Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:03537/10.0BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/29/2025
Tribunal:TAF do Porto
Relator:VIRGÍNIA ANDRADE
Descritores:IRS;
HERANÇA INDIVISA;
PARTILHA; MAIS-VALIAS;
Sumário:
I. Enquanto a herança se mantiver indivisa, cada herdeiro é titular de um direito a uma quota de uma massa de bens, que constitui um património autónomo e não um direito individual sobre cada um dos bens que a integram.

II. A alienação de quinhão hereditário não consubstancia uma alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRS.

III. Somente com a partilha da herança é que o direito a uma parte ideal de cada herdeiro se concretiza, tornando certos e determinados os bens que couberem ao herdeiro.

IV. Verificando-se a existência de mais-valias aquando da partilha e alienação dos bens herdados, ocorre nessa data o facto tributário sujeito a IRS ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRS.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1 – RELATÓRIO

«AA», contribuinte n.º ...11 e «BB», contribuinte n.º ...85, vêm interpor recurso jurisdicional da sentença proferida em 30.07.2020 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente a impugnação judicial por estes intentada contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares n.º ...32 e correspectivos juros compensatórios, referente ao ano de 2006, no montante de €8.429,76.

Os Recorrentes terminaram as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
“I. A douta sentença recorrida, refere na sua alínea F) que a petição inicial foi apresentada em 15 de Dezembro de 2010, mas tal não corresponde à verdade.
II. Na verdade, tal como consta do sistema SITAF, a presente petição for apresentada a juízo no dia 14 de Dezembro de 2010.
III. O que se comprova do recibo de entrega dessa petição e que se junta.
IV. Como tal, deve o facto dado como assente sob a alínea F) ser alterado para o seguinte teor:
A petição inicial da presente Impugnação foi apresentada em 14/12/2010
V. Em 09.03.1999 os Recorrentes venderam a «CC» o quinhão hereditário que o Recorrente marido possuía na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de sua mãe.
VI. Essa aquisição foi participada à Repartição de Finanças.
VII. Tendo sido liquidado o correspondente imposto de sisa, através do conhecimento 371, emitido em 8 de Março de 1999 pela Repartição de Finanças 1....
VIII. A partir desse momento, todos os direitos que caberiam ao Recorrente marido nessa herança foram transmitidos para o indicado «CC».
IX. Contudo, entende a decisão recorrida que o facto tributário ocorreu com a partilha da herança e subsequente alienação dos bens imóveis dela, celebrada em 04 de Outubro de 2006 e não com a alienação do quinhão hereditário, ocorrido em 09 de Março de 1999.
X. Na partilha referida na decisão recorrida os aqui Recorrentes não tiveram qualquer intervenção, não sendo nela outorgantes.
XI. Aliás, consta do teor da mesma que o Sr. «CC» era então o titular do quinhão hereditário do Recorrente marido.
XII. Donde, os Recorrentes não participaram nessa partilha.
XIII. Naturalmente que não tendo participado nessa partilha, os imóveis que pertenciam à herança nunca vieram à sua titularidade.
XIV. Como tal, os Recorrentes nada receberam por força ou na sequência da alienação desses imóveis em 2006.
XV. Na douta sentença não se deu como provado que os Recorrentes hajam recebido qualquer quantia por força dessa alienação dos imóveis da herança.
XVI. Logo, não podem ser os Recorrentes condenados a pagar IRS sobre um rendimento que não auferiram – nem podiam auferir – relativo a alienação de imóveis de que nunca foram proprietários.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente, deve ser revogada a sentença proferida.”
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Não foram apresentadas contra-alegações.

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A Exma. Procuradora-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

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Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos, cfr. artigo 657.º n.º 4 do Código de Processo Civil, submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.
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Objecto do recurso

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta do disposto no artigo 608.º n.º 2, artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º n.º 1, todos do Código de Processo Civil.
Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa tão só apreciar e decidir i) do erro de julgamento de facto ii) do erro de julgamento de direito.
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2 - Fundamentação
2.1. Matéria de Facto
O Tribunal a quo decidiu a matéria de facto da seguinte forma, que aqui se reproduz:
A) Em 09/03/1999 foi celebrada escritura de “Compra e Venda” com o seguinte teor:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)
B) Em 04/10/2006 foi celebrada escritura de “Partilha” com o seguinte teor:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

C) Foi realizada uma acção de inspecção aos Impugnantes, tendo sido elaborado, em 29/06/2010, Relatório com o seguinte teor:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

