados e o interesse público e entre o substrato pessoal e as suas funções definidas pelo Estado, a atribuição de poderes de autoridade específicos que a fazem inserir na Administração autónoma e não na Administração directa ou indirecta do Estado, e no essencial correspondem, em simultâneo, a um fenómeno de publicitação do direito de associação e a um fenómeno de associativização da organização administrativa (…) Sendo unânime na doutrina que as associações públicas profissionais, lato sensu, em que se integra a Casa do Douro, não pertencem à Administração do Estado, mas sim à categoria constitucionalmente consagrada de administração autónoma.”. Concluindo que a administração autónoma não é Administração do Estado. Ora, quanto a estes considerandos, parece curial referir a posição assumida por VITAL MOREIRA, no que respeita ao exercício de direitos fundamentais pelas associações públicas, dado que a partir da mesma é possível enaltecer a natureza marcadamente pública das associações públicas e, bem assim, a natureza das relações que estas estabelecem com o Estado. Diz aquele autor que as associações públicas “(…) estão protegidas pelos competentes direitos fundamentais que não sejam incompatíveis com essa natureza pública. (…) Em qualquer caso, porém, as associações públicas ficam longe de poderem equiparar-se às pessoas privadas na sua relação com o Estado. (…) Diferentemente das pessoas colectivas privadas, que podem ter todas as finalidades lícitas que os seus membros decidam confiar-lhes, as pessoas colectivas públicas, mesmo as autarquias, só têm as funções públicas que a lei lhes reconheça e as atribuições privadas que não sejam incompatíveis com aquelas. E mesmo se a lei não pode proceder arbitrariamente a essa definição – tendo de reconhecer um núcleo mínimo de funções atinentes aos interesses específicos da categoria social interessada - , isso em nada altera o facto de as atribuições das associações públicas relevam da lei e não da vontade dos seus membros.” [MOREIRA, VITAL, Administração Autónoma e Associações Públicas, pág. 516 e 517]. (sublinhado nosso) Quanto à inscrição obrigatória, a que a Autora faz referência para excluir a Casa do Douro do conceito de colectividade pública, diga-se que tal característica está na génese da qualificação das associações públicas como uma forma de descentralização administrativa de cariz democrático, sem a qual sua qualificação nesses termos deturparse-ia. Acresce que, a inscrição obrigatória e, por conseguinte, a opção de não proceder à inscrição, não fazem com que a associação em questão perca os poderes de regulação em determinada área. Antes pelo contrário; o que sucederá, é que os não inscritos verão determinada actividade, ou determinado interesse que lhe é comum, regulada pela associação, apesar da sua não inscrição e, por conseguinte, poderão ficar inibidos de exercer as actividades publicistamente reguladas. Ante o exposto, só se poderá concluir que a Casa do Douro integra o conceito de colectividade pública, para efeitos da Recomendação. Pelas seguintes razões: - Os seus estatutos qualificam a Casa do Douro como associação pública; - O acto legislativo que aprovou os estatutos da Casa do Douro, em vigor à data factos, pese embora se trate de um Decreto-lei, foi emitido pelo Governo ao abrigo de lei de autorização da Assembleia da República, dado que se trata de uma matéria de competência relativa, nos termos do Artigo 165.º n.º 1 alínea s) da CRP; - As associações públicas fazem parte da Administração Pública, independentemente das interpretações doutrinais aventadas quanto ao conceito de descentralização e de administração autónoma; A verdade é só uma: as associações públicas integram a administração autónoma do Estado, fruto da descentralização administrativa da Administração do Estado; - As associações públicas são entidades públicas de base associativa que prosseguem, ainda assim, funções e interesses públicos. Aliás, isso mesmo resulta dos preâmbulos dos diplomas legais que aprovaram e alteraram os estatutos da Casa do Douro. E ainda que se entenda que tais interesses respeitam a um grupo/colectividade em especial, a verdade é que tal facto não impede a sua qualificação jurídica de colectividade pública. “Na realidade, pode perfeitamente estar em causa uma prossecução especializada de interesses públicos estaduais – mormente aqueles interesses públicos que, apesar de serem particularmente relevantes para certas colectividades ou populações, não chegam a ser-lhes reservados – através da regulação de uma certa área pelas entidades administrativas formadas democraticamente pelos representantes democráticos das pessoas-mais-interessadas nessa regulação” [Hong Cheng Leong, As associações públicas na organização administrativa: uma revisitação”, in Organização Administrativa: Novos Actores, Novos Modelos pág. 532]. Nesse mesmo sentido, aponta o preâmbulo do Decreto-lei n.