Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 01006/17.6BEBRG |
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Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
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Data do Acordão: | 12/15/2022 |
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Tribunal: | TAF de Braga |
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Relator: | Paulo Moura |
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Descritores: | INDÍCIOS DE FATURAÇÃO FALSA; ÓNUS DA AT. |
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Sumário: | Incumbe à Administração Tributária apresentar indícios sólidos e bastantes para desconsiderar que as operações comerciais tituladas nas faturas não correspondem a verdadeiras operações económicas. |
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Votação: | Unanimidade |
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Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: A FAZENDA PÚBLICA interpõe recurso da sentença que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por "A..., Lda" contra as liquidações adicionais de IVA e IRC do ano de 2014, respetivamente de € 124.230,22 e € 73.660,62, por entender que a sentença enferma de erro de julgamento de facto e de direito. Formula nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem: 1.ª) – Os factos provados 1) a 8) da douta Sentença, em especial os factos provados 5) a 7), com destaque para o RIT e as correções que dele resultaram, subsumidos ao direito, impunham decisão diversa da proferida; 2.ª) – Da matéria de facto provada e não provada não existe qualquer referência às relações comerciais, nem às faturas emitidas pelos fornecedores seguintes: “C..., Lda." (ponto III.3.1 do RIT); “F...., Unipessoal, Lda.” (ponto III.3.2 do RIT); “M...., Lda.” (ponto III.3.3 do RIT); “V..., Lda." (ponto III.3.4 do RIT); e "PP" (ponto III.3.5 do RIT); 3.ª) – A douta sentença de facto é totalmente omissiva quanto às relações comerciais entre a Impugnante e os fornecedores imediatamente acima identificados, em concreto, nada é dado como provado ou não provado quanto às eventuais aquisições de matéria-prima pela Impugnante aos supra identificados fornecedores, assim como nada é dado como provado ou não provado quanto ao tipo de matéria-prima, quais os preços envolvidos, quem rececionou e onde tal matéria-prima, e quem procedeu ao pagamento e de que forma (se foi em numerário, transferência bancária, cheque ou qualquer outro meio) – fornecedor a fornecedor, como se impunha; 4.ª) – Ao não ser dada como provada qualquer matéria de facto atinente com as relações comerciais estabelecidas entre a Impugnante e os supra identificados fornecedores – fornecedor a fornecedor –, tal circunstância só poderia ter sido valorada contra a própria Impugnante; 5.ª) – Conforme Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 30/06/2015, proferido no Processo: 63/13.9TBOLR.C1: “(...) à partida e como regra, todos os meios de prova têm idêntico valor, cometendo-se ao julgador a liberdade da sua valoração. Porém, não se entenda “liberdade de apreciação” como sinónimo de arbitrariedade, em que ao juiz se confira o poder de julgar os factos, como provados ou não provados, “pelo cheiro” ou por convicções/simpatias pessoais. Ao contrário, ela está sempre sujeita ao escrutínio da razão, das regras da lógica e da experiência que a vida vai proporcionando. O julgador deve obediência às regras probatórias plasmadas na lei e será em função delas e das regras da lógica e da experiência que irá formar a sua convicção sobre a realidade que se lhe depara.”; 6.ª) – Pelo Digno Magistrado do Ministério Público foi emitido douto parecer, pugnando pela improcedência da presente ação (cf. fls. 1005 a 1012 do SITAF), o qual responde cabalmente às questões decidendas nos autos, seja de facto, seja de direito, razão pela qual nada mais resta à Fazenda Pública do que dar por reproduzido o aludido douto parecer, para todos os devidos e legais efeitos; 7.ª) – Neste tipo de casos, não está em causa a formalidade dos documentos apresentados já que esta situação poderá/deverá ter sido devidamente acautelada pelos intervenientes, pois, como é sabido, pela própria natureza das operações (no âmbito da faturação falsa), os intervenientes tentam que a aparência documental seja o mais aproximada possível da que existe nas operações reais, por isso, não faltam no “universo das faturas falsas” os respetivos “contratos”, nem as faturas preenchidas com todos ou quase todos os elementos que a lei exige (art. 36.º do Código do IVA); 8.ª) – No mesmo contexto, muitas das vezes, emitem-se recibos, cheques, para que toda a “aparência” com as operações reais seja mantida e os objetivos visados não sejam defraudados; 9.ª) – Pela AT foram recolhidos indícios fortes de que os emitentes das faturas não dispunham de estrutura para realizar os serviços por elas titulados (e porventura, quaisquer outros), como o demonstra à saciedade o RIT, o qual, hic et nunc, se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos [cf. factos provados 5., 6. e 7. da Sentença recorrida]; 10.ª) – Pela Impugnante não foi apresentada qualquer evidência, além da prova documental (como sempre acontece em casos de faturação falsa), de que as transações comerciais com “C..., Lda." (ponto III.3.1 do RIT); “F...., Unipessoal, Lda.” (ponto III.3.2 do RIT); “M...., Lda.” (ponto III.3.3 do RIT); “V..., Lda." (ponto III.3.4 do RIT); e "PP" (ponto III.3.5 do RIT), tenham efetivamente ocorrido ou, pelo menos, acontecido como a Impugnante as descreve na PI; 11.ª) – O n.º 1 do art. 74.º da LGT consagra que o “ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”; estabelecendo o n.º 1 do art. 75.º da LGT que presumem-se “...verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal”; 12.ª) – A AT fez prova de que existem indícios sérios, consistentes, fundados de que está perante faturação falsa, recolhendo elementos que traduzam uma probabilidade elevada dos serviços referidos nas faturas em causa serem inexistentes [neste sentido: Acórdão do STA de 27/10/04, processo n.º 810/04, e Acórdão do TCA Norte de 28/02/2013, processo n.º 00383/08.4BEBRG]; 13.ª) – A Impugnante passa a ter o ónus da prova da veracidade das operações, não bastando que gere a dúvida, uma vez que, em caso de dúvida, esta será resolvida contra si, pois neste caso, o art. 100.º do CPPT, que prevê que “in dubio contra Fisco” não tem aplicação uma vez que não é a AT que está a afirmar a existência (e quantificação) de qualquer facto tributário [neste sentido: Acórdão do TCA Sul de 26/06/2014, processo n.º 07141/13 e Acórdãos do TCA Norte de 30/10/2014, processo n.º 00390/05.9BEBRG e de 12/10/2006, processo n.º 00300/04]; 14.ª) – Assim, existindo indícios sérios de faturacão falsa, o contribuinte, para conseguir ganho de causa, tem mesmo de provar, sem margem para dúvidas, que as transacções ocorreram; 15.ª) – A AT recolheu indícios fundados de que as faturas emitidas pelas sociedades “C..., Lda." (ponto III.3.1 do RIT); “F...., Unipessoal, Lda.” (ponto III.3.2 do RIT); “M...., Lda.” (ponto III.3.3 do RIT); “V..., Lda." (ponto III.3.4 do RIT); e "PP" (ponto III.3.5 do RIT) titulam operações simuladas [RIT, Capítulo III.3 sob a epígrafe aquisições não consideradas (factos provados 5., 6. e 7. da Sentença)]; 16.ª) – Verifica-se que a AT lançou mão de elementos obtidos junto das entidades emitentes (indícios externos) e recolheu também elementos junto da Impugnante (indícios internos) que, conjugados entre si, permitem concluir que existem indícios sólidos e objetivos de que as operações mencionadas nas faturas não correspondem a operações reais; 17.ª) – A AT cumpriu, assim, o seu ónus probatório, ilidindo a presunção de veracidade das declarações e da contabilidade da Impugnante; 18.ª) – Passa, então, a ter de ser a Impugnante a provar a veracidade das operações, o que, desde já se adianta, não conseguiu; 19.ª) – Face ao exposto, tendo a AT recolhido indícios fundados de que as faturas não titulam operações reais e não tendo a Impugnante demonstrado a realidade das mesmas, os respetivos custos não podem ser fiscalmente aceites, nos termos do art. 23.º do CIRC; 20.ª) – A Impugnante não conseguiu demonstrar que comprou a matéria-prima aos identificados fornecedores, rececionou e procedeu à pesagem da mercadoria nas suas instalações e, bem assim, realizou os pagamentos correspondentes às faturas que titulavam essa operação; 21.ª) – Conforme Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 25/01/2018, no Processo: 06744/13: “I – Quando a Administração Tributária desconsidera facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da LGT, competindo à Administração fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade. Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção. II – No que concerne à prova que compete à Administração, o que é imprescindível é que aquela a faça de factos suficientes indiciadores a que o Tribunal possa concluir, “em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência”, pela elevada probabilidade (ou até certeza) de que o negócio declarado por aquelas partes não corresponde à realidade materializada naquela factura”. III – Nesta tarefa, poderá a Administração Tributária lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios, pelo que tais indicadores de falsidade das facturas não têm necessariamente que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado.”; 22.