Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 01722/17.2BELSB |
Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
Data do Acordão: | 10/25/2024 |
Tribunal: | TAF do Porto |
Relator: | ROGÉRIO PAULO DA COSTA MARTINS |
Descritores: | APOSENTAÇÃO; ARTIGOS 78º E 79.º NO ESTATUTO DA APOSENTAÇÃO; INCOMPATIBILIDADES REMUNERATÓRIAS; |
Sumário: | 1. As incompatibilidades a que se referem os artigos 78º e 79.º no Estatuto da Aposentação são incompatibilidades remuneratórias e não estatutárias, relativas ao estatuto pessoal do visado. 2. Sendo incompatibilidades remuneratórias só faz sentido que quando os aludidos preceitos de referem a “actividade profissional remunerada” e “remuneração” estejam a remeter para actividade profissional remunerada e remuneração pelo erário público.* * Sumário elaborado pelo relator (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
Votação: | Unanimidade |
Meio Processual: | Acção Administrativa Comum |
Decisão: | Conceder provimento ao recurso. |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: |
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Decisão Texto Integral: | EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: «AA» veio interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 27.02.2019, que julgou (totalmente) improcedente a acção administrativa que intentou contra a Caixa Geral de Aposentações para declaração de nulidade ou anulação do despacho que determina que está abrangido pelo regime de incompatibilidade previsto nos artigos 78.º, e 79.º, do Estatuto da Aposentação, bem como pelo regime de incompatibilidade previsto no artigo 9.º, da Lei 52-A/2005, de 10.10, bem como para anulação da dívida calculada pela Caixa Geral de Aposentações correspondente ao abono da pensão de aposentação e da subvenção mensal vitalícia por si recebida, no período entre Novembro de 2014 e Junho de 2016, e anulação do respectivo pedido de pagamento, consubstanciado na guia emitida pela Caixa Geral de Aposentações, e, finalmente, para condenação da Ré a dar sem efeito as guias emitidas, no valor, respectivamente, de 60.360€28 (sessenta mil, trezentos e sessenta euros e vinte e oito cêntimos) e no valor de 31.319€52 (trinta e um mil, trezentos e dezanove euros e cinquenta e dois cêntimos), e a abster-se da prática de qualquer acto no sentido da sua cobrança. A Recorrida contra-alegou defendendo a manutenção da decisão recorrida. O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer. * Cumpre decidir já que nada a tal obsta. * I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional: 1. Vem o RECORRENTE interpor recurso da decisão que julgou que “o ato impugnado não padece de qualquer vício tendo sido praticado no estrito respeito pela lei pelo que se impõe a improcedência de todos os pedidos formulados”. 2. Para o efeito, o considerou o tribunal recorrido que “resulta do n.º 3 do artigo 78.º do Estatuto da Aposentação que deverão ser consideradas abrangidas pelo conceito de exercício de funções públicas todos os tipos de atividades e de serviços, independentemente da sua duração, regularidade e forma de remuneração e que o exercício de funções na Assembleia Geral da Ordem dos Contabilistas Certificados – que é uma pessoa coletiva pública vocacionada para o exercício de funções de natureza pública – se compreende no âmbito da previsão do artigo 78.º.”, e ainda que “Por estar em causa, nos termos supra expostos, o exercício de funções públicas e não o exercício de funções privadas (realidades distintas) carece de sentido a invocação da violação do princípio da igualdade plasmado no artigo 13.° da CRP como fundamento de invalidade do ato impugnado.” 3. Não poderá concordar-se com a posição vertida na sentença recorrida, dado que se entende que o exercício de funções pelo RECORRENTE no cargo de Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Ordem dos Contabilistas Certificados não cabe no conceito de exercício de funções públicas remuneradas previsto no artigo 78.°, número 1., do Estatuto da Aposentação. 4. O RECORRENTE foi eleito, em 17 de outubro de 2014, Presidente da Mesa da Assembleia Geral da então designada Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas, para o triénio 2015-2017, por os mandatos terem a duração de três anos, nos termos do disposto no artigo 25.° número 1., na redação, à data em vigor, do Decreto-Lei n.° 452/99, de 5 de novembro, alterado pelo Decreto-Lei n.° 310/2009, de 26 de outubro. 5. No decurso do mandato do RECORRENTE, foi aprovada e entrou em vigor a Lei n.° 139/2015, de 7 de setembro, que transformou a Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas em Ordem dos Contabilistas Certificados e alterou o respetivo Estatuto, aprovado, como acima referido, pelo Decreto Lei n.° 452/99, de 5 de novembro, em conformidade com a Lei n.° 2/2013, de 10 de janeiro, que estabeleceu o regime jurídico da criação, organização e funcionamento das associações públicas profissionais. 6. Destaca-se que, nos termos do artigo 4.°, da citada Lei n.° 139/2015, em tudo o que não estiver regulado nessa Lei e no Estatuto da Ordem dos Contabilistas Certificados que consta do Anexo I à referenciada lei é aplicável o disposto na Lei n.° 2/2013, de 10 de janeiro, sendo subsidiariamente aplicável, com as necessárias adaptações: - “Às atribuições e ao exercício dos poderes públicos, o Código de Procedimento Administrativo e os princípios gerais de direito administrativo.” - “À sua organização interna, as normas e os princípios que regem as associações de direito privado”. (negrito e sublinhado nossos) 7. Acrescentando o número 2., do supracitado artigo 4.º, que: “Na falta de disposição especial, é aplicável o regime jurídico estabelecido na legislação civil ou comercial, conforme os casos.” (negrito e sublinhado nossos) 8. Resulta que a anterior Ordem dos Técnicos Oficias de Contas, atual Ordem dos Contabilistas Certificados, é uma associação pública profissional, com uma natureza eclética: regime misto de direito público e de direito privado ou “regime dualista”, que resulta do carácter híbrido destas entidades, simultaneamente de natureza associativa e com personalidade jurídica pública”, na expressão de Vital Moreira. 