Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01770/23.3BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:09/13/2024
Tribunal:TAF do Porto
Relator:RICARDO DE OLIVEIRA E SOUSA
Descritores:CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL;
EXCLUSÃO DE PROPOSTA; FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO;
PRETERIÇÃO DE AUDIÊNCIA PRÉVIA;
Sumário:
I- Em ordem a demonstrar que um concorrente possui a certificação FSSC 2000 num concurso que a exija para bens alimentares, é necessário, a par da Declaração de conformidade contínua com os requisitos da FSSC 22000 assinada pelo responsável da empresa, a apresentação do respetivo certificado FSSC 22000.

II- Apresentando-se distintivo que a Recorrente fez acompanhar a sua proposta apenas com duas autodeclarações assinadas pelos responsáveis da empresa, afirmando a conformidade contínua com os requisitos da FSSC 22000, impera concluir que a mesma omite a exigência de apresentação do certificado FSSC 22000 exigida pelo artigo 9º, nº.1, alínea i) do Programa de Procedimento, o que consubstancia motivo de exclusão da sua proposta por força da aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 57º, da alínea a) do nº. 2 do artigo 70º e das alíneas d) e o) do nº.2 do artigo 146º, todos do CCP.

III- Ressaltando inteiramente percetível do ato em si mesmo o conteúdo dispositivo e o sentido da determinação de exclusão da proposta da Autora, deve concluir-se que foi dado cumprimento ao dever de fundamentação imposto pelos artigos 268.º, n.º 3, da CRP e e 153º e 154º do CPA.

IV- A realização de nova audiência prévia de interessados apenas se impõe quando resulte uma alteração da ordenação das propostas constante do relatório preliminar.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Urgente - Contencioso pré-contratual (arts. 100º e segs. CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte - Secção de Contencioso Administrativo, subsecção de Contratos Públicos:
* *

I – RELATÓRIO

1. A sociedade comercial [SCom01...], LDA., Autora nos presentes autos de CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL em que é Entidade Demandada o MUNICÍPIO ... e Contrainteressada a sociedade comercial [SCom02...], LDA., vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença promanada nos autos, que julgou improcedente a presente ação e, consequentemente, absolveu a Entidade Demandada do pedido.

2. Alegando, a Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…)

I. Vem o presente Recurso de Apelação interposto da Sentença de fls. que julgou a presente impugnação totalmente improcedente, mantendo a decisão de excluir a candidatura da agora Recorrente do Concurso Público denominado por “Concurso Público n.º ...3... para aquisição de fruta escolar para o ano letivo 2023/2024 pelo MUNICÍPIO ...”.

II. Com efeito, cumpria, nos presentes autos, aferir se a candidatura da Recorrente se encontrava instruída corretamente e com os documentos necessários para tal, de acordo com o Programa do Concurso e do Caderno de Encargos.

III. Considera a Impugnante, aqui Recorrente, que andou mal o Tribunal a quo ao pugnar pelo entendimento de que faltou à Recorrente um documento essencial à sua admissão ao referido Concurso Público, sendo esta a “Certificação do processamento, embalamento, transporte e armazenamento de alimentos de acordo certificação FSSC 22000”, entendimento este que merece a discordância da Impugnante, aqui Recorrente, e impõe o presente recurso.

IV. Com efeito, no que respeita aos factos que integram a relação material controvertida em crise, os mesmos encontram-se parcialmente explanados no acervo factual dado como provado na sentença proferida pelo Tribunal a quo, que aqui se dá por integralmente reproduzido.

V. Porém, tal acervo factual não integra todos os factos que deveriam ter sido dados como provados, por se revelarem essenciais para a boa decisão da causa, pelo que concretamente se impugna a sentença objeto do presente recurso.

VI. É entendimento da agora Recorrente que a motivação da decisão de facto em crise não se sustentou nos casos concretos do Programa do Concurso e do respetivo Caderno e Encargos, na medida em que não são relevados factos que poderiam levar a que fosse o peticionado pela Recorrente em sede de Petição Inicial procedente ou, pelo menos, parcialmente procedente.

VII. A este respeito, considera o Tribunal a quo que ”(...) não errou o júri do procedimento concursal ao considera que a omissão do documento exigido pela alínea i) do ponto 9 do programa do concurso consubstancia um fundamento de exclusão da proposta apresentada pela A) (...)” – Cfr. Sentença em crise.

VIII. Ora, perscrutada a sentença em crise e salvo sempre o devido respeito, alcançamos que a motivação para a decisão quanto à matéria de facto apresenta desconsiderações daquilo que foi o alegado pela Recorrente em sede de Petição Inicial.

IX. Foi lançado pela Recorrida o procedimento de concurso público denominado “Concurso Público n.º ...3... para aquisição de fruta escolar para o ano letivo 2023/2024 pelo MUNICÍPIO ...”.

X. De acordo com o artigo 1º do PC, o objeto do contrato é a “aquisição de fruta escolar para o ano letivo 2023/2024”, com publicação do correspondente aviso no Diário da República, ao abrigo do disposto no artigo 130.º do Código dos Contratos Públicos (CCP), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro, na sua redação atual, conforme definido quanto à espécie, quantidade e qualidade nas peças do procedimento.

XI. Estabelece o artigo 9.º do PC todos os documentos que as propostas devem apresentar, devendo as propostas obedecer aos termos e condições preestabelecidos pela entidade adjudicante, em relação aos quais os concorrentes devem vincular-se.

XII. Sendo o critério de adjudicação é o da proposta economicamente mais vantajosa, determinado pela modalidade de avaliação monofator correspondente ao preço, como único aspeto da execução do contrato a celebrar, conforme artigo 19.º do PC.

XIII. Notificada do relatório preliminar do concurso, verificou a Recorrente a exclusão da sua proposta por, alegadamente: “O concorrente apenas apresentou uma declaração que refere que cumpre os requisitos, tal como já havido apresentado em sede de proposta, não apresentando a certificação FSSC 22000, conforme exigido”.

XIV. A Recorrente, apresentou as suas alegações de Audiência Prévia pugnando pelo cumprimento integral da sua proposta quanto às regras aplicáveis, as quais, não obstante a desadequação da fundamentação, não foram acolhidas.

XV. No programa do concurso verifica-se no artigo 9.º, mais concretamente na alínea i), que um dos documentos que deverá constituir a proposta é a “Certificação do processamento, embalamento, transporte e armazenamento de alimentos de acordo certificação FSSC 22000”.

XVI. Ora, por análise do acima citado, verifica-se que o que é exigido no concurso é uma certificação de que são cumpridas todas as regras de processamento, embalamento, transporte e armazenamento dos alimentos a fornecer, isto é, em conformidade com as regulamentações FSSC 22000.

XVII. Ora, como se pode verificar pelos documentos apresentados pela Recorrente, esta apresenta uma declaração de que tem implementado um sistema de HACCP, garantindo assim o cumprimento de todos os requisitos legais estabelecidos pelo Regulamento (CE) n° 852/2004, o que demonstra que se encontra certificada no processamento, embalamento, transporte e armazenamento de alimentos de acordo com certificação FSSC 22000.

XVIII. Sucede que, a Recorrente foi notificada no âmbito do procedimento concursal para, nos termos do artigo 72º do CCP, para suprir suposta irregularidade verificada, a saber: “De acordo com a alínea i) do n.º 9 do programa de concurso, é documento da proposta a entrega a certificação do processamento, embalamento, transporte e armazenamento de alimentos de acordo com certificação FSSC 22000. Contudo, este documento não foi apresentado pelo concorrente”.

XIX. Na sequência da referida comunicação, a Recorrente submeteu a declaração em que atesta e garante o cumprimento de todas as medidas de higiene e segurança no manuseamento dos produtos a fornecer, demonstrando que se encontra certificada no processamento, embalamento, transporte e armazenamento de alimentos de acordo com certificação FSSC 22000, cumprindo com a notificação que antecedia.

XX. O Relatório Preliminar elaborado pelo júri do concurso, verifica a Recorrente que o júri excluiu a sua proposta com base no facto de ”o concorrente apenas apresentou uma declaração que refere que cumpre os requisitos, tal como já havia apresentado em sede de proposta, não apresentando a certificação FSSC 22000, conforme exigido”.

XXI. Com a notificação do teor da fundamentação da exclusão da sua proposta, a Recorrente verifica que pretendia o júri que fosse junto um certificado de implementação das normas FSSC 22000.

XXII. Ao contrário do que aponta o programa de concurso que predetermina que a proposta terá de ser instruída com a “Certificação do processamento, embalamento, transporte e armazenamento de alimentos de acordo certificação FSSC 22000”.

XXIII. Com efeito, da leitura do programa de concurso sempre resultou como claro para a Recorrente que teria de certificar que o processamento, embalamento, transporte e armazenamento dos alimentos a fornecer no âmbito do concurso eram realizados de acordo certificação FSSC 22000.

XXIV. E por cumprir com esse requisito, a Recorrente junta ao procedimento as declarações de que o processamento, embalamento, transporte e armazenamento de alimentos que leva a cabo está de acordo certificação FSSC 22000, certificando assim o cumprimento das referidas regras.

XXV. O júri do concurso não efetuou uma distinção clara entre os conceitos de certificação e certificado, parecendo haver mesmo uma confusão entre ambos os conceitos, o que faz em prejuízo notório da Recorrente.

XXVI. Os requisitos apresentados nas regras concursais não estabelecem a necessidade de um certificado para o tratamento e manuseamento dos bens a fornecer, mas sim de uma certificação.

XXVII. Ora um certificado é algo distinto de uma certificação, sendo que uma certificação é, consoante a definição de dicionário o “ato de certificar, de dar por certo”.

XXVIII. Foi exatamente o que o agora Recorrente fez, tendo apresentado uma declaração em que dá por certo e certifica o cumprimento de todos os requisitos FSSC 22000.

XXIX. proposta que cumpre explicitamente aquilo que é referido no programa e caderno de encargos, alegando requisitos no Relatório Preliminar e Relatório Final que não constam diretamente nas regras de concurso.

XXX. Se o que a entidade contratante pretendia que se apresentasse aquando da apresentação da proposta ao concurso em crise era um certificado externo de entidade certificadora teria que explicitar tal obrigação no programa e caderno de encargos do concurso, o que manifestamente não fez.

XXXI. Aliás o programa de concurso e caderno de encargos definem extensivamente e concretamente as regras de acondicionamento, embalamento e transporte dos produtos a fornecer, todas de acordo com as regras FSSC 2200, que a Recorrente cumpre e por esse motivo, emitiu a certificação do seu procedimento em conformidade com o pretendido.

XXXII. Ora, não existindo no programa do concurso tal referência concreta de que o documento a juntar seria certificado emitido por entidade terceira e idónea, nunca poderá ser excluída uma proposta por não cumprir com um requisito que não consta das regras de concurso.

XXXIII. Deste modo, é convicção da Recorrente que inexistiram razões para que o júri do concurso excluísse a sua proposta considerando que se verificou o cumprimento integral de todos os requisitos plasmados na lei, no Programa do Concurso e no Caderno de Encargos.