ª) – E tudo sem descurar que, conforme jurisprudência reiterada das Instâncias Superiores o ónus de prova desses alegados custos recai sobre o contribuinte que se arrogue o direito à sua dedução (art. 23.º do CIRC); 23.ª) – Por tudo o quanto acima exposto, a Sentença em crise fez errada interpretação e aplicação dos artigos 19.º e 21.º do Código do IVA, bem como do art. 23.º do Código do IRC; 24.ª) – A AT logrou demonstrar indícios sérios, objetivos, sólidos e credíveis, na esfera da Impugnante, da falsidade das operações de fornecimento de matéria-prima junto dos fornecedores “C..., Lda." (ponto III.3.1 do RIT); “F...., Unipessoal, Lda.” (ponto III.3.2 do RIT); “M...., Lda.” (ponto III.3.3 do RIT); “V..., Lda." (ponto III.3.4 do RIT); e "PP" (ponto III.3.5 do RIT); 25.ª) – A Impugnante não logrou demonstrar a aquisição, receção, faturação e pagamento das operações sobre as quais recaem suspeitas de faturação falsa. NESTES TERMOS, nos melhores de direito e sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, DEVE ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a Sentença proferida em primeira instância e julgando-se a impugnação judicial totalmente improcedente. ASSIM SENDO, COMO É TIMBRE, SE FARÁ A CONSTANS, PERPETUA ET VERA JUSTITIA! A Impugnante apresentou as suas contra-alegações, tendo concluído da seguinte forma: I. A questão levantada pela Recorrente reside no suposto erro de julgamento quanto à matéria de facto e, ainda, em erro na aplicação do direito no que respeita à factual idade apurada, pois no seu entendimento, da prova produzida em julgamento não existe qualquer referência às relações comerciais, nem às faturas emitidas pelos fornecedores “C..., Lda." “F...., Unipessoal, Lda.””, “M...., Lda.”, “V..., Lda." e "PP". II. Contudo, atenta toda a prova documental e testemunhal produzida nos presentes autos, jamais se poderá concordar com o alegado pela Recorrente. III. Na verdade, é entendimento da Impugnante, aqui Recorrida, que da prova documental e testemunhal produzida nos presentes autos resulta todo o acervo factual dado como provado pelo Tribunal a quo, o que demonstra indubitavelmente que as faturas em crise plasmam relações comerciais verdadeiras. IV. Alega a Recorrente de que não resultam provados quaisquer factos relativos às relações comerciais encetadas entre a Impugnante e os fornecedores supra identificados, nomeadamente quanto às aquisições de matéria-prima e respetivo preço, receção nas instalações da Impugnante e método de pagamento. V. Na verdade, contrariamente ao alegado pela Recorrente, não se verifica qualquer omissão no elenco da factualidade provada quanto às relações comerciais em crise nos presentes autos. VI. Considerou o Tribunal a quo que “a convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto dada como provada resultou da análise dos documentos constantes dos autos e do Processo Administrativo (...), assim como, na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados, também são corroborados pelos documentos juntos (cfr. art.º 76 n.º 1 da LGT e art.º 362.º seguintes do CC), conforme discriminado nos vários pontos do probatório, bem como, da prova por declarações de parte e testemunhal produzida em sede de audiência de inquirição de testemunhas.” - Cfr. Motivação da decisão de facto da sentença em crise. (Sublinhado nosso) VII. Com efeito, tal como considera o Tribunal a quo, as declarações de parte prestadas por AA e BB, foram circunstanciadas, espontâneas e seguras, evidenciando um discurso fluído, objetivo e circunstanciado, explanando devidamente os moldes em que se processa a aquisição de matéria-prima necessária ao exercício da atividade societária, pesagem e posteriores trâmites de faturação e pagamento. VIII. Não se vislumbra, por isso, fundamento para valorar de modo diverso as declarações de parte prestadas em audiência e em estrita observância do princípio da oralidade e da imediação. IX. Por outro lado, no que respeita ao depoimento da testemunha CC, resulta evidenciado o conhecimento direto e efetivo acerca do tratamento contabilístico dos documentos de aquisição das matérias-primas e subsequentes trâmites, através de um depoimento seguro e credível. X. Destarte, andou bem o Tribunal a quo ao valorar de modo afirmativo a factualidade subjacente ao depoimento da mencionada testemunha, nomeadamente no que se refere à dinâmica societária de aquisição de matéria-prima e subsequente tramitação. XI. Sopesa ainda que a prova testemunhal e por declarações de parte produzida em audiência é consentânea com a prova documental junta aos presentes autos, não impugnada pela Recorrente que se revela como suficientemente concreta para identificar os bens comercializados, as quantidades comercializadas, o seu custo, o seu pagamento e, ainda, o seu transporte e entrada nas instalações da Recorrida. XII. Pelo que andou bem o Tribunal a quo ao considerar como provado os pontos 9 a 14 da fundamentação de facto da sentença em crise, e, nessa medida, inexiste qualquer erro na valoração da prova produzida nos presentes autos. XIII. Compulsadas as alegações de recurso da Recorrente, verifica a ora Recorrida que aquela vem alegar que cumpriu o seu ónus probatório, considerando que “os indícios recolhidos pela AT são sérios, consistentes e credíveis (...)”, pelo que incumbia à Impugnante, provar a veracidade das operações, o que, na perspetiva da Recorrente, a Recorrida não logrou conseguir. XIV. Porém, por referência à legislação substantiva aplicável e ainda à prova documental e testemunhal produzida nos presentes autos, andou bem o Tribunal a quo ao considerar que a Autoridade Tributária não logrou cumprir o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais da sua atuação, atento o disposto no n.º 1 do artigo 74.º da Lei Geral Tributária. XV. Tal como referido na douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, os indícios recolhidos pela Administração Tributária, em sede de procedimento inspetivo, não se revelaram suficientes para demonstrar os pressupostos substantivos da sua atuação, uma vez que, os indícios recolhidos pela Administração Fiscal reportam-se essencialmente às entidades emitentes das faturas, as quais se identificam perante a Impugnante como fornecedores de matéria-prima. XVI. Com efeito, do relatório em crise que sustenta as liquidações oficiosas impugnadas, não resulta a imputação direta de qualquer facto à Impugnante, aqui Recorrida, que indicie, sequer, a criação de uma realidade fiscal simulada. XVII. Acresce que com a prova produzida nos presentes autos, a Recorrida também demonstrou a veracidade de todas as operações em crise, ilidindo cabalmente todas as presunções que sustentam (parcamente) o relatório inspetivo que determinou as liquidações oficiosas em crise. XVIII. Sopesa ainda que a aqui Recorrida é alheia à atividade empresarial e faturação dos fornecedores em crise nos autos, o que não lhe pode ser imputado, porquanto que não decorre da sua ação ou omissão. XIX. Com efeito, os indícios relativos ao transporte da mercadoria e que a Autoridade Tributária pretende imputar à aqui Recorrida, são manifestamente insuficientes para o efeito de evidenciar que as transações comerciais não correspondem à realidade, porquanto que a Impugnante, ora Recorrida, é alheia ao transporte da matéria-prima para as suas Instalações. XX. A este respeito, evidencia o Tribunal a quo ainda que não é despiciendo lembrar que a inspeção tributária não efetuou uma única diligência junto dos proprietários das viaturas, no sentido de apurar se o transporte foi efetivamente efetuado pelos mesmos, diligências que se afiguravam relevantes para a descoberta da verdade material. XXI. Destarte, conclui-se que a ora Recorrente não recolheu indícios sérios e fortes que permitissem fundamentar a legalidade e validade das liquidações de IVA e IRC impugnadas nos presentes autos. XXII. Por sua vez, a Impugnante, ora Recorrida logrou provar, de modo inequívoco, a aquisição da matéria-prima, receção, pesagem, faturação e subsequente pagamento, por referência a cada uma das faturas emitidas pelos mencionados fornecedores, ilidindo qualquer presunção de falsidade das operações comerciais em crise que pudessem subsistir. XXIII. Tudo visto, andou bem o Tribunal a quo ao concluir pela procedência da ação e, em consequência, pela anulação das liquidações adicionais de IVA e IRC e respetivos juros compensatórios, relativamente ao ano de 2014, objeto dos presentes autos, pelo que deverá manter-se a decisão recorrida. ASSIM DECIDINDO, SENHORES JUIZES DESEMBARGADORES, CONFIRMANDO INTEGRALMENTE A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA, FARÃO VOSSAS EXCELÊNCIAS, UMA VEZ MAIS, INTEIRA E SÃ JUSTIÇA. O Ministério Público emitiu parecer no sentido de o recurso ser julgado improcedente, por entender que não foram recolhidos indícios suficientes sobre a ilegalidade das transações. Foram dispensados os vistos legais, nos termos do n.º 4 do artigo 657.