9. Ou como refere Jorge Bacelar Gouveia, in “As Associações Publicas Profissionais no Direito Português”: “as associações públicas profissionais ou ordens profissionais (nome por que são conhecidas e que, neste ensejo, identicamente usaremos) exatamente correspondem a uma das modalidades de associações publicas: são as que se integram na segunda destas três categorias de associações públicas: as de natureza privada” (sublinhado nosso). Acrescentando, na mesma publicação: “Associações públicas de natureza privada - conglomera-se numa única pessoa coletiva entidades que são privadas na sua raiz, mas em que sobressai a necessidade de concessão de uma natureza pública a fim de prosseguirem alguns poderes de autoridade.” (sublinhado nosso) 10. No plano Europeu, reforçando-se a prevalência da natureza privada das Associações Públicas Profissionais, o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, debruçando-se, num dos casos sobre a Ordem dos Advogados Holandesa e em outro sobre a Ordem dos Advogados Italiana, no Acórdão “Wouters” e no Acórdão “Arduino”, concluem pela consideração das Ordens profissionais como “associações de empresas”, na conceção que estas associações assumem no Tratado. 11. Com efeito, no Acórdão “Wouters”, o advogado-geral P. Léger questiona, porque impraticável, a possibilidade de, por qualquer via, dissociar os interesses públicos e privados que presidem simultaneamente à maior parte da regulamentação extraída pelas ordens profissionais, sendo aliás de presumir, licitamente, na sua perspetiva, que “ao celebrarem acordos entre si em condições normais, os operadores económicos privados estão a agir segundo os seus próprios interesses e não no interesse público”. 12. A este propósito merecem referência as palavras de Manuel Fontaine de Campus, que na publicação “Da natureza jurídica das ordens profissionais: associações públicas ou associações de empresas” refere: “(...) Assim, à luz do quadro jurídico-doutrinal português, e apesar da ausência de fronteiras rigorosamente definidas, parece que se pode afirmar que, quando esteja em jogo o uso de competências atribuídas por lei, tendo em vista a prossecução de fins de regulação do acesso e da prática profissional, estaremos perante o exercício de funções públicas, perante uma actuação de autoridade pública. Já se estiver em causa a actuação da associação no âmbito da sua capacidade civil geral, com os mesmos meios a que podem recorrer as pessoas privadas, tendo em vista a prossecução de funções de representação e defesa dos interesses profissionais, teremos que concluir que a mesma está a exercitar funções privadas (...) (...) Interessa-nos aqui, sobretudo, saber em que medida é que os actos das associações públicas podem ser considerados como actos que traduzam o exercício de funções públicas. É que, para efeitos da aplicação do direito comunitário da concorrência, como veremos, esta distinção é fundamental: se estiver em causa, em organizações do tipo da aqui escrutinada, um acto de autoridade pública, então o mesmo não estará submetido aos ditames do artigo 81.º, TCE; o contrário acontecerá se não estiver em causa um acto de autoridade pública. Da mesma forma a nível do direito interno: se estiver em causa o exercício de poderes públicos, o regime aplicável é o de direito público; caso contrário, aplica-se o direito privado (...) 13. A reforçar a natureza eclética da Ordem dos Contabilistas Certificados, será de referir-se, que a Ordem dos Contabilistas Certificados não tem financiamento público, nem qualquer receita que resulte do orçamento de Estado, dispondo apenas de rendimentos próprios, privados, constituídos pelas receitas, previstas expressamente no respetivo Estatuto, ou seja, o produto das taxas de inscrição e quotas dos seus membros, as taxas cobradas pela prestação de serviços, os rendimentos do respetivo património, o produto de heranças, legados e doações, o produto das multas, o produto de publicações, colóquios, congressos, e prestações de serviços, permanentes ou ocasionais, levadas a cabo pela Ordem, tudo como melhor resulta do disposto no artigo 7.º, do Estatuto da Ordem dos Contabilistas Certificados. 14. Sendo os membros dos seus órgãos sociais, incluindo o Presidente da Mesa da Assembleia Representativa, eleitos, por sufrágio universal e direto, pelos associados da respetiva Ordem, em assembleia eleitoral. 15. O artigo 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação vêm concretizar aquilo que ensina Simões Correia: “da situação de aposentação deriva, em princípio, a incapacidade para exercer funções públicas ou em certos organismos, quer se trate de funções que o subscritor já exercia antes da aposentação, quer de investidura em novas funções”. (negrito e sublinhado nossos) 16. Ora a ratio legis daquela norma é, inequivocamente, o de “evitar a duplicação de rendimentos a cargo do Estado relativamente ao mesmo beneficiário”. (negrito e sublinhado nossos) 17. De resto, saliente-se que os artigos 78.º e 79.º, do Estatuto da Aposentação, bem como o artigo 9.º, da Lei n.º 52-A/2005, de 10 de outubro, na redação que resulta do artigo 78.º, número 1., da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (que aprovou o orçamento de Estado para 2014), inserem-se num conjunto de medidas que visam a redução da despesa pública e a consolidação orçamental das contas públicas. 18. A ausência de financiamento público maioritário e de administração, direção ou controlo público são o critério fundamental para afastar, in casu, a aplicabilidade dos artigos 78.º e 79.º, do Estatuto da Aposentação e o artigo 9.º, da Lei n.º 52-A/2005, e 10 de outubro, como resulta de vários pareceres emitidos pela própria Caixa Geral de Aposentações, contendo esclarecimentos sobre o regime de incompatibilidades em matéria de exercício de funções públicas por aposentados ou equiparados. 19. Destacando-se a este propósito o que consta expressamente do parecer emitido pela Caixa Geral de Aposentações, a pedido do Governo Regional da Madeira e correspondente ao Ofício Circular n.° 2/2011, no qual expressamente se esclarece que “o novo regime de incompatibilidades constante dos artigos 78.° e 79.°, do Estatuto da Aposentação, com a redação dada pelo Decreto-Lei n.° 137/2010, de 28 de dezembro, aplica-se: (...) - A outras entidades, de natureza fundacional, associativa ou outra, que prossigam fins públicos com base em recursos patrimoniais também públicos” (sublinhado nosso) Acrescentando-se ainda, nesse mesmo parecer, a propósito deste regime de incompatibilidades do artigo 78.