Fls 17 a24 do PA
D)Foi emitida a liquidação adicional de I.R.S. n.º ...32, relativa a 2006, e respectivos juros compensatórios, no montante total de € 8.429,76.
Fls 9 a 11.
E) A liquidação foi recebida pelos Impugnantes em 18/08/2010.
Acordo das partes (artigo 1.º da P.I. e artigo 4.º das alegações da Fazenda).
F) A petição inicial da presente Impugnação foi apresentada em 15/12/2010.
Fls 2
Factos não provados
O Tribunal não detectou a alegação de factos com relevo para a decisão, a dar como não provados.
Motivação da decisão da matéria de facto

O acervo de factos provados decorreu do exame do teor dos documentos constantes dos autos e do P.A., que não foram impugnados e da posição processual assumida pelas partes; conforme referido, em concreto, em cada uma das alíneas do probatório. “

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2.3 – O direito
Constitui objecto do presente recurso a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente a impugnação judicial intentada contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares n.º ...32 e correspectivos juros compensatórios, referente ao ano de 2006, no montante de €8.429,76.
Os Recorrentes, discordando da decisão recorrida que julgou improcedente a impugnação judicial, vêm invocar o erro de julgamento de facto, assim como o erro do julgamento de direito.

2.3.1. Do erro de julgamento de facto

Os Recorrentes vêm invocar o erro de julgamento de facto.
Para tal, vêm sustentar que o facto que consta do ponto F) da matéria de facto assente está incorrecto, defendendo que a petição inicial foi apresentada em 15.12.2010.
Vejamos.
Como decorre do disposto no artigo 662.º n.º 1 do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”
Com efeito, parafraseando António Abrantes Geraldes (in Recursos em processo civil, 7ª Edição actualizada, Almedina, pag. 333) “quando esteja em causa a impugnação de determinados factos cuja prova tenha sido sustentada em meios de prova submetidos a livre apreciação, a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência”
Nesta medida, verificados os pressupostos que decorrem do disposto no artigo 662.º do Código do Processo Civil, assiste a este Tribunal o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo Tribunal a quo, competindo-lhe reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de recurso, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre as questões controvertidas.
Retornando ao caso dos autos, cumpre então aferir se o Tribunal a quo errou por ter dado como assente que a petição inicial deu entrada no dia 15.12.2010 em vez do dia 14.12.2010.
Ora, como decorre de fls. 1 do SITAF, a data de apresentação da petição inicial é 14.12.2010, impondo-se assim conceder provimento ao alegado.
Pelo que, o ponto F) da matéria de facto assente passa a ter o seguinte teor:

F) A petição inicial da presente impugnação foi apresentada em 14.12.2010 – cfr. fls. 1 do SITAF.