º do Código de Processo Civil, com a concordância da Exma. Desembargadora Adjunta e do Exmo. Desembargador Adjunto, atenta a disponibilidade do processo na plataforma SITAF (Sistema de Informação dos Tribunais Administrativos e Fiscais). ** Delimitação do Objeto do Recurso – Questões a Decidir. As questões suscitadas pela Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respetivas conclusões [vide artigos 635.º, n.º 4 e 639.º CPC, ex vi alínea e) do artigo 2.º, e artigo 281.º do CPPT] são as de saber se a sentença enferma de erro de julgamento de facto e de direito, como seja saber se a Administração Tributária apresenta ou não indícios suficientes para desconsiderar as transações, por não corresponderem a verdadeiras operações económicas. ** Relativamente à matéria de facto, o tribunal, deu por assente o seguinte: IV – FACTOS PROVADOS Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, resultam provados os seguintes factos: 1) Com base na Ordem de Serviço n.º ...62, a sociedade Impugnante foi objeto de uma ação inspetiva de âmbito geral (IRC/IVA), que incidiu sobre o ano de 2014 - (cfr. relatório de inspeção tributária (RIT), de fls. 171 a 262 do Processo Administrativo (PA) apenso aos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido). 2) Em 14-02-2017, foi elaborado pelos serviços de inspeção tributária da Direção de Finanças ... (doravante SIT), o projeto de relatório de inspeção tributária identificada no ponto anterior, no qual foram propostas correções à matéria tributável de IRC no montante de € 475.270,80, por respeitarem a gastos não aceites para efeitos fiscais, motivado por registo de faturas de compras que não titulam operações reais, mais sendo considerado indevida a dedução de IVA aí compreendida, no montante total de € 115.507,53 – (cfr. projeto de relatório de inspeção tributária (PRIT), de fls. 4 a 156 do PA apenso aos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido). 3) O PRIT a que se alude no ponto anterior, foi remetido pelos SIT à sociedade Impugnante através do ofício n.º ...08, de 21-02-2017 – (cfr. fls. 2 e 3 do PA apenso aos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido). 4) A sociedade Impugnante exerceu o direito de audição ao PRIT a que se alude em 2) – (cfr. fls. 157 a 169 do PA apenso aos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido).; 5) Em 13-03-2017, foi elaborado pelos SIT, relatório de inspeção tributária (doravante, RIT), sancionado superiormente em 14-03-2017, onde se mantiveram as correções projetadas no PRIT a que se alude em 2), tendo sido fixada pelo Diretor de Finanças Adjunto da Direção de Finanças ..., a matéria coletável de IRC para o exercício de 2104, por avaliação direta, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo16.º do Código do IRC - (cfr. relatório de inspeção tributária (RIT), de fls. 263 do PA apenso aos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido). 6) O RIT referido no ponto antecedente deste probatório, foi remetido ao representante legal da ora Impugnante, através do ofício n.º ...61, de 16-03-2017, por carta registada com aviso de receção, que o recebeu em 17-03-2017 - (cfr. fls. 169 e 170 do PA apenso aos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido). 7) As correções referidas no ponto 5) deste probatório, resultaram da seguinte fundamentação inclusa no RIT, que dali se extrai e que, para o que ora interessa, consta o seguinte: “(…) [Imagem que aqui se dá por reproduzida] (…)” - (cfr. fls. 171 a 262 do PA apenso aos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido). 8) Na sequência da elaboração e correspondente notificação à ora Impugnante do teor do RIT referido nos pontos anteriores, foram emitidas as liquidações adicionais de IRC e IVA, e respetivos juros compensatórios, aqui objeto de impugnação, no montante global, respetivamente de € 73.660,62 e de € 124.230,22 - (cfr. pág. 1 da petição inicial; facto não controvertido). Mais se provou que, 9) A sociedade Impugnante partilha as instalações e os serviços com a sociedade “S...”, pertencente ao grupo da sociedade Impugnante. 10) Os fornecedores de madeira deslocam-se às instalações da sociedade Impugnante a oferecer matéria prima. 11) A sociedade Impugnante fixa aos fornecedores o preço de compra da matéria prima, que já inclui o seu transporte para as instalações da sociedade Impugnante. 12) A matéria-prima entregue nas instalações da sociedade Impugnante, é acompanhada por uma guia de remessa/guia de transporte, controlada à entrada e pesada em balança por trabalhadores da Impugnante, sendo emitido um talão de pesagem, saído automaticamente da balança, e entregue aos fornecedores para posterior faturação. 13) A fatura emitida pelo fornecedor, é arquivada na contabilidade, conjuntamente com a guia de transporte/guia de remessa e com os talões de pesagem respetivos, sendo lançados/registados contabilisticamente no programa informático por funcionários nas próprias instalações da Impugnante, posteriormente conferidos pela Contabilista Certificada. 14) O pagamento das faturas de aquisição da matéria prima é efetuado pela sociedade Impugnante, através de cheque ou transferência bancária, após a sua receção, em regra com um atraso de 15 ou 30 dias após o fornecimento e conforme ao talão de pesagem entregue aos fornecedores aquando do fornecimento. ** Factos não provados Inexistem factos não provados, com relevância para a decisão a proferir. ** Motivação da decisão de facto A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto dada como provada resultou da análise dos documentos constantes dos autos e do Processo Administrativo (que contém em anexo, e dele faz parte integrante, cópia do Processo Inspetivo), assim como, na parte dos factos alegados pelas partes que, não tendo sido impugnados, também são corroborados pelos documentos juntos (cfr. art.º 76.º n.º 1 da LGT e art.º 362.º e seguintes do CC), conforme discriminado nos vários pontos do probatório, bem como, da prova por declarações de parte e testemunhal produzida em sede de audiência de inquirição de testemunhas. No que concerne à prova por declarações de parte, prestaram depoimento AA e BB e, quanto à prova testemunhal, prestou depoimento a testemunha CC, Contabilista Certificada da sociedade Impugnante. Relativamente aos factos elencados nos pontos 9), 10), 11), 12) e 14), a convicção do Tribunal estribou-se nas declarações de parte de AA, sócio - gerente da sociedade Impugnante, e BB, responsável e gerente da Impugnante, cujas declarações, para além de espontâneas e seguras, revelaram-se bastante objetivas e circunstanciadas, evidenciando um conhecimento efetivo da dinâmica da atividade da empresa, quer ao nível da forma como a matéria prima é adquirida aos seus fornecedores, quer ao nível da forma como é selecionada, pesada, faturada e paga, quer, ainda, ao nível da transformação da matéria prima adquirida em “paletes” ou “madeira serrada”. As referidas declarações de parte revelaram-se, ademais, consentâneas com os demais elementos de índole documental que integram os autos, razão pela qual o Tribunal formou uma convicção positiva quanto aos factos provados e acima indicados. No que concerne ao facto elencado em 13), a convicção do Tribunal alicerçou-se nas declarações de parte de BB, conjugadas com o depoimento da testemunha CC, Contabilista Certificada da sociedade Impugnante, que depôs de forma segura e credível, demonstrando conhecimento direto e efetivo da forma como eram arquivados na contabilidade, os documentos de compras de matérias primas, bem como, a forma como os mesmos eram registados contabilisticamente. Não resultam provados ou não provados quaisquer outros factos com interesse para a decisão. ** Apreciação jurídica do recurso. Começa por referir a Recorrente, Fazenda Pública, que, indica os concretos pontos de facto que impunham decisão diversa, para além de que na matéria de facto provada e não provada não existe qualquer referência às relações comerciais, nem às faturas emitidas pelos fornecedores: “C..., Lda." (ponto III.3.1 do RIT); “F...., Unipessoal, Lda.” (ponto III.3.2 do RIT); “M...., Lda.” (ponto III.3.3 do RIT); “V..., Lda." (ponto III.3.4 do RIT); e "PP" (ponto III.3.5 do RIT). Mais alega que o Relatório de Inspeção Tributária (RIT), contém os elementos de prova que impunham decisão diversa, referindo que estavam indicadas matrículas de viaturas, como tendo transportado toneladas de madeira, quando tais viaturas não possuíam essa capacidade; que foram indicadas matrículas falsas e indicados semi-reboques, com matrículas sem proprietário à data dos factos, situações que evidenciam uma falsidade dos factos contabilizados pela Impugnante, inexistindo vício de falta de fundamentação. Alega, ainda, que a Impugnante não logrou, mesmo através dos depoimentos testemunhais, opor-se à prova da Administração Tributária e realizar a necessária e adequada contraprova sobre os mesmos factos (inveracidade da faturação), de modo a torná-los duvidosos. Considera a Fazenda Pública que foram recolhidos indícios fortes de que os emitentes das faturas não dispunham de estrutura para realizar os serviços nela titulados, como se demonstra no RIT, para além de que no Impugnante não apresentou qualquer evidência, além da prova documental de que as transações comerciais tenham efetivamente acontecido. Assim, existindo indícios sérios de faturação falsa, o contribuinte, para conseguir ganho de causa, tem mesmo de provar, sem margem para dúvidas, que as transações ocorreram; o que o contribuinte não fez, pois não conseguiu demonstrar que comprou a matéria prima aos identificados fornecedores, rececionou e procedeu à pesagem da mercadoria nas suas instalações e, bem assim, realizou os pagamentos correspondentes às faturas que titulavam essa operação. Concluiu que a AT cumpriu o seu ónus probatório, tendo recolhido indícios fundados de que as faturas de compras não titulam operações reais e não tendo a Impugnante demonstrado a realidade das mesmas, os respetivos custos não podem ser fiscalmente aceites, nos termos do art. 23.