XXXIV. Compulsada a decisão proferida, verifica-se sumariamente que:

f) A Recorrente cumpriu com os requisitos do programa de concurso que tinham fundamentado a sua exclusão no relatório preliminar;

g) A proposta da Recorrente continua excluída por entender o Recorrida que não foi junto certificado FSSC 2200;

h) A Recorrida entende que a proposta da contrainteressada cumpre com todos os requisitos, mantendo a sua admissão;

i) O documento certificado FSSC 2200 junto pela Contrainteressada tem validade pois no concurso em crise são fornecidas cenouras processadas e embaladas;

j) No programa de concurso e caderno de cargos inexiste qualquer identificação de cenouras processadas e embaladas a fornecer;

XXXV. Ainda sumariamente, do supra referido, resulta a violação legal do dever de fundamentação da decisão, a violação do direito da Recorrente de participação - audiência prévia - consagrado constitucionalmente e perspetivado no Código dos Contratos Públicos, falta de fundamento factual da decisão agora em crise.

XXXVI. Cumprida a fase de audiência prévia sobre o conteúdo do referido relatório preliminar, no qual o júri, fundamentadamente, propõe a exclusão e ordenação das propostas, deve o júri elaborar “(…) um relatório final fundamentado, no qual pondera as observações dos concorrentes efetuadas ao abrigo do direito de audiência prévia, mantendo ou modificando o teor e as conclusões do relatório preliminar, podendo ainda propor a exclusão de qualquer proposta se verificar, nesta fase, a ocorrência de qualquer dos motivos previstos no n.º 2 do artigo 146.º” (n.º 1), o qual depois, juntamente com os demais documentos que compõem o processo de concurso, deve ser enviado ao órgão competente para a decisão de contratar (n.º 3), a quem a cabe decidir sobre a aprovação das propostas contidas nesse relatório final, designadamente para efeitos de adjudicação (n.º 4) (d/n) – no âmbito do art. 148º do CCP.

XXXVII. Do quadro normativo em causa é evidente o ónus acrescido do dever/necessidade de fundamentação, entre outras situações, da exclusão de propostas dos concorrentes, como é o caso.

XXXVIII. A fundamentação comporta, de acordo com o disposto no art. 153º, n.º 1 do CPA, dois níveis de substanciação: a fundamentação de facto e a fundamentação de direito, ou seja, a factualidade subjacente à decisão e os fundamentos jurídico-normativos em que repousa a valoração dessa factualidade.

XXXIX. Nenhum deles se encontra verificado no Relatório Final que veio a ser aprovado e ora em crise, sendo que a justificação apresentada para a exclusão foi de sentido lato sendo que sempre se exigiria que fossem plasmadas as razões de facto e de direito, os motivos que levam os responsáveis a praticar aquele ato em concreto.

XL. A fundamentação para a exclusão da proposta do agora Recorrente baseou-se, tanto no Relatório Preliminar como no Relatório Final, no facto de a Recorrente apenas ter apresentado uma declaração que refere que cumpre os requisitos de higiene e manuseamento dos bens a fornecer, não apresentando a certificação FSSC 22000, conforme exigido.

XLI. Como já foi referido, ao contrário do que aponta o programa de concurso que predetermina que a proposta terá de ser instruída com a “Certificação do processamento, embalamento, transporte e armazenamento de alimentos de acordo certificação FSSC 22000”.

XLII. Com efeito, da leitura do programa de concurso resulta como claro para a Recorrente que está tem de certificar que o processamento, embalamento, transporte e armazenamento de alimentos está de acordo certificação FSSC 22000.

XLIII. E por cumprir com esse requisito, a Recorrente junto ao procedimento as declarações de que o processamento, embalamento, transporte e armazenamento de alimentos está de acordo certificação FSSC 22000, certificando assim o cumprimento das referidas regras.

XLIV. Face o exposto, apresentando a Recorrente certificação de que o processamento, embalamento, transporte e armazenamento de alimentos está de acordo certificação FSSC 22000, cumpriu integralmente com as disposições normativas aplicáveis ao concurso em crise, nomeadamente, as regras do programa de concurso, pelo que nunca existiram fundamentos para a manutenção da exclusão da sua proposta.

XLV. Analisados os textos tanto do Programa do Concurso como do Caderno de Encargos, não é referido, nas extensas regras do modo de fornecimento dos produtos a fornecer, que necessitam de ser descascados e cortados em palitos, como é o caso da cenoura que o júri do concurso refere no seu relatório final, ou seja, não é necessário que pelas Concorrentes seja realizado qualquer tipo de processamento dos alimentos a fornecer no âmbito do concurso

XLVI. O modo de apresentação dos frutos e legumes cujo fornecimento se contrata é apenas indicado em unidades e porções como se verifica no número 2 do ponto 21 do Caderno de Encargos, onde se pode ler, por exemplo, que no caso das cenouras – o exemplo apresentado pelo júri – é referido que devem ser fornecidas “Cenoura (pequena) – 2 unidades/100 gramas”.

XLVII. Ora, analisado todos os elementos do programa do concurso, em lado algum se lê que devem certas frutas a fornecer ser fornecidas cortadas ou descascadas, verificando-se que alguns dos produtos a fornecer no âmbito do concurso deveriam ser descascados e cortadas, tal facto deveria encontrar-se expressamente plasmados nos requisitos do fornecimento, seja no Programa do Concurso seja no Caderno de Encargos.

XLVIII. É amplamente descrito no caderno de encargos as regras de acondicionamento e transporte dos produtos – no ponto 24.º do Caderno de Encargos – no que concerne às caixas onde entregar os produtos, o tipo de material da mesma e as etiquetas que devem ser coladas nas mesmas.

XLIX. Ora, sendo realizada uma descrição tão extensa daquilo que são as regras do acondicionamento e transporte dos bens a fornecer, certamente seria de suma importância referir que era necessário que certas frutas e legumes fossem entregues cortados e descascados.

L. Não pode, pois, o júri do concurso vir a excluir uma proposta de um concorrente com base no alegado incumprimento de uma exigência que não se encontra, sequer, no programa ou caderno de encargos do concurso, e tudo para justificar que os documentos juntos pela aqui Contrainteressada estão adequados às regras de concurso.

LI. Na sequência do exposto, acresce que, analisada a outra candidatura apresentada ao concurso da aqui Contrainteressada, verifica a Recorrente que esta apresenta uma declaração, semelhante à apresentada por si, assinada pelos seus representantes, em que declaram utilizar em todas as suas atividades um Sistema de Segurança Alimentar baseado na metodologia HACCP.

LII. Além disso, a segunda concorrente apresenta um certificado PT18/06266, emitido pela SGS, para “Food Safety System Certification FSSC 22000 – Food Category: CII – Processing of Perishable plant products”.

LIII. A certificação “FSSC22000 Food Category: CII – Processing of Perishable plant products” é aplicável à atividade de Descascamento, secagem, embalagem, classificação, lavagem, enxague, transporte por canaleta, apara, corte em fatias, pasteurização, torrefação, escalda, descascar, arrefecimento, refrigeração, congelamento e produto final.

LIV. Mais adiantando a referida informação os exemplos de produto final, a saber: refrigerados ou congelados, por exemplo, frutas frescas, sucos naturais, legumes, grãos, nozes e sementes comestíveis, substitutos da carne com base em materiais vegetais (por exemplo, soja).

LV. Com efeito os bens a fornecer no âmbito do presente procedimento e por referência ao caderno de encargos não são objeto de qualquer tipo de processamento, são outrossim fornecidos e embalados unitariamente sem qualquer tipo de transformação.

LVI. Destarte, a certificação junta pela Contrainteressada, é para transformação de produtos vegetais perecíveis, uma das variáveis de certificação FSSC 22000 e sem aplicabilidade aos bens a fornecer no âmbito do concurso em crise.

LVII. Na senda do descrito, cabe-nos analisar aquilo que é o conceito de degradação das formalidades essenciais em não essenciais, verificando-se uma exigência por parte da Recorrida de um documento que, analisados os bens a fornecer e as exigências de tratamento dos mesmo, é totalmente desnecessário ao fornecimento, na medida em que o que o mesmo atesta são qualidades que em nada se verificam relevantes.

LVIII. Assim, a exigência apresentada demonstra-se não essencial para o fim a que se destina a contratação concreta, sendo, por isso, exigido um elemento que em nada certificará que o fornecimento nos moldes em que é contratado será levado a cabo com mais segurança ou higiene.

LIX. A exigência de tal certificação que não tem respaldo no tipo de bens a fornecer, considera-se desproporcional face ao objeto do contrato em apreço e às tarefas que o mesmo importa, razão pela qual se motiva que a mesma viola o princípio da concorrência, da proporcionalidade e da não discriminação.

LX. Acresce que não foi apresentada qualquer justificação para a restrição operada por via das especificações fixadas nas peças do procedimento.

LXI. Com efeito, a imperativa exigência da apresentação da já referida certificação, apenas impõem limites a eventuais exigências de capacidade técnica e/ou financeira e a determinadas especificações técnicas, designadamente, a sua adequação ao necessário e desejável cumprimento do contrato a adjudicar e de que todos estes requisitos estejam ligados e sejam proporcionais com o seu objeto.

LXII. O que não sucede no presente concurso com a exigência do certificado FSSC 22000, uma vez que o concurso apenas exige a higienização e acondicionamento para transporte dos bens e não o seu efetivo processamento.

LXIII. Ora, considerando o exposto, no presente procedimento, no momento da determinação dos critérios de seleção, não foram cumpridos os princípios fundamentais da contratação pública enunciados no artigo 18.º, n.º 1, da Diretiva 2014/24, e no art. 1.º-A, do CCP, tratando os operadores económicos de acordo com os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação, bem como atuando de maneira transparente e proporcionada, assim se garantindo, designadamente, que a organização do contrato não tem o intuito de reduzir artificialmente a concorrência ou de favorecer ou desfavorecer indevidamente determinados operadores económicos.

LXIV. No caso, este desiderato deve ser alcançado com a admissão da proposta da Requerente ou, com a repetição do procedimento retirando a exigência injustificada da certificação FSSC 22000.

LXV. Assim, a adotar o critério que determinou a exclusão da Recorrente do concurso em crise, também a proposta da Contrainteressada deverá ser excluída, considerando que o certificado que junta não corresponde aos bens/produtos em causa no presente procedimento e por esse motivo, tal como exposto supra, não poderá considerar-se em conformidade.

LXVI. Assim, é a proposta da Recorrente excluída com base em suposto não cumprimento de requisitos que não se encontram plasmados nas regras concursais, tudo em clara violação do artigo 70º nº 2 do CCP.

LXVII. É do entendimento da Recorrente que, nesta matéria, andou mal o Tribunal a quo ao desconsiderar a degradação das formalidade não essenciais que se verificam no procedimento de contratação pública em crise nos autos.

LXVIII. Prende-se o Tribunal apenas com a questão semântica entre os vocábulos “certificado” e “certificação” e na questão de ter, ou não, este de ser atestado por uma entidade externa, quando, na verdade, não era esse o ponto fulcral de decisão nos presentes autos.