º 76/95, de 19 de Abril, no trecho em que se refere à criação do Casa do Douro como uma forma de“(…) descentralização regional no exercício de atribuições públicas, no âmbito da disciplina de produção do vinho da Região.(…)” com o objectivo de que a mesma assumisse “(…) as funções de disciplina e controlo da produção e comercialização dos vinhos e produtos vínicos de qualidade da Região Demarcada do Douro.” Por outras palavras, ainda que se constituam interesses que relevam, em especial, para os produtores de vinho, a verdade é que a regulação da produção e comercialização dos vinhos e dos produtos vínicos, não se trata, ao contrário do que parece fazer crer a Autora, de acautelar apenas interesses que só dirão respeito aos produtores [são interesses que não lhe são exclusivos ou reservados]. Acresce que, a Casa do Douro prosseguia os seus fins, na qualidade de associação pública, porque lhe foram acometidas – pelo Estado – tais atribuições. Note-se que, não se trata de aferir se as associações públicas são ou não administração do Estado. Não é essa a génese do conceito de colectividade pública ou de organismo público, mas sim se são uma pessoa colectiva de direito público que, por conseguinte, integra a Administração Pública. E quanto a essa questão não restam dúvidas: a Casa do Douro integra a Administração Pública por ser uma associação pública e, como tal, será de qualificar como colectividade pública ou organismo público. Se acolhêssemos a interpretação da Autora, então as autarquias locais seriam excluídas do conceito de colectividade pública ou organismo público, pelo facto de integrarem a Administração Autónoma. Adoptando este entendimento, todas as entidades que integram a administração autónoma seriam excluídas de inúmeros diplomas legais que acolhem o conceito de organismo público [ou organismo de direito público], como é o caso do Código dos Contratos Públicos e, nessas circunstâncias, seriam de excluir do seu âmbito subjectivo. Porém, o Artigo 2.º n.º 1 prevê expressamente que estão abrangidas pelas disposições do Código, por serem, precisamente, organismos de direito público; e nessa norma podemos, desde logo, encontrar tanto as autarquias locais como as associações públicas [cfr. Artigo 2.º n.º 1 alíneas c) e h) do CCP]. Não se trata, do mesmo modo, aferir se o Estado detinha uma participação no capital social da Autora, nem se o Estado teve participação nos seus órgãos de gestão, mas sim se alguma colectividade pública ou organismo público detinha alguma participação nas empresas, para efeitos de qualificação como PME à luz da Recomendação2003/361/CE. Também não releva para o caso, se a Casa do Douro deixou de ser uma associação pública no ano de 2015, nem se a participação no capital social da Autora foi perdendo peso ao longo dos anos. A verdade é que no ano da concessão do financiamento – 2011 – a Casa do Douro era uma associação pública e detinha 40% do capital social da Autora. Assim, detendo a Casa do Douro, à data dos factos, 40% do capital social da Autora, só se poderá concluir que esta não era entidade elegível para efeitos da concessão dos apoios financeiros previstos Regulamento de aplicação da acção 1.1.1 do PRODER; razão pela qual, o acto ora impugnado não padece do vício que lhe é imputado pela Autora.» A decisão recorrida vê bem quanto à natureza jurídica da Casa do Douro; de encontro, p. ex., aos Pareceres da PGR 13/1991, de 29/95/1991 [1ª. A Casa do Douro, pessoa colectiva de direito público, com a natureza de associação pública, tem como objecto a prossecução dos interesses dos vitivinicultores da região demarcada do Douro, incumbindo-lhe, também, assegurar a necessária acção de disciplina e controlo da produção e comercialização dos vinhos de qualidade regionais, excluído o vinho generoso do Porto, nas matérias de competência do Instituto de Vinho do Porto; 2ª. Os interesses que incumbe à Casa do Douro prosseguir são de natureza pública, atenta a importância histórica, económica e social da actividade vitivinícola da região; (…) integrando