Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00230/08.7BEMDL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/07/2019
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:ANULAÇÃO PARCIAL DA LIQUIDAÇÃO, REPORTE DE PREJUÍZOS, PRESSUPOSTOS, DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO, AMPLIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO, COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL EM RAZÃO DA HIERARQUIA.
Sumário:: I - A divisibilidade do acto tributário constitui o argumento utilizado pela jurisprudência para fundamentar a possibilidade da decisão judicial de anulação parcial dos actos tributários.

II - Baseando-se na classificação dos actos administrativos divisíveis a jurisprudência dos Tribunais Superiores abundantes vezes já afirmou que os actos que imponham a obrigação de pagamento de uma quantia, como é o caso dos actos de liquidação de tributos, são naturalmente divisíveis uma vez que correspondem a um quantitativo pecuniário e são apurados através de operações aritméticas, divisibilidade essa que igualmente resulta da própria lei.

III - A anulação parcial é admissível quando haja uma ilegalidade apenas parcial ou quando o fundamento da anulação apenas afecte uma parte do acto. Assim já não acontece no caso de acto tributário que assente na fixação da matéria tributável por métodos indirectos.

IV - Reconhecendo-se que o acto tributário está inquinado de ilegalidade que só em parte o invalida, deve anular-se só nessa parte, deixando-o subsistente no segmento em que nenhuma ilegalidade o fira.
V - O artigo 47.º, n.º 2, do CIRC (redacção em vigor em 2005) não proíbe que, num exercício em que o lucro tributável é apurado a partir da contabilidade do sujeito passivo, sejam deduzidas perdas de anos anteriores, ainda que apuradas por métodos indirectos, desde que respeitado o limite de tempo nele fixado.

VI - Tratando-se de mera recusa de algum dos fundamentos da acção ou da defesa ou de nulidade que não tenham interferido, porém, no resultado que foi favorável à parte, a esta não cabe reagir mediante a interposição de recurso (nem subordinado, nem independente), antes mediante a ampliação do objecto do recurso nas contra-alegações, de forma a obter uma resposta favorável às questões que suscitou, prevenindo o eventual acolhimento pelo tribunal ad quem dos argumentos de facto ou de direito suscitados pelo recorrente.*
* Sumário elaborado pelo relator
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

A Excelentíssima Representante da Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, proferida em 10/12/2015, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida por T. -., Lda., NIPC (...), contra o acto de liquidação de IRC, respeitante ao exercício de 2005, no montante de €56.689,30; anulando-o.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
1) “O presente recurso jurisdicional vem interposto contra a, aliás douta, sentença proferida pelo TAF de Mirandela, que julgou procedente a impugnação judicial que a sociedade Impugnante havia deduzido contra a Liquidação n.º 2008 8 31 0034783, de 03-07-2008, relativa a IRC do exercício de 2005, a final determinando a sua anulação.
2) Contudo, o Tribunal a quo mostrou-se vago e redundante na fixação dos factos que, com interesse para a decisão a proferir, julgou provados, razão pela qual a Fazenda Pública entende que, por um lado, devem os pontos 5. e 6. do probatório ser dele expurgados, pois dizem respeito a factualidade que nada tem a ver com a questão a apreciar e decidir, designadamente a prejuízos fiscais ocorridos, na esfera da Impugnante, no exercício de 1998, quando o thema decidendum consiste em saber se existiam ou não existiam prejuízos fiscais ocorridos no exercício de 1999 e, em caso afirmativo, se os mesmos eram reportáveis na liquidação de IRC impugnada, relativa ao exercício de 2005.
3) Por outro lado, deve toda a matéria de facto ser reformulada, nos termos que ficaram propostos no artigo 5.° da presente peça, por se nos afigurar que, dessa forma, os factos surgem cronologicamente ordenados, de uma forma mais precisa ou concisa, sempre em atenção à questão que ao Tribunal cabe apreciar e decidir.
4) Aqui chegados, cumpre dizer que é certo que a Impugnante, na sua declaração de rendimentos, Modelo 22, relativa ao exercício de 1999, declarou prejuízos fiscais no valor de € 186 815,52, o qual, no âmbito de uma acção de inspecção tributária, foi objecto de correcção, para menos, vindo a ser definitivamente fixado em € 128 946,45.
5) A Impugnante não lançou mão de qualquer meio gracioso ou judicial de impugnação ou recurso contra a sobredita correcção, efectuada pela AT, pelo que o valor dos prejuízos fiscais ocorridos na sua esfera, imputáveis ao exercício de 1999 e assim fixado, se consolidou ou cristalizou na ordem jurídica (cfr. artigo 60.° do CPPT), em nada relevando a chamada à colação, por parte da Impugnante, de uma impugnação judicial (Processo 240/2003, do TAF de Mirandela) de cuja instância a aqui recorrente foi absolvida, o que equivale, para todos os efeitos legais, a uma não impugnação.
6) Assim, assistia à Impugnante o direito de reportar os prejuízos fiscais ocorridos no exercício de 1999, em um ou mais dos seis exercícios seguintes àquele a que eles respeitam, ou seja, nos exercícios de 2000 a 2005, logo que, nos exercícios em que o reporte se verificasse, a matéria tributável se mostrasse apurada por meio de avaliação directa (cfr. artigo 47.°, n.°s 1 e 2, do CIRC, ao tempo)
7) Tal apenas ocorreu no exercício de 2005 (último em que o sobredito reporte de prejuízos fiscais relativos ao exercício de 2005 era legalmente admissível), em que a Impugnante reportou o montante de € 78 343,21, igual ao valor da matéria tributável que declarou.
8) Contudo, no âmbito de nova acção de inspecção tributária, desta circunscrita, entre os mais, ao exercício de 2005, ao valor da matéria tributável declarado pela Impugnante (€ 78 343,21), a AT acresceu o montante de € 132 892,74, relativa ao Excesso de majoração das amortizações, fixando-a, definitivamente, no valor de € 211 235,95, mantendo, porém, o valor que a Impugnante havia reportado, a título de prejuízos fiscais ocorridos no exercício de 1999, na importância de € 78 343,21, quando a este deveria, também, ter acrescido o valor ainda remanescente desses prejuízos fiscais, no montante de € 50 603,24, pois o seu montante total, de € 128 946,45, continha-se no valor da matéria tributável fixada.
9) Mas, pelo facto de assim não ter acontecido, não podia o Tribunal a quo ter anulado, pura e simplesmente a liquidação, pois, mesmo que a AT tivesse efectuado o reporte do valor total dos prejuízos fiscais ocorridos no exercício de 1999 (€ 128 946,45), ainda assim, da liquidação do IRC relativo ao exercício de 2005, resultaria, para a Impugnante, imposto a pagar, já que o resultado da aplicação da taxa normal de IRC (25%) à diferença positiva entre o valor da matéria tributável fixada (€ 211 235,95) e o montante total dos prejuízos fiscais relativos ao exercício de 1999 (€ 128 946,45) é € 20 572,38.
10) Contudo, o Meritíssimo Juiz a quo, parecendo fazer tábua rasa do interesse público na cobrança de um crédito do estado, relativo a impostos, que, como visto, se mostrava devido, optou, pura e simplesmente, por anular a liquidação impugnada, assim sonegado, à AT, o salutar e elementar direito de, por via da execução do julgado, concretizar a indisponibilidade dos créditos públicos, relativos a impostos e o superior interesse público na sua cobrança.
11) Razões pelas quais, a sentença sob recurso se mostra pouco defensável, para não dizer insustentável, devendo, por isso, ser objecto de revogação e subsequente substituição por outra, que sirva o fim primordial do Direito, que a justiça.