º e 79.º, do Estatuto da Aposentação: “O que é determinante – e suficiente – para despoletar a aplicação do regime é que os serviços sejam prestados total ou parcialmente, presencialmente ou à distância, pelo aposentado e que esses serviços tenham um custo para a entidade pública, considerando nestas apenas abrangidas, como anteriormente se referiu, “as que prossigam fins públicos com base em recursos patrimoniais também públicos”. (negrito e sublinhado nossos) 20. Como se referiu, o RECORRENTE exerceu as funções de Presidente da Mesa da Assembleia Representativa da Ordem dos Contabilistas Certificados, associação pública profissional que tem uma natureza eclética, tem poderes públicos delegados pelo Estado, no que respeita à regulamentação do acesso à profissão e à deontologia profissional, mas que, no que toca à sua organização, aos seus órgãos, e ao seu financiamento, tem natureza privada. 21. Ora, a douta sentença sob recurso, viola o artigo 4.º, da Lei n.º 139/2015, de 7 de setembro, que impõe que aqui se apliquem as normas e os princípios que regem as associações de direito privado e que, na falta de disposição especial, se aplique o regime jurídico estabelecido na legislação civil ou comercial, conforme os casos. 22. Acresce que, a Ordem dos Contabilistas Certificados não tem financiamento público, nem qualquer receita que resulte do orçamento de Estado. 23. A própria Lei das Associações Públicas Profissionais, Lei 2/2013 de 10 de janeiro, (aplicável supletivamente à Ordem dos Contabilistas Certificados, como resulta do disposto no artigo 4.º, número 1., da Lei 139/2015, de 7 de setembro) no seu artigo 10.º, consagra expressamente a autonomia orçamental e patrimonial, proibindo expressamente o Estado de financiar as associações públicas profissionais. 24. Do que decorre que a Ordem dos Contabilistas Certificados goza de autonomia patrimonial, financeira e orçamental que resulta, quer da citada Lei das Associações Públicas Profissionais, quer do próprio Estatuto da Ordem dos Contabilistas Certificados, ao afetar exclusivamente aos órgãos de tais Associações Públicas Profissionais, eleitos democraticamente pelos associados, a competência para as deliberações sobre a fixação das quotas. 25. Neste contexto, não havendo qualquer financiamento público à Ordem dos Contabilistas Certificados, nem quaisquer recursos patrimoniais públicos, nem qualquer controlo público das receitas ou das despesas, é óbvio que, no que a esta matéria respeita, não deixará dúvidas quanto à não aplicabilidade dos artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação à concreta situação do ora Recorrido. 26. Como, de resto, resulta da fundamentação do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 13 de dezembro de 2017, no Processo n.° 1456/16, onde se refere que: “(...) LXXI. No contexto do regime normativo em referência e dos fins pelo mesmo prosseguidos, ou dos interesses que com o mesmo se visam promover ou acautelar, apenas faz sentido o estabelecimento duma tal incompatibilidade quando a remuneração das funções exercidas seja feita com recurso a dinheiros públicos, já que do que falamos, ou o que está em causa, prende-se com realização de despesa pública, com o dispêndio de dinheiros provenientes de orçamentos públicos nos pagamentos de pensões/reformas a aposentados/reformados e das funções/tarefas ou atividades pelos mesmos desenvolvidas em acumulação para sujeitos ou entidades públicas. LXXII. Foi essa, aliás e como vimos supra, a motivação alegada pelo legislador no preâmbulo do aludido DL n.º 137/2010 justificadora da alteração do regime legal do «EA» nesta matéria, ou seja, a eliminação da possibilidade de acumulação de vencimentos públicos com pensões do sistema público de aposentação norteada pelas necessidades de redução da despesa pública e do reforço/aceleração da estratégia de consolidação orçamental.” (negrito e sublinhado nossos) 27. Ou, ainda, do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 18 de janeiro de 2018, no Processo n.° 0353/17 “(...) Mas, para além disso, exigia-se ainda para o preenchimento da previsão da incompatibilidade de funções por parte de aposentado/reformado que as mesmas sejam remuneradas, sendo que tal remuneração de funções carece de ser feita com dinheiros públicos para que opere uma tal incompatibilidade no estatuto daquele. 77. No contexto do regime normativo em referência e dos fins pelo mesmo prosseguidos, ou dos interesses que com o mesmo se visam promover ou acautelar, apenas faz sentido o estabelecimento duma tal incompatibilidade quando a remuneração das funções exercidas seja feita com recurso a dinheiros públicos, já que do que falamos, ou o que está em causa, prende-se com realização de despesa pública, com o dispêndio de dinheiros provenientes de orçamentos públicos nos pagamentos de pensões/reformas a aposentados/reformados e das funções/tarefas ou atividades pelos mesmos desenvolvidas em acumulação para sujeitos ou entidades públicas. 78. Foi essa, aliás e como vimos supra, a motivação alegada pelo legislador no preâmbulo do aludido DL n.º 137/2010 justificadora da alteração do regime legal do «EA» nesta matéria, ou seja, a eliminação da possibilidade de acumulação de vencimentos públicos com pensões do sistema público de aposentação norteada pelas necessidades de redução da despesa pública e do reforço/aceleração da estratégia de consolidação orçamental. (negrito e sublinhado nossos) 28. A interpretação efetuada do artigo 78.º e 79.º, do Estatuto da Aposentação e do artigo 9.º, da Lei n.º 52-A/2005, de 10 de outubro, que parece ser assumida na sentença sob recurso, no sentido de que o Presidente da Mesa da Assembleia Representativa da Ordem dos Contabilistas Certificados exerce funções públicas e que não pode cumular a sua pensão com qualquer compensação paga pela Ordem dos Contabilistas Certificados viola frontalmente o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, por falta de fundamento material diferenciador, que possa justificar racionalmente a diferença de tratamento relativamente à generalidade dos titulares de órgãos sociais das associações, designadamente privadas, que, tal como o ora RECORRENTE, exercem funções que não são públicas e cuja remuneração ou compensação não resulta de recursos patrimoniais públicos. 