LXIX. A verdadeira questão sempre seria decidir sobre a proporcionalidade e necessidade da exigência de um certificado que, como se viu e se demonstrou amplamente, é desnecessário e inócuo no âmbito do concurso em crise.

LXX. Pelo exposto, sempre deverá ser a sentença proferida pelo tribunal a quo revogada, sendo admitida a proposta da Recorrente ao referido Concurso Público.

LXXI. Tal como referido supra, a existência de fornecimento de bens processados (tal como as identificadas cenouras em palitos) é uma novidade para a Recorrente, que em momento algum tomou conhecimento que certos bens a fornecer necessitavam de ser descascados e cortados.

LXXII. E uma novidade em sede de decisão final, derradeira e com efeitos que afetam (talvez irremediavelmente) a posição da Recorrente.

LXXIII. Facto esse que a Recorrente nunca teve oportunidade de se pronunciar.

LXXIV. Sendo o direito de participação - audiência prévia - consagrado constitucionalmente e perspetivado no Código dos Contratos Públicos representa a densificação concretizadora de uma garantia constitucional (artigo 267º/5 - participação dos cidadãos na formação das decisões que lhes dizem respeito).

LXXV. O Imperativo constitucional de participação dos cidadãos na formação das decisões administrativas tem a sua concretização, de natureza substancial e adjetiva, no procedimento concursal, nos artigos 123º, 148º e 149º do CPP.

LXXVI. Esta figura jurídica - a audiência dos interessados - na estrutura do procedimento concursal corresponde ao direito do administrado de ser ouvido de forma a poder influenciar no sentido dos seus interesses o órgão decisor, o que no âmbito do procedimento não constitui um mero rito.

LXXVII. Com efeito, ao indicar apenas em sede de relatório final que a proposta da Autora estava excluída por factos que não constavam do relatório preliminar (por alegado não cumprimento de apresentação de um documento que garantisse o cumprimento de certos processos de tratamento não constante no caderno de encargos) e não por aqueles que efetivamente constavam no relatório preliminar, à Autora foi-lhe vedada a possibilidade de exercer o seu direito de defesa do contraditório e foi-lhe vedada essa oportunidade pelo órgão decisor.

LXXVIII. Com esta atuação, impedindo a Autora de se defender e/ou de exercer o contraditório, previamente à decisão tomada, fica prejudicado, por aniquilado, o falado direito de audiência da Autora.

LXXIX. A referida violação gera a anulabilidade do ato impugnado por via dos presentes autos.

LXXX. Tudo visto, deverá o relatório final ser revogado por notória violação dos preceitos legais aplicáveis e, consequentemente ser admitida a proposta da aqui Autora.

LXXXI. Destarte, a proposta apresentada pela Recorrente, não deveria ter sido excluídas, à luz das mencionadas disposições normativas, uma vez que os documentos submetidos pela Autora cumprem com os requisitos do concurso.

LXXXII. Pelas razões expostas, o ato de adjudicação apresenta-se desconforme ao ordenamento jurídico, sendo anulável nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 135.º do Código do Procedimento Administrativo.

LXXXIII. Face ao exposto, de facto e de direito, deve o ato de adjudicação impugnado ser anulado, por contrariar normas regulamentares do Programa de Concurso e normas injuntivas do CCP, e, em consequência, ser admitida a proposta apresentada pela Autora e consequentemente ser a mesma adjudicada por se revelar, largamente, a economicamente mais vantajosa (…)”.


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3. Notificado que foi para o efeito, o Recorrido MUNICÍPIO ... apresentou contra-alegações, que rematou com o seguinte quadro conclusivo: “(…)

1ª A Recorrente não concorda com a douta sentença recorrida, porquanto considera que o ato de adjudicação impugnado contraria as normas do Programa do Concurso e do CCP e pugna, por esse motivo, pela sua anulabilidade e, em consequência, pela admissão e adjudicação da sua proposta, considerando que se trata da opção economicamente mais vantajosa,

2ª Inicialmente, a Recorrente insurge-se contra a sentença do Tribunal a quo, que validou (e bem) a decisão administrativa no que toca à efetiva falta de um documento essencial para a admissão da sua candidatura, de acordo com o Programa do Concurso e do Caderno de Encargos, mais concretamente, pela falta do certificado “Certificação do processamento, embalamento, transporte e armazenamento de alimentos de acordo com certificação FSSC 22000”.

3ª Refugiando-se na semântica, resulta do seu entendimento que a certificação FSSC podia ser comprovada por declaração própria, só que, manifestamente, este entendimento não tem suporte no regulamento nem em elementares regras de interpretação, e, se assim fosse possível, o objetivo pretendido com a certificação (terceiro, independente de uma organização, que atesta que esta cumpre uma dada regulamentação) estaria irremediavelmente comprometido.

4ª Se dúvidas ainda existissem a Recorrente viu-as dissipadas quando o júri, ao abrigo do artigo 72º do CCP, concedeu prazo para junção do certificado, explicando que a declaração apresentada em que a concorrente garante que cumpre os requisitos da certificação não é suficiente.

5ª Não tendo apresentado documento cuja junção era obrigatória, nos termos definidos no programa de concurso, considera-se obviamente lícita a decisão de exclusão da Recorrente do procedimento concursal, pela falta do documento exigido pela alínea i) do ponto 9 do programa de concurso.

6ª É incontestável que a fundamentação da decisão de exclusão que o júri do concurso tomou – e que mais tarde foi o suporte da tomada de decisão final pela entidade adjudicante – permitiu à Recorrente apreender a razão (única) subjacente a essa decisão.

7ª Desde logo, permitiu-lhe apresentar pronúncia em audiência prévia, rebatendo a argumentação empregue pelo Recorrido no relatório preliminar e, como o relatório final corrobora o relatório preliminar, não teve quaisquer dúvidas sobre a fundamentação quer de facto, quer de direito do ato de adjudicação.

8ª A referida fundamentação permitiu à Recorrente, de forma esclarecida e munida dos fundamentos da decisão, o efetivo recurso à via contenciosa, revelando a Recorrente ter compreendido (perfeitamente) porque foi a sua proposta excluída - como, aliás, resulta quer da leitura dos artigos 20°, 21°, 46° e 66° da sua p.i., quer da leitura dos artigos 19º, 25º, 28º e 51º do agora recurso.

9ª A Recorrente pode não concordar com a decisão, mas manifestamente não pode apontar-lhe falta de fundamentação.

10ª Andou bem o Tribunal a quo quando considerou a suficiente fundamentação, e bastante para permitir que um destinatário normal apreendesse o itinerário cognoscitivo e valorativo da decisão.

11ª Mostrou-se cumprido o dever de fundamentação plasmado nos artigos 152° e 153° do CPA e artigos 146° e 148° do CCP, pelo que deve improceder a apontada ilegalidade.

12ª Afirma a Recorrente que o ato de adjudicação é desconforme ao ordenamento jurídico – sendo anulável para os efeitos do disposto no artigo 135º do CPA – por, supostamente, lhe ter sido preterido o direito de participação – audiência prévia – relativamente aos “factos que motivaram a sua exclusão do concurso”.

13ª Refere que o fornecimento de bens processados descascados e cortados (tal como cenouras em palitos) é para si uma “novidade”, por não constarem do relatório preliminar e que tal facto afetou a sua posição no procedimento em crise, por nunca ter tido oportunidade de se pronunciar quanto a isto.

14ª In casu, é manifesto que o Recorrido não alterou o teor do relatório preliminar, renovando tão-só argumentação exposta, mas respondendo igualmente às questões novas suscitadas.

15ª É cristalino que não havia, nos termos do disposto nos artigos 146° e 148º do CCP, lugar a nova fase de audiência prévia e não foi, consequentemente, violado o direito de defesa/contraditório da Recorrente pelo órgão decisor, porquanto em momento algum a sua exclusão foi motivada pela existência (ou não) do fornecimento de cenoura em palitos na sua proposta.

16º É inequívoco que houve pronúncia, conforme disposto no artigo 147º do CCP, quanto aos verdadeiros factos/fundamentos de exclusão e houve, inclusive, possibilidade de os modificar, nos termos do disposto no artigo 72.º CPP, sendo que só de si se pode queixar a aqui Recorrente pela sua falta.

17º A sentença recorrida analisou corretamente as ilegalidades apontadas pela ora Recorrente, fundamentou muito bem o seu entendimento, aplicando a lei, e, por conseguinte, não merece censura (…)”.


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4. O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.

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5. O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior silenciou quanto ao propósito vertido no n.º1 do artigo 146.º do C.P.T.A.

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6. Cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.

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II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR

7. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.

8. Neste pressuposto, a questão essencial a dirimir é a de saber se a sentença objeto de recurso enferma de erro[s] de julgamento de direito quanto à declarada improcedência dos vícios assacados ao ato impugnado.

9. É na resolução de tal questão que se consubstancia a matéria que a este Tribunal Superior cumpre solucionar.


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III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

10. O quadro fáctico apurado na decisão recorrida foi o seguinte:

A). Em 04.08.2023, o R. autorizou a abertura do procedimento concursal tendente à “Aquisição de fruta escolar para o ano letivo 2023/2024” - cfr. informação datada de 04.08.2023 constante do processo administrativo «pen-drive»;

B). Em 08.08.2023, foi publicado no Diário da República n.º 153, II Série, o “anúncio de procedimento n.º ...23”, cujo teor parcial se extracta: “(…)

1 - IDENTIFICAÇÃO E CONTACTOS DA ENTIDADE ADJUDICANTE
Designação da entidade adjudicante: MUNICÍPIO ...
NIPC: ...73
Serviço/Órgão/Pessoa de contacto: DCP - Divisão da Contratação Pública
(…)
2 - OBJETO DO CONTRATO
Designação do contrato: ...3... - Aquisição de fruta escolar para o ano letivo 2023/2024
Descrição sucinta do objeto do contrato: ...3... - Aquisição de fruta escolar para o ano letivo 2023/2024
Tipo de Contrato Principal: Fornecimentos
Tipo de Contrato: Aquisição de Bens Móveis
Preço base do procedimento? Sim
Valor do preço base do procedimento: 94,683.60 EUR Classificação CPV (Vocabulário Comum para os Contratos Públicos)
Objeto principal Vocabulário principal: 15300000
Valor: 94,683.60 EUR
(…)
8 - DOCUMENTOS DE HABILITAÇÃO
8.1 - Habilitação para o exercício da atividade profissional?
Não
8.2 - Informação sobre contratos reservados
Aplica-se a contratos reservados (54-A)?
Não (…)” - cfr. anúncio de procedimento constante do processo administrativo «pen-drive»;

C). Do “programa de concurso” do procedimento em apreço, consta o seguinte teor parcial que se extracta: “(…)