Nestes termos e nos mais de Direito, que hão-de ser por V. Ex.as, com certeza, doutamente supridos, deverá o presente recurso jurisdicional, depois de admitido, ser julgado procedente, determinando-se a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra, que ordene a anulação parcial da Liquidação n.º 2008 8 31 0034783, de 03-07-2008, relativa a IRC do exercício de 2005, na parte em que não acresceu, aos prejuízos fiscais ocorridos no exercício de 1999, o valor remanescente de €50.603,24, ainda não utilizado ou reportado, nesses termos impondo à AT a reformulação da liquidação.
Dest'arte, farão V. Ex.as, como a isso já nos acostumaram, a almeja JUSTIÇA!”
****
A Recorrida contra-alegou, apresentando as seguintes conclusões:
1. “A Fazenda Pública não recorreu da matéria de facto pelo que este Venerando Tribunal é incompetente para a apreciação do recurso.
2. Ainda que assim não se entenda, o presente recurso deve improceder por a decisão do tribunal a quo não merecer qualquer censura por ter anulado a liquidação da FA, porquanto tal liquidação não teve em conta prejuízos fiscais manifestamente dedutíveis, dedutibilidade, essa, que a FP nem sequer coloca em causa no presente recurso.
3. Mais importante do que o interesse público na cobrança dos impostos releva o interesse público de que essa cobrança se faça de acordo com a legalidade vigente, algo que o Digno Tribunal a quo manifestamente sancionou.
4. A Impugnante alega na presente acção de impugnação outros fundamentos que, no seu entender, levam à anulação do acto tributário de liquidação e que até ao momento não foram apreciados pela primeira instância, por tal apreciação ter ficado prejudicada por sentenças judiciais favoráveis à impugnante e fundamentadas em diferentes questões de facto e de direito.
5. Esses fundamentos são: ilegalidade da liquidação oficiosa por recurso ilegal à avaliação por métodos indirectos para determinação da matéria tributável; e ilegalidade da liquidação por não ter sido tomado em consideração o valor de € 35.791,00 de amortizações para efeitos da respectiva majoração.
6. Devem os autos baixar à primeira instância para apreciação das questões mencionadas na conclusão anterior, a fim de garantir à Impugnante o acesso à Justiça e ao duplo grau de jurisdição.
7. Caso se entenda que os autos não devem baixar à primeira instância para apreciação das supramencionadas questões, então devem tais questões ser apreciadas por este Venerando Tribunal, nos termos do artigo 636.º do CPC, requerendo-se para o efeito, e uma vez mais, o alargamento do âmbito do recurso.
8. A correcção das majorações levada a efeito pela Fazenda Pública não consiste numa avaliação directa da escrita comercial da Impugnante.
9. Tal correcção também não consiste numa operação aritmética simples na medida em que envolve uma regra linear de proporcionalidade de índole subjectiva.
10. A correcção das majorações efectuada pela Fazenda Pública consiste na aplicação de métodos indirectos - avaliação indirecta -, porquanto calcula as amortizações do exercício com recurso a taxas médias e a coeficientes médios.
11. A matéria colectável obtida com a correcção da AT é uma presunção da matéria colectável, uma tentativa de aproximação ao montante de rendimento da Impugnante sujeito a imposto.
12. Não é aceitável que a AT escolha uma aproximação ou uma presunção do valor da matéria colectável quando tem TODA a informação contabilística necessária ao cálculo do imposto realmente devido.
13. O recurso aos métodos indirectos (avaliação indirecta) não é admitido nos presentes autos por não se verificarem os pressupostos da sua aplicação.
14. A própria AT reconhece que o recurso à avaliação indirecta não é aplicável nos presentes autos. (vide pág. 11 do Relatório)
15. A Fazenda Pública violou desta forma o artigo 87.º da Lei Geral Tributária.
16. Nos termos do artigo 87.º da Lei Geral Tributária, o recurso à avaliação indirecta "só pode efectuar-se" nas situações legalmente previstas.
17. Esta norma prevê uma verdadeira nulidade, susceptível de ser conhecida oficiosamente e a todo o tempo, pois é ela própria o corolário directo do disposto no n.º 3, do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa, segundo a qual Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei (sublinhado nosso).
18. Padecendo a liquidação dos presentes autos da nulidade que ora se invoca, deve a mesma ser anulada e declarada de nenhum efeito, julgando-se o recurso improcedente.
19. Ainda que assim se não entenda, sempre se diga que o critério utilizado pela Fazenda Pública na majoração das amortizações é inaceitável.
20. Primeiro porque estabelece uma proporcionalidade entre o valor global do activo da Impugnante, quando o deveria ter feito em relação aos equipamentos amortizáveis nesse exercício, sob pena de estar a considerar para efeitos de cálculo equipamento já totalmente amortizado.
21. Segundo porque o recurso à proporcionalidade não se justifica por o mapa de amortizações da Impugnante se encontrar ao dispor da Fazenda Pública para efeitos de determinação dos valores amortizáveis e as consequentes majorações a efectuar.
22. A Impugnante tem a faculdade de escolher as amortizações que pretende ver majoradas, por força do princípio da autoliquidação do imposto.
23. A Impugnante procedeu a essa escolha e disso informou a FP.
24. A AT nem permitiu que a Impugnante elegesse as despesas de investimento, nem tampouco recorreu ao mapa de amortizações constante da contabilidade da Impugnante.
25. Na sentença proferida nos presentes autos, o Supremo Tribunal Administrativo declarou que a Impugnante tem o direito de escolher as amortizações que pretende ver majoradas.
26. Deveria ser tomado em consideração o valor de € 35.791,00 de amortizações para efeitos da respectiva majoração, amortizações que a Impugnante especificamente escolheu, tendo para o efeito juntado com a petição inicial o competente mapa de amortizações.
27. Por esta escolha não ter sido atendida deve a liquidação objecto dos presentes autos ser devidamente anulada.
28. Caso ainda assim se não entenda, deve ainda a liquidação ser anulada por não ter tomado em consideração a dedutibilidade dos prejuízos fiscais ocorridos em 2002, ocorrência essa que foi alegada e provada pela impugnante e em momento algum foi contestada pela FP.
Nestes termos e nos mais de Direito deve:
1. O presente recurso ser julgado liminarmente improcedente, por este TCAN ser materialmente incompetente para apreciação do mesmo.
2. Caso assim não se entenda, deve o presente recurso improceder por a pretensão da Fazenda Pública não merecer qualquer acolhimento.
3. Caso ainda assim não se entenda, requer-se o alargamento do âmbito o recurso, e, consequentemente, devem os presentes autos baixar à primeira instância para apreciação de duas questões levantadas pela Impugnante na sua petição inicial e ainda não decidas por nenhuma instância: i) ilegalidade da liquidação por recurso indevido a métodos indirectos de avaliação da matéria tributável e ii) ilegalidade da liquidação por não ter sido tomado em consideração a escolha feita pela Impugnante das amortizações que pretende ver majoradas.
4. Finalmente, requer-se o alargamento do âmbito do recurso quanto à apreciação da questão da dedutibilidade dos prejuízos fiscais ocorridos no ano de 2002, a qual deve ser julgada procedente, com as legais consequências,
Assim se fazendo Justiça!”
****
O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso.
****
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
***
II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento da matéria de facto e de direito, ao determinar a anulação total da liquidação de IRC de 2005.
Caberá, antes de mais, apreciar a suscitada incompetência do tribunal, em razão da hierarquia.
Posteriormente, na eventualidade de provimento do recurso, analisar-se-á o requerimento de ampliação do objecto deste, onde se mostram colocadas as seguintes questões:
i) dedutibilidade dos prejuízos fiscais ocorridos no ano de 2002;
ii) ilegalidade da liquidação por recurso indevido a métodos indirectos de avaliação da matéria tributável;
iii) ilegalidade da liquidação por não ter sido tomado em consideração a escolha feita pela Impugnante das amortizações que pretende ver majoradas.
III. Fundamentação