29. Com efeito, não havendo qualquer financiamento público à Ordem dos Contabilistas Certificados, nem quaisquer recursos patrimoniais públicos, nem qualquer controlo público das receitas ou das despesas, é óbvio que, no que a esta matéria respeita, não há, nem pode haver, qualquer distinção entre o regime das associações privadas e o regime das associações públicas profissionais, quanto à possibilidade de cumulação das despesas de representação ou outro género de remuneração consentida com o recebimento pelos aposentados de uma pensão ou de uma subvenção. 30. Pelo que, admitir-se um tratamento diferenciador entre os membros dos órgãos das associações privadas e os membros dos órgãos sociais das associações públicas profissionais, que, que, no que toca à sua organização, aos seus órgãos, e ao seu financiamento, tem natureza igualmente privada, como já profusamente se explanou, constitui uma flagrante afronta ao princípio constitucional consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, por implicar um tratamento distintivo e discriminatório entre duas realidades idênticas. Desigualdade essa que não se funda em qualquer fundamento razoável, objetivo ou racional. Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente revogando-se a decisão recorrida. * II –Matéria de facto. A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte: 1) Por despacho de 31 de Julho de 2009, proferido pela Direcção da Caixa Geral de Aposentações (delegação de poderes publicada no D.R., II Série, n° 50, de 11 de Março de 2008) foi reconhecido ao Autor o direito à aposentação, fixando-se o valor da pensão em 3 869€74 (fl. 131 do processo administrativo). 2) Por despacho de 1 de outubro de 2009, rectificado o cálculo, a pensão foi posteriormente fixada em 4 331€,85 (fl. 162 do processo administrativo). 3) Por despacho de 17 de Setembro de 2009, proferido pela Direcção da Caixa Geral de Aposentações – delegação de poderes publicada no DR, II Série, n° 50, de 11 de Março de 2008 – foi reconhecido ao Autor o direito a uma subvenção mensal vitalícia no valor de 3 052€14 (fl. 151 do processo administrativo). 4) Por ofício de 26 de Julho de 2011, a Caixa Geral de Aposentações, tendo em conta o regime entretanto aprovado de incompatibilidades em matéria de funções públicas ou cargos políticos por parte de titulares de subvenções mensais vitalícias (artigo 9° da Lei n° 52-A/2005, de 10 de Outubro, na redação introduzida pela Lei n° 55-A/2010, de 31 de Dezembro), solicitou ao Autor informação sobre, caso exercesse funções públicas ou cargos políticos, se optava pela suspensão do pagamento da subvenção e a suspensão da remuneração (fl. 180 do processo administrativo). 5) Em resposta, em 15 de Setembro de 2011, o Autor veio informar a Caixa Geral de Aposentações de que não se encontrava abrangido por qualquer situação legal que tornasse incompatível o recebimento da subvenção mensal vitalícia. Informou igualmente que não exercia quaisquer funções públicas ou cargos políticos remunerados (fl. 181 do processo administrativo). 6) Entretanto, a Caixa Geral de Aposentações tomou conhecimento de que o Autor desempenhava funções nos órgãos sociais da então Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas. 7) Por ofício de 21 de setembro de 2011, a Caixa Geral de Aposentações esclareceu o Autor de que os titulares dos órgãos sociais da referida ordem profissional desempenham funções públicas remuneradas quer para os efeitos do artigo 9°, n° 4 da Lei n° 52-A/2005, de 10 de Outubro, quer para os efeitos dos artigos 78° e 79° do Estatuto da Aposentação. Por esta razão, solicitou ao Autor informação sobre os montantes auferidos na qualidade de Presidente da Assembleia Geral da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas desde 1 de Janeiro de 2011, bem como informação sobre a respectiva natureza jurídica (remuneração, senhas de presença, ajudas de custo, etc.) (fl. 184 do processo administrativo). 8) Em 6 de Outubro de 2011, o Autor informou a Caixa Geral de Aposentações de que abdicara do vencimento como Presidente da Mesa da Assembleia Geral. Declarou assim optar pela manutenção do pagamento da subvenção mensal vitalícia e da pensão de aposentação (fls. 186 e 187 do processo administrativo). 9) Por ofício de 9 de Novembro de 2015, na sequência da alteração dos regimes legais de incompatibilidades, a Caixa Geral de Aposentações informou o Autor do seguinte: 1.Face ao regime de incompatibilidades previsto nos artigos 78° e 79° do Estatuto da Aposentação na redacção do DL 137/2010, de 28 de Dezembro, no ano de 2012, V. Exa, abdicou da remuneração que lhe competia pela agora Ordem dos Contabilistas Certificados, tendo optado pelo recebimento da pensão de aposentação desta Caixa. 2.Porém, a Lei n° 75-A/2014, de 30 de Setembro, deu nova redacção àquelas normas, dispondo agora que não é permitida a acumulação da pensão com quaisquer outros rendimentos ou contrapartida da actividade desenvolvida, nomeadamente ajudas de custo e despesas de representação, transporte e outros abonos de natureza compensatória. 3.Ora, o ofício da ordem a comunicar, em Janeiro de 2012, que tinha renunciado ao respectivo recebimento da remuneração, fazia referência ao recebimento de despesas de deslocações à sede da ordem, bem como de despesas de representação. 4.A ser assim, e continuando V. Exa a beneficiar de tais abonos, está a incorrer em contraordenação à lei, pelo menos a partir da data da investidura do actual mandato, razão por que peço se digne informar do que, sobre o assunto, tiver por conveniente”. (fl. 204 do processo administrativo). 10) Em 30 de Dezembro de 2015, o Autor respondeu à Caixa Geral de Aposentações da seguinte forma: não prestou quaisquer esclarecimentos sobre os valores que lhe foram pagos a título de despesas de representação e abonos de deslocação; limitou-se a “esclarecer” que o exercício do cargo de Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Ordem dos Contabilistas Certificados não é remunerado nos termos e para os efeitos dos artigos 78° e 79° do Estatuto da Aposentação (fls. 206 e 207 do processo administrativo). 