2.3.2. Do erro de julgamento de direito

Os Serviços da Inspecção Tributária da Divisão de Inspecção II da Direcção de Finanças 2..., consideraram que estava sujeita a IRS a mais-valia decorrente da alienação do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o artigo 32 e o prédio rústico inscrito sob o artigo ...4, titulada pela escritura pública outorgada em 4.10.2006, pelo montante de €550.000,00.
O Tribunal a quo decidiu que “quando o Impugnante cedeu o seu quinhão hereditário, através da escritura de 09/03/1999, não realizou uma operação de alienação onerosa de qualquer direito real sobre imóvel; não estando eventuais ganhos resultantes da alienação do quinhão abrangidos pela incidência da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do C.I.R.S.”, pois considerou que “(…) só com a partilha, em 04/10/2006, é que o impetrante se tornou pleno titular dos direitos que por ela lhe couberem”, concluindo que o facto tributário ocorreu em 4.10.2006 e não em 1999.
Os Recorrentes, discordando do assim decidido, vêm invocar que tendo vendido o seu quinhão hereditário em 9.03.1999, o facto tributário ocorreu nessa data e não em 4.10.2006, data da partilha da herança e subsequente alienação dos bens imóveis.
Assim, cumpre apreciar e decidir do erro de julgamento de direito assacado pelos Recorrentes à decisão recorrida.
Vejamos.
O n.º 1 do artigo 2.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares dispunha à data dos factos que “O imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) incide sobre o valor anual dos rendimentos das categorias seguintes, mesmo quando provenientes de actos ilícitos, depois de efectuadas as correspondentes deduções e abatimentos: (…) Categoria G - Incrementos patrimoniais; (…)”
Acresce que, o artigo 9.º n.º 1 alínea a) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares determinava que “1 - Constituem incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias: a) As mais-valias, tal como definidas no artigo seguinte”, estabelecendo o n.º 1 do artigo 10.º do Código de IRS que “Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de: (…) a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (…)”, sendo que o n.º 3 do mesmo preceito legal prevê que “Os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos atos previstos no n.º 1, sem prejuízo do disposto nas alíneas seguintes: (…)”
Por último, decorria, do disposto no n.º 4 do mesmo preceito legal que “O ganho sujeito a IRS é constituído: a) Pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, sendo caso disso, nos casos previstos nas alíneas a), b) e c) do nº 1; (…)”
Acresce que, como estatui o artigo 2030.º nº 2 do Código Civil “Diz-se herdeiro o que sucede na totalidade ou numa quota do património do falecido e legatário o que sucede em bens ou valores determinados”
Ora, relativamente a esta questão, decidiu muito recentemente o STA em Acórdão de 12.02.2025, proc. n.º 082/19.1BELLE, referenciando o decidido de forma uniforme e reiterada pela Jurisprudência, pelo que o passamos a citar:
“Neste ponto, tal como aponta Inocêncio Galvão Telles, Direito das Sucessões, Noções Fundamentais, 6.ª Ed., Coimbra Editora, 1991, pág. 189, diga-se que “em resumo (...) herdeiro é o que sucede no “universum ius” do falecido ou numa quota desse “universum ius”, entendendo por este o património como unidade jurídica. Num caso ou noutro há sucessão universal. A diferença está em que no primeiro caso a universalidade fica a pertencer a um só herdeiro, ao passo que no segundo fica a pertencer a dois ou mais, e então cada um tem uma quota.”.
A partir daqui, só é possível a um herdeiro transmitir a sua quota parte na universalidade - universalidade que é o património uno e indiviso do de cujus, conjunto abstrato - enquanto se permanecer em tal indivisão, no sentido de que a alienação do quinhão hereditário só é possível até à partilha da herança, na medida em que, uma vez partilhada a herança (e sendo a partilha o acto pelo qual são adjudicados bens concretos da herança a cada herdeiro para preenchimento do respectivo quinhão) por definição deixa de existir quinhão hereditário, até porque, por efeito da partilha, os bens que tiverem vindo preencher o respectivo quinhão hereditário confundem-se, então, com o património pessoal do herdeiro.
Nestas condições, tendo presente o art. 2124º do C. Civil, o que o herdeiro transmite é o direito à herança, o “direito de quinhão hereditário”, que traduz uma quota-parte ideal da herança.
Na verdade, tal como refere Rabindranath Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, Vol. II, 2.ª Ed., Coimbra Editora, 1997, pág. 98, “Pela alienação de quinhão hereditário indiviso transfere-se para o adquirente o direito de quinhão em causa, que abrange, v. g., direitos de gestão (art. 2091º do CCiv), direitos à recepção de rendimentos (art. 2092.º, CCiv) e direitos de exigir a partilha e de composição da quota (art. 2101.º, CCiv).(...)”.
Com este pano de fundo, o Acórdão deste Supremo Tribunal de 25-11-2009, Proc. nº 0975/09, www.dgsi.pt concluiu que:
“I - Enquanto a herança se mantiver indivisa, cada herdeiro é titular de um direito a uma quota de uma massa de bens, que constitui um património autónomo e não um direito individual sobre cada um dos bens que a integram.