1. Questão prévia – Incompetência do tribunal, em razão da hierarquia
Tendo sido suscitada pela Recorrida, nas suas contra-alegações, a questão da incompetência deste tribunal para apreciar o recurso interposto da sentença final, por não haver controvérsia factual a dirimir, importa conhecer de tal questão dado que a mesma merece imediata e prioritária apreciação face ao disposto nos artigos 16.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e 13.º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).
Na verdade, a competência dos tribunais administrativos, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de outra matéria – cfr. artigo 13.º do CPTA, ex vi artigo 2.º, alínea c), do CPPT.
A incompetência em razão da hierarquia determina a incompetência absoluta do tribunal, a qual é do conhecimento oficioso e pode ser arguida até ao trânsito em julgado da decisão final (cfr. artigo 16.º do CPPT).
A declaração de incompetência em razão da hierarquia permite que o interessado requeira a remessa do processo ao tribunal competente, que deve ser indicado na decisão que a declare, para o que dispõe do prazo de 14 dias a contar da notificação daquela decisão (cfr. artigo 18.º, n.º 2, do CPPT).
Resulta do disposto nos artigos 26.º, alínea b), e 38.º, alínea a), ambos do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, que a Secção do Contencioso Tributário do S.T.A. conhece em segundo grau de jurisdição dos recursos de decisões dos tribunais tributários com exclusivo fundamento em matéria de direito; e a Secção do Contencioso Tributário do T.C.A. conhece em segundo grau de jurisdição dos recursos de decisões dos tribunais tributários que não tenham como exclusivo fundamento matéria de direito.
Ora, nos termos do artigo 280.º, n.º 1 do CPPT, das decisões dos Tribunais Tributários de 1.ª Instância cabe recurso a interpor, em primeira linha, para os Tribunais Centrais Administrativos, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que tal recurso tem de ser interposto para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.
Por outro lado, é sabido que, nos termos do artigo 641.º, n.º 5 do CPC ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT, o despacho que admitiu o recurso não vincula o Tribunal Superior, pelo que nada obsta a que se aprecie e decida oficiosamente da incompetência do T.C.A. “ad quem” em razão da hierarquia.
O S.T.A. tem entendido que, para determinação da competência hierárquica, em face do preceituado nos artigos 26.º, alínea b), e 38.º, alínea a) do E.T.A.F. e artigo 280.º, n.º 1, do C.P.P.T., o que é relevante é que o recorrente, nas alegações de recurso e respectivas conclusões, suscite qualquer questão de facto ou invoque, como suporte da sua pretensão, factos que não foram dados como provados na decisão recorrida. E que o recurso não versa exclusivamente matéria de direito, se nas respectivas conclusões se questionar a questão factual, manifestando-se divergência, por insuficiência, excesso ou erro, quanto à matéria de facto provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, quer porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, quer ainda porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos.
Ora, é ostensivo, nas conclusões 2 e 3 das alegações de recurso, que a Recorrente não só solicita a eliminação dos pontos 5 e 6 do probatório, devido a erro na selecção da matéria de facto e alertando para a sua irrelevância, bem como pretende uma total reformulação da decisão da matéria de facto.
Assim, é ponto assente que, relativamente à questão que delimita o objecto do recurso da sentença, é posta em causa a factualidade dada como provada, tanto mais, como veremos, este tribunal tomará posição acerca do alegado nas conclusões 2 e 3, dando parcial procedência conforme III 2.1 infra. O que significa que existe controvérsia factual a dirimir e que a matéria controvertida neste recurso não se resolve mediante uma exclusiva actividade de aplicação e interpretação dos preceitos jurídicos invocados.
De todo o exposto decorre que o recurso da sentença interposto nos autos não tem exclusivo fundamento em matéria de direito. Pelo que improcede a excepção invocada pela Recorrida nas suas contra-alegações.

2. Matéria de facto
Da sentença prolatada em primeira instância, consta decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
Com interesse para a decisão dão-se por provados os seguintes factos:
1. Em data que não se pôde apurar a Impugnante foi notificada da liquidação adicional de IRC respeitante ao ano de 2005, cujo pagamento voluntário terminou em 20/8/2008, no valor de 56.689,30 € - Fls. 28 do PA e PI e Contestação;
2. Antes, teve lugar uma acção inspectiva iniciada em 15/4/2008 à contabilidade da Impugnante determinada pela Ordem de Serviço n.º 0I200800279, de 24/3/2008, da DDF de V. R., em sede de IRC, cuja incidência temporal foram os anos de 2004, 2005 e 2006, da qual resultaram correcções meramente aritméticas à matéria tributável — Fls. 4 e 9 do PA;
3. Dá-se aqui por reproduzido o Relatório ínsito no PA com data de 12/5/2008, com o seguinte destaque (no que se refere ao ano de 2005): "2005// Excesso de majoração das amortizações: (Valor) 132.892,74// Lucro tributável Declarado: 78.343,21 €// Lucro tributável após correcções: 211.235,95€ (...) III - Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável // a) analisados os balancetes e os mapas de amortizações da empresa verificamos: Activo Imobilizado (...) 2005// 6.727.034,55 €// Am.s do exercício (...) 478.452,22 €// b) No campo 234 do quadro 7 da declaração modelo 22 de IRC foram deduzidos os seguintes valores relativamente a majoração das amortizações: (...) 2005// 143.535,67 € // c) Nos termos do art.º 8.º da Lei n.º 171/99 podem ser majorados em 30% as amortizações relativas a despesas de investimento até 498.797,90 € sendo que o sujeito passivo majorou a totalidade das amortizações dos exercícios de (...) 2005 (...) // d) Nesta conformidade cumpre-me apurar o valor a acrescer ao lucro tributável dos anos (...) 2005 respeitante a majoração das amortizações, a saber: Designação// Investimento realizado: 6.727.034,55 €// Máximo de investimento aceite: 498.798,00 €// 7,41%// Am.s do Exercício 478.452,22 €// Am.s que podem ser majoradas: 34.476,41 € Majoração aceite: 10.642,92 C// Majoração efectuada 143.535,67 €// Diferença: // 132.892,74 € ";
4. Em data não alegada a Impugnante deu entrada com uma impugnação judicial da liquidação adicional de IRC de 1998 e 1999 que recebeu o n.º …. no TAF de Mirandela — 2ª parte do art.º 29.º da PI, não impugnado na contestação
5. Dá-se aqui por reproduzida a PI desses autos, com o seguinte destaque: "Do Projecto de Decisão (...)//(...) Quanto ao ponto 3.1.1.8 do Relatório, é referido que existe anormalidade/invulgaridade no valor de Esc. 180.901.840$00 relativo a custos e perdas extraordinárias do exercício (conta 697) (...) // Sendo o ónus da prova da impressibilidade/desconhecimento caberia ao contribuinte, in casu o ora impugnante; // a qual não teria carreado para a Inspecção Tributária os necessários elementos probatórios; (...) Da resposta da ora lmpugnante (...)// Ponto 3.1.1.8 do Relatório: a este respeito a ora lmpugnante invoca o douto acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 5 de Fevereiro de 2003, o qual determina que havendo contabilização dos custos, embora com erro no tocante aos exercícios respectivos, e tal não resultar de omissões voluntárias ou intencionais, o princípio da especialização de exercícios deve tendencialmente conformar-se e ser interpretado de acordo com o princípio da justiça, com previsão no art.º 55.º da LGT" (sublinhado da lmpugnante) // Mais reiterando o seu entendimento que só a partir de 1998 era possível à ora impugnante lançar o valor dos custos a título de resultados de exercícios anteriores, pois só nessa altura tinha todos os documentos vinculativos (...) // Pelo que deve ser proferida douta decisão deferindo a reclamação graciosa e anulando as liquidações em epígrafe (...)"- cfr. PA;
6. O ponto 3.1.1.8 diz respeito ao exercício de IRC de 1998 — Fls. 134 a 137 dos autos
7. A matéria tributável do ano de 1999 foi apurada segundo o critério da avaliação directa — Fls. 133 a 148;
8. Dá-se aqui por reproduzido o relatório da inspecção da AT referente à liquidação adicional de IRC do ano de 1999, com o seguinte destaque:

[imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)”
9. No ano de 1999 a Impugnante declarou um prejuízo fiscal no valor de 37.453.149$00/186.815,52 € - Fls. 128;
10. Utilizou parte desse crédito fiscal no ano de 2005, no valor de 78.343,21 € - art.º 9.º do requerimento de fls. 12, não impugnado.
11. Nesse processo foi proferida decisão, que transitou em julgado, que recusou o recebimento da impugnação judicial, porque, em resumo, a Impugnante não demonstrou ter autoliquidado a taxa de justiça inicial com a apresentação da PI - Fls. 276 a 278;”