2. Objeto do Procedimento
Aquisição de fruta escolar para o ano letivo 2023/2024.
(…)
6. Júri
1. O concurso é conduzido por um júri composto por três membros efetivos e dois suplentes.
2. Cabe ao Júri prestar os esclarecimentos necessários à boa compreensão e interpretação das peças do procedimento.
3. Para efeitos de análise e avaliação das propostas, face às especificações técnicas, o Júri poderá, nos termos do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 72.º do CCP, solicitar aos concorrentes esclarecimentos e documentação comprovativa que não alterem ou completem os respetivos atributos, nem visem suprir omissões que determinam a sua exclusão nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 70.º do CCP.
4. No caso de não ser apresentada mais do que uma proposta, o júri poderá ser dispensado nos termos do n.º 4 do artigo 67.º do CCP, sendo as suas funções exercidas pela Divisão de Contratação Pública.
7. Preço base
1. O preço base do procedimento é de 94.683,60€, sem IVA incluído.
2. É o montante máximo que a entidade adjudicante se dispõe a pagar pela execução de todas as prestações que constituem o objeto do contrato e que limita o preço contratual.
(…)
9. Documentos que constituem a proposta
a) Declaração elaborada conforme o modelo constante do Anexo | do presente documento;
b) Declaração elaborada conforme o modelo constante ANEXO III - MODELO DE DECLARAÇÃO DO PREÇO;
c) Os concorrentes deverão apresentar, documento onde conste os preços unitários e o preço total que não devem incluir o IVA;
d) Plano de disponibilização/fornecimento de fruta semanal;
e) Declaração de Fornecedores, conforme modelo do Anexo IV;
f) Certificados dos produtos a fornecer e dos respetivos fornecedores (Origem local/Regional);
g) Documento exemplar de caderneta em formato PDF, referida no n.º 6 do art.º 23º das Especificações Técnicas do Caderno de Encargos;
h) Declaração de conformidade do material utilizado na produção da caixa para acondicionamento e transporte dos hortofrutícolas, de acordo com o definido no Regulamento (CE) nº 1935/2004 do Parlamento e do Conselho de 27 de outubro, relativo aos tipos de papel e cartões permitidos a entrar em contacto com géneros alimentícios, conforme especificações definidas nos n.º 1 a 3 da cláusula 23.º do Caderno de Encargos.
i) Certificação do processamento, embalamento, transporte e armazenamento de alimentos de acordo com certificação FSSC 22000.
(…)
18. Esclarecimentos e listas de erros e omissões
1. Os esclarecimentos necessários à boa compreensão e interpretação das peças do procedimento devem ser solicitados pelos interessados, por escrito, no primeiro terço do prazo fixado para a apresentação das propostas, ao júri do concurso através da plataforma eletrónica ACINGOV com endereço https://www.acingov.pt .
2. No mesmo prazo, devem os concorrentes apresentar uma lista na qual identifiquem, expressa e inequivocamente, os erros e as omissões das peças do procedimento por si detetados.
3. Os esclarecimentos a que se referem os números anteriores são prestados pelo júri, por escrito, até ao termo do segundo terço do prazo fixado para apresentação das propostas, através da plataforma eletrónica.
4. A entidade adjudicante pode proceder à retificação de erros ou omissões das peças do procedimento nos termos e no prazo previsto no número anterior.
5. Quando as retificações ou esclarecimentos sejam comunicadas para além do prazo estabelecido para o efeito, o prazo fixado para a apresentação das propostas deve ser prorrogado, no mínimo, por período equivalente ao do atraso verificado.
19. Critério de adjudicação
1. A adjudicação será feita de acordo com o critério da proposta economicamente mais vantajosa, determinada através da modalidade:
a) Monofator- Preço, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 74.º do CCP, de acordo com o qual o critério de adjudicação é densificado por um fator correspondente a um único aspeto da execução do contrato a celebrar, neste caso o preço como único aspeto da execução do contrato a celebrar.
b) Para efeitos do número anterior, será considerada mais vantajosa a proposta que apresente o menor preço. (…)” - cfr. programa de concurso a fls. 24 dos autos «SITAF».

D). O “caderno de encargos” do procedimento em apreço, tem o seguinte teor parcial que se extracta: “(…)

1.ª Objeto
1. Procedimento ...3....
2. O presente Caderno de Encargos compreende as cláusulas jurídicas, bem como as especificações técnicas, a incluir no contrato a celebrar na sequência do procedimento pré-contratual que tem por objeto principal a aquisição de fruta no âmbito do programa regime escolar, ano letivo 2023/2024.
(…)
3.ª Obrigações principais do adjudicatário
1. Sem prejuízo de outras obrigações previstas na legislação aplicável, no presente Caderno de Encargos ou nas cláusulas contratuais da celebração do contrato, decorrem para o adjudicatário as seguintes obrigações principais:
a) Obrigação de assegurar o fornecimento da fruta, em tempo e com a quantidade e qualidade exigida;
b) Obrigação de cumprimento de todas as normas em vigor no âmbito do fornecimento do presente contrato;
c) Obrigação de cumprimento de todas as normas higiénico-sanitárias em vigor no âmbito do fornecimento do produto alimentar objeto do presente contrato;
d) Entrega semanal, caixa por turma, em cada um dos estabelecimentos de educação indicados na cláusula 172, sem qualquer acréscimo de custo para o adjudicante;
e) Obrigação no envio semanal de cópia das guias de transporte respeitantes às entregas de bens nos diversos estabelecimentos de educação, com confirmação da entrega por parte de elemento do estabelecimento de educação, em formato digital, para ..........@......
2. A título acessório, o prestador de serviços fica ainda obrigado, designadamente, a recorrer a todos os meios humanos, materiais e informáticos que sejam necessários e adequados à prestação do serviço, bem como ao estabelecimento do sistema de organização necessário à perfeita e completa execução das tarefas a seu cargo.
3. São igualmente da responsabilidade do adjudicatário quaisquer encargos decorrentes da utilização, na prestação de serviços, de marcas registadas, patentes, licenças ou direitos de propriedade industrial ou intelectual.
4. Após assinatura do contrato, na primeira reunião com os técnicos do Município, o adjudicatário deverá entregar para aprovação a calendarização das peças de fruta a distribuir em cada semana. De igual modo, quaisquer alterações necessárias à calendarização prevista, devem ser enviadas com a respetiva justificação para aprovação pelo MUNICÍPIO ..., para ..........@..... .
(…)
21ª. Produtos elegíveis - fornecimento de fruta
1. Os produtos devem obedecer aos regimes públicos de qualidade certificada de produção integrada, de modo de produção biológica, de denominação de origem protegida, de indicação geográfica protegida ou de proteção integrada.
2. Para o ano letivo 2023/2024 são elegíveis, para efeito de controlo, a seguinte relação unidades/ porções dos produtos:

[imagem que aqui se dá por reproduzida]


(…)
23º. Fiscalização do fornecimento
Com a fiscalização do fornecimento de fruta pretende-se o seguinte:
a. Verificar se a execução do fornecimento de fruta está a ser prestado em conformidade com os requisitos estabelecidos contratualmente, no Caderno de Encargos, e demais legislação aplicável;
b. Verificar o cumprimento da qualidade, da quantidade, e demais exigências previstas na cláusula 18.º do presente documento;
c. Verificar o cumprimento das regras de higiene e segurança alimentar;
d. A fiscalização e verificação da execução do fornecimento de fruta e serviço associado compete ao MUNICÍPIO ... que nomeará um dos seus técnicos para esse efeito.
24º. Regras de acondicionamento e transporte dos produtos
(…)
5. Os frutos e hortícolas têm obrigatoriamente de serem entregues já higienizados, prontos a consumir.
(…)
8. Os veículos de transporte utilizados para o transporte de géneros alimentícios devem ser mantidos limpos e em boas condições, a fim de proteger os géneros alimentícios da contaminação, devendo, sempre que necessário, ser concebidos e construídos de forma a permitir uma limpeza e/ou desinfeção adequadas.
9. As caixas de carga dos veículos não devem transportar senão géneros alimentícios se desse transporte poder resultar qualquer contaminação.
10. Sempre que os veículos e/ou os contentores tiverem sido utilizados para o transporte de produtos que não sejam géneros alimentícios ou para o transporte de géneros alimentícios diferentes, dever-se-á proceder a uma limpeza adequada entre os carregamentos, de forma a evitar o risco de contaminação.
11. A colocação e a proteção dos géneros alimentícios dentro dos veículos e/ou contentores devem ser de molde a minimizar o risco de contaminação.
25º. Receção dos produtos
1. Em cada ato de entrega os produtos poderão ser pesados, e deverão ser verificados os aspetos relativos à qualidade dos mesmos, de acordo com as exigências previstas nas cláusulas 20.º e seguintes do presente documento e a legislação aplicável à Estratégia Nacional do Regime de Fruta Escolar e demais legislação aplicável.
2. Os produtos frutícolas deverão ser frescos e limpos (isentos de terra, parasitas e outros resíduos).
3. Devem apresentar-se em bom estado de maturação, com coloração típica da variedade, e sem sinais de deterioração.
4. Estes produtos devem estar isentos de doenças, queimaduras do sol ou gelo, danos causados por parasitas, protuberâncias, cortes e/ou cavidades.
5. Cada caixa deve conter apenas produtos da mesma variedade. Estes devem estar isentos de folhas.
6. Todos os produtos frutícolas com sinais de deterioração, de impregnação de substâncias químicas ou outras matérias estranhas serão rejeitados, bem como todos aqueles que apresentem quaisquer outras alterações que os tornem impróprios para consumo e lhes confiram um aspeto desagradável, sendo o adjudicatário obrigado à sua substituição. (…).” - cfr. caderno de encargos a fls. 37 dos autos «SITAF».

E). Em 11.08.2023, a Autora apresentou proposta ao procedimento concursal em causa, assinada por «AA», seu procurador, da qual se extracta o seguinte: “(…)

Vimos pelo presente meio apresentar a nossa proposta para Concurso Público n.º ...23 “Aquisição de Fruta no Âmbito do Programa Regime Escolar, ano letivo 2023/2024” O preço global é de 77.324,94 € (setenta e sete mil trezentos vinte e quatro euros e noventa e quatro cêntimos). (…)” - cfr. proposta da Autora e procuração constantes do processo administrativo «pen-drive»;

F) Da proposta apresentada pela A. consta, entre outros, uma “declaração” assinada pelo seu procurador, com o seguinte teor que se extracta: “(…)


[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…).” - cfr. declaração a fls. 69 dos autos «SITAF».

G). Em 11.08.2023, a Contrainteressada apresentou proposta ao procedimento concursal em apreço, da qual constam, entre outros, os seguintes documentos que se extractam: “(…)

[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…).” - cfr. proposta da [SCom02...] constante do processo administrativo «pen-drive»;

H). Em 18.08.2023, o júri do procedimento concursal solicitou esclarecimentos à A., conforme teor parcial que se extracta da “ata de júri n.º1”, que consta do processo administrativo:

“(…)


[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…).” - cfr. processo administrativo «pen-drive»;

I). A A. remeteu ao Júri do procedimento concursal em apreço uma declaração datada de 17.08.2023, de cujo teor se extracta: “(…)


[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…).” - cfr. fls. 72 dos autos «SITAF».

