Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00430/14.0BEMDL-A
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:09/27/2024
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:RICARDO DE OLIVEIRA E SOUSA
Descritores:INDEMNIZAÇÃO PELO FACTO DA INEXECUÇÃO;
INTERESSE CONTRATUAL POSITIVO;
Sumário:
I – A indemnização devida pela inexecução visa compensar o dano autónomo que se traduz no facto da inexecução do julgado - o que se traduz na indemnização pelo interesse contratual negativo –, cujo alcance esgota-se na ponderação dos prejuízos que o candidato teve por participar no concurso e elaborar uma proposta que foi ilegalmente preterida, exceto quando se conclua que a reconstituição da situação que existiria se o ato não fosse anulado conduziria à forte probabilidade, ou até certeza, de que a adjudicação do contrato teria de ser feita ao exequente, situação em que podem e devem ser ponderados exclusivamente, no cálculo indemnizatório, os danos integradores do interesse contratual positivo, onde pontificam os lucros cessantes, estando arredada aqui a hipótese de compensação do interesse contratual negativo.

II- Legitimando os autos a aquisição da certeza apodítica de que, em sede de «reconstituição da situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado» - a adjudicação da empreitada objeto dos autos e o contrato de empreitada seria feita à Exequente, impõe-se considerar no montante indemnizatório os danos que se integram no interesse contratual positivo.

III- Nestes casos, isto é, nas situações em que o tribunal deva considerar no respetivo montante indemnizatório os danos que integram o interesse contratual positivo, não é a atribuição de indemnização pela totalidade desses danos que está em causa, até porque não é justo indemnizar as exequentes pelos danos causalmente ligados a uma efetiva execução do contrato, razão pela qual deve considerar-se que o cálculo dos danos relativos ao interesse contratual positivo esgota-se na ponderação do lucro projetado com a adjudicação concursal.

IV- Não resultando provada a margem de lucro considerada pela Exequente na proposta apresentada, será a equidade a ditar a «fixação do quantum indemnizatório», dentro dos limites provados [artigo 566.º, nº. 3, do CC].

V- Dessa sorte, impera convocar teor da jurisprudência emanada por este T.C.A. Norte, que vem fixando em 10% do valor global da proposta o critério base para apuramento do montante indemnizatório em situações equivalentes [cfr. Acórdãos de 04-05-2018, proc. n° 01606/13.3BEBRG-A, e de 09-11-2012, proc. n° 00410-A/2003-COIMBRA].

VI- Sendo este um critério de caráter universalista, a sua aplicação ao caso dos autos carece de ser pontilhada com a representação duma época de crise no setor da construção civil no período mediado entre 2008 a 2015, com quebras significativas no volume de negócios e redução dos preços dos bens fornecidos, sendo a margem de lucro comummente praticada no setor das obras públicas era 20% sobre os custos e abaixo de 10% sobre o preço de venda.

VII- Em tais termos, e apelando ao escopo harmonizador no julgamento a realizar, somos a considerar que a fixação da indemnização deve corresponder a 7 % do valor global da proposta apresentada pela Exequente.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Execução de Sentença
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte - Secção de Contencioso Administrativo, subsecção de Contratos Públicos:

* *

I – RELATÓRIO

1. O MUNICÍPIO ..., Executado nos presentes autos de EXECUÇÃO DE SENTENÇA DE ANULAÇÃO DE ATO ADMINISTRATIVO em que é Exequente a sociedade comercial [SCom01...], LDA., vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do T.A.F. de Mirandela, editada em 10.02.2021, que, no âmbito da fixação do montante indemnizatório, condenou “(…) o Executado a pagar à Exequente a quantia de 35.700,00 € (…)”.

2. Alegando, o Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…)

1. O presente recurso tem como fundamento:

a) Erro de julgamento do facto 22 dos factos provados;

b) Uso incorrecto de presunção judicial para considerar provado o referido facto 22, facto este sujeito a prova e que o A. não conseguiu provar — violação do preceituado nos artigos 349.º e 351.º do Código Civil.

c) Contradição entre o julgamento do facto 22 dos factos provados com o facto B) dos factos não provados;

d) Erro na decisão por considerar integrante no direito a indemnização do A. pela inexecução da sentença o interesse contratual positivo, mais concretamente, o lucro cessante pela não execução da empreitada — errada interpretação dos artigos 178.º e 166.º do CPTA.

e) Violação do preceituado no artigo 566.º n.º 3 do Código Civil na fixação da indemnização por equidade.

2. A A. não efectuou prova de qualquer valor a respeito do dano pela inexecução da sentença.

3. Considerou a A. como dano pela inexecução da sentença o lucro cessante pela não realização da empreitada.

4. Ainda assim, a A., também a este respeito, não demonstrou, como lhe competia, qual a sua margem de lucro na concreta empreitada em questão, facto aliás constante no facto B dos factos não provados.

5. Atendendo às restantes propostas válidas para a mesma empreitada, importa salientar que a proposta da A. é 140.000,00 euros mais baixa que as restantes, ou seja, 25% mais baixa — Facto 20 dos factos provados.

6. Neste circunstancialismo, considerando o valor das restantes propostas conforme provado em 20, e tendo por referência que a média da margem de lucro nas empreitadas publicas se situa abaixo de 25% (o que se obtém pelas regras da experiência comum), seremos forçados a concluir que a proposta da A. não incluía qualquer margem de lucro.

Daí que,

7. A presunção judicial operada pelo M. Q Juiz do Tribunal "a quo" para dar como provado o facto 22:

a) Atentas as regras do ónus da prova não seria de admitir para dar como provado este facto que incumbia à A. provar e que não o logrou fazer;

b) Não consubstancia uma ilação que o julgador tira de qualquer facto conhecido para firmar um desconhecido;

8. O uso desta presunção judicial viola, pois, o preceituado nos artigos 349.º e 351.º do Código Civil.

9. Não podendo o M.º Juiz olvidar que, não poucas vezes, e resulta da experiência comum, que os concorrentes "esmagam os preços" das propostas com o intuito de vencer a obra, sacrificando o lucro em detrimento, por vezes apenas do benefício que é para a sua imagem a realização da tal obra, ou qualquer outro interesse comercial de natureza diferente do lucro.

10. Como nos parece ter sido o presente caso, face ao valor da proposta da A. em comparação com as propostas válidas apresentadas pelas demais concorrentes, constantes do facto 20 dos factos provados.

11. Trata-se de uma diferença de 25% do preço, facto que deveria ter sido levado em conta na sentença, porquanto, este sim é um facto conhecido, e não o foi.

12. Como tem sido jurisprudência pacífica: "1- A prova por presunções judiciais, que os art.s 349.º e 351.º do CC permitem, tem como limites o respeito pela factualidade provada e a respectiva correspondência a deduções lógicas e racionalmente fundamentadas naquela

II - A falta de prova do facto não pode ser colmatada ou suprida por presunção judicial, pois que, se um facto concreto é submetido a discussão probatória e o julgador o não dá como provado, seria contraditório tê-lo como demonstrado com base em simples presunção. "

13. Afigura-se-nos que no presente caso, o M. Q Juiz ao ter considerado (parágrafo 2.º da página 13 da Sentença) que a A. teria obtido lucros com a presente empreitada, por presunção judicial, errou na aplicação do direito, violando o preceituado nos artigos 349.º e 351.º do Código Civil.

14. Porquanto não possui o M. Q Juiz qualquer facto provado, conhecido, para daí poder deduzir este facto desconhecido (facto 22) que a A. não logrou provar.