º do CIRC e que a Sentença recorrida fez errada interpretação e aplicação dos artigos 19.º e 21.º do Código do IVA e do artigo 23.º do Código do IRC. Contra-alega a Impugnante dizendo que, da prova documental e testemunhal produzida nos autos, demonstra que as faturas em crise plasmam relações comerciais verdadeiras e que não se verifica qualquer omissão no elenco da factualidade provada quanto às relações comerciais em causa, sendo pelas declarações de parte explicados os moldes em que se processa a aquisição de matéria-prima necessária ao exercício da atividade da sociedade, pesagem e posteriores trâmites de faturação e pagamento. Por outro lado, a testemunha inquirida, mostrou conhecimento direto e efetivo acerca do tratamento contabilístico dos documentos de aquisição das matérias-primas e subsequentes trâmites. Os referidos depoimentos são consentâneos com a prova documental junta aos autos e não impugnada pela Recorrente, que se revela como suficientemente concreta para identificar os bens e quantidades comercializadas, o seu custo, o seu pagamento e, ainda, o seu transporte e entradas nas instalações da Recorrida. Considera a Recorrida que andou bem o Tribunal, ao considerar como provados os pontos 9 a 14 da fundamentação da sentença, inexistindo qualquer erro na valoração da prova produzida, assim como por ter considerado que a Autoridade Tributária não logrou cumprir o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais da sua atuação, porquanto os indícios recolhidos não se revelaram suficientes para demonstrar os pressupostos da sua atuação, uma vez que se reportam essencialmente às entidades emitentes das faturas, as quais se identificam perante a Impugnante como fornecedores de matéria-prima. O Relatório de Inspeção, não imputa diretamente qualquer facto à Impugnante, que indicie, sequer, a criação de uma realidade fiscal simulada, sendo que da prova produzida, a Recorrida também demonstrou a veracidade de todas as operações em crise, ilidindo todas as presunções que sustentam o Relatório de Inspeção. Mais refere a Recorrida que, os indícios relativos ao transporte de mercadorias, são manifestamente insuficientes, para o efeito de evidenciar que as transações comerciais não correspondem à realidade, por a Impugnante ser alheia ao transporte da matéria-prima para as suas instalações, sendo que não foi realizada qualquer diligência junto dos proprietários das viaturas. Concluiu que a sentença deve manter-se. Antes de entrarmos na análise em concreto da situação, compete salientar como funciona o regime jurídico relativo às situações de faturação falsa. Assim, a Administração Tributária não precisa de demonstrar a falsidade das faturas, bastando-lhe evidenciar a consistência daquele juízo de falsidade, ou seja, que existem sérios e fundados indícios de que as faturas não titulam verdadeiras operações comerciais. A Administração Tributária pode socorrer-se de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios, pelo que tais indicadores de falsidade das faturas não têm necessariamente que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado. Sendo apresentados factos que demonstram a evidência desses indícios e que exprimam uma forte probabilidade de as operações tituladas nas faturas não corresponderem a operações económicas reais, resulta abalada a credibilidade da contabilidade do contribuinte, prevista no artigo 75.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária. Apresentados e fundamentados esses indícios, compete ao contribuinte demostrar que as operações económicas efetivamente ocorreram, na medida em que é o contribuinte quem se propõe exercer o direito à dedução de IVA, pelo que é sobre si que impende o ónus probatório de que o exercício desse direito satisfaz todas as exigências materiais e legais. Isto na decorrência do disposto no n.º 1 do artigo 74.º da Lei Geral Tributária, que estabelece que a prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. Assim, por força deste preceito, a Administração Tributária terá de demonstrar a ocorrência de factos de que deriva o direito à liquidação (os factos, pressupostos da sua existência, qualificação e quantificação do facto tributário) e o sujeito passivo terá o ónus de demonstrar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito. Segundo a jurisprudência, os indícios da factualidade inerente à faturação falsa podem ser apreciados conjuntamente. Acerca desta matéria existe inúmera jurisprudência, para a qual remetemos e que aqui deixamos alguns exemplos constantes da base de dados www.dgsi.pt. Acórdãos do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 16/11/2016, tirado no processo n.º 0600/15 e de 17/02/2016, proferido no processo n.º 0591/15, cuja parte do sumário deste último com interesse para a presente demanda transcrevemos: II - Para que a AT, ao abrigo do disposto no nº 3 do art. 19º do CIVA, obste à dedução do IVA mencionado em facturas existentes na escrita do contribuinte e relativamente às quais considera não se terem efectivamente realizado as operações nelas consubstanciadas, não tem de fazer prova da existência de acordo simulatório (existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros – cfr. art. 240º do CCivil) para satisfazer o ónus de prova que sobre si impende. III - Basta à AT provar a factualidade que a levou a não aceitar a respectiva dedução de imposto, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte, só então passando a competir ao contribuinte o ónus de prova do direito de que se arroga (o de exercer o direito à dedução do IVA) e que não é reconhecido pela AT, ou seja, o ónus de prova de que as operações se realizaram efectivamente e ocorrem os pressupostos de que depende o seu direito àquela dedução. Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte de 25/03/2021, tirado no processo n.º 00600/17.0BEPNF; e de 05/03/2020, proferido no processo n.º 00177/17.6BEPNF, cujo sumário deste último se transcreve: I. Estando em causa indícios de faturação falsa, a AT não tem que provar a falsidade das faturas, bastando-lhe demonstrar os indícios de falsidade e que estes são consistentes, sérios e reveladores de uma alta probabilidade de que as faturas são «falsas» para cumprir o seu encargo probatório. II. Feita esta prova indiciária, a lei faz cessar a presunção de veracidade creditada às declarações e contabilidade do contribuinte e devolve-lhe o encargo de provar a materialidade das operações subjacentes à faturação em crise. III. A prova a realizar pelo contribuinte tem que ser inequívoca, positiva, concludente e sem margem para qualquer dúvida da materialidade das operações faturadas. Tal prova deve, pois, ser concretizadora, em termos de tempo, espaço e valores envolvidos, no sentido da demonstração concreta de cada operação, esclarecendo a identidade do vendedor, a data da transação, os bens transacionados ou serviços prestados, o respetivo custo, etc. IV. A exigência da concretização dos pontos de facto incorretamente julgados, da especificação dos concretos meios probatórios convocados e da indicação da decisão a proferir, prevista nas alíneas a), b) e c) do nº1 do artigo 640.º, integra um ónus impugnatório primário, na medida em que tem por função delimitar o objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto, sendo que a respetiva inobservância impede que o Tribunal de 2.ª instância aprecie o julgamento de facto realização em 1.ª instância. Por sua vez, no que concerne ao IRC, veja-se, o Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 16/11/2016 no processo n.º 0600/15, do qual se destaca a seguinte passagem: «Para que a AT proceda à correcção do lucro tributável por desconsideração dos custos suportados por facturas existentes na escrita do contribuinte e relativamente às quais considera não se terem efectivamente realizado as operações nelas consubstanciadas, não tem de fazer prova da existência de acordo simulatório (existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros – cfr. art. 240.