J). Em 21.08.2023, o júri do procedimento concursal elaborou “Relatório Preliminar”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…)


[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…).” - cfr. processo administrativo «pen-drive»;

K). Em 23.08.2023, a A. exerceu o seu direito de audição prévia. - cfr. fls. 63 dos autos «SITAF»;

L). Em 31.08.2023, o júri do procedimento concursal elaborou “Relatório Final”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…)


[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…).” - cfr. fls. 73 dos autos «SITAF»;

M). Em 01.09.2023, o R. adjudicou à Contrainteressada a aquisição de bens a que se refere o procedimento concursal em apreço, e aprovou a minuta do contrato de aquisição de bens, conforme teor parcial que se extracta da informação a fls. 86 dos autos: “(…)


[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…).” - cfr. fls. 86 dos autos «SITAF»;

N). A petição inicial relativa à presente acção foi apresentada em juízo, através do «SITAF», no dia 05.09.2023. – cfr. fls. 1 dos autos «SITAF»;


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IV- DO MÉRITO DA INSTÂNCIA DE RECURSO

11. A Autora, aqui Recorrente, intentou a presente ação de contencioso pré-contratual, tendo formulado o seguinte petitório: “(…) Termos em que a presente ação deve ser julgada procedente, por provada, e, em consequência, determinar-se: a) A anulação do ato de adjudicação do contrato de fornecimento de fruta escolar para o ano letivo 2023/2024; b) A admissão da proposta apresentada pela Autora; c) A adjudicação da proposta apresentada pela Autora (…)”.

12. Substanciou tais pretensões, brevitatis causae, no entendimento de que o ato impugnado, na parte que procede à exclusão da sua proposta do procedimento concursal visado nos autos, padece de vício de (i) violação de lei, por erro nos pressupostos, bem como de (ii) vício de forma, por (ii.1) falta de fundamentação e (ii.2) preterição da audiência prévia de interessados, justificando-se, por isso, a anulação judicial do mesmo, e dessa sorte, a admissão da proposta apresentada pela Autora e, consequentemente, a adjudicação concursal, por ser a proposta economicamente mais vantajosa.

13. O T.A.F. do Porto, como sabemos, não validou este entendimento, tendo julgado improcedente a presente ação, em consequência do que absolveu a Entidade Demandada do pedido.

14. Retenhamos o sentido da decisão do T.A.F. do Porto expresso nos seguintes excertos: ”(…)

Do invocado vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito

A A. sustenta que apresentou a sua proposta ao procedimento concursal em crise em respeito integral pelas regras aplicáveis, designadamente através da apresentação de uma declaração “(…) de que tem implementado um sistema de HACCP, garantindo assim o cumprimento de todos os requisitos legais estabelecidos pelo Regulamento (CE) n.º 852/2004, o que demonstra que se encontra certificada no processamento, embalamento, transporte e armazenamento de alimentos de acordo com a certificação FSSC 22000 (…)” (cfr. artigo 16º da p.i.).

Alega ainda que, após ter sido notificada para suprir uma irregularidade verificada pelo júri do procedimento concursal, submeteu uma nova declaração “(…) que atesta e garante o cumprimento de todas as medidas de higiene e segurança no manuseamento dos produtos a fornecer, demonstrando que se encontra certificada no processamento, embalamento, transporte e armazenamento de alimentos de acordo com a certificação FSSC 22000, cumprindo com a notificação que antecedia (…)” (cfr. artigo 18º da p.i.).

Defende que apresentou as declarações supra referidas por resultar claro da leitura do programa do concurso que os candidatos teriam de certificar que o processamento, embalamento, transporte e armazenamento de alimentos se encontrava de acordo com a certificação FSSC 22000, não decorrendo da referida peça do procedimento que a “certificação” exigida se consubstanciava num certificado emitido por uma entidade certificadora externa.

Por conseguinte, sustenta que não pode ser excluída do procedimento concursal em apreço por não cumprir um requisito que não constava das regras do mesmo.

(…)

Vejamos, pois.

(…)

In casu, foi expressamente estabelecida na alínea i) do ponto 9 do programa de procedimento a exigência de “Certificação do processamento, embalamento, transporte e armazenamento de alimentos de acordo certificação FSSC 22000” como documento que constituía a proposta [cfr. ponto C) do probatório].

Foi igualmente determinado no programa de concurso, mais concretamente no seu ponto 19, que o critério de adjudicação adoptado seria o da proposta economicamente mais vantajosa, determinado através da modalidade monofactor, sendo, para o efeito, considerada como proposta mais vantajosa aquela que apresentasse o menor preço, em referência ao preço base do procedimento definido no ponto 7 da mesma peça, ali estipulado em 94.683,60€ [cfr. ponto C) do probatório]. Assim, e conforme decorre do conteúdo da referida norma, o preço constitui o único atributo das propostas a apresentar pelos concorrentes (cfr. alínea b) do n.º 1 do art.º 74.º do CCP)

Destarte, constituindo o preço in casu um atributo da proposta, isto é a única característica da mesma que a administração entendeu submeter a avaliação, nos termos do critério de adjudicação e que, por isso, exige que todas as propostas contenham esse atributo, sob pena de estar inviabilizada a sua análise comparativa e a consequente avaliação das propostas; e, não tendo o R. previsto a referida certificação como um elemento da proposta submetido a avaliação, nos termos dos factores e subfactores de avaliação, tal característica da proposta não se destina a densificar o critério de avaliação das propostas, não visando o R. estabelecer quaisquer padrões de comparação das propostas com base em tal elemento ou característica da proposta, antes consistindo em aspecto da execução do contrato subtraído à concorrência, mas ao qual a entidade adjudicante pretende que os concorrentes se obriguem.

Por conseguinte, nos termos do modelo de avaliação definido, o documento constante da alínea i) do ponto 9 do programa não se revela ser um atributo da proposta.

Importa, agora, aferir em que reside a “certificação do processamento, embalamento, transporte e armazenamento de alimentos de acordo certificação FSSC 22000”, de modo a determinar se a mesma pode, ou não, ser exigida num procedimento de concurso público, em sede de documentos que integram a proposta (cfr. alínea c) do nº.1 do artigo 57º do CCP e i) do ponto 9 do programa de concurso).

A «FSSC 22000 - Food Safety System Certification» constitui um referencial global, desenvolvido em 2009 pela que «FFSC – Foundation For Food Safety Certification» (fundação sem fins lucrativos) que se traduz num esquema de certificação para a indústria de transformação de produtos alimentares, baseado nas normas ISO 22000:2005, e actualmente ISO 22000:2018 (cfr. https://www.fssc.com/about/ ).

Assim, a FSSC 22000 enquanto referencial global, pretende garantir o fornecimento de alimentos, rações e embalagens seguras para a indústria de bens de consumo.

Por sua vez, a norma ISO 22000:2018 (criada e actualizada pela «International Organization for Standardization»), constitui um standard ou uma regra internacional, que visa certificar que as empresas possuem determinadas práticas, procedimentos, instrumentos ou têm implementados certos sistemas e formas de organização interna, que lhe conferem determinadas competências, que são as certificadas (cfr. http://www.iec.ch-http://www1.ipq.pt e https://www.iso.org/home.html ).

Se atentarmos às alíneas a) e c) do n.º 1 da cláusula 3.ª do caderno de encargos verificamos que as mesmas expressamente determinam, entre outras, as obrigações do adjudicatário em matéria de qualidade alimentar, designadamente a “(…) Obrigação de assegurar o fornecimento da fruta, em tempo e com a quantidade e qualidade exigida (…)” e “(…) Obrigação de cumprimento de todas as normas higiénico-sanitárias em vigor no âmbito do fornecimento do produto alimentar objeto do presente contrato (…)”, cuja verificação e fiscalização se encontram a cargo do R., nos termos definidos na cláusula 23.ª da mesma peça de procedimento, com o objectivo de “(…) a) Verificar o cumprimento da qualidade, da quantidade, e demais exigências previstas na cláusula 18.º do presente documento; b) Verificar o cumprimento da qualidade (…); c) Verificar o cumprimento das regras de higiene e segurança alimentar; (…)” [cfr. ponto D) do probatório].

Acresce que, na cláusula 24ª do caderno de encargos, sob a epígrafe de “regras de acondicionamento e transporte de produtos”, prevê-se, igualmente, que “(…) Os frutos e hortícolas têm obrigatoriamente de serem entregues já higienizados, prontos a consumir. (…) Os veículos de transporte utilizados para o transporte de géneros alimentícios devem ser mantidos limpos e em boas condições, a fim de proteger os géneros alimentícios da contaminação, devendo, sempre que necessário, ser concebidos e construídos de forma a permitir uma limpeza e/ou desinfeção adequadas. (…) As caixas de carga dos veículos não devem transportar senão géneros alimentícios se desse transporte poder resultar qualquer contaminação. (…) Sempre que os veículos e/ou os contentores tiverem sido utilizados para o transporte de produtos que não sejam géneros alimentícios ou para o transporte de géneros alimentícios diferentes, dever-se-á proceder a uma limpeza adequada entre os carregamentos, de forma a evitar o risco de contaminação (…)”, e a cláusula 25.ª da mesma peça, sob a epígrafe de “recepção dos produtos” expressamente determina que “(…) ato de entrega os produtos poderão ser pesados, e deverão ser verificados os aspetos relativos à qualidade dos mesmos … Devem apresentar-se em bom estado de maturação, com coloração típica da variedade, e sem sinais de deterioração (…) Estes produtos devem estar isentos de doenças, queimaduras do sol ou gelo, danos causados por parasitas, protuberâncias, cortes e/ou cavidades (…) Todos os produtos frutícolas com sinais de deterioração, de impregnação de substâncias químicas ou outras matérias estranhas serão rejeitados, bem como todos aqueles que apresentem quaisquer outras alterações que os tornem impróprios para consumo e lhes confiram um aspeto desagradável, sendo o adjudicatário obrigado à sua substituição (…)” [cfr. ponto D) do probatório].

Assim, resulta evidente, que no âmbito do presente procedimento, destinado à aquisição de fruta escolar, o R. pretende garantir a segurança e qualidade dos produtos alimentares que lhe são fornecidos, atento o destinatário dos mesmos, ou seja, a comunidade escolar.

Destarte, qualifica-se a exigência prevista na referida norma do programa de concurso como uma condição, referente a um aspecto da execução do contrato não submetido à concorrência, que o R. pretende que os concorrentes se vinculem, ou seja, um aspecto da execução do contrato que se impõe a todos os interessados em contratar, atento o teor das cláusulas 3.ª, 23.ª, 24.ª e 25.ª do caderno de encargos [cfr. ponto D) do probatório], que espelha a preocupação do R. com a qualidade e segurança alimentar, motivo pelo qual, não constitui um atributo da proposta, mas sim uma condição de adjudicação, porquanto revela um aspecto caracterizador do serviço prestado, que visa assegurar a qualidade de segurança do serviço.

Note-se que, no caso sub iudice, a referida certificação não é exigida em sede de documentos de habilitação – como tal relacionada com competências ou padrões de qualidade ou capacidade técnica das empresas prestadoras do serviço (cfr. artigo 81º do CCP) – mas sim, em sede de documentos que integram a proposta, de modo a garantir as qualidades ou as características dos concretos produtos e serviços que as empresas prestam no âmbito da execução do contrato, e nessa medida admissível a sua exigência no programa de procedimento enquanto documento que integra a proposta e respeita a aspectos de execução do contrato não submetidos à concorrência.