II - Assim, porque a alienação (…) de quinhão hereditário, mesmo que a herança seja apenas constituída por bens imóveis, não pode considerar-se “alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis”, não estão sujeitos a IRS os eventuais ganhos resultantes dessa alienação. (…)”
Com efeito, “(…) só com a partilha é que o herdeiro se torna pleno titular dos direitos (seja qual for a respectiva natureza) que por ela lhe couberem. E, ainda que a herança seja constituída por bens imóveis, só com a partilha passa a ser titular do direito de propriedade (singular ou em compropriedade) sobre eles e nessa qualidade a poder exercer os direitos correspondentes”.
Nesta sequência, importa também ter presente o Acórdão deste Supremo Tribunal de 28-01-2015, Proc. nº 0450/14, www.dgsi.pt, onde se ponderou que: “…
Como bem se refere na sentença recorrida é entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência, que “enquanto a herança se mantiver indivisa, cada herdeiro é titular de um direito a uma quota de uma massa de bens, que constitui um património autónomo e não um direito individual sobre cada um dos bens que a integram”. (Acórdão do STJ, de 07.05.2009 - Processo nº 08B3572 que aqui seguimos. Em sentido idêntico, entre outros, v. os Acórdãos da Relação do Porto, de 04.03.2002 - Processo nº 0151906 e da Relação de Lisboa, de 12.06.96 - Processo nº 1936 e de 26.11.96 - Processo nº 740.) Efectivamente só com a partilha é que o herdeiro é considerado sucessor único dos bens que lhe foram atribuídos cfr artigo 2119 do CC.
Embora cada um dos herdeiros tenha desde a abertura da sucessão direito a uma parte ideal da herança, é apenas com a partilha que esse direito se concretiza tornando certos e determinados os bens que couberem ao herdeiro
E só após a partilha é que o herdeiro se torna pleno titular dos direitos que por ela lhe couberem. E, ainda que a herança seja constituída por bens imóveis, só com a partilha passa a ser titular do direito de propriedade sobre eles e nessa qualidade a poder exercer os direitos correspondentes.
No caso dos autos, como se referiu, com a cessão foi transmitido o direito ao quinhão hereditário pelo que o que se transmite é, como se refere no Ac. do STJ de 09.02.2012 - Proc. 2752/07.8TBTVD.L1.S1, “um direito abstractamente considerado e idealmente definido, como expressão patrimonial ainda incerta e cujas demarcação e abrangência também se patenteiam inseguras”.
Não ocorreu, portanto, uma alienação de imóveis concretamente identificados, até porque só com a realização da partilha seria possível estabelecer a titularidade do direito de propriedade sobre tais imóveis. Como se referiu já no acórdão de 25 11 2009 do STA in processo 0975/09 citado na sentença sob recurso “Assumindo o cessionário a posição do herdeiro cedente a sua situação jurídica não é igual à do proprietário, o qual dispõe de direito pleno sobre o bem que pretende alienar, pelo que não estamos perante a “alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis” a que se refere o citado artº 10º do CIRS.
E face à clareza da norma da incidência - artigo 10 do CIRS al a) em causa, não há também que fazer apelo ao critério económico que o artigo 11/3 da LGT consagra, já que a tal subsidariedade só é de acorrer quando persistir dúvida sobre o sentido da norma de incidência a interpretar, o que, aqui, manifestamente, não ocorre. …”.
Por outro lado, o Acórdão deste Supremo Tribunal de 15-06-2016, Proc. nº 01863/13, www.dgsi.pt, dá nota que “… constituindo a herança indivisa uma universalidade relativamente à qual não houve ainda partilha de bens (art. 2119° do CCivil), estamos em presença de um «património autónomo» partilhado, em regime de comunhão (e não em compropriedade), pelos co-herdeiros, os quais não detêm qualquer direito próprio sobre cada bem individualizado que compõe a herança indivisa, sendo apenas seus titulares em comunhão. Na expressão do acórdão do STJ, de 21/4/2009, proc. n.º 635/09 «… até à partilha, os herdeiros são titulares, tão somente, do direito “a uma fracção ideal do conjunto, não podendo exigir que essa fracção seja integrada por determinados bens ou por uma quota em cada um dos elementos a partilhar (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Cód. Civil Anotado, Vol. III, 2ª ed, pág. 347-348, e Vol. VI, pág. 160, Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, Vol. II, 2ª ed, pág. 90-92, 99 e 126; Revista dos Tribunais, nº 84, pág. 196, nº 87, pág. 126 e nº 88, pág. 95)". Só depois da realização da partilha é que o herdeiro poderá ficar a ser proprietário ou comproprietário de determinado bem da herança. (…) A partilha “converte os vários direitos a uma simples quota (indeterminada) de um todo (determinado) em direito exclusivo de uma parcela determinada do todo” (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. VI, págs. 195 -196 e 203).» …”. (…)
Pois bem, a transmissão do quinhão hereditário da herança quando integrada por bens imóveis, como é o caso, é distinta da alienação do direito de propriedade que o proprietário ou o comproprietário detém sobre bens imóveis, o que significa que a situação em causa não se enquadra no citado preceito do CIRS, porquanto, in casu, não ocorreu uma transmissão onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, sendo que emerge do preceito em apreço que a norma de incidência tributária incide sobre a “alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis” e não sobre o direito ao quinhão hereditário, o que equivale a dizer que a sua alienação em causa não está sujeita a tributação em sede de mais-valias no âmbito do IRS, dado que, com a cessão de quinhão hereditário transmite-se um direito abstractamente considerado e idealmente definido e só com a realização da partilha é que se pode estabelecer a titularidade do direito de propriedade sobre tais bens imóveis.