º do CC) para satisfazer o ónus de prova que sobre si impende. (…) Basta à AT provar a factualidade que a levou a não aceitar esses custos, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte, só então passando a competir ao contribuinte o ónus de prova do direito de que se arroga (o de exercer o direito de deduzir os custos ao lucro tributável) e que não é reconhecido pela AT, ou seja, o ónus de prova de que as operações se realizaram efectivamente e ocorrem os pressupostos de que depende o seu direito àquela dedução.». Portanto, tem sido entendimento da jurisprudência dos tribunais superiores, que a prova será meramente indiciária, bastando que a Autoridade Tributária demonstre, que existem «indícios de falsidade e que estes são consistentes, sérios e reveladores de uma alta probabilidade de que as faturas são “falsas”», com o que cumprirá o seu ónus probatório Os indícios podem ser definidos como aqueles factos que “permitem concluir pela verificação ou não verificação de outros factos, em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência” (cfr. Castro Mendes, in “O conceito de Prova em Processo Civil (1961) 176-186” citado por José Luís Saldanha Sanches, in “A Quantificação da Obrigação Tributária”, 2.ª edição, Lex, Lisboa 2000, p. 311). Em face deste enquadramento jurídico, analisemos então as alegações de recurso da Fazenda Pública, ora Recorrente. Começamos por referir, que a Sentença não logra dar como provado, que a mercadoria constante das faturas postas em crise, tenha sido fornecida à Impugnante. A Sentença limita-se a dar como provado o funcionamento geral da Impugnante, nos pontos 9) a 14) da matéria de facto. Ou seja, refere que partilha as instalações e os serviços da sociedade com a empresa «S...»; que são os fornecedores de madeira que se deslocam às instalações da Impugnante a oferecer matéria prima; que a Impugnante fixa aos fornecedores o preço de compra da matéria prima, que já inclui o seu transporte para as instalações da sociedade Impugnante; que a matéria-prima entregue nas instalações da sociedade Impugnante, é acompanhada por uma guia de remessa/guia de transporte, controlada à entrada e pesada em balança por trabalhadores da Impugnante, sendo emitido um talão de pesagem, saído automaticamente da balança, e entregue aos fornecedores para posterior faturação; que a fatura emitida pelo fornecedor, é arquivada na contabilidade, conjuntamente com a guia de transporte/guia de remessa e com os talões de pesagem respetivos, sendo lançados/registados contabilisticamente no programa informático por funcionários nas próprias instalações da Impugnante, posteriormente conferidos pela Contabilista Certificada; e que o pagamento das faturas de aquisição da matéria prima é efetuado pela Impugnante, através de cheque ou transferência bancária, após a sua receção, em regra com um atraso de 15 ou 30 dias após o fornecimento e conforme ao talão de pesagem entregue aos fornecedores aquando do fornecimento. O que a Sentença faz, é considerar que a Autoridade Tributária não logrou cumprir o seu ónus de apresentar indícios consistentes, em como as faturas colocadas em causa, não titulavam verdadeiras operações económicas, juízo esse com o qual a Recorrente não concorda, referindo que o Relatório de Inspeção contém fundamentação suficiente sobre os indícios de faturação falsa. Desta forma, a partir da página 50 até 57, a Sentença refere o seguinte: «Perscrutada a fundamentação constante do relatório de inspeção, constata-se que no ponto III, sob a epígrafe “Descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas à matéria coletável”, o relatório começa por descrever o setor da madeira, setor em que se insere a atividade da Impugnante, para, de seguida, descrever a fraude no setor. Posteriormente, descreve o processamento e a forma de contabilização das compras e dos pagamentos associados, e no ponto III.3, procede à elaboração exaustiva e através de quadros, para cada fornecedor cujas correções ao IVA e IRC foram efetuadas, das faturas das compras, quantidades, peso do produto, montantes, lançamento contabilístico, talões de pesagem, viaturas utilizadas no transporte, características e indicação dos proprietários, formas de pagamento, efetuando a confrontação de todos os dados obtidos para, com recurso a relatórios de inspeção tributária realizadas por outras Direções de Finanças aos respetivos fornecedores, formular as respetivas conclusões. Realçando o trabalho exaustivo, minucioso e aturado por parte da inspeção tributária, vejamos, então, se os elementos coligidos constituem indícios objetivos, sólidos e consistentes, que traduzam uma probabilidade elevada de que os documentos/faturas não titulam operações reais, de forma a ver legitimada a sua atuação. Relativamente às faturas emitidas pelo fornecedor “C..., Lda." (ponto III.3.1 do RIT), a inspeção tributária, depois de elaborar quadros respeitantes aos registos contabilísticos, aos talões de registo da entrada da madeira, das viaturas associadas ao transporte da madeira, pagamento e, descrição de parte do relatório de inspeção levado a cabo pela Direção de Finanças ..., concluiu pela existência de fortes indícios de que as faturas emitidas pelo fornecedor em análise, não titulavam operações reais, indícios que podemos sintetizar da seguinte forma: (i) duas faturas que não possuem anexados talões de entrada da mercadoria, e três faturas cujo peso da madeira diverge dos talões de entrada; (ii) um talão de entrada de mercadoria associado à fatura FTA – 64, foi emitido pela sociedade “S...”; (iii) as viaturas identificadas nos transportes das mercadorias não se encontram registadas em nome do fornecedor; (iv) teor do relatório de inspeção tributária efetuado pela Direção de Finanças ... ao fornecedor, onde consta que o fornecedor não possui qualquer estrutura empresarial, não foi conseguido qualquer contacto com o mesmo, não se conseguiu localizar a sede nem qualquer local de produção ou armazenamento, não se tendo apurado qualquer documento referente a aquisições de pinhas ou cortiça, não lhe conhecendo a propriedade ou exploração de qualquer pinhal de montado ou sobro. Relativamente às faturas emitidas pelo fornecedor “F...., Unipessoal, Lda.”, à data designada de “H..., Unipessoal, Lda.” (ponto III.3.2 do RIT), os indícios recolhidos pela inspeção tributária podem ser sintetizados da seguinte forma: (i) um talão de entrada de mercadoria associado à fatura ...19, foi emitido pela sociedade “S...”; (ii) divergências entre o total de kg faturados e os talões de entrada das mercadorias, sendo que em 5 faturas, o peso constante das faturas é menor do que o que consta nos talões de entrada, e, em quatro faturas, verifica-se o inverso; (iii) dois talões sem indicação da viatura do transporte, três talões com indicação de matrícula correspondente a viatura ligeira de passageiros (talões n.º ...58, ...73 e ...71), algumas matrículas que não correspondem a viaturas registadas e outras que não correspondem ao transportador; (iv) um pagamento através de cheque cuja conta não se conseguir identificar e alguns cheques levantados ao balcão por DD; (v) teor do relatório de inspeção tributária efetuado pela Direção de Finanças ... ao fornecedor, onde consta que apesar do valor dos cheques emitidos corresponderem ao montante faturado, muitos dos cheques foram levantados ao balcão, desconhecendo-se o destino dado a esse dinheiro, não possuindo estrutura empresarial adequada ao exercício de uma atividade, nomeadamente por não possuir instalações adequadas à atividade de comércio de madeira, não possuir viaturas adequadas ao transporte das mercadorias, não possuir meios humanos necessários às transmissões de mercadorias e prestações de serviços e os fornecedores serem considerados como emitentes de “faturação falsa”. Relativamente às faturas emitidas pelo fornecedor “M...., Lda.” (ponto III.3.3 do RIT), os indícios recolhidos pela inspeção tributária podem ser sintetizados da seguinte forma: (i) rasuras em alguns talões, onde o nome rasurado era a “S...”, rasura num talão, onde havia sido inscrito “PF" e inscrito à mão “madeira serra 2,55 mts”; (ii) o fornecedor e transportador inscritos nos talões de entrada era a “V..., Lda.", e não o fornecedor; (iii) divergências, em duas faturas, entre o total de kg faturados e os talões de entrada das mercadorias; (iv) três talões com indicação de viatura de transporte cuja matrícula correspondem a duas viaturas ligeiras de passageiros, e nenhuma viatura está registada em nome do fornecedor; (v) teor do relatório de inspeção tributária efetuado pela Direção de Finanças ... ao fornecedor, onde consta que na morada constante do cadastro da AT, não existe qualquer instalação. Relativamente às faturas emitidas pelo fornecedor “V..., Lda." (ponto III.3.4 do RIT), os indícios recolhidos pela inspeção tributária podem ser sintetizados da seguinte forma: (i) um talão emitido pela “S...”, divergência numa fatura entre o total de kg faturados e os talões de entrada das mercadorias (diferença de 30 kg num total de 207 toneladas); (ii) 4 talões com indicação de viaturas de transporte cujas matrículas correspondem a uma viatura ligeira de passageiros e uma viatura de mercadorias com peso máximo rebocável de 2800 kg; (iii) teor do relatório de inspeção tributária efetuado pela Direção de Finanças ... ao fornecedor, onde consta que em termos físicos, o fornecedor nunca esteve no local que indicou como sede, que as operações passivas internas estão associadas a sujeitos passivos não declarantes, alguns referenciados como emitentes de