Acresce ainda que,

15. Não provando a A. o valor da margem de lucro na concreta empreitada em questão, não prova sequer que essa margem de lucro existia;

16. O que, desde logo, inviabiliza a prova por presunção da existência da margem de lucro, e, torna esta decisão do Facto B dos factos não provados, contraditória com a decisão sobre o facto 22 dos factos provados.

17. É entendimento do recorrente que não tendo a A. demonstrado uma concreta margem de lucro, inviabiliza e torna contraditório considerar que essa margem existia, muito menos por presunção judicial;

18. Tendo o M.º Juiz errado também neste particular.

19. Bem apreciadas as provas, no caso a ausência das mesmas, e devidamente aplicado o direito, impunha-se que o M. Q Juiz considerasse como não provado o facto 22 que veio a considerar provado.

20. Devendo ser esta decisão revogada e substituída por uma outra que reponha a legalidade e a justiça, considerando tal facto como não provado.

Sem conceder, sucede ainda que,

21. O Julgador do Tribunal "a quo" considerou que o direito a indemnização da A. pela inexecução da sentença deveria contemplar o lucro cessante pela não execução da empreitada.

22. Não se conforma o recorrente.

23. É entendimento do Recorrente que o dano pela inexecução da sentença é um dano autónomo e que não abrange o lucro cessante com a não execução da empreitada (dano decorrente da invalidade do acto administrativo).

Daí que,

24. Ainda que a A. tivesse provado o lucro cessante com a não execução da empreitada, o que não sucedeu, este lucro cessante seria de desconsiderar, porquanto em causa está o dano autónomo com a inexecução legítima da Sentença e não a invalidade do acto administrativo.

25. É entendimento pacífico na jurisprudência que a indemnização por inexecução da sentença contempla apenas os danos decorrentes da não execução da sentença, como dano autónomo, o qual não é confundível com o dano por eventual ilegalidade do acto administrativo e pela sua anulação.

26. Por todos veja-se o Acórdão do TCA-N datado de 8-05-2015, proferido no âmbito do processo n.º 00315/08.0BEBRG-A, onde se decidiu que "4 - Apenas poderão ser contemplados os danos que decorram de a decisão não poder ser executada e de, por esse motivo, o exequente não poder ser colocado na situação que teria não fora a ilegalidade que determinou a anulação do ato. Excluídos ficam, desde logo, os danos emergentes e os lucros cessantes em razão do ato administrativo apreciado na Ação. " http://www.dgsi.pt/itcn.nsf/_89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/ec8980174267974480257 ec9004d6af5?OpenDocument

27. No mesmo sentido pronunciou-se o STA: "Acresce que apenas poderão ser contemplados os danos que decorram de a sentença não poder ser executada e de, por esse motivo, o exequente não poder ser colocado na situação que teria não fora a ilegalidade que determinou a anulação do ato. Excluídos ficam, desde logo, os danos emergentes e os lucros cessantes em razão do ato administrativo apreciado no recurso contencioso" (cf. acórdão do STA de 20.11.12 , Proc. n.º 0949/12).

28. A indemnização pela inexecução da sentença deve ser uma indemnização simbólica que não inclui nem os danos emergentes nem os lucros cessantes em razão do acto administrativo apreciado no recurso contencioso.

29. O Mº Juiz do Tribunal "a quo" atribuiu à A. uma indemnização calculada com base no lucro cessante pela não execução da empreitada, divergindo da jurisprudência pacífica nos Tribunais superiores, errando na interpretação efectuada dos artigos 166.º e 178.º do CPTA.

30. Bem interpretados estes normativos legais, a doutrina e a jurisprudência produzida a respeito do assunto em litígio, deveria o M. Q Juiz fixar, por equidade, uma indemnização autónoma pela inexecução da Sentença, a qual não deveria ter abrangido os lucros cessantes pela não realização da obra.

Acresce ainda que,

31. O montante da indemnização fixado pelo M.º juiz do Tribunal "a quo" pela inexecução da sentença não se encontra dentro de qualquer limite dado como provado, uma vez que a este respeito nada resultou provado.

Como tal,

32. A sentença viola ainda o preceituado no artigo 566.º n.º 3 do Código Civil.

33. Por último refira-se que a Empreitada em questão estava condicionada à aprovação de uma candidatura ON" e à obtenção do respectivo financiamento (factos provados 10 a 12.)

34. Financiamento que o R. não obteve uma vez que se viu forçado a suspender o procedimento, face impugnação da A, tendo por esse motivo, deliberado a não execução da obra (factos 13 a 17 dos factos provados);

Ou seja,

35. A Obra não se realizou.

36. Todos os concorrentes assumiram o risco da não execução da empreitada caso não existisse o financiamento comunitário, uma vez que esta condição constava do caderno de encargos.

37. A A. ao candidatar-se a esta empreitada assumiu e aceitou condicionar a realização da obra (sujeitando o eventual lucro) ao financiamento comunitário da mesma.

Daí que,

38. Ainda que tivesse a A. provado o seu lucro cessante, o que não sucedeu, sempre esse eventual lucro cessante (interesse contratual positivo) seria de desconsiderar na indemnização a determinar, face às concretas circunstâncias em que ocorreu a inexecução — facto originador da indemnização.

39. Ao considerar o lucro cessante como elemento primordial para cálculo da indemnização pela inexecução da sentença errou o M. Q Juiz, ainda a este respeito.

40. A sentença viola os artigos os artigos 349º e 351º, 566º, nº. 3 do Código Civil, 178.º e 166.º do CPTA, doutrina e jurisprudência.

41. Devendo ser revogada e substituída por uma outra onde se decida nos termos preditos. (…)”.


*
3. Notificada que foi para o efeito, a Recorrida contra-alegou, tendo apresentando para o efeito as seguintes conclusões: “(…)

i. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal a quo, a 28 de fevereiro de 2022, sentença a qual condenou a Recorrente a pagar à Recorrida a quantia de € 35.700,00 (trinta e cinco mil e setecentos euros) a título de indemnização pela não execução de uma empreitada em que a Recorrida surgia como justa Adjudicatária.

ii. Alegando a existência de erro de julgamento por parte do Tribunal a quo, diz a Recorrente que o facto 22) dos factos dados como provados e o facto B) dos factos dados como não provados não podem coexistir, pois entre eles existe uma suposta contradição.

iii. Em acréscimo, invoca a Recorrente que, a existir algum dever indemnizatório a favor da Recorrida, o montante a pagar deve ser aferido tendo em linha de ponderação o interesse contratual negativo que a Recorrida viu lesado com a não celebração do contrato público.

iv. Porém, não assiste qualquer razão por parte da Recorrente.