Em suma, alienar um direito sobre um património autónomo (herança) não é a mesma coisa do que alienar um direito de propriedade ou afim sobre um mais imóveis, mesmo que a herança seja constituída apenas por imóveis e não estando a alienação de herança prevista na norma de incidência das transmissões de direitos sobre imóveis não é possível tributá-la em sede de categoria G em IRS por força do princípio da tipicidade da lei fiscal.
Diga-se ainda, tal como decidido, que se os efeitos da partilha retroagem à abertura da herança, sendo o herdeiro considerado o sucessor único dos bens que lhe foram atribuídos, significa que todos os demais - incluindo aqueles a que sucedeu (a qualquer título) e aqueles a quem não foram atribuídos os bens - não relevam em matéria de retroactividade da partilha, tendo em atenção a natureza do direito ao quinhão hereditário, enquanto “(…) um direito abstractamente considerado e idealmente definido, como expressão patrimonial ainda incerta e cujas demarcação e abrangência também se patenteiam inseguras” (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 9 de fevereiro de 2012 no processo n.º 2752/07.8TBTVD.L1.S1”, de modo que, assumindo o cessionário a posição do herdeiro cedente, a qual não corresponde, não se reconduz ou equivale à de proprietário, pois não dispõe nem passou a dispor de direito pleno sobre qualquer bem imóvel (o que se aferirá, sendo caso disso, em sede de futura partilha), evidencia-se que não ocorreu qualquer alienação de bens imóveis, não se verificando a situação prevista na alínea a) do número 1 do artigo 10.º do Código do IRS, pois que é apenas com a partilha da herança (a qual não é controvertido que não ocorreu) que o direito a uma parte ideal de cada herdeiro se concretiza, tornando certos e determinados os bens que couberem ao herdeiro, de modo que, resulta manifesto que não merece censura o exposto na decisão recorrida, situação que tem um verdadeiro efeito de implosão no que concerne ao presente recurso.” – fim de citação.
Posição esta consagrada pelo Pleno da Secção do CT, proc. n.º 033/24.1BALSB em Acórdão proferido em 29.04.2025.
Retornando ao caso dos autos e como decorre da factualidade assente, ponto A), em 9.03.1999 os aqui Recorrentes alienaram o quinhão hereditário que possuíam na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de seus pais.
Em 4.10.2006, foi celebrada escritura de partilha relativamente à herança referenciada no ponto A) da factualidade assente, tendo sido transmitido pelo montante de €550.000,00 o prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o artigo 32 e o prédio rústico inscrito sob o artigo ...4 – cfr. ponto B) do acervo probatório.
Ora, como é referenciado pelo Tribunal a quo “Assim, no caso em apreço, quando o Impugnante cedeu o seu quinhão hereditário, através da escritura de 09/03/1999, não realizou uma operação de alienação onerosa de qualquer direito real sobre imóvel; não estando eventuais ganhos resultantes da alienação do quinhão abrangidos pela incidência da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do C.I.R.S.
Efectivamente, só com a partilha, em 04/10/2006, é que o impetrante se tornou pleno titular dos direitos que por ela lhe couberem.
Repare-se que, mesmo que a herança fosse constituída por bens imóveis, só com a partilha passou o Impugnante a ser titular do direito de propriedade sobre eles e nessa qualidade a poder exercer os direitos correspondentes.” – fim de citação.
Nestes termos, a decisão recorrida não padece de qualquer erro de julgamento, pois, tendo a partilha e adjudicação do imóvel ocorrido em 04.10.2006, impõe-se concluir que somente nessa data ocorreu o facto tributário sujeito a IRS ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, negando-se provimento ao recurso.
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Nos termos do disposto no artigo 663.º nº 7 do Código de Processo Civil, elabora-se o seguinte SUMÁRIO:

I. Enquanto a herança se mantiver indivisa, cada herdeiro é titular de um direito a uma quota de uma massa de bens, que constitui um património autónomo e não um direito individual sobre cada um dos bens que a integram.
II. A alienação de quinhão hereditário não consubstancia uma alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRS.
III. Somente com a partilha da herança é que o direito a uma parte ideal de cada herdeiro se concretiza, tornando certos e determinados os bens que couberem ao herdeiro.
IV. Verificando-se a existência de mais-valias aquando da partilha e alienação dos bens herdados, ocorre nessa data o facto tributário sujeito a IRS ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRS.

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3 – Decisão

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal em negar provimento ao recurso, e, em consequência, manter a sentença recorrida.


Custas pelos Recorrentes, nos termos do disposto no artigo 6.º n.º 2, artigo 7.º n.º 2 e artigo 12.º n.º 2, todos do Regulamento das Custas Processuais e tabela I-B.

Porto, 29 de Maio de 2025

Virgínia Andrade
Rui Esteves
Serafim José da Silva Fernandes Carneiro