11) Por ofício de 12 de fevereiro de 2016, dirigido à Ordem dos Contabilistas Certificados, a Caixa Geral de Aposentações informou que, para efeitos dos artigos 78° e 79° do Estatuto da Aposentação, relevam, entre outras, as despesas de representação e de ajudas de custo ou despesas de transporte, se o valor recebido a tal título estiver sujeito a incidência de contribuições para a segurança social. Por essa razão, relativamente ao Autor, a Caixa Geral de Aposentações voltou a solicitar o esclarecimento sobre os montantes que, a título de despesas de representação e de despesas de deslocação, foram pagas desde 1 de Novembro de 2014 (fl. 211 do processo administrativo). 12) Em 15 de Março de 2016, a Ordem dos Contabilistas Certificados veio informar a Caixa Geral de Aposentações de que o cargo de Presidente da Mesa da Assembleia Geral daquela Ordem não é remunerado, apenas tendo sido pagas ao interessado despesas de representação. Voltou a insistir que “não incidem sobre aqueles pagamentos, obrigatoriamente, quaisquer contribuições para a segurança social por os mesmos não poderem ser considerados remuneração nos termos dos artigos 78° e 79° do Estatuto da Aposentação”. Por fim, a Ordem dos Contabilistas Certificados informou que “desde novembro de 2014 e até dezembro de 2015 foram pagas despesas de representação e deslocação no montante global de 69 753,20 €” (fl. 215 do processo administrativo). 13) Por exposição de 13 de Julho de 2016, por ter assumido funções no Parlamento Europeu com efeitos a 28 de junho de 2016, o Autor solicitou a suspensão da pensão de aposentação, bem como da subvenção mensal vitalícia. O abono das referidas prestações encontra-se suspenso desde Julho de 2016 (fl. 216 do processo administrativo). 14) Por despacho de 17 de março de 2017 da Direcção da Caixa Geral de Aposentações foi decidido que o exercício do cargo desempenhado pelo Autor na Ordem dos Contabilistas Certificados está abrangido pelo regime de incompatibilidades de remuneração e pensão previsto, no que respeita à pensão, nos artigos 78° e 79° do Estatuto da Aposentação e, quanto à subvenção mensal vitalícia, no quadro da Lei n.° 52-A/2005, de 10 de Outubro (fl. 254 a 263 e 268 do processo administrativo). * III – Enquadramento jurídico. Este é o teor da decisão recorrida, na parte relevante. “(…) O art.° 78° do Estatuto da Aposentação, na redação que lhe foi conferida pela Lei n.° 75-A/2014, de 30 de setembro, tem como epígrafe “incompatibilidades” e é o seguinte o seu teor: 1. Os aposentados, reformados, reservistas fora de efetividade e equiparados não podem exercer atividade profissional remunerada para quaisquer serviços da administração central, regional e autárquica, empresas públicas, entidades públicas empresariais, entidades que integram o sector empresarial regional e municipal e demais pessoas coletivas públicas, exceto quando haja lei especial que o permita ou quando, por razões de interesse público excecional, sejam autorizados pelos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da Administração Pública. 2. Não podem exercer atividade profissional remunerada nos termos do número anterior: a) Os aposentados e reformados que se tenham aposentado ou reformado com fundamento em incapacidade; b) Os aposentados e reformados por força de aplicação da pena disciplinar de aposentação ou reforma compulsiva. 3. Consideram-se abrangidos pelo conceito de atividade profissional remunerada: a) Todos os tipos de funções e de serviços, independentemente da sua duração ou regularidade; b) Todas as formas de contrapartida, pecuniária ou em espécie, direta ou indireta, da atividade desenvolvida, nomeadamente todas as prestações que, total ou parcialmente, constituem base de incidência contributiva nos termos do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social; c) Todas as modalidades de contratos, independentemente da respetiva natureza, pública ou privada, laboral ou de aquisição de serviços. 4. A decisão de autorização do exercício de funções é precedida de proposta do membro do Governo que tenha o poder de direção, de superintendência, de tutela ou influência dominante sobre o serviço, entidade ou empresa onde as funções devam ser exercidas, e produz efeitos por um ano, exceto se fixar um prazo superior, em razão da natureza das funções. 5. [Revogado.] 6. [Revogado.] 7. Os termos a que deve obedecer a autorização de exercício de funções prevista no n.' 1 pelos aposentados com recurso a mecanismos legais de antecipação de aposentação são estabelecidos, atento o interesse público subjacente, por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da Administração Pública, sem prejuízo do disposto nos números anteriores. O art.º 79º do mesmo diploma legal refere-se à “cumulação de pensão e remuneração” nos seguintes termos: 1. No período que durar o exercício das funções públicas autorizadas, os aposentados, reformados, reservistas fora de efetividade e equiparados auferem a remuneração que está definida para as funções ou cargo que desempenham ou para o trabalho prestado, mantendo o direito à respetiva pensão, quando esta seja superior, e no montante correspondente à diferença entre aquela e esta. 2. As condições de cumulação de remunerações referidas no número anterior são reconhecidas no despacho de autorização previsto no n.' 1 do artigo anterior. 3. Cessado o exercício de funções públicas, o pagamento da pensão ou da remuneração de reserva ou equiparada, com valor atualizado nos termos gerais, é retomado. 4. O início e o termo do exercício de funções públicas são obrigatoriamente comunicados à Caixa Geral de Aposentações, I. P. (CGA, I. P.), pelos serviços, entidades ou empresas a que se refere o n.' 1 do artigo anterior no prazo máximo de 10 dias a contar dos mesmos, indicando igualmente o valor da remuneração a auferir, para que a CGA, I. P., possa suspender a pensão ou efetuar o pagamento do montante correspondente à diferença entre a remuneração e a pensão. 5. São ainda obrigatoriamente comunicadas as alterações de remuneração no âmbito do exercício das funções públicas. 6. O incumprimento pontual do dever de comunicação estabelecido nos números anteriores constitui o dirigente máximo do serviço, entidade ou empresa, pessoal e solidariamente responsável, juntamente com o aposentado, pelo reembolso à CGA, I. P., das importâncias que esta venha a abonar indevidamente em consequência daquela omissão. 