faturação falsa, e as operações passivas externas (aquisições intracomunitárias) estarem associadas a sujeitos passivos espanhóis sem estrutura adequada para o desenvolvimento da atividade. Relativamente às faturas emitidas pelo fornecedor "PP" (ponto III.3.5 do RIT), os indícios recolhidos pela inspeção tributária podem ser sintetizados da seguinte forma: (i) um talão de entrada rasurado; (ii) divergência numa fatura (184) entre o total de kg faturados e os talões de entrada das mercadorias (diferença de 44,54 toneladas num total 259,6 toneladas); (iii) nenhuma viatura de transporte encontra-se registada em nome do fornecedor, existindo algumas viaturas registadas em nome da sociedade “F...., Unipessoal, Lda.” e, as matrículas inscritas em três talões dizem respeito a viaturas ligeiras de passageiros; (iv) existência de cheques depositados em contas que se desconhecem os titulares e um pagamento sem documento comprovativo; (v) teor do relatório de inspeção tributária efetuado pela Direção de Finanças ... ao fornecedor, onde consta que não possui estrutura empresarial adequada ao exercício de uma atividade, nomeadamente por não serem conhecidas instalações adequadas à atividade, não possuir viaturas adequadas ao transporte das mercadorias, não possuir meios humanos necessários ao comércio das quantidades faturadas, não serem conhecidas quaisquer subcontratações, e, não serem conhecidos quaisquer fornecedores. Aqui chegados, e resumindo os indícios recolhidos pela inspeção tributária, verifica-se, em primeiro lugar, que são apontadas algumas irregularidades em relação à emissão de talões de pesagem/entrada de matéria prima, designadamente porque foram emitidos pela “S...”. A este propósito, convém referir que a Impugnante partilha as instalações e os serviços com a sociedade “S...” (cfr. ponto 9 do probatório), podendo, em casos raros, como é o dos autos, ocorrer algum lapso, até porque dada a numeração constante dos talões, são emitidos milhares por ano, não sendo relevante a existência de 5 talões em que o talão é emitido pela “S...”, sendo, do mesmo, irrelevante, a existência de algumas rasuras em alguns talões. Em segundo lugar, a existência de divergências, em algumas faturas, entre o total de kg faturados e os talões de entrada das mercadorias não constitui um indício forte, ou até, qualquer indício de que as operações constantes das faturas não são reais, porque, como demonstram os talões de pesagem, a matéria prima entrou nas instalações da Impugnante o que, por si só, demonstram e provam que subjacente à emissão da fatura, a Impugnante adquiriu efetivamente matéria prima, não sendo despiciendo frisar que em qualquer parte do relatório de inspeção é referido que as matérias primas não deram entrada na Impugnante. Em terceiro lugar, são apontadas irregularidades nos pagamentos, ou porque se desconhece o titular da conta onde foram depositados os cheques ou onde foram creditados os valores das transferências bancárias, ou porque os cheques foram imediatamente levantados ao balcão ou endossados a pessoas estranhas ao fornecedor. No entanto, em lado algum do relatório de inspeção é apontada alguma irregularidade à prática desenvolvida pela Impugnante, que sempre efetuou os pagamentos aos fornecedores, mantendo arquivados os documentos de suporte, sendo que todas as identificadas irregularidades ocorrem na esfera dos fornecedores, não tendo igualmente a inspeção tributária detetado qualquer envolvimento da Impugnante ou algum sócio gerente nas aludidas irregularidades. Por aqui, não se vislumbra que os indícios recolhidos e invocados sejam suficientes para qualificar as operações como não correspondendo a operações reais. Em quarto lugar, aponta a inspeção tributária irregularidades quanto às viaturas indicadas nos talões de pesagem/talões de entrada da matéria prima, sem nunca colocar em causa, repita-se, a efetiva entrada nas instalações da Impugnante. Ora, relativamente a este elenco de indícios, cumpre referir que o facto de os fornecedores não deterem a propriedade dos veículos que efetuaram o transporte, ou de nem terem realizado o transporte da mercadoria objeto de faturação, nada revela quanto à falsidade da operação, atendendo, desde logo, à sua possibilidade de realização por terceiros detentores de veículos adequados para o efeito e contratados para esse exato serviço de transporte, não sendo despiciendo lembrar que a inspeção tributária não efetuou uma única diligência junto dos proprietários dessas viaturas, no sentido de apurar se o transporte foi efetivamente efetuado pelos mesmos, diligências que se afiguravam relevantes para a descoberta da verdade material. Ademais, conforme resulta do probatório [pontos 10), 11) e 12)], são os fornecedores que se deslocam às instalações da Impugnante a oferecer matéria prima, sendo a Impugnante quem fixa o preço de compra, com o transporte incluído, e a matéria-prima é entregue nas instalações da Impugnante, acompanhada por uma guia de remessa/guia de transporte, controlada à entrada e pesada em balança por trabalhadores da Impugnante, sendo emitidos talões de pesagem, saídos automaticamente da balança e entregue aos fornecedores para posterior faturação. Ou seja, os alegados indícios são estranhos à sociedade Impugnante, já que o serviço de transporte corre por conta e risco do fornecedor, uma vez que o mesmo já está incluído no preço. Porém, tendo presente a forma como as matérias primas dão entrada nas instalações da Impugnante, não se percebe, nem a Impugnante justificou, a inscrição de matrículas correspondentes a viaturas ligeiras de passageiros ou viaturas que, embora sendo de transporte de mercadorias, não têm dimensão suficiente para transportar as toneladas constantes das faturas. No entanto, tratam-se de situações muito residuais, sem grande expressão na totalidade das transações comerciais efetuadas, sendo certo que analisados os mapas elaborados pela inspeção tributária, a quase totalidade dos transportes era efetuado por tratores de mercadorias. Face ao exposto, e embora as situações agora referidas pudessem constituir indício de operações simuladas, dado o se caráter residual e a pouca expressão em todo o contexto comercial, concluímos que, nesta parte, não foram recolhidos indícios suficientes para qualificar as operações com fictícias. Por último, socorre-se a inspeção tributária de diversos relatórios de inspeção efetuados por outras Direções de Finanças aos fornecedores acima identificados. No que concerne ao teor dos relatórios de inspeção efetuados aos fornecedores, embora tenham sido recolhidos indícios da prática de operações fictícias, era necessário confrontar essas conclusões com a situação específica do destinatário da fatura, ou seja, com a Impugnante, o que não foi feito. Na verdade, resulta do relatório de inspeção tributária que face à descrição dos indícios recolhidos relativamente a cada fornecedor, foi, sem mais, concluído que “existiam fortes indícios de que as faturas emitidas pelo fornecedor não titulavam operações reais”. Porém, ainda que resultasse provado que um determinado fornecedor emite faturas falsas, tal não significa necessariamente que o tenha feito de todas as vezes que emitiu uma fatura, com todos os seus clientes, já que os indícios recolhidos relativamente a um fornecedor, não podem ser usados de forma generalizada e indiscriminada sem a devida confirmação junto de quem recebe a fatura (neste sentido, vide Acórdão do TCA do Sul de 18-06-2015, proferido no processo n.º 07169/13). Dito de outro modo, a mera invocação dos elementos colhidos noutras inspeções efetuadas a fornecedores, e aos respetivos fornecedores, do contribuinte, que apontam no sentido de que emitem faturas falsas ou fictícias (indícios externos), não basta para afirmar a existência de faturação falsa do contribuinte inspecionado, se não forem acompanhados de elementos obtidos junto deste (indícios internos) que justifiquem esse juízo de descredibilização (cfr. Acórdão do TCA do Sul de 11-07-2019, proferido no processo n.º 647/09.0BELRA). Por outro lado, para que a inspeção tributária concluísse pela simulação das operações, seria necessário recolher indícios de que a Impugnante participou no esquema de fraude, ou pelo menos que devia saber que os emitentes das faturas não eram os verdadeiros fornecedores das mercadorias. No entanto, nenhuma diligência foi feita nesse sentido, nem sequer tal facto é invocado no relatório fundamentador, sendo certo que nunca foi colocada em causa a entrada efetiva das matérias primas nas instalações da Impugnante. Face a tudo o que acima se expôs, concluímos que a Administração Tributária não recolheu “indícios fortes e fundados” que legitimam a sua atuação no sentido de não aceitar a dedução do IVA e a dedução dos gastos em sede de IRC, mencionados nas faturas emitidas pelos fornecedores acima referidos e em causa nos autos, ou seja, não cumpriu com o ónus que sobre si impendia na fundamentação material das liquidações impugnadas, as quais estão, assim, inquinadas de ilegalidade, impondo-se, consequentemente, determinar a anulação das liquidações de IVA e de IRC aqui impugnadas.» (Fim de citação) Apreciando. Atento o julgamento realizado na sentença e o alegado pela Recorrente, compete apenas a este Tribunal de recurso apreciar se constam ou não do Relatório de Inspeção, indícios suficientes para se concluir que as faturas postas em causa, titulavam ou não verdadeiras transações comerciais. Antes de continuarmos, compete referir que a Impugnante também foi objeto de inspeção tributária ao ano de 2013, tendo a Autoridade Tributária elaborado Relatório de inspeção em tudo idêntico ao do ano de 2014, que é o que está aqui em causa. Ou seja, os fundamentos dos Relatórios são idênticos, assim como a respetiva fundamentação, pelo que o critério seguido foi o mesmo, tendo a AT concluído, também para aquele ano de 2013, que a Impugnante havia usado faturas falsas na sua contabilidade. Nessa sequência foram emitidas liquidações de IVA e IRC para o ano de 2003, que a contribuinte impugnou judicialmente no TAF de Braga, tendo dado origem ao processo n.