como associação publica a Administração no sector especifico em que intervem], e 117/2003, de 29-01-2004 [A Casa do Douro, nos termos do artigo 1º, nºs 1 e 2, dos seus Estatutos, aprovados pelo Decreto-Lei nº 277/2003, de 6 de Novembro, é uma associação pública que tem por objecto a representação e a prossecução dos interesses de todos os viticultores, das suas associações e adegas cooperativas da Região Demarcada do Douro, através do exercício das atribuições e competências ali previstas]; e não esquece e é fiel ao sucessivo regime legal positivado, que, pese os matizes de posições Doutrinárias, expressamente dita qual ela é, ao longo do tempo e no tempo que aqui interessa. Dotada de alicerce que a recorrente não consegue contrariar, de argumentação já bem refutada: não confinando a que se esteja meramente perante “associação de representação profissional”, de Administração autónoma (e bem que o fosse, o artigo 267º, nº 1, da Constituição não deixa de integrar na Administração as “associações públicas”; e bem que com a específica prossecução de interesses, não se tratando, como observado na decisão recorrida, “de acautelar apenas interesses que só dirão respeito aos produtores”). Concluiu bem que “detendo a Casa do Douro, à data dos factos, 40% do capital social da Autora, só se poderá concluir que esta não era entidade elegível para efeitos da concessão dos apoios financeiros previstos Regulamento de aplicação da acção 1.1.1 do PRODER; razão pela qual, o acto ora impugnado não padece do vício que lhe é imputado pela Autora”, anotando nos seus anteriores e últimos parágrafos o que releva “aferir”, de integração na “Administração Publica”, e da “participação” que importa nesse aferir. Violação de princípio da igualdade e regras de concorrência (quais?) é matéria nova, não tratada na decisão recorrida, e fora de qualquer oficiosidade que agora habilite ao seu tratamento em recurso; “vem a nossa jurisprudência repetidamente afirmando que os recursos são meios de obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos Tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do Tribunal de que se recorre” (Ac. do STA, de 11-09-2024, proc. n.º 0231/18.7BELRS). Nada mais ocorre acrescentar no ponto, colhendo o decidido toda a robustez. → A respeito “Da violação do prazo para a anulação administrativa de actos administrativos, mediante os quais são concedidos fundos comunitários”. A decisão recorrida, com apoio do labor jurisprudencial que identificou, elegeu como aplicável ao caso o Regulamento (CE, Euratom) nº 2988/95 do Conselho, de 18 de Dezembro de 1995, relativo à protecção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias, o qual prevê: Artigo 1º 1. (…) 2. Constitui irregularidade qualquer violação de uma disposição de direito comunitário que resulte de um acto ou omissão de um agente económico que tenha ou possa ter por efeito lesar o orçamento geral das Comunidades ou orçamentos geridos pelas Comunidades, quer pela diminuição ou supressão de receitas provenientes de recursos próprios cobradas directamente por conta das Comunidades, quer por uma despesa indevida. (…) Artigo 3º 1. O prazo de prescrição do procedimento é de quatro anos a contar da data em que foi praticada a irregularidade referida no nº 1 do artigo 1º. Todavia, as regulamentações sectoriais podem prever um prazo mais reduzido, que não pode ser inferior a três anos. O prazo de prescrição relativo às irregularidades continuadas ou repetidas corre desde o dia em que cessou a irregularidade. O prazo de prescrição no que se refere aos programas plurianuais corre em todo o caso até ao encerramento definitivo do programa. A prescrição do procedimento é interrompida por qualquer acto, de que seja dado conhecimento à pessoa em causa, emanado da autoridade competente tendo em vista instruir ou instaurar procedimento por irregularidade. O prazo de prescrição corre de novo a contar de cada interrupção. Todavia, a prescrição tem lugar o mais tardar na data em que termina um prazo igual ao dobro do prazo de prescrição sem que a autoridade competente tenha aplicado uma sanção, excepto nos casos em que o procedimento administrativo tenha sido suspenso em conformidade com o nº 1 do artigo 6º 2. O prazo de execução da decisão que aplica a sanção administrativa é de três anos. Este prazo corre desde o dia em que a decisão se torna definitiva. Os casos de interrupção e de suspensão são regidos pelas disposições pertinentes do direito nacional. 