2.1. A Recorrente começa por se insurgir contra esta decisão da matéria de facto, afirmando que o Tribunal a quo se mostrou vago e redundante na fixação dos factos que, com interesse para a decisão a proferir, julgou provados, solicitando a eliminação dos pontos 5. e 6. do probatório, pois dizem respeito a factualidade que nada tem a ver com a questão a apreciar e decidir, designadamente a prejuízos fiscais ocorridos, na esfera da Impugnante, no exercício de 1998, quando o thema decidendum consiste em saber se existiam ou não existiam prejuízos fiscais ocorridos no exercício de 1999 e, em caso afirmativo, se os mesmos eram reportáveis na liquidação de IRC impugnada, relativa ao exercício de 2005.
Ora, compreendemos que a matéria vertida nos pontos 5. e 6. do probatório surge por força da alegação na petição inicial de que se encontra pendente uma impugnação judicial de liquidação adicional de 1999, que corre termos sob o n.º ….no TAF de Mirandela. Na verdade, como consta do ponto 4 do probatório, essa petição de impugnação dirige-se igualmente ao IRC de 1998. Contudo, nos presentes autos, nada foi alegado pelas partes no que tange à liquidação referente ao exercício de 1998.
Relembramos que o juiz só se pode pronunciar sobre os factos alegados pelas partes ou daqueles que a lei manda conhecer oficiosamente – cfr. artigos 660.º, n.º 2, e 264.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC).
O certo é que o tribunal só deve realizar ou ordenar oficiosamente diligências tendentes à descoberta da verdade material relativamente a factos que tenham sido alegados (ou que sejam de conhecimento oficioso) – cfr. artigo 99.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT).
Na verdade, também em processo tributário a actividade inquisitória está limitada aos factos alegados pelas partes e aos do conhecimento oficioso, como decorre dos artigos 99.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária e 13.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer”).
Alertamos, ainda, que o juiz não tem que se pronunciar acerca de toda a factualidade invocada pelas partes, devendo seleccionar aquela que se mostre relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, que deva considerar-se controvertida – cfr. artigo 511.º, n.º 1 do CPC. Portanto, o que releva é que as partes tenham invocado factos relevantes para o exame e decisão da causa, que devam considerar-se controvertidos ou necessitados de prova – cfr. artigos 265.º, n.º 3 e 513.º do CPC, bem como os correspondentes actuais artigos 5.º, 410.º e 411.º do CPC.
Nestes termos, serão esses factos alegados que deverão ser seleccionados, tendo em conta, no que agora importa, a questão do reporte de prejuízos dos anos de 1999 e de 2002 alegada na petição inicial, reiterada neste recurso e na ampliação deste.
Logo, impõe-se expurgar da decisão da matéria de facto os pontos 5 e 6, tanto mais que este último visa, tão-só, explicitar que o vertido no ponto anterior se refere ao IRC do exercício de 1998, que, manifestamente, não se mostra questionado nos presentes autos, nem contende, ainda que incidentalmente, com qualquer questão suscitada.
Acrescenta a Recorrente dever toda a matéria de facto ser reformulada, nos termos que ficaram propostos no artigo 5.° das suas alegações de recurso, por se lhe afigurar que, dessa forma, os factos surgem cronologicamente ordenados, de um modo mais preciso ou conciso, sempre em atenção à questão que ao Tribunal cabe apreciar e decidir.
Reconhecemos que a apresentação da factualidade, tal como proposta pela Recorrente, é mais escorreita, de melhor e mais fácil apreensão. Todavia, vistos e ponderados todos os pontos, verificamos que a matéria de facto constante da decisão recorrida e a elencada pela Recorrente correspondem integralmente. Assim, sendo apenas uma questão de estilo na exposição que estará em causa, não se observando erros técnicos evidentes, não se justifica efectuar qualquer alteração à restante factualidade, que deverá, agora, entender-se estabilizada.