Senão, vejamos:

v. Em primeiro lugar, e no que contende com a ligação existente entre o facto 22) dos factos dados como provados, e o facto B) dos factos julgados não provados no probatório da sentença, é manifesto que a circunstância de não se saber o lucro, em concreto, que a Recorrida obteria com a adjudicação da empreitada não impede que se diga que a mesma obteria lucro com a adjudicação da empreitada.

vi. Pense-se, por similitude lógica, nos processos judiciais em que o que estará em causa não será a existência de um an debeatur – que se sabe que existe! – mas, em contrapartida, a concretização do quantum debeatur.

vii. Porquanto é perfeitamente razoável que o Tribunal a quo infira, por presunção judicial, que a Recorrida obteria lucros se lhe fosse pago o valor que a mesma submeteu a concurso, ainda que o Tribunal a quo não consiga concretizar o valor concreto desses lucros.

viii. Ademais, para que se pudesse considerar, como propugna a Recorrente, que a Recorrida apresentou a sua proposta “(…) com o intuito de vencer a obra, sacrificando o lucro em detrimento (…) do benefício que é para a sua imagem a realização de tal obra (…)”, seria necessário que a Recorrente comprovasse a veracidade daquilo que assevera.

ix. Porém, perscrutadas as alegações de recurso da Recorrente, é imperativo concluir que em nenhum momento a mesma se digna a preencher o ónus probatório que sobre ela pende.

x. Não consegue a Recorrente demonstrar que a Recorrida não obteria lucro com a proposta sujeita a concurso.

xi. Em acréscimo, a não ser que o Tribunal ad quem proceda a uma reapreciação da prova produzida nos autos e conclua diferentemente daquele que foi o entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo – o que certamente não ocorrerá, atenta a falta de prova nos autos – então não terá o Tribunal ad quem qualquer fundamento probatório que lhe permita substituir a presunção judicial do Tribunal a quo por uma outra.

xii. Sem prescindir, questiona-se como consegue a Recorrente compreender a lógica inerente ao facto 21) dos factos dados como provados no probatório e ao facto A) dos factos julgados não provados, mas, não já, entender o motivo por detrás da presunção judicial do Tribunal a quo, quando o raciocínio a aplicar às duas situações é similar.

xiii. Com efeito, a Recorrente percebe que o Tribunal a quo dê como provado que a Recorrida incorreu em despesas para a elaboração e apresentação da proposta, ainda que não se consiga entender o quantum concreto dessas despesas,

xiv. Mas a Recorrente já não consegue perceber que o Tribunal a quo dê como provado que a Recorrida iria obter lucros com a adjudicação da empreitada, ainda que não se consiga concretizar o quantum concreto desse lucro.

xv. Ressalvada melhor opinião, tudo o que se acaba de expor evidencia a existência de uma contradição por parte da Recorrente.

xvi. Diga-se, por oportuno, que esta contradição da Recorrente com os seus próprios atos se verifica noutras circunstâncias.

xvii. Dos factos 4), 19) e 18) dos factos dados como provados na sentença resulta que a proposta adjudicada neste procedimento concursal era de valor inferior à proposta submetida a concurso pela aqui Recorrida.

xviii. Não obstante, e contrariamente ao que se verifica nestes autos, em momento algum do procedimento concursal a Recorrente reagiu perante o valor da proposta da concorrente [SCom02...], S.A., cuja proposta foi adjudicada.

xix. Não se compreende, então, como pode a Recorrente aceitar que uma proposta de valor inferior à da Recorrida obtenha lucro, mas a proposta da Recorrida já não tenha qualquer margem de lucro!

xx. Mais: nunca poderia a Recorrente desconhecer os factos que fomentaram a presunção judicial adotada pelo Tribunal a quo, quando a Recorrida já havia produzido na lide prova documental bastante para que se concluísse pela existência dessa margem de lucro.

xxi. Atente-se, para tanto, nas fls. 384, 386, 389, 390 e 393 do SITAF.

xxii. Com a propugnação desta posição processual a Recorrente não só destaca a sua contradição consigo mesma, atentos os factos de que certamente terá conhecimento e que se encontram reproduzidos nos autos como prova documental,

xxiii. Como, em acréscimo, a Recorrente coloca em evidência que atua com um real desfasamento quanto àquelas que são as circunstâncias que moldam este pleito!

xxiv. Pelo que, tudo visto, sempre terá que improceder a presente instância recursiva, no que a este ponto respeita, atenta a evidente inexistência de erro de julgamento do Tribunal a quo ao formular a presunção judicial sobre a qual nos vimos de pronunciar.

Para além disso,

xxv. No que respeita à impugnação do quantum indemnizatório a pagar à Recorrida, a mesma também terá que improceder, visto que o único motivo que obviou à celebração do contrato e à execução (tempestiva) da empreitada foi o facto de a Recorrente ter adjudicado o procedimento concursal a quem não reunia as condições necessárias para assumir a posição de Adjudicatário,

xxvi. O que desencadeou todo um processo judicial que só terminou com acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido a 7 de dezembro de 2015.

xxvii. Assim, urge notório que se a Recorrente tivesse, desde o início, cumprido com as obrigações legais a que se encontrava vinculada, a Recorrente teria adjudicado a empreitada à ora Recorrida, esta última teria executado a obra e a Recorrente teria beneficiado do fundo comunitário.

xxviii. Como será facilmente compreendido, não pode a Recorrida sair prejudicada quando quem atuou ilegalmente foi a Recorrente.

xxix. Porquanto, a Recorrida não terá de ser colocada na situação em que estaria se não tivesse apresentado proposta naquele concurso público, mas, antes, terá que ser colocada na situação em que estaria se a empreitada lhe tivesse sido adjudicada, que era o que sempre deveria ter acontecido, tal como defendido pela maioria da jurisprudência e doutrina portuguesas.

xxx. Desta forma, e tudo considerado, sempre será de concluir que andou bem o Tribunal a quo na decisão adotada na sentença prolatada, impondo-se a improcedência deste recurso de apelação, com a produção dos efeitos legais daí decorrentes. (…)”.


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4. O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.

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5. O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior silenciou quanto ao propósito vertido no n.º1 do artigo 146.º do C.P.T.A.

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6. Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.

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II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR

7. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.

8. Neste pressuposto, as questões essenciais a dirimir consistem em saber se a sentença recorrida, ao julgar nos termos e com o alcance explicitados no ponto I) do presente Acórdão, incorreu em (i) erro de julgamento de (i.1) facto, e, bem assim, de (i.2) direito, este último, por violação dos “ (…) artigos 349º e 351º, 566º, nº. 3 do Código Civil, 178.º e 166.º do CPTA, doutrina e jurisprudência (…)”.

9. É na resolução de tais questões que se consubstancia a matéria que a este Tribunal Superior cumpre solucionar.


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IV – DO MÉRITO DA INSTÂNCIA DE RECURSO

10. Vem interposto recurso jurisdicional da sentença promanada nos autos, que, no âmbito da fixação do montante indemnizatório, condenou “(…) o Executado a pagar à Exequente a quantia de 35.700,00 € (…)”.

11. A primeira questão eleita no presente recurso jurisdicional consubstancia-se em saber se a sentença recorrida incorreu [ou não] em “(…) Erro de julgamento do facto 22) dos factos provados (…)”.

12. Realmente, a Recorrente clama que o “(…) M. Q Juiz ao ter considerado (parágrafo 2.º da página 13 da Sentença) que a A. teria obtido lucros com a presente empreitada, por presunção judicial, errou na aplicação do direito, violando o preceituado nos artigos 349.º e 351.º do Código Civil (…) Porquanto não possui o M. Q Juiz qualquer facto provado, conhecido, para daí poder deduzir este facto desconhecido (facto 22) que a A. não logrou provar (…)”.

13. Outrossim, apregoa ainda que “ (…) Não provando a A. o valor da margem de lucro na concreta empreitada em questão, não prova sequer que essa margem de lucro existia (…)” fica inviabilizada “(…) a prova por presunção da existência da margem de lucro, e, torna esta decisão do Facto B dos factos não provados, contraditória com a decisão sobre o facto 22 dos factos provados (…)”.