7. Em caso de realização de estudos, pareceres, projetos ou outros trabalhos especializados, de cariz meramente esporádico ou pontual, por aposentados, reformados, reservistas fora de efetividade e equiparados, estes mantêm a respetiva pensão, recebendo ainda a prestação única correspondente ao trabalho realizado. Em suma, a partir de 1 de outubro de 2014 (data do inicio de vigência da Lei n.° 75-A/2014, de 30 de setembro) os aposentados deixaram de poder acumular a pensão de aposentação com quaisquer outros rendimentos, designadamente despesas de representação e abonos de natureza idêntica. Como se provou, o A. auferiu € 69 753,20, entre novembro de 2014 e dezembro de 2015, a título de despesas de representação e deslocação, na qualidade de Presidente da mesa da Assembleia Geral da Ordem Dos Contabilistas (cfr. factualidade vertida em 12) ). A Ordem dos Contabilistas é uma pessoa coletiva pública de natureza associativa. De acordo com o Estatuto da Ordem dos Contabilistas Certificados, aprovado pelo Decreto-Lei n° 452/99, de 5 de novembro, a OCC é uma pessoa coletiva de direito público representativa dos profissionais que exercem atividade profissional de contabilista certificado (artigo 1°). Por outro banda, a tutela administrativa sobre a Ordem cabe ao membro do Governo responsável pela área das finanças (artigo 8°). Tais aspetos reforçam a afirmação de está em causa o exercício de funções públicas. Com efeito, como se evidencia em Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da Republica de 25 de fevereiro de 1993 (PGRP00000466, publicado em www.dgsi.pt), “associações públicas, são, na definição de FREITAS DO AMARAL, "as pessoas coletivas públicas, de tipo associativo, criadas para assegurar a prossecução de interesses públicos determinados, pertencentes ao Estado ou a outra pessoa coletiva pública". Constituem entidades que a lei cria ou reconhece para assegurar a prossecução de interesses coletivos, às quais, para tanto, atribui poderes públicos, sujeitando-as, em correspondência, a algumas especiais restrições de carácter público - administração de interesses públicos (de interesses do Estado) que a entidade titular transfere através da devolução de poderes. Seguindo a lição de JORGE MIRANDA, pode definir-se o conceito numa fórmula sintética, dizendo que a associação pública é a associação submetida a um regime específico de direito administrativo, ou a "a pessoa colectiva de tipo corporacional constituída para a prossecução de interesses públicos e dotada dos necessários poderes jurídico-administrativos". Decompõe-se o conceito em três elementos: a natureza associativa - os associados são os destinatários da actividade administrativa; a prossecução de interesses públicos - seja de interesses públicos colectivos específicos, seja de interesses públicos primários e a inserção no âmbito da Administração - enquanto expressão de descentralização funcional. A revisão de 1982 constitucionalizou o conceito de associações públicas. Enunciando os princípios constitucionais relativos à estrutura organizatória da administração, o artigo 267°, n° 1, impõe que a Administração Pública seja estruturada de modo a evitar a burocratização, a aproximar os serviços das populações e a assegurar a participação dos interessados na sua gestão efectiva, designadamente por intermédio de associações públicas, organizações populares de base ou outras formas de representação democrática. As associações públicas só podem ser constituídas para a satisfação de necessidades específicas, não podem exercer funções próprias das associações sindicais e terão organização interna baseada no respeito dos direitos dos seus membros e na formação democrática dos seus órgãos - artigo 267°, n° 3. É, por outro lado, da exclusiva competência da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, legislar sobre associações públicas - artigo 168°, n° 1, alínea t), da Constituição. As associações públicas são, assim, constitucionalmente consideradas como formas de participação dos interessados na administração pública; integram-se na administração, participando da actividade administrativa. Através delas o Estado confere aos interessados certos poderes públicos, submetendo-as, consequentemente, a um regime de direito público - na criação, na conformação organizatória, no controlo de legalidade dos actos”. Como se explica no acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 17 de Junho de 2016, proferido no âmbito do processo nº 1287/11 BEPRT “ (...) O conceito de exercício de funções públicas é um conceito abrangente e que vai para além do conceito de função pública, considerado este como um conjunto de indivíduos que de forma subordinada e hierarquizada prestam o seu trabalho, como profissionais especializados, no desempenho de funções próprias e permanentes dos serviços e pessoas colectivas que integram a Administração Pública (Paulo Veiga e Moura, in, Função Pública, 1º vol. 2ª edição, pág.17). Função Pública tem a ver com emprego público e a forma desse exercício. É um conceito mais restrito em contraposição com o exercício de funções públicas, abrangendo este um maior número de situações. O exercício de funções públicas, por contraposição com funções privadas, encontra-se ligado aos fins prosseguidos com o que se denomina por administração pública em contraponto com a administração privada. Exercício de funções públicas diferencia-se, assim, pelos fins que prossegue e pelos meios que utiliza. O exercício de funções públicas tem como objectivo essencialmente promover a satisfação das necessidades colectivas e terá como finalidade a prossecução de um interesse público. O exercício de funções privadas incidirá maioritariamente sobre necessidades individuais, ou de um grupo, mas que não atingem a generalidade de uma colectividade. Estarão neste caso em causa interesses individuais.” E, como bem evidencia João Pacheco de Amorim (Novas e velhas questões sobre a natureza e o regime das Ordens Profissionais in Cadernos de Justiça Administrativa, n.° 129, Maio-Junho 2018, págs. 48 e 49) “atenta a summa divisio representada pela incontornável dicotomia pessoa coletiva pública/pessoa coletiva privada, não podem as tarefas competidas por lei às associações públicas enquanto entidades de natureza pública, deixar de ser públicas tout court, ou em sentido estrito (...) As Ordens profissionais (assim como as demais “associações” públicas) têm forma associativa, mas não natureza associativa, não lhes assistindo (não lhes podendo assistir) por isso, e em conclusão, quaisquer tarefas de representação e defesa de interesses próprios (económicos e socioprofissionais) dos respetivos “membros”. Isto, independentemente, das Ordens e especificamente a Ordem dos Contabilistas Certificados, não ter financiamento público nem qualquer receita que resulte do Orçamento do Estado (cfr. art.