3. O Direito

O presente recurso jurisdicional vem interposto contra a sentença proferida pelo TAF de Mirandela, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial que a Recorrida havia deduzido contra a liquidação de IRC, relativa ao exercício de 2005, tendo, a final, determinando a sua anulação.
Defende que não podia o Tribunal a quo ter anulado, pura e simplesmente, a liquidação, pois, mesmo que a AT tivesse efectuado o reporte do valor total dos prejuízos fiscais ocorridos no exercício de 1999 (€ 128 946,45), ainda assim, da liquidação do IRC relativo ao exercício de 2005, resultaria, para a Impugnante, imposto a pagar, já que o resultado da aplicação da taxa normal de IRC (25%) à diferença positiva entre o valor da matéria tributável fixada (€ 211 235,95) e o montante total dos prejuízos fiscais relativos ao exercício de 1999 (€ 128 946,45) é € 20 572,38.
A Recorrente não coloca, portanto, em causa a decisão de mérito de reportar a totalidade dos prejuízos fiscais ocorridos em 1999 na liquidação impugnada de IRC de 2005, pretendendo, apenas, a revogação da decisão recorrida na parte que anula totalmente a liquidação e a sua substituição por outra que ordene a anulação parcial da Liquidação n.º 2008 8 31 0034783, de 03-07-2008, relativa a IRC do exercício de 2005, na parte em que não acresceu, aos prejuízos fiscais ocorridos no exercício de 1999, o valor remanescente de €50.603,24, ainda não utilizado ou reportado, nesses termos impondo à AT a reformulação da liquidação.
Em boa verdade, do discurso fundamentador da sentença recorrida não se alcança a motivação para anular totalmente a liquidação impugnada. Vejamos:
“(…) Dedução de prejuízos fiscais tidos no exercício de 1999.
O que esteve em discussão no processo 240/2003 foi parte do crédito fiscal da Impugnante, porque, do valor declarado de 37.453.149$00/186.815,52 €, apenas não foi reconhecido o montante de 11.601.834$00/ 57.869,07 €.
Dispunha o art.º 47.º, n.º 1 do CIRC à data dos factos, que os prejuízos fiscais apurados em determinado exercício, nos termos das disposições anteriores, são deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais dos seis exercícios posteriores.
Visto este preceito isoladamente é claro que os prejuízos fiscais apurados, seja por avaliação directa ou indirecta (cfr. art.º 81.º da LGT), são dedutíveis ao lucro tributável.
Contudo o n.º 2 daquela norma dispõe que nos exercícios em que tiver lugar o apuramento do lucro tributável com base em métodos indirectos, os prejuízos fiscais não são dedutíveis, salvaguardando a dedução daqueles que não tenham sido anteriormente deduzidos, dentro do período daqueles seis anos posteriores.
Este preceito só pode ser interpretado da seguinte maneira: Apesar de não poderem ser deduzidos os prejuízos que ocorreram nos anos em que se apurou o lucro tributável com base em métodos indirectos, nada impede que sejam deduzidos aos lucros tributáveis, os prejuízos de um ou mais dos seis exercícios anteriores, quando a matéria tributável foi avaliada ou calculada directamente segundo os critérios de cada tributo.
Neste caso, nada impediria o Impugnante de, relativamente ao lucro do exercício do ano de 2005, deduzir os prejuízos de 1999 e de 2002, se, nestes anos, a matéria tributável tivesse sido calculada segundo os critérios de avaliação directa.
Vimos que a Impugnante não provou, e nem sequer alegou, que a matéria tributável referente a 2002 tivesse sido apurada segundo o critério da avaliação directa - pelo que a impugnação só pode proceder relativamente à dedução dos prejuízos fiscais apurados referentes ao ano de 1999, e ainda não utilizados no ano de 2005, no valor de 50.602,51€ (186.815,52 € de prejuízo fiscal declarado - 57.870,00 € não reconhecido na inspecção referente ao exercício de 1999 - 78.343,21€ de prejuízo utilizado em 2005).
DECISÃO
Pelo exposto julgo procedente esta impugnação parcialmente procedente e anulo a liquidação em causa. (…)”
Apesar de o segmento decisório se apresentar algo equívoco – julgo procedente esta impugnação parcialmente procedente – a condenação em custas, pela sua necessária sintonia com a decisão, revela que o tribunal pretendeu julgar a impugnação parcialmente procedente: custas pela FP e pela Impugnante, na proporção de, respectivamente, ¾ e ¼.
O pedido formulado na petição inicial apresenta-se alternativo: “(…) ser anulada a liquidação em epígrafe, ou em alternativa ser compensada com o crédito de imposto acima mencionado (…)”.
Desde início, não obstante as várias decisões já proferidas nos autos, que se mostravam identificadas na petição inicial três questões fundamentais a resolver: a de saber se a correcção por excesso de majoração das amortizações tem suporte legal, se a taxa aplicável é a utilizada de 25% ou a de 20% e ainda se há ou não lugar à dedução de prejuízos fiscais (crédito de imposto segundo a invocação da impugnante) relativos a 1999 e a 2002.
Embora, no final, a petição inicial apontar para um pedido alternativo, a interpretação que fazemos da mesma, tudo visto, não pode deixar de entrever uma única pretensão – a eliminação da liquidação adicional de IRC do exercício de 2005 da ordem jurídica – que equivale a não ter a Recorrida que pagar imposto nesse ano.
As duas primeiras questões que referimos contendem linearmente com a anulação da liquidação. Vejamos a ilação da impugnante na sua petição de impugnação: “Assim, a correcção de IRC relativa ao ano de 2005 deve ser anulada, desde logo na parte em que excede o valor acima mencionado (…)”. A terceira questão está ligada ao pedido de compensação e aos reflexos do reporte de prejuízos na liquidação de IRC de 2005. Vejamos a conclusão da impugnante na sua petição inicial: “(…) e no remanescente, por compensação com o crédito fiscal relativo a prejuízos dos anos de 1999 e 2002, no valor de €135.907,35”.
Ora, o reporte dos prejuízos fiscais de 1999 e de 2002 na liquidação de IRC de 2005 significará, necessariamente, uma alteração desta, o que poderá corresponder ao não apuramento de imposto a pagar, equivalendo à anulação da liquidação, se os prejuízos cobrirem integralmente o lucro tributável.
Logo, a pretensão da impugnante, ora Recorrida, não deixa de ser única: atacar a liquidação adicional com os três fundamentos indicados na petição inicial, tendo em vista o não apuramento de imposto a pagar.
Considerando que numa primeira decisão, em recurso, o STA revogou a sentença na parte recorrida, ficando julgadas as duas primeiras questões de forma improcedente, e determinou a remessa dos autos à primeira instância para conhecimento da terceira questão que havia ficado prejudicada pela solução encontrada anteriormente para o litígio; verifica-se que, independentemente do desfecho da acção, a anulação da liquidação seria sempre apenas parcial, pois, as duas primeiras questões elencadas na petição inicial, contendentes com a base essencial da correcção efectuada pela AT (benefício fiscal relativo à interioridade) e que sustentou a liquidação adicional, já estão definitivamente julgadas improcedentes, sendo de salientar que se prendem com aspectos quantitativos decorrentes de correcções ou ajustes meramente aritméticos.
Efectivamente, deve reconhecer-se que os Tribunais Tributários sempre têm procedido à anulação parcial dos actos tributários, igualmente prevendo a lei tal possibilidade (cfr. artigos 79.º, n.º 1 e 100.º da Lei Geral Tributária; artigo 112.º, n.º 3, do Código de Procedimento e de Processo Tributário).
A divisibilidade do acto tributário constitui o argumento utilizado pela jurisprudência para fundamentar a possibilidade da decisão judicial de anulação parcial dos actos tributários. Baseando-se na classificação dos actos administrativos divisíveis (cfr. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol. II, Almedina, 1991, pág.1396; Acórdão do STA-Pleno da 1ª.Secção, 18/07/1985, rec.15294, A. Dout., n.º 300, pág.1533 e seg.), os Tribunais Superiores abundantes vezes já afirmaram que os actos que imponham a obrigação de pagamento de uma quantia, como é o caso dos actos de liquidação de tributos, são naturalmente divisíveis uma vez que correspondem a um quantitativo pecuniário e são apurados através de operações aritméticas, divisibilidade essa que igualmente resulta da própria lei, em virtude de que é admissível a sua anulação parcial quando o fundamento da anulação apenas afecte uma parte do acto. Assim já não acontece no caso de acto tributário que assente na fixação da matéria colectável por métodos indirectos (v.g. ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/9/1999, rec.24101; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 16/5/2001, rec.25532; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 27/9/2005, rec.287/05; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/7/2012, proc.4397/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.7660/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/12/2015, proc.7421/14) – cfr. Acórdão do TCA Sul, de 08/06/2017, processo n.º 06112/12.
Igualmente a doutrina fiscal admite a característica da divisibilidade no acto tributário (cfr. José Casalta Nabais, Direito Fiscal, Almedina, 4ª. edição, 2006, pág.415; J.L. Saldanha Sanches, O contencioso tributário como contencioso de plena jurisdição, Fiscalidade, n.º 7/8, Julho/Outubro de 2001, pág.63 e seg.; André Festas da Silva, Princípios Estruturantes do Contencioso Tributário, Dislivro, 2008, pág.75).
Como vimos, in casu, as duas primeiras causas de pedir conexas com o pedido de anulação da liquidação já foram julgadas improcedentes em decisão anterior nos presentes autos, tendo como consequência a subsistência da liquidação na ordem jurídica que, sublinhe-se, é adicional à liquidação inicial de IRC; restando a influência do reporte de prejuízos fiscais dos anos de 1999 e de 2002 na liquidação impugnada.
A sentença recorrida considerou a possibilidade de reportar os prejuízos fiscais do ano de 1999 que ainda não haviam sido atendidos, mas negou igual solução aos prejuízos fiscais relativos ao exercício de 2002.
Ora, embora a Recorrente demonstre os cálculos nas suas alegações de recurso para espelhar que, apesar da dedução dos prejuízos fiscais de 1999, refeita a liquidação, ainda haveria imposto a pagar pela Recorrida, entendemos que na situação em análise estará em causa uma anulação parcial, porque se reporta só a aspectos quantitativos pecuniários a ter em conta no cômputo de todos os elementos que integram a liquidação adicional de IRC de 2005.
Na verdade, os cálculos aritméticos e o apuramento do imposto, na sequência de decisão transitada em julgado de anulação parcial da liquidação, serão efectuados pela AT, em execução da sentença. Pode acontecer que, após recálculo, a AT verifique que afinal não se apurou imposto a pagar, mas isto não significa que devesse a anulação ter sido total. A anulação parcial somente se verifica quando o acto é divisível, por ter subjacente quantias apuradas por operações aritméticas (como é o caso, vide ponto 2 do probatório) e o fundamento da anulação/alteração afecte unicamente uma parte do acto tributário.
Efectivamente, em face dos elementos disponíveis (cfr. pontos 1, 2 e 3 do probatório) e do discurso fundamentador da sentença recorrida, forçoso é concluir que assiste razão à Recorrente e que o tribunal deveria ter antes anulado parcialmente a liquidação, permitindo à AT reformular a mesma - realizando os cálculos aritméticos com o reporte de prejuízos que deveria atender e apurando, assim, novamente o imposto.
Pelo exposto, impõe-se conceder provimento ao recurso, mas alterar somente o efeito jurídico decorrente da consideração da totalidade dos prejuízos fiscais de 1999 na liquidação de IRC de 2005, anulando parcialmente a mesma.
Nesta conformidade, por agora, uma vez que ainda apreciaremos a ampliação do objecto do recurso apresentada pela Recorrida, determinamos a anulação parcial da Liquidação n.º 2008 8 31 0034783, de 03-07-2008, relativa a IRC do exercício de 2005, na parte em que não acresceu, aos prejuízos fiscais ocorridos no exercício de 1999, o valor remanescente de €50.603,24, ainda não utilizado ou reportado, nesses termos impondo-se à AT a reformulação da liquidação.
Na medida em que o recurso logrou provimento, cabe, então, analisar o requerimento de ampliação do seu objecto, formulado pela Recorrida nas suas contra-alegações, onde se mostram colocadas as seguintes questões:
i) dedutibilidade dos prejuízos fiscais ocorridos no ano de 2002;
ii) ilegalidade da liquidação por recurso indevido a métodos indirectos de avaliação da matéria tributável;
iii) ilegalidade da liquidação por não ter sido tomado em consideração a escolha feita pela Impugnante das amortizações que pretende ver majoradas.
Uma vez que a questão da dedutibilidade dos prejuízos fiscais de 2002 foi apreciada e julgada improcedente na sentença recorrida e que as outras duas questões não foram conhecidas em quaisquer das decisões proferidas nos autos, importa precisar o conceito de ampliação do objecto do recurso, tanto mais que a sentença recorrida julgou a impugnação parcialmente procedente.
Há que destrinçar claramente o recurso subordinado (a que alude o artigo 633.º do CPC), o qual implica que a parte ficou vencida em relação ao resultado declarado na sentença, da ampliação do objecto do recurso prevista no artigo 636.º do CPC, que pressupõe apenas que o fundamento ou fundamentos invocados para escorar a decisão favorável não foram acolhidos.
Subscrevemos inteiramente o entendimento de Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa (in Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1, Almedina, Coimbra, 2018, pp. 324 e 325), quando anotam, a propósito do artigo 633.º do CPC, que:
«8. Não deve, contudo, estabelecer-se qualquer confusão entre o recurso subordinado e a ampliação do objecto do recurso a que se reporta o art. 636º. No recurso subordinado, a parte é vencida quanto ao resultado da acção (ou seja, quanto a um pedido ou a um segmento do pedido), ao passo que nas situações reguladas no art. 636º releva a não aceitação de algum dos fundamentos de facto ou de direito que sustentavam a pretensão ou a defesa, ou a verificação de alguma nulidade decisória que não tenha interferido (ainda) no resultado final.
Assim, tratando-se de mera recusa de algum dos fundamentos da acção ou da defesa ou de nulidade que não tenham interferido, porém, no resultado que foi favorável à parte, a esta não cabe reagir mediante a interposição de recurso (nem subordinado, nem independente), antes mediante a ampliação do objecto do recurso nas contra-alegações, de forma a obter uma resposta favorável às questões que suscitou, prevenindo o eventual acolhimento pelo tribunal ad quem dos argumentos de facto ou de direito suscitados pelo recorrente»., GPS, p. 759.