14. Porém, sem qualquer amparo de razão.

15. Na verdade, secundamos in totum a motivação da matéria de facto perfilhada pelo Tribunal a quo no domínio em análise, no sentido de que “(…) é também mais do que óbvio que a Exequente só se apresentou a concurso com a expectativa de vir a obter lucros com a execução da empreitada, pois que esse é o seu escopo social, e que esses lucros teriam sido obtidos caso a empreitada tivesse sido executada. Chega-se aí facilmente por presunção judicial (…)”.

16. Na verdade, é consensual que a Exequente apresentou-se a concurso, tendo apresentado uma proposta no valor de 510.000,00 €.

17. Pese embora não se tenha apurado o valor dos custos projetados pela Exequente com a execução da empreitada visada nos autos e a sua relação com o valor da proposta apresentada a concurso, é de manifesta evidência notória que a Exequente é uma empresa comercial movida pela obtenção de lucro.

18. Em tais termos, e à míngua da aquisição processual de tecido fáctico capaz de suportar a representação da existência de prejuízo com a apresentação da proposta da Autora, aqui Exequente, deve-se percecionar que a assinalada diferença do valor da proposta apresentada pela Exequente relativamente às demais propostas, por si mesmo, não constitui lastro probatório bastante para firmar juízo probatório no sentido “(…) a proposta da A. não incluía qualquer margem para poder obter qualquer lucro (…)”.

19. Pelo que, neste domínio, falece inteiramente a posição do Recorrente.

20. De igual modo, falece o entendimento do Recorrente de que “(…) decisão do Facto B dos factos não provados, contraditória com a decisão sobre o facto 22 dos factos provados (…)”.

21. Na verdade, é o seguinte o teor do facto B) dos factos não provados: “(…) B) O valor da margem de lucro relativamente a cada um dos artigos do mapa de quantidades e da lista de preços unitários apresentada pela Exequente no concurso (…)”.

22. Ora, nada no facto B) dos factos não provados é incompatível com o tecido fáctico vertido no ponto 22) do probatório.

23. Realmente, é perfeitamente possível demonstrar-se a existência de lucro sem que se prove a quantificação do mesmo, ademais e especialmente, em termos parcelares, como é caso de “(…) cada um dos artigos do mapa de quantidades e da lista de preços unitários (…)”.

24. Aliás, é para isso mesmo que serve o incidente de liquidação de sentença.

25. Assim deriva, naturalmente, que se não antolha a existência de qualquer fio condutor lógico jurídico que justifique a reversão da materialidade coligida no probatório, com que fica negada a procedência do imputado erro de julgamento da mesma.

26. Ponderado o acabado de julgar, temos por assente que a factualidade pertinente à demanda recursiva se consubstancia unicamente naquela que mereceu acolhimento pela douta sentença censurada, a qual, por economia processual, aqui se reputa integralmente reproduzida, conforme decorre do preceituado no art.º 663.º, n.º 6, do Código de Processo Civil.

27. Dirimida esta querela, cumpre agora ajuizar se o Recorrente logra razão ao sustentar que a douta decisão recorrida incorreu em erro de julgamento de direito.

28. Para melhor compreensão da análise que se seguirá, cumpre repisar o sentido vertido na decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, consubstanciado nos excertos que ora transcrevem: “(…)

Considerando o quadro factual antecedente, cumpre, de seguida, repousar sobre as questões a solucionar em conformidade com o thema decidendum já anteriormente delineado, isto é, impõe-se aferir do direito de indemnização da Exequente com fundamento no já reconhecido excepcional prejuízo para o interesse público na execução do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 03-12-2015, proferido no proc. nº 430/14.0BEMDL.

(…)

Alinhados por esse diapasão, cabe apreciar e determinar quantitativamente o direito da Exequente a ser indemnizada com fundamento na causa legítima de inexecução reconhecida superiormente.

(…)

Na situação vertente, provou-se que a Exequente incorreu em custos com a elaboração e apresentação da proposta nesse mesmo concurso [cf. item 21) do probatório]. Provou-se igualmente que a Exequente teria obtido lucros com essa empreitada [cf. item 22) do probatório].

Porém, já não se provou o valor dos custos incorridos pela Exequente com a elaboração e apresentação da proposta [cf. item A) do probatório], nem o valor da margem de lucro relativamente a cada um dos artigos do mapa de quantidades e da lista de preços unitários apresentada pela Exequente [cf. item B) do probatório].

Posto tudo isto, o dano autónomo em causa encontra-se provado nos seus pressupostos materiais e é indiscutível o nexo de causalidade entre o facto da inexecução e esse dano, que há-de ser apurado por apelo aos lucros cessantes corporizados na margem de lucro não obtida pela Exequente. Alude-se aqui apenas aos lucros cessantes enquanto dimensão do interesse contratual positivo na medida em que a indemnização a arbitrar, pelo grau de probabilidade (mais próximo da certeza do que da incerteza) quanto à hipotética e frustrada celebração do contrato de empreitada, aproximar-se-á do interesse contratual positivo, assim deixando de parte o interesse contratual negativo. Ou seja, em concreto, provado ou não o quantitativo dos alegados custos com a elaboração e apresentação da proposta, a aproximação do montante indemnizatório aos lucros cessantes faz com que aqueles não relevem.

Saliente-se, ainda, que não é pela circunstância de se tratar aqui de compensar a Exequente por uma causa legítima de inexecução fundada na incapacidade do Executado de promover a execução da empreitada sem financiamento europeu que se deve ver algum entrave no apuramento da perda dos benefícios da execução por referência, em grande medida, ao interesse contratual positivo. Isto porque o reconhecido excepcional prejuízo contende com a execução da obra e com o pagamento do valor total do contrato de empreitada, pelo que o Município Executado fica licitamente eximido de proceder à adjudicação da proposta da Exequente que levaria à celebração do contrato de empreitada e ao correspectivo pagamento do valor total da obra, mas não deixa de dever indemnizar a Exequente pelo facto da inexecução, isto é, pela perda dos benefícios que correspondem à utilidade que derivaria da execução do Acórdão proferido no proc. nº 430/14.0BEMDL.

Aqui chegados, impõe-se, conforme se referiu, o recurso à equidade para apurar o montante indemnizatório, cujo raciocínio judicativo se desdobrará em duas operações: primeiro, apurar equitativamente os lucros cessantes, pois que, ainda que se encontre provado o an debeatur, não vem provado o quantum debeatur; segundo, determinar equitativamente, numa perspectiva fáctico-jurídica probabilística, o montante indemnizatório final devido pela inexecução.

Quanto à aludida primeira operação, tivessem sido cabalmente demonstrados os valores dos lucros em relação a todos e cada um dos trabalhos da empreitada e seria o somatório desses valores o valor a considerar. Caso a Exequente os demonstrasse, não poderia colher sem mais a defesa do Executado assente no pretenso exagero dos lucros, visto que não se pode penalizar um operador económico que demonstre que as margens de lucro vantajosas se devem ao mérito de uma actuação competitiva no mercado – o que pressupõe, em todo o caso, o respeito pelas normas nacionais e internacionais v.g. em matéria laboral e social. Os alegados lucros cessantes são exagerados apenas na medida em que não vêm demonstrados. Contudo, embora não tenham sido demonstrados os valores concretos das margens de lucro, isso não significa que não esteja ínsito no valor global da proposta apresentada uma margem de lucro esperada pela Exequente, a qual se procurará alcançar equitativamente.