3. Os Estados-membros conservam a possibilidade de aplicar um prazo mais longo que os previstos respectivamente nos nºs1 e 2. Donde tirou: «Ora, o acto de concessão do financiamento é de 07/03/2012 [cfr. Item B) do probatório], sendo que a Autora foi notificada mediante ofício de 24/11/2015 para o exercício de audiência prévia no âmbito da acção de controlo – para avaliação dos critérios de elegibilidade – o que veio a fazer a 15/12/2015 [cfr. Itens C) e D) do probatório]. Pelo menos a 24/11/2015, quando a Autora é notificada para o exercício de audiência prévia, foi-lhe dado conhecimento, da parte da entidade gestora, de anular o acto de concessão de apoio. Ora, nessa data ainda não havia decorrido o prazo de quatro anos da prescrição, logo, pelo menos nessa data, ocorreu a interrupção do prazo prescricional [sendo certo que a notificação para audiência prévia foi efectuada já na sequência da realização do controlo administrativo por parte da Autoridade de Gestão do PDR2020]. Ante o exposto, a 26/03/2016, data da decisão da anulação do acto de concessão do apoio à Autora – PA n.º 27484 – não havia decorrido o referido prazo prescricional, pelo que o acto ora impugnado não padece do vício que lhe é imputado pela Autora.». A recorrente entende que não se poderá apontar irregularidade no âmbito do procedimento, sem que decorra de ato ou omissão sua, antes um “erro de apreciação da Recorrida”, pelo que haverá de convocar prazo previsto no art.º 141º do CPA/91. Mas segue esteio argumentativo a que, precisamente, a evolução jurisprudencial repudiou acolhimento, antes fazendo prevalecer a disciplina emanada do Regulamento (CE, Euratom) nº 2988/95 do Conselho; como o STA tem entendido, desde logo no uniformizador Ac. STA, Pleno, de 26/2/2015 (0173/13), «na ausência de legislação nacional consagrando prazo de prescrição mais longo do que o previsto no art. 3, nº 1, do Reg. (CE/Euratom) nº 2988/95, do Conselho, de 18 de Dezembro, é este o aplicável” [entendimento que tem sido seguido, v.g., nos Acs. STA de 29/3/2017 (0583/16), de 8/3/2018 (0480/17), de 3/5/2018 (0337/18), de 17/5/2018 (024/17) e de 3/7/2019 (02528/08)]. Acresce ainda que segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça quando a recuperação das quantias indevidamente pagas no âmbito de um programa de apoio, aprovado e cofinanciado pelo FEADER a título do período de programação 2007-2013, ocorre após o fim do período de programação, a saber, após 1 de janeiro de 2014, essa recuperação deve basear-se nas disposições do Regulamento n.º 1306/2013 (cfr. Acórdão de 18 de janeiro de 2024, Askos Properties, C-656/22, EU:C:2004:56, n.º 40, e jurisprudência referida), que define «"Irregularidade", uma irregularidade na aceção do artigo 1.º, n.º 2, do Regulamento (CE, Euratom) n.º 2988/95.» (art.º 2º, n.º 1, g)) O qual dita que “Sempre que se verifique que um beneficiário não satisfaz os critérios de elegibilidade, os compromissos ou outras obrigações relacionados com as condições de concessão da ajuda ou do apoio estabelecidos na legislação setorial agrícola, a ajuda não é paga ou é total ou parcialmente retirada e, se for caso disso, os direitos ao pagamento correspondentes referidos no artigo 21.º do Regulamento (UE) n.º 1307/2013 não são atribuídos ou são retirados.” [Regulamento (UE) n.º 1307/2013 DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO, de 17 de dezembro de 2013, que estabelece regras para os pagamentos diretos aos agricultores ao abrigo de regimes de apoio no âmbito da política agrícola comum e que revoga o Regulamento (CE) n.º 637/2008 do Conselho e o Regulamento (CE) n.º 73/2009 do Conselho] e que “Sem prejuízo do artigo 54.º , n.º 3, os montantes, incluindo os respetivos juros, e os direitos ao pagamento afetados pela retirada referida no n.º 1 e pelas sanções referidas no n.º 2 devem ser recuperados.” (art.º 63º, nºs. 1 e 3), além do que é disposição específica e não contrariada relativamente a financiamento pelo FEADER do art.º 56º; retirada ou recuperação, que naturalmente ocorre pós e não prejudicada por uma anterior concessão da ajuda ou do apoio; concessão que se com “erro de apreciação da Recorrida”, advém de origem na falta de condições de elegibilidade do operador económico, aí residindo, imputado a um tal sujeito, “acto ou omissão” violador de uma disposição de direito comunitário, que não na Administração, relativamente à qual , quando assim não actue, se não identifica tal atributo. → A respeito “Da violação do princípio da boa-fé.”