° 7° do Estatuto da Ordem dos Contabilistas Certificados e art.° 10° da Lei n.° 2/2013 de 10 de janeiro). Em suma, julgamos que resulta do n° 3 do artigo 78° do Estatuto da Aposentação que deverão ser consideradas abrangidas pelo conceito de exercício de funções públicas todos os tipos de atividade e de serviços, independentemente da sua duração, regularidade e forma de remuneração e que o exercício de funções na Assembleia Geral da Ordem dos Contabilistas Certificados - que é uma pessoa coletiva pública vocacionada para o exercício de funções de natureza pública - se compreende no âmbito da previsão do art.° 78°. Por estar em causa, nos termos supra expostos, o exercício de funções públicas e não o exercício de funções privadas (realidades distintas) carece de sentido a invocação da violação do princípio da igualdade plasmado no art.° 13° da CRP como fundamento de invalidade do ato impugnado. Carece também de sentido a invocação da violação do art.° 4° da Lei n.° 139/2015 de 7 de setembro (que aprova o Estatuto da Ordem dos Contabilistas Certificados) porquanto não está em causa a aplicação de direito supletivo. * A Lei n° 52-A/2005, de 10 de Outubro, alterou o regime relativo a pensões e subvenções dos titulares de cargos políticos e o regime remuneratório dos titulares de cargos executivos de autarquias locais, estabelecendo, designadamente, um limite às cumulações de pensões e remunerações auferidas pelos titulares de cargos políticos. Com efeito, nos termos do seu art.° 9°, n.° 1 “Nos casos em que os titulares de cargos políticos em exercício de funções se encontrem na condição de aposentados, pensionistas, reformados ou reservistas, independentemente do regime público ou privado que lhes seja aplicável, é-lhes mantida a pensão de aposentação, de reforma ou a remuneração na reserva, sendo-lhes abonada uma terça parte da remuneração base que competir a essas funções, ou, em alternativa, mantida a remuneração devida pelo exercício efetivo do cargo, acrescida de uma terça parte da pensão de aposentação, de reforma ou da remuneração na reserva que lhes seja devida. Tal limite era apenas aplicável aos titulares de cargos políticos identificados no art.° 10° do mesmo diploma legal (deputados à Assembleia da República, membros do Governo, Representantes da República, Provedor de Justiça, governadores e vice-governadores civis, eleitos locais em regime de tempo inteiro, deputados ao Parlamento Europeu e juízes do Tribunal Constitucional que não sejam magistrados de carreira). A Lei n° 83-C/2013, de 31 de dezembro alterou a Lei n° 52-A/2005, de 10 de outubro, designadamente em matéria de limites às cumulações, tendo conferido ao referido artigo 9° a seguinte redação: 1. O exercício de quaisquer funções políticas ou públicas remuneradas por pensionista ou equiparado ou beneficiário de subvenção mensal vitalícia determina a suspensão do pagamento da pensão ou prestação e da subvenção mensal vitalícia durante todo o período em que durar aquele exercício de funções. 2. O disposto no número anterior abrange, nomeadamente: a) O exercício dos cargos de Presidente da República, Presidente da Assembleia da República, membro do Governo, Deputado à Assembleia da República, juiz do Tribunal Constitucional, Provedor de Justiça, Representante da República, Deputado às Assembleias Legislativas das regiões autónomas, deputado ao Parlamento Europeu, embaixador, eleito local em regime de tempo inteiro, gestor público ou dirigente de instituto público autónomo. b) O exercício de funções a qualquer título em serviço da administração central, regional e autárquica, empresas públicas, entidades públicas empresariais, entidades que integrem o sector empresarial e demais pessoas públicas. c) As pensões da CGA, nomeadamente de aposentação e de reforma, as pensões do CNP, as remunerações de reserva, pré-aposentação e disponibilidade auferidas por profissionais fora da efetividade de serviço, bem como aos titulares de pensões pagas por entidades gestoras de fundos de pensões ou planos de pensões de institutos públicos, de entidades administrativas independentes e de entidades pertencentes aos setores empresariais do Estado, regional e local. 3. O pagamento da pensão, da remuneração de reserva ou equiparada e da subvenção vitalícia é retomado, depois de actualizadas aquelas prestações nos termos gerais, findo o período de suspensão. 4. (...) 5. (...) 6. (...) 7. (...) Ora, o âmbito de aplicação subjectivo do regime previsto no n° 1 do artigo 9° foi alargado já que deixa de estar limitado a “titulares de cargos políticos” passando a abranger todos aqueles que exercem quaisquer funções políticas ou públicas remuneradas. Passou, portanto, a prever-se a suspensão do pagamento da pensão ou prestação equiparada e da subvenção mensal vitalícia durante o período de duração do exercício de quaisquer funções políticas ou públicas remuneradas. Sendo que, para efeitos de aplicação do disposto no n° 1 do artigo 9° da Lei n° 52-A/2005, de 10 de Outubro, na redação atribuída Lei n.° 83-C/2013, de 31 de Dezembro, consideram-se abrangidas pelo conceito de atividade profissional remunerada todas as formas de contrapartida, pecuniária ou em espécie, direta ou indireta, da atividade desenvolvida, nomeadamente todas as prestações que, total ou parcialmente, constituem base de incidência contributiva nos termos do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social. Ora, como bem evidencia a R., in casu, o A., pelo exercício de funções na OCC foi remunerado quer através do pagamento de despesas de representação, quer através de um vencimento fixo pelo que, de acordo com o art.° 9°, n.° 1 da Lei n° 52-A/2005, de 10 de Outubro, ter-se-á de considerar que exerceu funções públicas remuneradas, o que deveria ter determinado suspensão do pagamento da subvenção mensal vitalícia. * Não foi preterida a audiência prévia do A., conforme exigido pelo art.