Desse passo, cabe começar por considerar o valor global da proposta que a Exequente apresentou no concurso para a empreitada de execução da obra “Modernização e Recuperação da Piscina Municipal Coberta de ...”, a saber, de 510.000,00€ acrescido de IVA [cf. item 18) do probatório], um valor que não se afigura desrazoável no seu todo, até por comparação com as demais propostas que foram submetidas pelos outros concorrentes [cf. itens 19) e 20) do probatório].

Partindo daí, a fixação da indemnização de acordo com critérios de equidade deve, sempre que possível, apelar ao escopo harmonizador no julgamento de situações semelhantes, em nome do princípio da igualdade (cf. artigo 8º, nº 3, do CC).

Assim, considerando que a Exequente não demonstrou os valores concretos das margens de lucro unitárias, chame-se à colação a jurisprudência que vem fixando em 10% do valor global da proposta o critério base para apuramento do montante indemnizatório em situações equivalentes, como resulta, nomeadamente, dos Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte, de 04-05-2018, proc. nº 01606/13.3BEBRG-A, e de 09-11-2012, proc. nº 00410-A/2003-COIMBRA.

Ou seja, o valor equitativo dos lucros cessantes a tomar em consideração para a operação subsequente de apuramento do montante indemnizatório final corresponde a 51.000,00€ acrescido de IVA (510.000,00€ x 0,1).

Chegados, então, à segunda operação, chame-se novamente à liça o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 13-07-2021, proc. nº 01676/14.7BEPRT-A, do qual se extrai o seguinte:

“Convém notar, antes de mais, que o juízo realizado pelas instâncias sobre a expectativa segura da adjudicação do contrato e sua execução pela exequente não se esgota num «julgamento de facto» - ver, a tal respeito, «AA», in «Interesse contratual negativo e interesse contratual positivo», volume II, ..., 2008, páginas 1353/1354 -, uma vez que depende, também, da ponderação e aplicação de normas do respectivo regime legal da contratação pública.

A verdade é que, analisada a probabilidade de adjudicação à exequente à luz da que foi feita à efectiva adjudicatária - C................... -, e à luz do estipulado no artigo 79º do Código dos Contratos Públicos [CCP] - sobre «causas de não adjudicação» - não há quaisquer elementos, factuais ou jurídicos, que imponham concluir que a adjudicação - em sede «reconstitutiva» - não lhe seria feita. Porém, o mesmo já não é assim seguro em termos de celebração e execução do contrato, pois que desconhecemos se a exequente apresentaria, ou não, a totalidade dos documentos exigidos para a habilitação - artigo 89º do CCP. Seja como for, os «dados factuais provados», lidos sob o enfoque das normas legais chamadas a intervir, legitimam a conclusão de que ocorre, no caso, uma forte probabilidade de - em sede de «reconstituição da situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado» - a adjudicação do contrato ser feita à exequente e de ela o executar, fornecendo à entidade adjudicante os bens móveis que a mesma se propôs adquirir, e efectivamente adquiriu. Não estamos, é certo, face à certeza considerada pelas instâncias, mas perante uma probabilidade que, não andando demasiado longe dela, fixamos em 70%.

Será relativamente a este grau de probabilidade que deverá ser determinado o quantum indemnizatório devido «pelo facto da inexecução». E uma coisa é certa, porque imposta por quanto já deixamos dito, é que não poderá ser cumulada, na fixação desse quantum a ponderação de danos integradores do interesse contratual positivo e do interesse contratual negativo. E, se a forte probabilidade referida aponta para a ponderação dos primeiros, fica arredada a consideração dos segundos.

Deste modo, considerando o montante dos lucros cessantes - pacificamente encontrado pelas instâncias -, o quantum indemnizatório devido à exequente pelo facto da inexecução deverá rondar 70% desse valor”.

A essa luz e à guisa de conclusão, na senda do já referido juízo equitativo harmonizador de julgados, entende-se justo e equitativo fixar o montante indemnizatório final em 70% do valor dos lucros cessantes apurados. Isto é, 35.700,00€ acrescido de IVA (51.000,00€ x 0,7) (…)”.

29. Patenteiam as conclusões alegatórias que o Recorrente insurge-se contra o assim decidido, por manter a firme convicção que a decisão judicial sob recurso viola os “ (…) artigos 349º e 351º, 566º, nº. 3 do Código Civil, 178.º e 166.º do CPTA, doutrina e jurisprudência (…)”.

30. O que estriba na crença, aqui sintetizada, de que:

(i) O cálculo da indemnização deveria apenas ser atendido o interesse contratual negativo;

(ii) Usar da equidade para fixar uma indemnização tendo para base o lucro cessante com a não a realização da obra, como sucedeu nos autos, viola a melhor interpretação do preceituado nos artigos 178.º e 166.º do CPTA e a jurisprudência produzida pelos Tribunais superiores sobre esta matéria específica;

(iii) O montante de indemnização fixado pelo Tribunal "a quo" não se encontra dentro dos limites dados como provados, uma vez que nada provou a A. a este respeito que pudesse sustentar uma indemnização naquele montante, desse modo, violando-se o preceituado no artigo 566.º, n.º 3 do Código Civil;

31. Espraiadas as considerações pertinentes da constelação argumentativa do Recorrente, adiante-se, desde já, que o presente recurso não vingará.

32. Explicitemos pormenorizadamente esta nossa convicção, sublinhando, de antemão, que o litígio recursivo em análise insere-se no domínio da fixação do montante indemnizatório nos termos e com alcance explicitados no artigo 178.º do C.P.T.A, ou seja, no domínio da indemnização pelo facto da inexecução de sentença anulatória por causa legítima julgada verificada.

33. A este propósito, entendemos reproduzir o teor do aresto do Pleno do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 26.10.2023, porque esclarecedor desta temática: “(…)

99. A execução do acórdão anulatório impõe à Administração a obrigação de desenvolver uma atividade de execução com a finalidade de repor a situação de facto de acordo com a situação de direito constituída pela decisão anulatória, tanto na vertente de respeitar o julgado, conformando-se com as limitações que dele resultam para o eventual exercício dos seus poderes (efeito preclusivo), como no dever de reconstituir a situação que existiria se não tivesse sido praticado o ato anulado (efeito conformativo), nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 173º do CPTA.

100. Isto porque, nos termos do disposto no n.º 1, do artigo 173.º do CPTA, a anulação de um ato administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento naquele ato, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter atuado, deveres a que a Administração fica desonerada, quando verificada uma causa legítima de inexecução.

101. Desde a aprovação do D.L. n.º 256-A/77, de 17/06, relativo ao regime de execução das sentenças dos Tribunais Administrativos e o entendimento expresso por Diogo Freitas do Amaral, no sentido de que a causa legítima de inexecução constitui “uma situação excepcional, que torna lícita, para todos os efeitos, a inexecução da sentença” (“A Execução das Sentenças dos Tribunais Administrativos”, 2.ª ed., ..., 1997, pág. 161), que se vem entendendo que, em consequência, fica o Executado obrigado ao pagamento de uma indemnização compensatória ao titular do direito à execução, segundo o disposto nos artigos 163.º, 166.º e 178.º do CPTA.

102. Segundo o disposto no n.º 1, do artigo 166.º do CPTA, aplicável por força do n.º 3, do artigo 177.º do CPTA, a verificação de causa legítima de inexecução de sentença anulatória de ato administrativo confere ao exequente uma “indemnização devida pelo facto da inexecução”.

103. Assim, tratando-se de um acórdão anulatório, recai sobre a Administração o dever de executar, segundo o disposto no artigo 173.º do CPTA, pelo que, em consequência da impossibilidade da execução, resta o dever de indemnizar.