. No ponto verteu: «A Autora alega, por fim, que a conduta da Entidade Demandada violou o princípio da boa-fé, defendendo que em situações em que, pese embora subsista alguma irregularidade na concessão do apoio, a relevância anulatória dessa irregularidade deve ceder perante a necessidade de tutela da confiança e da boa-fé que a prática do acto gerou na Autora. O princípio da boa-fé, concretizada na ideia de Estado de Direito Democrático previsto nos termos do Artigo 2º da CRP, tem como objectivo a protecção da confiança, certeza e segurança jurídica na actuação dos poderes públicos, permitindo que os administrados um mínimo de certeza e segurança quanto às actuações da Administração Pública. Pautar a sua actividade pelo mínimo de boa-fé, significa para a Administração Pública que esta deverá adoptar uma conduta que concretize uma continuidade na posição e comportamento que tem vindo a adoptar perante os particulares. Uma ruptura de posição, sem motivo que se afigure premente, comportará uma violação deste princípio [Veja-se o entendimento sufragado pela jurisprudência do STA, segundo o qual “no âmbito do CPA a boa fé é não apenas um interesse mais a ponderar nas decisões administrativas ou jurisdicionais, mas também a expressão de um dever de agir, uma norma procedimental.” – Acórdão do STA de 25/09/2012, p. 0168/12, disponível em www.dgsi.pt.]. Assim, uma conduta Administrativa irrepreensível do ponto de vista do princípio da boa-fé impõe fidelidade à conduta adoptada ao longo do procedimento administrativo, de forma que o particular esteja imbuído de um mínimo de certeza relativamente àquela, vedando-se, por conseguinte, qualquer surpresa ou perplexidade nos comportamentos, decisões ou ocorrências procedimentais. Ora, atenta a vinculação legal relativa aos prazos de prescrição e às acções de controlo subsequente à concessão de apoios financeiros, o legislador nacional e o legislador europeu asseguraram de modo equilibrado, racional e razoável os pilares da segurança jurídica, da legalidade e do interesse público financeiro. O que implica dizer, que, e conforme resulta, até, das várias posições firmadas em torno do prazo de prescrição para a anulação dos actos de concessão de apoios financeiros de natureza comunitária, se previu um prazo durante o qual os beneficiários de apoios como o que está em causa nos presentes autos, pudessem ser alvo de acções de controlo e, por conseguinte, verem os actos que lhes concedeu o apoio, anulado por irregularidades detectadas nessas acções de controlo. Prevendo-se um prazo, acautelou-se por um lado os interesses da união e a vinculação ao princípio da legalidade – permitindo a implementação de acções de controlo e a anulação e recuperação de apoios concedidos – e por outro, acautelou-se, do mesmo modo, os interesses dos beneficiários e o princípio da segurança jurídica, dado que os beneficiários não ficam ad eternum [ou durante um prazo muito longo, como seria o de 20 anos] sujeitos a acções de controlo e à anulação dos actos de concessão dos apoios. Por outras palavras, até ao decurso do prazo de prescrição, não se poderá falar numa situação de confiança legítima, pois que os beneficiários têm de ter consciência de que poderão ser, durante esse prazo, alvo de uma acção de controlo que poderá, no limite, retirar-lhes o apoio concedido. Assim, constata-se que a conduta da Entidade Demandada não merece censura.». Juízo sem erro de julgamento. A recorrente arvora boa fé e confiança, mas sem alimento que se sobreponha ao que de vinculação legal resulta, ou justifique “compensação”. É até jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que o princípio da proteção da confiança legítima não pode ser invocado contra uma disposição precisa de um preceito do direito da União, e que o comportamento de uma autoridade nacional encarregada de aplicar o direito da União, que esteja em contradição com este, não pode gerar, num operador económico, a confiança legítima em que pode beneficiar de um tratamento contrário ao direito da União (Acórdãos de 20 de junho de 2013, Agroferm, C-568/11, EU:C:2013:407, n.º 52 e jurisprudência aí referida, e de 7 de agosto de 2018, Ministru kabinets, C-120/17, EU:C:2018:638, n.º 52). * Acordam, pelo exposto, em conferência, os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso. Custas: pela recorrente. Porto, 25 de Outubro de 2024. Luís Migueis Garcia Conceição Silvestre Ana Paula Martins |