Assim, revela-se aceitável e admissível a exigência do referido documento, que integra e constitui a própria proposta, pelo que, a falta de cumprimento por parte de algum concorrente quanto a um aspecto do contrato não submetido à concorrência pelo programa de procedimento, ignorando-o, acaba por, inevitavelmente, criar uma situação de desigualdade inadmissível (cfr. n.º 1 do art.º 1.º-A do CCP) face aos demais concorrentes que, cumprindo aquela exigência procedimental, acabaram por se vincular a um aspecto da execução do contrato, eventualmente com custos mais elevados (em sentido semelhante, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 29.09.2016, proferido no processo n.º 0867/16 e, bem assim, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, de 21.02.2019, proferido no processo n.º 26/18.8BEBJA).

Sobre questão similar, o Tribunal Central Administrativo do Norte escreveu: “(…) Como se citou e transcreveu na decisão Recorrida o Acórdão do STA de 18 de setembro de 2019, proferido no processo n.º 02178/18.8BEPRT, entendimento aqui aplicável, mutatis mutandis, “(…) se a entidade adjudicante fez constar dos respetivos PC ou CE a obrigatoriedade das propostas conterem determinados termos ou condições não submetidos à concorrência relativos à execução do contrato foi porque os considerou decisivos para a boa execução deste. De contrário não tornaria obrigatória essa indicação. E, porque assim é, não faz sentido admitir-se ao concurso uma proposta que viole essa prescrição, colocá-la em pé de igualdade com as corretamente elaboradas, proceder à sua análise e – quem sabe – declará-la vencedora. Porque tal significaria colocar propostas incomparáveis em pé de igualdade e obrigar a entidade adjudicante a tratá-las como se as mesmas pudessem ser comparadas. É para evitar a possibilidade de ocorrência de uma situação dessa natureza que a lei obriga a que a proposta contenha “os termos ou condições, relativos a aspetos da execução do contrato não submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, aos quais a entidade adjudicante pretende que o concorrente se vincule” (al.ª c) do n.º 1 do art.º 57.º do CCP), obrigatoriedade que faz todo o sentido já que só dessa forma a entidade adjudicante pode conhecer a real valia da proposta e está em condições de exigir que o contrato seja executado de acordo com o previamente fixado. Se assim não fosse, aquela entidade ficaria impossibilitada de controlar a correta execução do contrato na medida em que, perante ausência de regras claras, o adjudicatário executá-lo-ia da forma que melhor conviesse aos seus interesses o que, certamente, conduziria, a conflitos cuja resolução pacífica seria difícil.

É hoje pacificamente admitido que a obrigatoriedade da apresentação de documentos face a aspetos não submetidos à concorrência, relativos a termos ou condições da execução do contrato pode advir tanto do Programa do Concurso, quer do Caderno de Encargos, o que contraria a tese dos Recorrentes.

(…)

Resultando manifesto da documentação concursal que era entendimento da Adjudicante que os concorrentes se teriam de vincular a uma determinada condição contratual, através da apresentação de documento discriminado, mal se compreenderia, como de algum modo se afirmou já, que essa Entidade promotora do concurso, do qual decorrerá a adjudicação final, pudesse, depois de conhecer as propostas apresentadas, alterar os pressupostos e requisitos do concurso, dispensando a apresentação do documento que anteriormente exigira, ou desconsiderando a sua essencialidade.

Mais uma vez, esteve pois bem o tribunal a quo ao afirmar no seu discurso fundamentador do decidido, que irreleva “por desnecessária e redundante, a falta de menção expressa por parte da entidade adjudicante quanto à “sanção” de exclusão das propostas para o caso de os concorrentes não apresentarem os termos ou condições aí indicados e, bem assim, o facto de o Mapa de Quantidades constante do Anexo 13 não conter a informação solicitada no Ponto 24.6 das Condições Técnicas do Caderno de Encargos”. Na realidade, não tenho a Contrainteressada, aqui Recorrente S. “indicado na respetiva proposta os valores globais a que se referido o Ponto 24.6 das Condições Técnicas do Caderno de Encargos, não há então como não concluir que esta omitiu termos e condições a que a entidade adjudicante pretendia que esta se vinculasse [artigo 57.º, n.º 1, alínea c), do CCP], o que, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 70.º do CCP e da alínea o) do n.º 2 do artigo 146.º do CCP, consubstancia um fundamento material de exclusão da sua proposta (…)”- cfr. Acórdão proferido no âmbito do processo n.º 01777/19.5BEPRT, em 03.04.2020.

Importa, pois, aferir em concreto, em que se consubstancia a referida “certificação”, nomeadamente, se a mesma traduz uma mera declaração subscrita pelos candidatos, como defende a A. ou, ao invés, um documento emitido por uma entidade externa.

Atentemos ao teor do ponto 9 do programa de concurso, que sob a epígrafe de “documentos que constituem a proposta”, elenca os documentos da proposta, dos quais se destacam, entre outros, algumas declarações [vide alíneas a), b), e) e h) do ponto 9 do programa de procedimento - cfr. ponto C) do probatório], certificados de produtos [cfr. alínea f) do mesmo ponto do programa de procedimento] e a “certificação do processamento, embalamento, transporte e armazenamento de alimentos de acordo certificação FSSC 22000”.

Assim, cumpre salientar que da leitura do ponto 9 da referida peça procedimental, decorre que, a existir a intenção por parte do R. de exigir uma declaração subscrita pelos candidatos que atestasse que os mesmos cumpriam a certificação do processamento, embalamento, transporte e armazenamento de alimentos de acordo com a certificação FSSC 22000, a mesma teria de ser formulada nos mesmos termos do exigido nas alíneas a), b), e) e h) do ponto 9, nas quais se prevê a obrigatoriedade de entrega de declarações subscritas pelos candidatos, designadamente da declaração referida na alínea h) que expressamente prevê que o candidato ateste a “conformidade do material utilizado na produção da caixa para acondicionamento e transporte dos hortofrutícolas, de acordo com o definido no Regulamento (CE) nº 1935/2004 do Parlamento e do Conselho de 27 de outubro, relativo aos tipos de papel e cartões permitidos a entrar em contacto com géneros alimentícios, conforme especificações definidas nos n.º 1 a 3 da cláusula 23.º do Caderno de Encargos”.

Por outro lado, apelando ao aspecto conceptual e semântico delimitamos “certificação” como a emissão, por uma entidade externa e independente (entidade certificadora), de um documento – denominado de certificado de conformidade - após verificação do cumprimento dos requisitos e procedimentos especificados numa determinada norma/referencial. Para o que aqui releva, “certificado” ou “certificação” têm em comum o facto de serem sempre emitidos/praticados por uma entidade externa, ou seja, o certificado constitui um documento emitido por uma determinada entidade dotada de poderes para o praticar, e a certificação traduz-se no acto de certificar, ou de atestar a exactidão de algo, realizado também por uma entidade externa.

A exigência de ser uma entidade externa prende-se com aspectos ligados à isenção e autonomia da entidade que vai atestar a existência de uma característica de outra entidade, concretizada num documento (certificado).

Com efeito, a A. alega que certificado é algo distinto de uma certificação, sendo que esta se traduz no “acto de certificar, de dar por certo” (cfr. artigo 27º da p.i.), defendendo que apresentou uma declaração que “dá por certo e certifica o cumprimento dos requisitos” (cfr. art.º 28.º da p.i.).

Ora, a A. refugiando-se na semântica negligenciou o óbvio, tanto o certificado como a certificação não são susceptíveis de serem atestados pelos beneficiários, mas sim por entidades dotadas de competências inerentes ao acto de certificar (certificação) ou à emissão do documento (certificado).

Tanto mais que o documento que a A. apresentou a este título, no âmbito deste procedimento, não se traduziu nem num certificado, nem numa certificação, mas tão-só numa declaração assinada pelo seu procurador (cfr. pontos E) e F) do probatório) a atestar que “(…) a empresa [SCom01...] Lda, apresenta o sistema de HACCP implementado, cumprindo assim com os requisitos legais estabelecidos pelo regulamento (CE) nº 852/2004 e que todo o processamento, embalamento, transporte e armazenamento de alimentos, cumpre os requisitos da certificação FSSC 22000. (…)”, ou seja, o que a A. apresentou foi uma autocertificação, desprovida da garantia e da isenção que as entidades externas asseguram.

Acresce que, como resulta do ponto H) do probatório, o júri do procedimento concursal após ter analisado a proposta da A., constatou ser necessário recorrer ao mecanismo estabelecido no artigo 72º do CCP, de modo a suprir a irregularidade formal detectada, consubstanciada na não apresentação da certificação exigida na alínea i) do ponto 9 do programa de concurso, pelo que informou a A. que o referido documento não tinha sido apresentado e estabeleceu o prazo de 1 dia para esta suprir a apontada irregularidade.

Contudo, a A. limitou-se a apresentar uma nova declaração de teor semelhante àquela que havia entregue aquando da apresentação da proposta, reiterando que “(…) a empresa [SCom01...] Lda, cumpre todos os requisitos de acordo com a certificação FSSC 22000 no que respeita ao processamento, embalamento, transporte e armazenamento de alimentos. (…)”.

É, pois, forçoso concluir, face ao exposto, que não errou o júri do procedimento concursal ao considerar que a omissão do documento exigido pela alínea i) do ponto 9 do programa de concurso consubstanciava um fundamento de exclusão da proposta apresentada pela A., nos termos da alínea c) do nº.1 do artigo 57º, da alínea a) do nº.2 do artigo 70º e das alíneas d) e o) do nº.2 do artigo 146º do CCP.

Em face de tudo quanto supra se expendeu, improcede o alegado no que respeita á invocada violação de lei.

Do vício de forma, por falta de fundamentação

A A. também imputa ao acto impugnado um vício de forma, por falta de fundamentação.

Sustenta, para tanto, que o relatório final não apresenta a fundamentação de facto e de direito, não sendo “(…) possível apreender as razões concretas que motivaram o júri do concurso a excluir a proposta da Autora (…)” porquanto “(…) não basta a justificação do sentido ato mas, antes disso, as razões de facto e de direito, os motivos que levam o seu autor a praticar aquele em ato em concreto (…)” (cfr. artºs 42.º, 43.º e 44.º da p.i.)

(…)

Vejamos.

(…)

Decorre da factualidade provada que 21.08.2023, o júri do procedimento concursal em apreço elaborou o relatório preliminar, no qual propôs a exclusão da proposta apresentada pela A., atento os seguintes motivos de exclusão “(…) de direito: Art.º 70.º, n.º 2, al. a) – Que não apresentam algum dos atributos ou algum dos termos ou condições, nos termos, respetivamente, do disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 57.º; De facto: O concorrente apenas apresentou uma declaração que refere que cumpre os requisitos, tal como já havia apresentado em sede de proposta, não apresentando a certificação FSSC 22000, conforme exigido (…)” [cfr. ponto J) do probatório].