104. Como decidido no Proc. n.º 47.472-A, de 25/02/2009, deste STA, “o incumprimento de julgado anulatório, por ocorrência de causa legítima de inexecução, justifica a fixação de uma indemnização pela perda da situação jurídica cujo restabelecimento a execução da sentença teria proporcionado ao requerente”.

105. Por isso, essa indemnização tem por fundamento a “perda da situação jurídica cujo restabelecimento a execução de sentença teria proporcionado ao requerente” – Acórdãos do STA de 25/02/2009, Proc. n.º 47.472-A e de 02/06/2010, Proc. n.º 1541-A/03.

106. Está em causa uma indemnização que se destina a compensar o Exequente pelo facto de não ser possível executar a sentença a que teria direito, sendo a indemnização conferida em consequência de não ser possível executar no plano dos factos a situação jurídica violada.

107. Seguindo o decidido no Acórdão deste STA, de 10/07/1997, Proc. n.º 27.739-A, ao referir-se ao «“expropriado” do direito à execução integral», num conflito relativo a instrumentos de ordenamento do território, assim como, o entendimento de estar em causa uma situação idêntica àquela em que o particular é expropriado do seu direito, mediante o pagamento de uma indemnização, embora não se trate de uma expropriação em sentido técnico (Diogo Freitas do Amaral, “Direito Administrativo”, Vol. IV, pág. 246), estamos perante “um fenómeno cuja lógica até certo ponto se aproxima da do instituto da expropriação por razões de interesse público”, que envolve a imposição de um sacrifício especial do titular do direito à prestação, determinada pela necessidade de salvaguardar interesses públicos, passando necessariamente pelo pagamento da devida indemnização compensatória (Mário Aroso de Almeida, “Anulação de Atos Administrativos e Relações Jurídicas Emergentes”, Coimbra, 2002, pág. 783).

108. Por essa razão, visa tão somente atribuir uma compensação pelo facto da inexecução e de a finalidade do processo executivo se ter frustrado, não obtendo os efeitos jurídicos da execução do julgado, enquanto imposição legal de acatamento para todas as entidades públicas e privadas (artigo 158.º do CPTA).

109. Esta indemnização cujo fundamento consiste numa inexecução lícita de um julgado, distingue-se, por isso, quer da indemnização por inexecução ilícita, segundo o disposto no artigo 159.º do CPTA, quer da indemnização atribuída no âmbito da ação de responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais poderes públicos, prevista para o ressarcimento dos danos causados por uma atuação ilícita da Administração, nos termos da atual Lei n.º 67/2007, de 31/12.

110. Daí que estando em causa a fixação o quantum indemnizatório em consequência da ocorrência de causa legítima de inexecução, não está em causa um processo de ressarcimento integral de todos os danos produzidos, como se de uma ação de responsabilidade civil extracontratual se tratasse.

111. O Exequente é ressarcido pela inexecução do julgado, por não conseguir obter o reconhecimento jurisdicional da sua pretensão judicial e não em virtude dos danos causados pela atuação administrativa ilegal do Executado.

112. A indemnização devida em consequência da inexecução do julgado não visa apurar todos os danos, nem ressarcir a perda sofrida pelo Exequente em resultado da prática do ato anulado, isto é, não tem por finalidade a atribuição de uma indemnização que se destine a cobrir todos os danos que possam ter resultado da atuação ilegítima da Administração, mas antes e apenas uma compensação decorrente da inexecução do julgado, em função da perda de oportunidade de poder obter um resultado favorável.

113. Este entendimento tem sido sufragado na jurisprudência, como, entre outros, no Acórdão deste STA, Proc. n.º ...79..., de 02/12/2010, que distingue entre “a indemnização devida pela impossibilidade de execução por causa legítima - que dispensa o apuramento do montante indemnizatório correspondente à efetiva perda sofrida pelo exequente em resultado da prática do ato anulado – da indemnização devida pelos danos causados pela prática desse ato – a exigir aquele apuramento e, portanto, a exigir outros desenvolvimentos processuais – visto se tratar de indemnizações autónomas e diferenciadas, quer no tocante aos danos que compensam quer no tocante à forma do seu cálculo”.

34. Ressaltamos, também, o expendido pela mesma Instância no Acórdão prolatado em 13.07.2021, no processo nº. 01676/14.7BEPRT-A: “(…)

3. O artigo 178º do CPTA - sob a epígrafe «indemnização por causa legítima de inexecução» - diz que quando julgue procedente a invocação da existência de causa legítima de inexecução, o tribunal ordena a notificação da Administração e do requerente para, no prazo de 20 dias, acordarem no montante da indemnização devida pelo facto da inexecução […] - nº1 - e que na falta de acordo se seguem os trâmites previstos no artigo 166º - nº 2. Este último artigo - que integra o capítulo sobre a «execução para prestação de factos ou de coisas», e que versa, também, sobre a «indemnização por causa legítima de inexecução e conversão da execução» - tem um nº1 em tudo semelhante ao acabado de citar - do artigo 178º -, mas acrescenta, no seu nº.2, que na falta de acordo, o tribunal ordena as diligências instrutórias que considere necessárias, findo o que se segue a abertura de vista simultânea aos juízes-adjuntos, caso se trate de tribunal colegial, fixando o tribunal o montante da indemnização devida no prazo máximo de 20 dias.

Daqui se conclui, sem sombra de dúvida, que a inexecução da sentença que anulou o acto administrativo, por verificação de causa legítima de inexecução - impossibilidade absoluta ou grave prejuízo para o interesse público na execução da sentença -, dá lugar a uma indemnização devida pelo facto da inexecução cujo montante deverá ser fixado, em princípio, por acordo das partes, já que o tribunal só intervém nessa fixação na falta desse acordo.

O que significa que a indemnização devida - nestes casos - visa ressarcir um dano autónomo que se traduz no «facto da inexecução», sendo relativamente a este dano que «deverá ser efectuado o juízo de causalidade» quanto aos prejuízos que o devem densificar. Na verdade, sendo o dano indemnizável o facto da inexecução, resulta que não devem ser tidos em conta, na densificação do respectivo montante indemnizatório, todos os danos indemnizáveis no âmbito da responsabilização subjectiva da Administração com base na sua conduta ilegal, mas apenas aqueles que consubstanciam - no caso concreto - a perda da situação jurídica cujo restabelecimento a execução da sentença anulatória teria proporcionado ao exequente [entre outros, AC do STA de 25.02.2009, in Rº47472A]. Isto porque esta indemnização - pelo facto da inexecução - tem natureza sucedânea relativamente à reconstituição em espécie, ou seja, relativamente à reconstituição da situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado [artigos 563º do CC e 173º, nº1, CPTA].

A indemnização em causa traduz-se, assim, numa indemnização pecuniária, sucedânea da «reconstituição em espécie» que seria aplicável se não subsistisse a «causa legítima de inexecução», e o respectivo montante deverá ser encontrado, dentro dos limites do que resultar provado - das «diligências judiciais ordenadas» - através da ponderação da situação jurídica que o exequente perdeu pelo facto da inexecução. Mas, sublinhe-se, o montante da indemnização visará sempre compensar este dano da inexecução e não propriamente os prejuízos, individualizados, que ajudam a densificar este e a determinar aquele.