É nossa convicção que o julgamento de parcial procedência da impugnação deveria estar umbilicalmente ligado ao pedido deduzido na acção, que, até ao momento, obteve parcial provimento, dado se ter, agora, anulado parcialmente a liquidação por força do reporte de prejuízos fiscais de 1999. Mas lembramos que foi a circunstância de a sentença recorrida ter anulado na totalidade a liquidação que motivou o presente recurso e, consequentemente, a ampliação do seu âmbito.

Para melhor compreensão, façamos um périplo pelas ocorrências processuais, mas também previamente no procedimento administrativo:

Na declaração de rendimentos relativa ao exercício de 1999, a impugnante, ora Recorrida, declarou prejuízos fiscais no montante de €186.815,52.

No âmbito de uma acção inspectiva tributária, circunscrita, entre os mais, ao exercício de 1999, os prejuízos fiscais declarados pela impugnante, no montante de €186.815,52, foram objecto de correcção, para menos, tendo sido fixados no valor de €128.946,45.

As conclusões vertidas no Relatório desta inspecção tributária foram objecto de impugnação judicial, que visou as liquidações de IRC de 1998 e de IRC de 1999, tendo tramitado no TAF de Mirandela sob o processo n.º 240/2003, mas cuja petição inicial foi recusada, em virtude de falta de apresentação do documento comprovativo de pagamento da taxa de justiça. Não obstante ter sido interposto recurso jurisdicional desta decisão, o mesmo foi julgado deserto por falta de apresentação das respectivas alegações.