Também ficou provado que, em 31.08.2023, o júri do procedimento elaborou o relatório final, no qual procedeu à análise da pronúncia efetuada pela A. em sede de audiência prévia e manteve o teor e as conclusões vertidas no relatório preliminar, alegando, designadamente, que a A. “(…) não cumpre os requisitos para a certificação, uma vez que não apresenta o certificado solicitado na alínea i) do ponto 9 do programa de concurso. O concorrente apenas apresentou uma declaração que refere que cumpre os requisitos, tal como já havida apresentado em sede de proposta, não apresentando a certificação FSSC 22000, conforme exigido. O programa de concurso é claro, quando solicita a certificação do processamento, embalamento, transporte e armazenamento de alimentos de acordo com a certificação FSSC 22000, se fosse solicitada apenas uma declaração, tal estaria explanado no programa de concurso. Aliás, recorreu o júri ao previsto no artigo 72.º do CCP (suprimento de irregularidades) precisamente porque a declaração não era suficiente, tendo o concorrente remetido novamente a declaração e não a certificação exigida. (…) Assim, nesta conformidade, o júri deliberou manter o teor, as conclusões e ordenação do relatório preliminar. (…)” [cfr. ponto L) do probatório].

Ora, da leitura dos relatórios elaborados pelo júri e supra referidos, em que assentou a impugnada decisão de exclusão da proposta da A., depreende-se qual o iter cognoscitivo valorativo que levou o júri a excluir aquela proposta e qual a concreta razão que está na base da tomada de decisão, não se vislumbrando que carecesse de uma maior concretização fática.

Assim, a fundamentação da decisão de exclusão que o júri do concurso delineou e que foi mais tarde o suporte da tomada de decisão final pela entidade adjudicante permitiu, assim, apreender as razões subjacentes a essa decisão e, bem assim, permitiu à A., de forma esclarecida e munida dos fundamentos da decisão, o efectivo recurso à via contenciosa como o demonstra a presente acção que a A. intentou e na qual vem atacada, precisamente, entre o mais, a validade do acto de exclusão, tendo como reporte os motivos que a suportaram, revelando a A. ter percebido, e bem, quais as razões da tomada de decisão - como, aliás, resulta da leitura dos artigos 20º, 21º, 46º e 66º da sua p.i.).

Destarte, a fundamentação revelou-se suficiente, uma vez que se demonstrou apta e bastante para permitir que um destinatário normal apreendesse o itinerário cognoscitivo e valorativo da decisão, revelou-se clara porque as razões invocadas pelo júri permitiram reconstruir o iter cognoscitivo-valorativo da decisão, revelou-se congruente, na medida em que a decisão do júri surgiu como conclusão lógica e necessária de tais razões; e contextual, uma vez que integra o próprio acto e dela é contemporânea.

Nesta medida, pelas razões acima expostas, mostra-se cumprido o dever de fundamentação plasmado nos artigos 152º e 153º do CPA e artigos 146º e 148º do CCP.

Improcede, por isso, a falta de fundamentação que a A. assaca ao acto impugnado.

Do vício de forma, por falta de audiência prévia

Alega a A. que não teve oportunidade de se pronunciar quanto a factos que motivaram a sua exclusão e que não constavam do relatório preliminar, designadamente “(…) por alegado não cumprimento de apresentação de um documento que garantisse o cumprimento de certos processos de tratamento não constante no caderno de encargos (…)”, invocando que a “(…) existência de fornecimento de bens processados (tal como as identificadas cenouras em palitos) é uma novidade para a Autora, que em momento algum tomou conhecimento que certos bens a fornecer necessitavam de ser descascados e cortados. E uma novidade em sede de decisão final, derradeira e com efeitos que afetam (talvez irremediavelmente) a posição da Autora (…)” (cfr. artigos 67º, 68º e 73º da p.i.).

(…)

Vejamos.

(…)

In casu, decorre da factualidade provada nos pontos J) e L) do probatório, que o júri propôs a exclusão da proposta apresentada pela A. por não integrar um documento, ou seja, por não ter apresentado a certificação do processamento, embalamento, transporte e armazenamento de alimentos de acordo com a certificação FSSC 22000, conforme exigido na alínea i) do ponto 9 do programa de procedimento.

Em sede de relatório final, o júri referiu, ainda, que não assistia razão à alegação da A. no que respeita à exclusão da proposta apresentada pela Contrainteressada, uma vez que “(…) o âmbito da certificação exigida tem aplicação a todos os bens a fornecer no presente procedimento, pois todos são objeto de embalamento e transporte, atividades enquadradas no âmbito da certificação exigida. Acresce, ainda e contrariamente ao alegado pela concorrente [SCom01...], Lda. que há bens a fornecer no presente concurso que são descascados e cortados (em palitos) embalados, como é o caso da cenoura, pois é condição de fornecimento que os bens têm que ser fornecidos prontos a consumir. (…)” [cfr. ponto L) do probatório].

Ora, como decorre do exposto, e contrariamente ao alegado pela A., o Réu não apresentou novos fundamentos para a exclusão da sua proposta, mas, tão-só, limitou-se a responder à pronúncia efetuada pela A., em sede de audiência prévia [cfr. ponto K) do probatório], que defendeu a exclusão da proposta apresentada pela Contrainteressada, em virtude do certificado por esta apresentado não corresponder aos bens/produtos em causa no procedimento em apreço.

Por outro lado, como vimos, no caso em apreço, o júri ao vir indicar nos relatórios, preliminar e final, que a proposta é excluída porque não integra um documento exigido na alínea i) do ponto 9 do programa de procedimento (cfr. pontos J) e L) do probatório), limita-se no relatório final a desenvolver o fundamento de exclusão, não alterando o teor do relatório preliminar, mas mantendo-o, não havendo, consequentemente, nos termos do citado nº, 2 do artigo 148º CCP, lugar a nova fase de audiência prévia.

Face ao supra exposto, improcede a invocada falta de audiência prévia (…)”.

15. Sintetizando a motivação de direito que se vem de transcrever, dir-se-á que o juízo de improcedência da presente ação mostra-se estribado no entendimento, por um lado, de que se revela aceitável e admissível a exigência de certificação FSSC 22000 contida nas peças concursais, não sendo a mesma passível de preenchimento com recurso a uma mera autodeclaração de conformidade subscrita pelos candidatos, como sucedeu in casu, mas, ao invés, um documento emitido por uma entidade externa com competência para tal certificação, e, por outro, de que a fundamentação da decisão de exclusão da proposta é manifestamente suficiente no sentido da sua conformação com o dever de fundamentação que se impunha neste caso, mais não se justificando a realização de nova audiência prévia, em virtude da situação descrita nos autos não se conter nos parâmetros plasmados na normação contida no nº. 2 do artigo 148º CCP.

16. A Recorrente não se conforma com o assim decidido, insistindo na tese veiculada em sede declarativa quanto aos vícios de violação de lei e de forma imputados ao ato de exclusão da proposta, mais inovando no sentido de que “(…) no momento da determinação dos critérios de seleção, não foram cumpridos os princípios fundamentais da contratação pública enunciados no artigo 18.º, n.º 1, da Diretiva 2014/24, e no art. 1.º-A, do CCP, tratando os operadores económicos de acordo com os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação, bem como atuando de maneira transparente e proporcionada, assim se garantindo, designadamente, que a organização do contrato não tem o intuito de reduzir artificialmente a concorrência ou de favorecer ou desfavorecer indevidamente determinados operadores económicos (…) desiderato [que] deve ser alcançado com a admissão da proposta da Requerente ou, com a repetição do procedimento retirando a exigência injustificada da certificação FSSC 22000 (…)”.

17. Mas, adiante-se, desde já, sem amparo de razão.

18. Efetivamente, cotejando a constelação argumentativa da sentença recorrida com a natureza do alegado pela Recorrente no âmbito do presente recurso jurisdicional, entendemos ser a conclusão de que a decisão judicial recorrida não merece o menor reparo, encontrando-se exuberantemente justificada.

19. Realmente, de harmonia com o artigo 9º, nº.1, alínea i), do Programa de Procedimento, a proposta devia ser constituída, de entre outros, com o seguinte documentos: “Certificação do processamento, embalamento, transporte e armazenamento de alimentos de acordo certificação FSSC 22000”.

20. Ora, é nosso entendimento que, em ordem a demonstrar que um concorrente possui a certificação FSSC 22000 num concurso que a exija para bens alimentares, é necessário, a par da declaração de conformidade contínua com os requisitos da FSSC 22000 assinada pelo responsável da empresa, a apresentação do respetivo certificado FSSC 22000.

21. Este certificado é emitido pelo organismo de certificação acreditado e deve estar dentro do prazo de validade.

22. O certificado deve especificar claramente o âmbito da certificação, incluindo os produtos, processos e locais cobertos, sendo crucial a correspondência ao aos requisitos do concurso.

23. O preenchimento do termo ou condição em análise não se basta, portanto, com a mera apresentação de uma declaração de conformidade com os requisitos da FSSC 22000 assinada pelo responsável da empresa, reclamando ainda a apresentação do respetivo certificado FSSC 2000.

24. O que se compreende perfeitamente, pois uma autodeclaração da empresa concorrente carece de validação externa, não oferecendo o mesmo nível de rigor e escrutínio e garantia da certificação FSSC 22000, que é emitida por um organismo terceiro acreditado, fornecendo uma verificação independente do cumprimento dos requisitos, envolvendo auditorias detalhadas, análises de processos e verificações sistemáticas.

25. Perante este enquadramento, há que olhar para o caso concreto e indagar se, à luz do que se vem de expor, há, ou não, lugar à exclusão da proposta da Recorrente.

26. A resposta é afirmativa, pelas razões que de seguida se indicam.

27. O probatório coligido nos autos mostra-nos que a Autora, aqui Recorrente, fez acompanhar a sua proposta, de entre outros, com o seguinte documento:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

28. Mostra-nos ainda que, na sequência da formulação de um pedido de esclarecimentos formulado pelo júri concursal a propósito da necessidade de apresentação do respetivo certificado de FSSC 22000, a Autora, aqui Recorrente, remeteu ao Júri do procedimento concursal em apreço o seguinte documento:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

29. Ora, da análise que se faz, e se tem que fazer, do teor destes dois documentos, não se pode deixar de concluir que se trata de duas autodeclarações assinadas pelo procurador e responsável da empresa concorrente, respetivamente, afirmando a conformidade contínua com os requisitos da FSSC 22000.

30. A atuação procedimental assim descrita, porém, “peca por defeito”, por falta de apresentação do respetivo certificado FSSC 22000.

31. De facto, como grassa à evidência do exposto no sobredito parágrafo 23), em ordem a demonstrar que um concorrente possui a certificação FSSC 22000 num concurso que a exija para bens alimentares, é necessário, a par da declaração de conformidade contínua com os requisitos da FSSC 22000 assinada pelo responsável da empresa, a apresentação do respectivo certificado FSSC 22000.

32. Deste modo, e à luz do enquadramento supra exposto, haverá que se entender que na situação trazida a juízo não foi observada a exigência contida no ponto 9º, nº.1, alínea h), do Programa do Concurso, no sentido da certificação do processamento, embalamento, transporte e armazenamento de alimentos de acordo certificação FSSC 22000.