Temos, pois, mais em concreto, que a aferição do montante da indemnização pelo facto da inexecução terá a ver, por regra, com a ponderação judicial da diferença entre duas situações: a situação do exequente frustrado - por ver não executada a reconstituição da situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado - e a situação do exequente satisfeito - por ver cumpridas as obrigações decorrentes do título executivo, constituído pelo julgado anulatório e pela fixação judicial dos actos e operações em que a execução deverá consistir.

4. De notar, ainda, que respeitando a indemnização pelo facto da inexecução, enquanto indemnização sucedânea, a actos administrativos praticados no âmbito de procedimento de formação de contrato, a sua base factual e jurídica de aferição ganha «contornos de responsabilidade pré-contratual», em cujo âmbito se visa compensar o dano da confiança [artigo 227º CC], no caso, a confiança do exequente, enquanto concorrente, numa conduta legal da entidade adjudicante, e sempre na expectativa de vir a ser o adjudicatário. Esta compensação do dano da confiança traduz-se - como vem sublinhando a jurisprudência e a doutrina - na indemnização do chamado interesse contratual negativo, o que levaria à indemnização daqueles prejuízos que o candidato teve por participar no concurso e elaborar uma proposta que foi ilegalmente preterida, mas já não - e nomeadamente - dos lucros cessantes, que se integram no interesse contratual positivo e têm como fonte a celebração e a execução de um contrato válido com o exequente, enquanto concorrente.

Deste modo, voltando a concretizar, a aferição do montante da indemnização pelo facto da inexecução, para além da ponderação da diferença entre as duas situações - a que nos referimos antes - terá a ver, também, com a ponderação judicial da situação jurídica de se estar num âmbito pré-contratual onde, por regra, só será contemplada a indemnização de danos que não tenham por fonte a celebração e a execução do contrato.

Porém, limitada à indemnização do interesse contratual negativo - onde não caberiam os «danos» integradores do «interesse contratual positivo» -, a indemnização pelo facto da inexecução deixaria desprotegido, o aí exequente, da mais ou menos densa probabilidade, que pode raiar a certeza, de, em sede de reconstituição da situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado, lhe vir a ser adjudicado o contrato, de o celebrar e executar. A verdade é que, sendo a indemnização pelo facto da inexecução - fundamentalmente - uma compensação pela perda da situação jurídica cujo restabelecimento a execução da sentença anulatória teria proporcionado ao aí exequente, nada impede, antes tudo impõe, que, se for seguro que esse restabelecimento conduzia à «celebração do contrato», seja contemplada, na determinação do respectivo montante, a compensação de danos que integram o interesse contratual positivo. Mas - obviamente - nunca cobrindo eventuais danos que o acto anulado possa ter causado e que, pela sua natureza, a execução da sentença não teria sido, em qualquer caso, apta a remover.

Temos, pois, que na indemnização pelo facto da inexecução, quando relativa a execução de sentença anulatória de «acto praticado em procedimento de formação de contrato», deverão, por regra, ser ponderados os danos integradores do interesse contratual negativo, mas, sempre que a reconstituição da situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado, a poder fazer-se, conduzisse à forte probabilidade, ou até certeza, de que a adjudicação do contrato teria de ser feita ao exequente, podem e devem ser ponderados, na determinação do montante indemnizatório, os danos integradores do interesse contratual positivo nos termos assinalados. Neste caso, na determinação de tal montante deverá o julgador ter em conta que o exequente, face à lícita inexecução, foi privado de benefícios que obteria com a celebração e execução do contrato, onde pontificam os lucros cessantes. É esta exigência que decorre da lei ao impor a indemnização pelo facto da inexecução, isto é, pela perda da situação jurídica cujo restabelecimento a execução da sentença de anulação - de acto praticado no âmbito de procedimento pré-contratual - proporcionaria ao exequente.

Obviamente que quando o «caso concreto» impuser que no montante indemnizatório pelo facto da inexecução sejam levados em conta os danos integradores do interesse contratual positivo estará arredada a hipótese de compensação do interesse contratual negativo. Na verdade, todos os gastos que o exequente teve com o procedimento e a elaboração da proposta, na confiança de participar num procedimento legal e na expectativa de lhe vir a ser adjudicado o contrato, não foram, nesse caso, em vão, porque o tribunal teve em conta, na ponderação e fixação do montante indemnizatório «pelo facto da inexecução», aquilo que teria proporcionado ao exequente a celebração e execução do contrato. Assim, esta acumulação - da indemnização pelo «interesse contratual negativo» e pelo «interesse contratual positivo» - não poderá ocorrer, pois, e usando palavras de «AA» - in «Interesse contratual negativo e interesse contratual positivo», volume II, ..., 2008, página 1004 - existe «incompatibilidade entre o ressarcimento correspondente ao interesse contratual positivo e o interesse contratual negativo».

5. Visando a indemnização sucedânea em causa, como salientamos, compensar o dano autónomo que se traduz no «facto da inexecução», isto significa que, nos casos em que o tribunal deva - nos termos assinalados - considerar no respectivo montante indemnizatório os danos que integram o interesse contratual positivo, não é a atribuição de indemnização pela totalidade desses danos que está em causa. É que, se surge como injusta a privação da execução da sentença anulatória sem qualquer indemnização, também não parecerá justo indemnizar o exequente, sem mais, pela perda de benefícios causalmente ligados a uma efectiva execução do contrato. Esta visão de tudo ou nada revelar-se-ia contrária à justiça, e não é a que decorre da lei.

O «montante» da indemnização, ao visar ressarcir o exequente pelo dano autónomo da inexecução, nos casos em que deva ser contemplado o interesse contratual positivo, deve ser aferido, mormente, através da ponderação do valor da «perda de benefícios» que a celebração e a execução do contrato traria para o exequente, sendo tal valor caldeado, nomeadamente, pela circunstância de se tratar de indemnização sem efectiva execução do contrato. E nos casos em que não seja possível determinar, com o necessário rigor, quer o grau de probabilidade da celebração do contrato com o exequente, quer o valor dos benefícios perdidos com a falta da sua execução, será a equidade a ditar a «fixação do quantum indemnizatório», dentro dos limites provados [artigo 566º, nº.3, do CC].

35. Acompanhando e acolhendo a interpretação assim declarada por esta alta Instância, tem-se, portanto, por assente que a indemnização devida pela inexecução visa compensar o dano autónomo que se traduz no facto da inexecução do julgado - o que se traduz na indemnização pelo interesse contratual negativo –, cujo alcance esgota-se na ponderação dos prejuízos que o candidato teve por participar no concurso e elaborar uma proposta que foi ilegalmente preterida, exceto quando se conclua que a reconstituição da situação que existiria se o ato não fosse anulado conduziria à forte probabilidade, ou até certeza, de que a adjudicação do contrato teria de ser feita ao exequente, situação em que podem e devem ser ponderados exclusivamente, no cálculo indemnizatório, os danos integradores do interesse contratual positivo, onde pontificam os lucros cessantes, estando arredada aqui a hipótese de compensação do interesse contratual negativo.