Na declaração de rendimentos relativa ao exercício de 2005, a impugnante declarou matéria tributável no montante de €78.343,21 e reportou prejuízos fiscais na mesma importância, relativos ao exercício de 1999.
Na medida em que a decisão da AT de corrigir os prejuízos fiscais de 1999 se tornou definitiva, por força da declaração de deserção do recurso interposto no âmbito do processo n.º…., após o reporte na declaração de IRC de 2005 apenas remanesciam prejuízos do exercício de 1999 no montante de €50.603,24 (€128.946,45-€78.343,21=€50.603,24).
Também foi realizada uma acção inspectiva tributária circunscrita, além do mais, ao exercício de 2005. Neste âmbito, a AT acresceu à matéria tributável declarada pela impugnante o valor de €132.892,74, relativo a excesso de majoração das amortizações detectado, corrigindo e fixando a matéria tributável na quantia de €211.235,95, mantendo o valor que a impugnante havia reportado, na importância de €78.343,21, relativo a prejuízos fiscais ocorridos no exercício de 1999.
Em sede de audição prévia – cfr. documento n.º 1 junto com a petição inicial – a impugnante explicou que apenas utilizou/indicou os benefícios fiscais relativos à interioridade, porque existia uma liquidação adicional de IRC de 1999 que havia sido impugnada judicialmente e que corria os seus termos sob o n.º … no TAF de Mirandela. Estava em causa poder reportar prejuízos fiscais do ano de 1999 no exercício de 2005 no valor de €108.472,00, uma vez que apenas tinha reportado, como vimos, a quantia de €78.343,21 e defendia ter prejuízos fiscais, conforme tinha declarado no exercício de 1999, de €186.815,52. Assim, nesta sede, além de sustentar a errónea interpretação da lei quanto às correcções efectuadas em 2005 nas majorações das amortizações (benefício fiscal), pois defendia que o limite de €500.000 dizia respeito às amortizações e não ao valor do investimento; alertou que nas correcções de IRC propostas para 2005 não foi considerado o crédito fiscal resultante dos prejuízos fiscais de 1999.
Não atendendo aos argumentos e pedidos formulados em sede de audição prévia, a AT manteve as conclusões do Relatório de Inspecção Tributária e, consequentemente, foi emitida uma liquidação adicional de IRC, referente ao exercício de 2005, no montante de €33.223,19.
A presente impugnação judicial visa precisamente esta liquidação adicional, pedindo que a correcção de IRC relativa ao ano de 2005 deve ser anulada, desde logo na parte em que excede o valor acima mencionado, e no remanescente, por compensação com o crédito fiscal relativo a prejuízos dos anos de 1999 e 2002, no valor de €135.907,35. Na conclusão da petição inicial concretiza expressamente dever ser anulada a liquidação em epígrafe, ou em alternativa ser compensada com o crédito de imposto acima mencionado, com os legais efeitos.
Note-se que o pedido de compensação da liquidação por reporte de prejuízos do ano de 2002 surge nesta via judicial de impugnação da liquidação de 2005 pela primeira vez.
O TAF de Mirandela profere a primeira decisão nos presentes autos em 20/09/2010, tendo julgado procedente a impugnação judicial e anulado a liquidação adicional de IRC de 2005.
Já nessa altura a Fazenda Pública recorreu desta sentença que havia enunciado como questões a decidir as que se prendem com a interpretação do artigo 8.º da Lei n.º 171/99, de 18/9, com a redução da taxa de IRC, mediante a ocorrência de determinados requisitos previstos na citada Lei, e com a dedução de prejuízos fiscais ocorridos (relativamente à impugnante) no exercício de 1999. A sentença veio a julgar procedente a impugnação, no entendimento de que o valor de 100 milhões de escudos mencionado no referido artigo 8.º se reporta às amortizações relativas a despesas de investimento (como sustenta a impugnante) e não ao valor das despesas de investimento, como pretende a AT. E, face à procedência da impugnação com estes fundamentos, a sentença julgou prejudicada a apreciação da questão atinente à também invocada ilegalidade da liquidação por não dedução de prejuízos fiscais relativos ao exercício de 1999. Para tanto, a sentença concluiu, quanto à matéria das amortizações, que se «a intenção do legislador tivesse sido aquela que a FP lhe dá tinha legislado da seguinte forma: As despesas de investimentos até 500.000,00 € dos sujeitos passivos de IRC que exerçam a título principal a sua actividade nas áreas beneficiárias podem ser abatidas, com a majoração de 30%, ao rendimento colectável referente ao exercício.»
Discordando a Recorrente Fazenda Pública, alegou que de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 8.° da referida Lei n.º 171/99, o limite de 100 milhões de escudos ali previsto diz respeito ao montante do investimento realizado e não ao valor das amortizações praticadas.
O STA, por acórdão de 02/05/2012, conhecendo o objecto do recurso, entendeu ser esta a questão a decidir no dito recurso. Tendo concluído que a sentença recorrida enferma do erro de julgamento que a Recorrente lhe imputava, julgando procedentes as conclusões do recurso. Mais deliberou que, dado que a sentença julgou prejudicada a apreciação da questão atinente à também invocada ilegalidade da liquidação por não dedução de prejuízos fiscais (crédito de imposto, nas palavras da impugnante) relativos ao exercício de 1999, impõe-se, face à insuficiência da matéria de facto relativamente a tal questão, ordenar a baixa dos autos ao Tribunal recorrido para que, após a pertinente especificação da factualidade relevante e se nada mais obstar, essa questão seja apreciada.
O julgamento do recurso pelo STA foi, então, o seguinte: “Nestes termos, acorda-se em, dando provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, julgando improcedente a impugnação quanto aos fundamentos apreciados, ordenar a baixa dos autos ao Tribunal “a quo” para que, apurada e especificada a factualidade alegada relevante e se a tanto nada mais obstar, seja decidida a questão cujo conhecimento foi julgado prejudicado pela solução dada à questão ora apreciada.”
A impugnante, ora Recorrida, requereu ao STA a aclaração deste acórdão, no sentido de esclarecer se a baixa dos autos à primeira instância ordenada pelo mesmo permite à primeira instância decidir sobre as restantes questões que foram levantadas na impugnação judicial, nomeadamente, da eventual ilegalidade da avaliação da matéria tributável.
O STA, em 27/06/2012, deliberou indeferir o pedido de aclaração do acórdão de 02/05/2012, além do mais, nos seguintes termos:
“(…) Aliás, a dita questão atinente à dedução dos prejuízos fiscais relativos ao exercício de 1999 foi a única que a sentença recorrida teve por prejudicada em face do sentido da decisão ali proferida. Na verdade, como se vê da mesma sentença, diz-se ali o seguinte:
«Fundamentalmente estão aqui em causa três questões: interpretação do art. 8º do L (sic) 171/99, de 18/9, diploma que “estabelece medidas de combate à desertificação humana e Incentivadoras da recuperação acelerada das zonas do interior” (cfr. art. 1º, n°1); Redução da taxa de IRC, mediante a ocorrência de determinados requisitos previstos na Lei citada e dedução de prejuízos fiscais tidos no exercício de 1999.»
E em seguida, a sentença começa por apreciar a 1ª questão (interpretação do dito art. 8º da Lei nº 171/99) julgando a impugnação procedente quanto a esse fundamento; aprecia em seguida a segunda questão (redução da taxa de IRC) julgando-a improcedente; e refere, por último, quanto à terceira questão (dedução de prejuízos fiscais tidos no exercício de 1999) que «Independentemente da argumentação expendida pelas partes, a questão invocada pela Impugnante relativa à dedução de prejuízos fiscais relativos ao exercício de 1999, e que diz respeito ao pedido subsidiário, está resolvida pela resposta dada quanto a ilegalidade da correcção efectuada pela FP por excesso de majoração das amortizações – art. 660°, nº 2 do CPC.».
Ou seja, a sentença só esta última questão julgou prejudicada pela solução dada à 1ª questão. Portanto, só dessa 3ª questão o acórdão poderia, ou conhecer em substituição, caso os autos contivessem a factualidade bastante para tal, ou determinar a baixa à 1ª instância, para a respectiva apreciação, após especificação da pertinente factualidade (cfr. arts. 726°, 715°/2, 729º e 730º do CPC).
5.5. E refira-se, ainda, que, apesar de a sentença, aquando da apreciação daquela mencionada 1ª questão, também se ter perguntado (interrogando-se) como é que a AT chegou ao valor de despesas de investimento que seria amortizável (498.798,00 €) e ter referido que a AT «diz corrigir a matéria tributável recorrendo a correcções meramente aritméticas (cfr. fls. 8 do Relatório e facto provado nº 3), e a Impugnante desenvolve o seu raciocínio tendo como princípio de que a AT aplicou métodos indirectos», não se vê que na respectiva Petição Inicial da impugnação a impugnante suscite tal questão atinente a qualquer aplicação de métodos indirectos (embora a tenha suscitado em sede de alegações pré-sentenciais).
5.6. Em suma, perante o exposto, porque não vemos que haja no acórdão qualquer ambiguidade ou obscuridade que possa ser aclarada, nem encontramos nele qualquer excerto cujo sentido seja ininteligível ou se preste a interpretações diferentes por conter dois sentidos diferentes ou opostos, sendo que o pedido de aclaração formulado extravasa, até, o âmbito da aclaração (art. 669º do CPC) é de indeferir a reclamação. (…)”
Entretanto, o tribunal recorrido profere nova decisão em 10/12/2015, fazendo menção ao facto de a sentença que havia julgado procedente a impugnação e anulado a liquidação em causa ter sido revogada por Acórdão do STA, referindo ainda a delimitação dos termos da remessa dos autos à primeira instância, conforme acima transcrevemos.
A sentença recorrida delimita o seu objecto à dedução de prejuízos fiscais, indicando que a impugnação só pode proceder relativamente à dedução dos prejuízos fiscais apurados referentes ao ano de 1999, e ainda não utilizados no ano de 2005, no valor de €50.602,51. Afirmando, quanto à dedução dos prejuízos de 2002, que nada impediria tal reporte se, nesse ano, a matéria tributável tivesse sido calculada segundo os critérios de avaliação directa, mas que a impugnante não só não provou, como nem sequer alegou, que a matéria tributável referente a 2002 tivesse sido apurada segundo o critério da avaliação directa. E, como já vimos, estabelece no segmento decisório um julgamento de parcial procedência, anulando a liquidação em causa.
Estando, desta feita, somente em causa o conhecimento do requerimento de ampliação do objecto do recurso, logo ressalta que não foi admitido o reporte dos prejuízos do ano de 2002 solicitado na petição inicial. Ou seja, esta matéria alegada foi conhecida e julgada improcedente na sentença recorrida, contribuindo para a improcedência parcial do pedido formulado na petição inicial.
Assim, não olvidando a interpretação que efectuámos do pedido, tratando-se de mera recusa do reporte de prejuízos de 2002, estamos perante um dos fundamentos da acção que não interferiu, porém, no resultado que foi favorável à parte (anulação total da liquidação), pelo que é admissível o conhecimento desta questão nesta sede do recurso, por ampliação do seu objecto.
Como já transcrevemos, a sentença recorrida afastou o reporte de prejuízos fiscais de 2002 por não se saber se a matéria tributável desse ano foi apurada segundo critérios de avaliação directa: “(…) Neste caso, nada impediria o Impugnante de, relativamente ao lucro do exercício do ano de 2005, deduzir os prejuízos de 1999 e de 2002, se, nestes anos, a matéria tributável tivesse sido calculada segundo os critérios de avaliação directa.
Vimos que a Impugnante não provou, e nem sequer alegou, que a matéria tributável referente a 2002 tivesse sido apurada segundo o critério da avaliação directa - pelo que a impugnação só pode proceder relativamente à dedução dos prejuízos fiscais apurados referentes ao ano de 1999, e ainda não utilizados no ano de 2005, no valor de 50.602,51€ (…)”.
Como já mencionámos, a Recorrida viu o valor de prejuízos fiscais que declarou relativo a 1999 ser corrigido, sendo definitivamente fixado em €128 946,45.
Assistia-lhe o direito de reportar os prejuízos fiscais ocorridos no exercício de 1999, em um ou mais dos seis exercícios seguintes àquele a que eles respeitam, ou seja, nos exercícios de 2000 a 2005, logo que, nos exercícios em que o reporte se verificasse, a matéria tributável se mostrasse apurada por meio de avaliação directa (cfr. artigo 47.°, n.°s 1 e 2, do CIRC, ao tempo).
Tal apenas ocorreu no exercício de 2005, em apreço, em que a Impugnante somente havia reportado o montante de €78.343,21, por ser esse o valor da matéria tributável que declarou. Contudo, a este valor da matéria tributável declarado pela Impugnante a AT acresceu o montante de €132.892,74, relativo ao excesso de majoração das amortizações, fixando-a, definitivamente, na quantia de €211.235,95. A decisão recorrida, na parte em que não foi objecto de recurso, determinou que se acrescesse o valor ainda remanescente desses prejuízos fiscais, no montante de €50.603,24, pois o seu montante total, de €128.946,45, continha-se no valor da matéria tributável fixada.
Nestes termos, é bom de ver que os prejuízos fiscais reportados de 1999 em 2005 não cobrem o lucro tributável corrigido e reflectido na presente liquidação adicional de IRC. Daí a importância da apreciação da possibilidade de reporte também dos prejuízos de 2002, cuja quantia perfaz €27.435,35, conforme peticionado na petição de impugnação – cfr. documento comprovativo junto com a petição inicial a fls. 56 do processo físico.
A sentença recorrida parece afastar o reporte dos prejuízos de 2002 por desconhecer se estes prejuízos foram apurados por métodos indirectos. Todavia, como veremos, o artigo 47.º, n.º 2 do CIRC (à data, correspondente ao artigo 52.º, n.º 2 do mesmo diploma) não impede a dedução dos prejuízos fiscais apurados por métodos indirectos em exercício anterior (2002) ao lucro tributável do exercício (2005), apurado com base na contabilidade, respeitado que está o critério temporal aí previsto.
Assim, a questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença recorrida fez correcto julgamento quando considerou que o artigo 47.º, n.º 2, do CIRC proíbe que, num exercício em que o lucro tributável é apurado a partir da contabilidade do sujeito passivo (cfr. pontos 2 e 3 do probatório), sejam deduzidas perdas de anos anteriores, quando apuradas por métodos indirectos.
Dispunha o artigo 47.º, n.º 1 e n.º 2 do CIRC à data dos factos, que os prejuízos fiscais apurados em determinado exercício, nos termos das disposições anteriores, são deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais dos seis exercícios posteriores.
2- Sem prejuízo do disposto no número seguinte, nos períodos de tributação em que tiver lugar o apuramento do lucro tributável com base em métodos indirectos, os prejuízos fiscais não são dedutíveis, ainda que se encontrem dentro do período referido no número anterior, não ficando, porém, prejudicada a dedução, dentro daquele período, dos prejuízos que não tenham sido anteriormente deduzidos».
A interpretação deste artigo já foi colocada várias vezes ao nosso mais Alto Tribunal, com referência a anteriores versões do CIRC, mas também posteriores – artigo 52.º, n.º 2, - sendo as normas equivalentes.
Cremos que, actualmente, existe orientação jurisprudencial firme, consolidada e unânime – cfr. os Acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do STA, de 09/11/2005, proferido no processo n.º 495/05, de 25/05/2011, proferido no âmbito do processo n.º 865/10, de 01/06/2011, no processo n.º 129/11, de 31/05/2017, no processo n.º 17/16, ou de 28/11/2018, proferido no âmbito do processo n.º 0369/14.0BELLE 01043/17.
Vamos, pois, remeter para a fundamentação do citado Acórdão do STA, de 31/05/2017, onde a questão foi tratada:
«(…) cfr. SALDANHA SANCHES, A Quantificação da Obrigação Tributária; Deveres de Cooperação, Autoavaliação e Avaliação administrativa, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, n.º 173, Lisboa, 1995, nota 452 de pp. 453/454: No regime actualmente definido pelo n.º 2 do art. 46.º do Código do IRC, – correspondente ao n.º 2 do artigo 47.º do mesmo Código na redacção em vigor à data dos factos (2009) – em exercícios com lucros praticados segundo métodos indiciários os prejuízos não são dedutíveis. Mas podê-lo-ão ser em exercícios posteriores, calculados segundo os métodos normais, se não tiver havido preclusão temporal deste direito, não havendo razões para deles dissentir.
Consignou-se no Acórdão deste STA de 9 de Novembro de 2005, rec. n.º 0495/05 perante norma semelhante ao artigo 47.º do Código do IRC (em vigor em 2009), em resposta ao argumento sistemático ainda agora invocado pela recorrente Fazenda Pública:
«(…) diz a Administração Fiscal, o número 1 do artigo 46.º do CIRC fala de «(…) prejuízos apurados (…) nos termos das disposições anteriores». Ora, como as disposições anteriores não se referem ao apuramento de resultados por métodos indirectos, de que só adiante o Código se ocupa, o legislador só admite a dedutibilidade dos prejuízos apurados a partir da contabilidade, e só deles. E, sendo esta a única norma que se ocupa da dedutibilidade de prejuízos, os apurados por métodos indiciários não são, nunca, dedutíveis.
Há várias razões que impossibilitam esta leitura da norma.
Desde logo, a sua letra:
Não é verdade que as normas anteriores ao artigo 46º. se refiram, exclusivamente, ao apuramento da matéria colectável pelo método directo. O artigo 16.º enuncia os métodos para a determinação da matéria colectável, referindo, expressamente, a possibilidade de o ser por via indiciária.
Por outro lado, se o legislador quisesse obstar ao reporte dos prejuízos apurados por métodos indirectos diria isso mesmo, de modo afirmativo. Mas não só o não fez, claramente, no n.º 1, como no número 2 do artigo 46.º, voltando a referir-se aos prejuízos anteriormente apurados, para dizer quando podem e quando não podem ser deduzidos, não distingue o modo do seu apuramento.
Por último, a impossibilidade de reporte de prejuízos apurados por métodos indirectos seria incompatível com a regra da solidariedade dos exercícios e com a da tributação conforme a capacidade contributiva e de acordo com o rendimento real.
A capacidade contributiva de um sujeito passivo de IRC não se revela, só, pelo benefício obtido num determinado período de tempo, artificialmente autonomizado: essa capacidade, assim patenteada, está inflacionada se ele suportou anteriormente perdas, uma vez que o resultado positivo vai ser aplicado na compensação do anterior prejuízo. E as perdas não deixam de o ser só porque não foram apuradas a partir dos seus elementos contabilísticos, mas a partir de índices de que a Administração fez uso. Por detrás do resultado fiscal não deixa nunca de estar o facto tributário, independentemente do método por que se chegou ao seu apuramento e quantificação. É que não há tributação sem facto tributário, seja qual for o modo como este se patenteie – por acção do contribuinte, declarando-o ou evidenciando-o na sua contabilidade, ou por acção da Administração, pelo conhecimento que lhe chegou por qualquer meio, ou extraindo-o de elementos seus conhecidos.
Assim, o facto tributário, e a respectiva quantificação, a que a Administração chega mediante métodos indirectos, não deixa de ser um verdadeiro facto tributário, tão verdadeiro como o que é revelado pelas contas do sujeito passivo. A Administração age utilizando índices, partindo de factos que conhece para aceder a outros, desconhecidos, mediante métodos indiciários, socorrendo-se de regras da experiência, assim desembocando na quantificação do facto tributário. Num caso, os factos são evidenciados pela contabilidade; no outro, são apurados pela Administração Fiscal – mas sempre o apuramento da situação contributiva se funda em factos, e a tributação incide sobre o rendimento real.
É verdade que a matéria colectável apurada por métodos indirectos não goza de um grau de certeza tão elevado quanto a que tem a resultante da contabilidade. Mas a diferença não está na substância, mas só no grau, sendo certo que, como já se notou, mesmo uma contabilidade escorreita pode revelar um resultado do exercício discutível. E se, apurada matéria colectável positiva, ainda que por métodos indiciários, se segue a tributação, do mesmo modo que acontece quando aquela matéria resulta da contabilidade, então, também o apuramento de uma matéria colectável negativa através de métodos indirectos não pode ter consequências diferentes das que tem o apuramento contabilístico de um resultado fiscal negativo: o reporte dos prejuízos.
Em súmula, a expressão do número 1 do artigo 46.º do CIRC «(…) prejuízos apurados (…) nos termos das disposições anteriores», não significa que só os prejuízos apurados na base da contabilidade do sujeito passivo são dedutíveis. Deve ser entendida como referência global ao conjunto normativo que o Código dedica à incidência do imposto (artigos 1.º a 7.º), isenções (artigos 8.º a 14.º) e determinação da matéria colectável, sendo certo que, antes do artigo 46.º citado, o artigo 16.º aponta a existência de dois métodos de determinação da matéria colectável: com base na declaração do contribuinte e por obra da Administração. Ou seja, o uso da expressão «nos termos das disposições anteriores» não é sinal excludente do apuramento da matéria colectável por métodos indiciários. (…)»
Em consequência, não só não se verificam os óbices apontados na sentença recorrida, como não vislumbramos quaisquer outros que impeçam o reporte de prejuízos fiscais do exercício de 2002 na liquidação adicional de IRC de 2005.
Nesta conformidade, impõe-se conceder provimento, nesta parte, ao recurso ampliado e revogar a sentença na parte recorrida.