º 403/07.0BECBR, o qual veio a ser julgado procedente em primeira instância. Inconformada com essa decisão, a Fazenda Pública recorreu para este Tribunal Central Administrativo Norte, o qual mediante Acórdão proferido em 3 de março de 2022, julgou esse recurso improcedente. Considerando que o método utilizado pela Inspeção Tributária foi o mesmo para concluir pela faturação falsa naquele processo, assim como neste processo, verifica-se que o que ali foi decidido serve, com as devidas adaptações, ao que aqui está em causa neste recurso. Assim, no processo n.º 403/07.0BECBR, o citado Acórdão concluiu que a Autoridade Tributária não logrou reunir indicadores suscetíveis de constituir a prova, em tribunal, do bem fundado da conclusão de inexistência dos factos tributários a que se reportam as faturas em apreço e, por conseguinte, da ilegalidade dos atos impugnados, julgando o recurso improcedente. Desta forma, concordando com o teor do Acórdão proferido no processo n.º 403/07.0BECBR, acolhemos aqui a sua doutrina, que passamos a adotar e a expor, por transcrição de páginas 55, 56 e 57 até à página 62: «Quanto ao emitente “V..., Lda." (pontoIII.3.4. do RIT) apurou-se que: (i) Da análise comparativa entre os valores constantes das faturas e dos talões anexados às faturas emitidas à "A..., Lda" constatou-se que o talão ...55 anexado à fatura ...44 foi emitido pela empresa “S...”, o talão ...37, que se encontra anexado à fatura ...85 identifica o fornecedor como sendo a empresa "BN"..., os restantes indicam como fornecedor a empresa “V..., Lda.", em todos os talões esta identificado como transportador a “V..., Lda." Lda , os Kgs constantes da factura nº...44, é superior à soma dos Kg incritos em todos os talões; ii) o proprietário da viatura de transporte à data da entrega da mercadoria não corresponde aos transportador indicado nos talões da entrada da mercadoria; de acordo com as suas características nunca poderiam ter sido algumas das viaturas identificadas a efetuar os transportes(ciclomotores de passageiros) , as restantes viaturas são tratores ou semirreboque; iii) , os pagamentos foram todos por transferência bancaria através de conta cujo titular é a empresa “"A..., Lda"”; iv) do teor do relatório de inspeção tributária elaborado pela Direção de Finanças ... ao emitente, datado de 2015.12.21, resulta que, o local da sede da “V..., Lda." corresponde a um centro de escritórios(,…)com base nos esclarecimentos e nos documentos remetidos (…) constatou-se que a “V..., Lda." em termos físicos nunca esteva no local que indicou como sede , os serviços faturados (…) consistiram exclusivamente na domiciliação de correspondência , não tendo sido formalizado qualquer contrato entre esta sociedade e a “V..., Lda."(…) Apesar das diligências efetuadas, não foi possível o contacto pessoal com os representantes legais da “V..., Lda." , nem o acesso aos documentos contabilístico da referida sociedade.(…) As operações passivas internas da “V..., Lda." encontram-se essencialmente associadas a sujeitos passivos não declarantes , estando alguns referenciados como emitentes de faturação falsa, as operações passivas externas (aquisições intracomunitárias), encontram-se associadas a sujeitos passivos espanhóis, sem estrutura adequada para o desenvolvimento da atividade (…) As operações ativas encontram-se associadas a sujeitos passivos declarantes em que a maioria exerce atividades ligadas ao setor madeireiro. Vindo a concluir a AT, que existem fortes indícios de que as facturas emitidas em 2013, pela “V..., Lda." à “"A..., Lda"” no valor de 30.833,16 EUR não titulam operações reais. (…) Volvendo in casu, tendo presente que a Recorrida beneficiava da presunção da verdade a que alude o artigo 75.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, quanto aos elementos inseridos na sua contabilidade, cabia à Administração Tributária, no âmbito da sua actividade fiscalizadora averiguar da sua conformidade com a verdade fiscal do sujeito passivo e, sendo caso disso, reunir os indicadores que, apesar do cumprimento formal dos seus deveres declarativos e de escrituração, não teria o direito à dedução a que se arroga com fundamento nos documentos que relevou na sua escrita. É, assim, essencial conhecer-se a motivação dos actos impugnados, de modo a que o tribunal a possa sindicar, uma vez que é à luz dessa fundamentação (tendo presente o teor do Relatório da Inspecção Tributária, uma vez que é neste que reside toda a factualidade que consubstancia a declaração fundamentadora dos actos de liquidação impugnados) que o tribunal ad quem tem de sindicar se a Administração Tributária demonstrou os pressupostos que legitimam a sua actuação. Como é sabido, as informações oficiais, em que se integra o Relatório de Inspecção Tributária (ao deante RIT) e respectivos anexos, fazem fé, quando devidamente fundamentadas (artigos 76º, nº 1 da LGT e 115º, nº 2 do CPPT). Da leitura do RIT, não podemos deixar de notar que a fiscalização balizou logo a sua actividade, antecipando, assim, a sorte da acção inspectiva, como estando dirigida a um “setor de atividade, onde se encontram sujeitos passivos (empresas e indivíduos) que, para efeitos legais, exercem normalmente a sua atividade, apesar de ao longo da análise iremos encontrar diversos fatores que indiciam a pratica de atos ilícitos e criminais … Os sujeitos passivos referidos em b. e c. surgem como agentes principais desta fraude ao se recusarem emitir fatura, liquidar iva e declarar proveitos … é nesta situação que vamos encontrar a empresa “"A..., Lda"” ( cfr pag 7 a 9 do RIT a fls 82 e ss do PA apenso). De seguida, os Serviços Inspectivos, partindo das conclusões extraídas noutras inspecções, no âmbito das quais resultaram indícios de que determinados parceiros comerciais da Recorrida (fornecedores supra identificados) são emitentes de “facturas falsas” e no âmbito das quais se concluiu pela inexistência de actividade susceptível de suportar as alegadas aquisições efectuadas pela Recorrida, curaram identificar as facturas emitidas pelos mesmos, cuja relevação contabilística desconsideraram. Como se escreve nos Acórdãos deste TCAN de 17.09.2015, e 26.04.2018, lavrados nos processos 0799/05BEVIS e 01762/11BEPRT, “deparamo-nos com uma metodologia de “pesca de arrasto”, em que a actuação da AT, no que concerne à desconsideração das facturas que estão na origem do IVA que considera indevidamente deduzido, se reconduz, essencialmente, à identificação de fornecedores que previamente, no exercício da sua actividade fiscalizadora, sinalizara como emitentes de facturas falsas”. Ora, tal sinalização apenas indicia que, de acordo com a AT, os fornecedores em apreço estão rotulados como emitentes de facturas falsas e não terão capacidade para fornecer os bens contabilizados pela aqui Recorrida. Certo é que a fundamentação das liquidações impugnadas não sustenta as conclusões extraídas pela AT, porquanto o relatório de inspecção para além de remeter para a informações elaboradas no âmbito de procedimentos inspectivos levado a efeito aos emitentes das referidas facturas, ancora-se não só em indícios alheios à Impugnante como em frases conclusivas sem que se descortine a factualidade que lhe subjaz. Com efeito, a elaboração do RIT que está na génese das liquidações impugnadas estriba-se nas conclusões extraídas noutros processos inspectivos, nos quais, ao que tudo indica, se apurou factualidade relativa a diversos operadores do mercado das madeiras, que permitiu identificar emitentes de facturação falsa. Partindo destas conclusões, a AT avança para a análise da contabilidade da Recorrida, na qual detecta incongruências relativas i) às quantidades constantes das facturas e respectivos talões de pesagem, ii) titularidade dos meios de transporte utilizados, iii) natureza e capacidade do veículos identificados nas guias de transporte, iv) e destino das transferências bancarias e dos cheques emitidos para pagamento das facturas desconsideradas, para dai extrair a ilação de que as facturas emitidas pelos fornecedores supra identificados não correspondem a efectivas transacções . Todavia, não podemos acompanhar esta metodologia adoptada pela AT. Ainda que os Serviços Inspectivos façam constar que os elementos que suportam as suas conclusões, resultaram das análises à