36. Cientes destas premissas fundamentais, avancemos agora para uma análise meticulosa das especificidades deste caso em particular, as quais podem ser resumidas, para o que ora nos interessa, da seguinte maneira:

(i) Em 30.07.2014, o MUNICÍPIO ..., aqui Recorrente, deliberou abrir o concurso público visando a execução da empreitada de obras públicas designada “Modernização e Recuperação da Piscina Municipal coberta de ...”;

(ii) As sociedades [SCom01...], Lda., [SCom02...], S.A., ..., [SCom03...], Lda e ... – [SCom04...], S.A., apresentaram, no mesmo concurso, propostas no valor, respetivamente, de 510.000,00 €, 508.527,68 €, € 649 443,86 e € 649 883,68, tudo acrescidos de IVA;

(iii) Foi deliberado adjudicar o procedimento concursal à proposta da sociedade [SCom02...], S.A.;

(iv) A Autora, aqui Recorrida, instaurou ação de contencioso pré-contratual junto do TAF de Mirandela, peticionando a desintegração jurídica do ato adjudicatório e a condenação do Réu a adjudicar-lhes a empreitada objeto dos autos;

(v) Por sentença datada de 13.01.2015, o T.A.F. de Mirandela julgou tal ação improcedente.

(vi) Inconformada, a Autora interpôs recurso para o T.C.A Norte, que, por Acórdão datado de 17.04.2015, reverteu a decisão judicial promanada do T.A.F. de Mirandela, e condenou o MUNICÍPIO ... a adjudicar o concurso à Autora, aqui Recorrente;

(vii) O MUNICÍPIO ... interpôs recurso de revista para o STA, que, por aresto datado de 07.12.2015, concedeu parcial provimento ao mesmo e determinou adjudicação da empreitada à Autora, ora Exequente, embora condicionada à aprovação da candidatura apresentada à ON2 pelo Município;

(viii) O Município apresentou candidatura a financiamento comunitário no quadro do ... [ON.2], tendo obtido a respetiva aprovação da candidatura a 22.10.2014;

(ix) Em 24.10.2014, foi assinado entre o Município e a ... [ON.2] contrato de financiamento relativo à “Modernização e Recuperação da Piscina Municipal Coberta de ...”;

(x) De acordo com a cláusula quinta do referido contrato, a execução física e financeira da operação decorreria até 30.06.2015, devendo a execução financeira ter início no prazo máximo de 6 meses a contar da data da assinatura do contrato;

(xi) A Autoridade de Gestão ON2 notificou o Município do atraso na apresentação do 1º pedido de pagamento válido no prazo estipulado, bem como da intenção de rescisão do contrato de financiamento e revogação da aprovação do financiamento;

(xi) Em 22.07.2015, a Autora, aqui Recorrida, foi notificada de que a Câmara Municipal ... havia deliberado, em 03.06.2015, proceder à não execução da obra “Modernização e Recuperação da Piscina Municipal Coberta de ...” e anular o respetivo concurso por inviabilidade de financiamento comunitário, bem como pela necessidade de reformular o projecto.

37. Perante estes dados de facto, é nosso entendimento que a indemnização devida pela inexecução do julgado in casu traduz-se na indemnização dos danos integradores do interesse contratual positivo.

38. De facto, o tecido fáctico convocado sob os sobreditos pontos (iv) e (ix) legitima a aquisição da certeza apodítica de que, em sede de «reconstituição da situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado», a adjudicação da empreitada objeto dos autos e o contrato seria feita à Autora, aqui Recorrida.

39. Realmente, o Colendo S.T.A. emanou acórdão a determinar a adjudicação concursal à Sociedade Comercial [SCom01...], S.A, embora condicionada à aprovação da candidatura apresentada à ON2 pelo Município;

40. Ora, verificando-se a aprovação da candidatura apresentada à ON2 pelo Município - e não relevando aqui as vicissitudes procedimentais subsequentes à aprovação, refira-se, apenas imputáveis ao Recorrente -, impõe-se considerar no montante indemnizatório os danos que se integram no interesse contratual positivo e têm como fonte a celebração e a execução de um contrato válido com a Exequente, aqui Recorrida, enquanto concorrente.

41. Como se expendeu no acórdão do S.T.A., de 13.07.2021, supra citado, “(…) nos casos em que o tribunal deva - nos termos assinalados - considerar no respetivo montante indemnizatório os danos que integram o interesse contratual positivo, não é a atribuição de indemnização pela totalidade desses danos que está em causa. É que, se surge como injusta a privação da execução da sentença anulatória sem qualquer indemnização, também não parecerá justo indemnizar o exequente, sem mais, pela perda de benefícios causalmente ligados a uma efetiva execução do contrato. Esta visão de tudo ou nada revelar-se-ia contrária à justiça, e não é a que decorre da lei (…)”.

42. No contexto da falta de abrangência dos benefícios causalmente ligados a uma efetiva execução do contrato que se ora vem de assinalar, é nosso entendimento firme que o cálculo dos danos relativos ao interesse contratual positivo da Exequente, aqui Recorrida, esgota-se na ponderação do lucro projetado com a adjudicação concursal.

43. Realmente, a Exequente não executou a empreitada visada nos autos, o que afasta a ponderação de qualquer prejuízo tido por conta da execução da mesma, tornando qualquer resolução em torno da admissibilidade de tais prejuízos no cálculo indemnizatório um exercício inócuo e estéril, por desprovido de qualquer fundamento.

44. O que se impõe contabilizar, portanto, é apenas o lucro que a Exequente obteria por conta da adjudicação concursal e nada mais.

45. Na situação vertente, a margem de lucro considerada pela Exequente na proposta apresentada a concurso não resultou sequer provada, pelo que, na senda da linha jurisprudencial ora acolhida, “(…) será a equidade a ditar a «fixação do quantum indemnizatório», dentro dos limites provados [artigo 566º, nº. 3, do CC] (…)”.

46. Dessa sorte, impera começar por convocar o teor da jurisprudência emanada por este T.C.A. Norte, que vem fixando em 10% do valor global da proposta o critério base para apuramento do montante indemnizatório em situações equivalentes [cfr. acórdãos de 04-05-2018, proc. N.° 01606/13.3BEBRG-A, e de 09-11-2012, proc. n° 00410-A/2003-COIMBRA].

47. Porém, sendo este um critério de caráter universalista, a sua aplicação ao caso dos autos carece de ser pontilhada com a representação duma época de crise no setor da construção civil no período mediado entre 2008 a 2015, com quebras significativas no volume de negócios e redução dos preços dos bens fornecidos, sendo a margem de lucro comummente praticada no setor das obras públicas de era 20% sobre os custos e abaixo de 10% sobre o preço de venda.

48. Em tais termos, e apelando ao escopo harmonizador no julgamento a realizar, somos a considerar que a fixação da indemnização deve corresponder a 7% do valor global da proposta apresentada pela Exequente.

49. Deste modo feita, e sopesando o valor global da proposta que a Exequente apresentou no concurso para a empreitada visada nos autos, a saber, de 510,000,00 €, o valor equitativo dos lucros cessantes a tomar em consideração para a operação subsequente de apuramento do montante indemnizatório final corresponde a 35,700 €.

50. O Tribunal a quo, com maior ou menor variação de fundamentação, acaba por atingir um valor indemnizatório idêntico, de modo que se impõe confirmar a sentença recorrida na linha da presente motivação de direito, situação que tem um verdadeiro efeito de implosão em relação a todas as objeções veiculadas nas conclusões de recurso.

51. O presente recurso jurisdicional, não merece, portanto, provimento.

52. Assim se decidirá.


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V – DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam em conferência os Juízes da Subsecção de Contratos Públicos da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da C.R.P., em NEGAR PROVIMENTO ao recurso jurisdicional em análise, e confirmar a sentença recorrida.

Custas do recurso pelo Recorrente.

Registe e Notifique-se.

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Porto, 27 de setembro de 2024,

Ricardo de Oliveira e Sousa

Tiago Afonso Lopes de Miranda

Clara Ambrósio