33. Nos termos do artigo 70.º, n.º 2, alínea a), do CCP, as propostas que desrespeitam manifestamente o objeto do contrato a celebrar, ou que não apresentam algum dos atributos ou algum dos termos ou condições, nos termos, respetivamente, do disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 57.º;– como é o presente caso - devem ser excluídas.

34. Com reporte para a alínea a) do artigo 70.º n.º 2, refere-se no artigo 57.º n.º 1, b) e c) , que, entre outros documentos mencionados neste preceito, a proposta é constituída pelos “documentos que, em função do objeto do contrato a celebrar e dos aspetos da sua execução submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, contenham os atributos da proposta, de acordo com os quais o concorrente se dispõe a contratar” e, bem assim, pelos “documentos exigidos pelo programa do procedimento ou convite que contenham os termos ou condições relativos a aspetos da execução do contrato não submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, aos quais a entidade adjudicante pretende que o concorrente se vincule”.

35. Assim sendo, como é, considerando que a proposta apresentada pela Autora incumpre claramente a exigência de apresentação do certificado FSSC 22000 exigida pelo artigo 9º, nº.1, alínea i) do Programa de Procedimento, mostra-se violado tal diploma regulamentar, o que consubstancia motivo de exclusão da sua proposta por força da aplicação do disposto no nº. 1 do artigo 57º, da alínea a) do nº. 2 do artigo 70º e das alíneas d) e o) do nº.2 do artigo 146º, todos do CCP.

36. Por sua vez, e já com reporte para a invocada falta de fundamentação do ato impugnado, importa que se comece por sublinhar que a exigência legal e constitucional de fundamentação do ato administrativo visa, pois que os seus destinatários possam compreender o ato praticado e dele discordar, dando a conhecer o itinerário cognitivo e volitivo da Administração e permitindo a defesa do particular, oscilando o grau de exigência da fundamentação em função da natureza do ato administrativo em causa [cf. entre outros, o acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 10 de outubro de 2014, proc. n.º 01932/07.0BEPRT e o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 23 de outubro de 2014, proc. n.º 11329/14, publicados em www.dgsi.pt].

37. Todavia, haverá que salientar que a fundamentação não tem, por imposição legal, de ser exaustiva, bastando que dê a conhecer as razões factuais e de direito por que se decidiu no sentido adotado no ato e não num outro sentido possível.

38. Debruçando-nos sobre a situação sujeita, não sentimos hesitação em assumir que ato impugnado satisfaz plenamente a enunciada exigência de fundamentação.

39. Na verdade, não há que confundir o ato administrativo com a sua notificação, já que esta é apenas uma forma de o revelar ou exteriorizar ao interessado.

40. Por sua vez, é notório que o ato impugnado teve por base o Relatório Final elaborado pelo Júri Concursal, que considerou que “(…) Tal como já referido em sede de relatório preliminar, (…) o concorrente [SCom01...]. Lda, não cumpre os requisitos para a certificação, uma vez que não apresei o certificado solicitado na alínea i) do ponto 9º do programa de concurso. O concorrente apenas apresentou uma declaração que refere que cumpre os requisitos, tal como já apresentado em sede de proposta, não apresentando a certificação FSSC 22000, conforme exigido. O programa de concurso ê claro, quando solicita a certificação do processamento, embalamento, transporte e armazenamento de alimentos de acordo com certificação FSSC 2200. se fosse solicitada apenas uma declaração, tal estaria explanado no programa de concurso. Aliás. recorreu o júri ao previsto no artigo 72.° do CCP (suprimento de irregularidades) precisamente porque a declaração não era suficiente, tendo o concorrente remetido novamente a declaração e na certificação exigida. Relativamente à pronúncia referente ao concorrente [SCom02...] Lda, com indicação que a proposta deverá ser excluída, considerando que o certificado que junta não corresponde a bens/produtos em causa no presente procedimento e por esse motivo, tal como exposto supra, não poderá considerar-se em conformidade, considera o júri não assistir razão, uma vez que o âmbito certificação exigida tem aplicação a lodos os bens a fornecer no presente procedimento, pois todos os objeto de embalamento e transporte, atividades enquadradas no âmbito da certificação exigida. Acresce ainda, e contrariamente ao alegado pelo concorrente [SCom01...] Lda. que bens a fornecer no presente concurso que são descascados e cortados (em palitos} e embalados, que é o caso da cenoura, pois e condição de fornecimento que os bens têm que ser fornecidos prontos consumir. Assim, nesta conformidade, o júri deliberou manter o teor, as conclusões e ordenação do relatório preliminar.

7. Proposta de adjudicação

(…)

Concorrentes [SCom02...] LDA. 93.631,56 euros (...)”.-

41. Neste sentido, entendemos que a entidade decidente aceitou o Relatório Final, assim, absorvendo o respectivo conteúdo e fundamentação, desse modo, a convertendo em decisão própria.

42. Examinando a fundamentação per relationem em causa, resulta cristalino, desde logo, para que ora nos interessa, que decisão de exclusão da proposta da Autora, aqui Recorrente, emergiu da circunstância de esta não cumprir com a exigência contida na alínea i) do ponto 9º do programa de concurso, por falta de apresentação do respetivo certificado FSSC 22000.

43. Ou seja, o conteúdo dispositivo e o sentido decisório do ato de exclusão da proposta da Autora, e invocando os fundamentos por que o fez, ressalta perfeitamente percetível do acto em si mesmo, pelo que se deve concluir que foi dado cumprimento ao dever de fundamentação imposto pelos artigos 268.º, n.º 3, da CRP e 153º e 154º do CPA.

44. Acresce que é de considerar suficiente a fundamentação do acto quando o seu destinatário demonstra bem ter compreendido os motivos determinantes daquele, dos quais se limita a discordar.

45. Ora, que a Autora atingiu modelarmente a motivação do ato, aqui impugnado, demonstra-o a eficácia da sua defesa bem patente na petição inicial.

46. Só assim, na realidade, lhe foi possível decidir, optar, pela reação contenciosa ao conteúdo do ato impugnado, imputando-lhe as ilegalidades materiais e procedimentais que aqui constituíram a sua causa de pedir.

47. Do que resulta que, ainda que se considerasse que a fundamentação formal da deliberação impugnada não se apresenta de forma clara, suficiente e congruente, o certo é que o fim visado pela consagração daquele dever, se encontra manifestamente cumprido.

48. A mesma asserção é atingível no domínio da desconsideração do alegado vício de forma, por preterição de audiência prévia.

49. Realmente, deteta-se no tecido fáctico apurado nos autos a evidência da elaboração de dois Relatórios [Preliminar e Final] pelo Júri Concursal, sendo que, quanto ao relatório preliminar foi plenamente operado o princípio da participação dos particulares na tomada de decisão de Administração, na vertente da audiência prévia de interessados.

50. De facto, a Recorrente exerceu cabalmente o seu direto de resposta, tendo júri ponderou, ainda que forma sintética, os argumentos apresentados pela Recorrente em sede de audiência prévia, tal como se lhe impunha.

51. Já quanto ao Relatório Final não houve lugar à nova audiência prévia, o que bem se compreende e se justifica legalmente, já que esta apenas se impõe quando resulte uma alteração da ordenação das propostas constante do relatório preliminar, o júri procede a nova audiência prévia, o que não se verifica no caso em análise.

52. Assim, não tem a Autora, aqui Recorrente, razão quanto à censura que dirige ao acto impugnado, pois as garantias de defesa dadas pela participação dos interessados na formação das decisões ou deliberações que lhe dizem respeito, a que se refere o disposto no nº 5 do artº 267º, da Constituição, encontram-se asseguradas.

53. Não se descortina, portanto, qualquer necessidade de rever o julgamento do Tribunal a quo operado no domínio em análise, que se assim se mantém integralmente.

54. No demais invocado, saliente-se que não são aceitáveis as conclusões formuladas pela Recorrente no sentido de que “(…) no momento da determinação dos critérios de seleção, não foram cumpridos os princípios fundamentais da contratação pública enunciados no artigo 18.º, n.º 1, da Diretiva 2014/24, e no art. 1.º-A, do CCP, tratando os operadores económicos de acordo com os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação, bem como atuando de maneira transparente e proporcionada, assim se garantindo, designadamente, que a organização do contrato não tem o intuito de reduzir artificialmente a concorrência ou de favorecer ou desfavorecer indevidamente determinados operadores económicos (…) desiderato [que] deve ser alcançado com a admissão da proposta da Requerente ou, com a repetição do procedimento retirando a exigência injustificada da certificação FSSC 22000 (…)”.

55. Efetivamente, consubstanciando as referidas conclusões “questões novas”, apenas tratadas em sede de recurso, não tendo sido invocada nem tratada anteriormente, nunca as mesmas teriam a virtualidade de se mostrar procedentes.

56. Como se sumariou, entre muitos outros, no Acórdão deste T.C.A.N nº 613/17.1BEBRG, de 04.10.2017 “(…) A decisão proferida em 1ª instância não pode ser revista em recurso jurisdicional com fundamento em questão nova. Os recursos jurisdicionais destinam-se a rever as decisões proferidas pelo tribunal recorrido, não a decidir questões novas. Com efeito, os recursos são meios para obter o reexame das questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre. Assim, não pode em sede de recurso conhecer-se de questão nova, que não tenha sido objeto da sentença pois os recursos jurisdicionais destinam-se a reapreciar as decisões proferidas pelos tribunais inferiores e não a decidir questões novas, não colocadas a esses tribunais, ficando, assim, vedado ao Tribunal de recurso conhecer de questões que podiam e deviam ter sido suscitadas antes e o não foram (…)”.

57. No mesmo sentido, vejam-se os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 27.06.2012, recurso 218/12, de 25.01.2012, recurso 12/12, de 23.02.2012, recurso 1153/11, de 11.05.2011, recurso 4/11, de 1.07.2009, recurso 590/09, 04.12.2008, rec. 840/08, de 30.10.08, rec. 112/07, de 2.06.2004, recurso 47978 (Pleno), de 2911.1995, recurso 19369 e do Supremo Tribunal de Justiça, recurso 259/06.0TBMAC.E1.S1.

58. Assim sendo, constituindo a matéria que se vem de referir, inquestionavelmente, questões novas, nos termos acima caracterizados, não pode ser apreciada.

59. Deste modo, à luz do que ora se vem de expor, é mandatório concluir pela improcedência do[s] erro[s] de julgamento de direito imputado à decisão judicial recorrida.

60. Consequentemente, impõe-se negar provimento ao presente recurso jurisdicional, devendo ser mantida a sentença recorrida.

61. Ao que se proverá em sede de dispositivo.


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V – DISPOSITIVO


Nestes termos, acordam em conferência os Juízes da Subsecção de Contratos Públicos da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da CRP, em NEGAR PROVIMENTO ao recurso jurisdicional “sub judice”, e manter a sentença recorrida

Custas do recurso pela Recorrente.

Registe e Notifique-se.


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Porto, 13 de setembro de 2024




Ricardo de Oliveira e Sousa

Tiago Afonso Lopes de Miranda

Clara Ambrósio