contabilidade da Impugnante, nomeadamente, análise de facturas e talões de pesagem, meios de pagamento e de elementos recolhidos nas inspecções tributárias realizadas àqueles fornecedores, pelas Direcções de Finanças de ..., ... e ..., lido o RIT, o que resulta é que se no intróito os Serviços Inspectivos apontam fornecedores sinalizados por se encontrarem em situação fiscal irregular, porém, não logram fazer o enquadramento factual da situação em apreço. A actividade inspectiva redunda, assim, num procedimento simplista, traduzido na assunção de que, porque a Recorrida no seu giro comercial se relaciona com tais operadores, o seu comportamento faz recair inelutavelmente sobre as facturas por esta contabilizadas o “labéu de falsidade”. Impunha-se, pois, que a AT fizesse constar do RIT , não apenas as conclusões extraídas de outros procedimentos, mas vertesse a informação ali colhida e disponível, procedendo ao seu enquadramento de acordo com o caso concreto, elegendo os elementos relevantes para aquilo que está em causa, ou seja, para a relação estabelecida entre tais emitentes e a aqui Recorrida, ponderando em concreto como esta girava comercialmente com tais fornecedores e como os mesmos actuavam no mercado das madeiras, apontando os elementos caracterizadores da actividade desenvolvida pelos aludidos emitentes, susceptíveis de evidenciar a matéria conclusiva vertida no RIT, não bastando a mera afirmação de que não tinham meios adequados para o exercício da actividade. Ademais, e no que concerne aos indícios apurados junto da Recorrida (utilizadora), relativos à identificação dos veículos utilizados no transporte dos bens adquiridos, quer por não terem aptidão para o transporte de matérias primas nas quantidades em causa nos autos, quer por o seu proprietário não corresponder ao transportador indicado nas guias de transporte ou os talões de entrada de mercadoria revelarem quantidades superiores às facturadas, só por si não suportam a conclusão de falsidade das operações. Urge ter presente as características específicas no mercado das madeiras, em que dita a experiência que é sobre o fornecedor que recai a obrigação de transportar a mercadoria, pelo que os termos em que este contratou o transporte das mercadoria para a cliente, aqui Recorrida, é ou pode ser alheia a esta (nomeadamente se o faz o próprio fornecedor, ou se outrem realiza o transporte por conta daquele), e em que a indicação nos talões de pesagem de um veículo que alegadamente não tem capacidade para, de uma só vez, transportar a mercadoria, sem qualquer outra indagação (nomeadamente se o transporte foi feito de uma só vez ou em tranches, se foi utilizado um reboque, etc) não permite concluir que as transacções são fictícias. Quanto às discrepâncias detectadas relativamente às quantidades mencionadas nos talões de pesagem, quando muito apontam para a omissão de proveitos, mas não para a inexistência da operação comercial. Relativamente ao destino das transferências e dos cheques utilizados como meio de pagamento das facturas postas em crise pela AT, concretamente o seu levantamento imediato ao balcão da instituição de crédito ou posterior endosso irreleva como indício de facturação falsa, uma vez que tal facto é alheio à Recorrida, sendo certo que que a AT não recolheu qualquer elemento que apontasse no sentido de que os montantes pagos retornaram à esfera patrimonial da “"A..., Lda"”. Ora, sob pena de perder de vista a realidade em causa e incorrer no risco de generalizações impeditivas de uma análise casuística e efectiva sindicância, não pode este tribunal acolher o procedimento da AT que, de forma quasi automática, e por mero efeito de “contágio”, assumindo como inquestionável um determinado estigma que faz recair sobre um sujeito passivo (“emitente de facturas falsas”), elabora um RIT, sem fazer o devido tratamento da informação disponível, quedando-se por uma síntese conclusiva de elementos que foram detectados pela AT noutros procedimentos, mas dos quais não se apropriou nos seus exactos termos (visto que os RITs resultantes de tais inspecções não foram anexados ao PA respeitante a este processo, nem foi feita a transcrição integral do seu teor, mas tão somente das respectivas conclusões). Tendo por certo que o fundamento que levou a Administração Tributária a concluir que as facturas em causa não respeitaram a transacções reais reside nos respectivos emitentes e nos indicadores (que, em concreto, aqui, se desconhecem) recolhidos noutras sedes, reveladores de que os mesmos não teriam capacidade logística (meios humanos e técnicos) para fornecer os bens a que se reportam as facturas desconsiderada e, ainda, que a experiência demonstre que, na generalidade das situações identificadas como de facturação falsa, a incapacidade técnica e humana manifestada pelos emitentes para fornecer as quantidades de matéria prima declaradas, não terem contabilidade devidamente organizada, etc., constituem indícios relevantes, certo é que a fundamentação vertida no RIT em apreço não esclarece em que medida é apurada tal incapacidade e em que tais realidades se traduzem e a que períodos se reportam, tanto mais que todos os RITs relativos aos emitentes revelam-se elaborados em períodos que não coincidem cronologicamente com o exercício em análise, nos presentes autos. Destarte, limitando-se, no essencial, à ponderação dos extractos dos referidos RITs que, porque truncados, se resumem às conclusões extraídas com referência aos indicadores que ali se apuraram e que nesta sede se desconhecem, e das frágeis incongruências detectadas no suporte documental dos registos contabilísticos do sujeito passivo, a AT não logrou recolher indícios sólidos da falta de materialidade subjacente às facturas emitidas por aqueles fornecedores, porquanto, o enquadramento das conclusões extraídas desses Relatórios Inspectivos não se fez com elementos probatórios objectivos, sendo que a posição de inércia adoptada obsta a uma efectiva sindicância da factualidade que as suporta, de molde a permitir apurar a realidade em apreço, mediante uma análise efectiva da relação que envolve a ora Recorrida e aqueles emitentes. Pelo exposto, acompanhamos a decisão recorrida quando conclui que a AT não conseguiu reunir indicadores susceptíveis de constituir a prova, em tribunal, do bem fundado da conclusão de inexistência dos factos tributários a que se reportam as facturas em apreço e, por conseguinte, da ilegalidade dos actos impugnados.» (Fim de citação) O raciocínio atrás expendido vale para os demais fornecedores da Impugnante no ano de 2014, na medida em que não foram fornecedores no ano de 2013, mas o método utilizado pela Inspeção Tributária, foi o mesmo que o usado na inspeção do ano de 2013. Assim, conforme devidamente explicitado na Sentença, já acima transcrito, verifica-se que a Inspeção Tributária não logrou, por exemplo, contactar os proprietários das viaturas, de modo a confirmar os fins para os quais eram utilizadas, como por exemplo se efetuava fretes; sendo que nalguns casos reconhece que eram empresas de transportes. A inspeção Tributária, também refere que algumas viaturas estão em nome do fornecedor, como por exemplo a “V..., Lda." (vide pág. 58 do relatório). Resulta, ainda, que a Inspeção Tributária verificou apenas a sede das sociedades, sem se saber, por exemplo se existiam outros locais de depósito e madeiras ou se as mesmas eram adquiridas diretamente aos proprietários florestais. Para além disso, nesta Inspeção Tributária não foram contactados diretamente os fornecedores (tendo sido aproveitadas partes de outros Relatórios de Inspeção), de modo a poder saber com a certeza e segurança necessárias sobre as atividades de cada um em concreto e respetiva capacidade de fornecimento, até mesmo se nestes casos concretos ocorreram fornecimentos; mas isso não foi realizado. Também refere a Inspeção Tributária que os cheques foram depositados em contas bancárias, cujos titulares desconhecem, mas nunca afirma que esse valor teve retorno para a Impugnante, até porque diz mesmo que os pagamentos foram realizados através de uma conta bancária da Impugnante. As demais irregularidades detetadas, como rasuras, não são suficientes para que, apenas por essas situações, se conclua pela existência de faturação falsa. Em face do exposto, os indícios mencionados pela Inspeção Tributária não são suficientes para motivarem a desconsideração das faturas em apreço nos autos. * Face ao exposto, o recurso não merece provimento. * No concerne a custas, atenta a improcedência total do recurso, é a Recorrente a responsável pelas custas do recurso – vide artigo 527.º, nos. 1 e 2 do e 529.º, n.º 2 do Código de Processo Civil. ** Nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do Código de Processo Civil, elabora-se o seguinte sumário: Incumbe à Administração Tributária apresentar indícios sólidos e bastantes para desconsiderar que as operações comerciais tituladas nas faturas não correspondem a verdadeiras operações económicas. * * Decisão Termos em que, acordam em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida. * * Custas a cargo da Recorrente. * * Porto, 15 de dezembro de 2022. 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