° 121° do CPA. Com efeito, o A. teve oportunidade de se pronunciar sobre a decisão que impugna previamente a esta ter sido proferida, cujo sentido não o pode, legitimamente, ter surpreendido, conforme resulta da factualidade vertida em 5), 7), 9 e 10). Em todo o caso, tratando-se de ato de conteúdo estritamente vinculado, o seu conteúdo não poderia ser outro pelo que, ainda que se reconhecesse a preterição da audiência prévia, o efeito anulatório desse vício decorrente, não se produziria, nos termos do art.° 163°, n.° 5, al. a) do CPA. *Em suma, o ato impugnado não padece de qualquer vício tendo sido praticado no estrito respeito pela lei pelo que se impõe a improcedência de todos os pedidos formulados. (…)”. Não se pode manter a decisão recorrida essencialmente pelos fundamentos aduzidos nos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo citados pelo Recorrente e que aqui se dão por integralmente reproduzidos. O acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 13.12.2017, no processo n.º 1456/16 (sumário): “(...) LXXI. No contexto do regime normativo em referência e dos fins pelo mesmo prosseguidos, ou dos interesses que com o mesmo se visam promover ou acautelar, apenas faz sentido o estabelecimento duma tal incompatibilidade quando a remuneração das funções exercidas seja feita com recurso a dinheiros públicos, já que do que falamos, ou o que está em causa, prende-se com realização de despesa pública, com o dispêndio de dinheiros provenientes de orçamentos públicos nos pagamentos de pensões/reformas a aposentados/reformados e das funções/tarefas ou atividades pelos mesmos desenvolvidas em acumulação para sujeitos ou entidades públicas. LXXII. Foi essa, aliás e como vimos supra, a motivação alegada pelo legislador no preâmbulo do aludido DL n.º 137/2010 justificadora da alteração do regime legal do «EA» nesta matéria, ou seja, a eliminação da possibilidade de acumulação de vencimentos públicos com pensões do sistema público de aposentação norteada pelas necessidades de redução da despesa pública e do reforço/aceleração da estratégia de consolidação orçamental.” O acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 18.01.2018, no processo n.º 0353/17: “(...) 76. Mas, para além disso, exigia-se ainda para o preenchimento da previsão da incompatibilidade de funções por parte de aposentado/reformado que as mesmas sejam remuneradas, sendo que tal remuneração de funções carece de ser feita com dinheiros públicos para que opere uma tal incompatibilidade no estatuto daquele. 77. No contexto do regime normativo em referência e dos fins pelo mesmo prosseguidos, ou dos interesses que com o mesmo se visam promover ou acautelar, apenas faz sentido o estabelecimento duma tal incompatibilidade quando a remuneração das funções exercidas seja feita com recurso a dinheiros públicos, já que do que falamos, ou o que está em causa, prende-se com realização de despesa pública, com o dispêndio de dinheiros provenientes de orçamentos públicos nos pagamentos de pensões/reformas a aposentados/reformados e das funções/tarefas ou atividades pelos mesmos desenvolvidas em acumulação para sujeitos ou entidades públicas. 78. Foi essa, aliás e como vimos supra, a motivação alegada pelo legislador no preâmbulo do aludido DL n.º 137/2010 justificadora da alteração do regime legal do «EA» nesta matéria, ou seja, a eliminação da possibilidade de acumulação de vencimentos públicos com pensões do sistema público de aposentação norteada pelas necessidades de redução da despesa pública e do reforço/aceleração da estratégia de consolidação orçamental. (…). Inserindo-se as citadas normas dos artigos 78º e 79.º no Estatuto da Aposentação só podem ser normas relativas ao estatuto remuneratório e não ao estatuto profissional ou pessoal, só por si. As incompatibilidades a que se referem os preceitos são, portanto, incompatibilidades remuneratórias e não estatutárias, relativas ao estatuto pessoal do visado. Sendo incompatibilidades remuneratórias só faz sentido que quando os aludidos preceitos de referem a “actividade profissional remunerada” e “remuneração” estejam a remeter para actividade profissional remunerada e remuneração pelo erário público. O propósito do legislador foi disciplinar e reduzir a despesa pública evitando ao máximo a possibilidade de estar a receber por mais de uma via remunerações suportadas pelo erário publico. Não foi certamente intenção do legislador substituir as remunerações com erário público com as remunerações pagas com dinheiros privados. Nessa perspectiva, cabe razão ao Recorrente quando invoca a violação do princípio da igualdade plasmado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, na interpretação dada aos artigos 78.º e 79º do Estatuto da Aposentação, quer pelo acto impugnado quer pela sentença recorrida que o manteve na ordem jurídica. Não está em causa, ao contrário do afirmado na decisão recorrida, o exercício de funções públicas. Está em causa a acumulação de remunerações suportadas pelo erário público. Não existe por isso fundamento razoável e objectivo para impedir a cumulação do pagamento de despesas de representação ou outra remuneração a membros da Ordem dos Contabilistas Certificados com a pensão de aposentação ou com a subvenção pensão de aposentação e da subvenção mensal vitalícia, como era o caso do Autor, quando tal impedimento não existe em relação a membros de associações privadas. O que determina a procedência do recurso e, logo, da acção. A procedência da acção quanto ao pedido, alternativo, de anulação dos actos impugnados, dado não se verificar qualquer vício que determine a sua nulidade, dada a regra geral de invalidade dos actos – n.º1 do artigo 163º do Código de Procedimento Administrativo. A procedência total da acção, expurgado o pedido, alternativo, de declaração de nulidade do acto, porque apesar da improcedência do vício procedimental de falta de audiência prévia, com que o Recorrente se conformou, se verificam os vícios de violação de lei e de violação do princípio da igualdade que suportam, só por si, os pedidos de anulação e de condenação formulados. * IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO pelo que: 1. Revogam a decisão recorrida. 2. Julgam a acção totalmente procedente, condenando a Ré no que é pedido, nos termos supra expostos. Custas em ambas as instâncias pela Caixa Geral de Aposentações. * Porto, 25.10.2024 Rogério Martins Fernanda Brandão Isabel Costa |