No que concerne às outras duas questões que a Recorrida pretende ver apreciadas por força do alargamento do âmbito do recurso que requereu - ilegalidade da liquidação por recurso indevido a métodos indirectos de avaliação da matéria tributável; e ilegalidade da liquidação por não ter sido tomado em consideração a escolha feita pela Impugnante das amortizações que pretende ver majoradas – julgamos não ser admissível, nos termos do artigo 636.º do CPC, uma vez que não se tratam de fundamentos em que a parte vencedora tenha decaído. Note-se que a sentença recorrida não conheceu essas questões.
Além disso, constitui entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência que não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida, excepto se forem do conhecimento oficioso do Tribunal. Isto porque, de acordo com o disposto no artigo 627.º do CPC, os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação.
Como é jurisprudência pacífica do STA, reiterada em vários acórdãos, com excepção das que sejam de conhecimento oficioso, não pode em sede de recurso conhecer-se de questões novas, ou seja, de questões que não tenham sido objecto da sentença, pois os recursos jurisdicionais destinam-se a reapreciar as decisões proferidas pelos tribunais inferiores – visando anulá-las ou alterá-las com fundamento em vício de forma (nulidade) ou de fundo (erro de julgamento) – e não a decidir questões que, podendo e devendo ter sido suscitadas antes, o não foram.
Neste sentido, entre muitos outros, pode ver-se o acórdão do STA, de 27/01/2016, proferido no âmbito do processo n.º 043/16, que contém vasta referência jurisprudencial.
Em todo o caso, também não é atendível o requerido alargamento do âmbito do recurso, com a consequente remessa dos presentes autos à primeira instância para apreciação das duas questões referidas pela Recorrida e que ainda não foram decididas por nenhuma instância.
Isto porque o tribunal recorrido já se limitou, na sentença recorrida, a cumprir o determinado pelo acórdão do tribunal superior, de 02/05/2012, como referimos supra: conheceu apenas a única questão que tinha ficado prejudicada pela solução que havia encontrado para o litígio.
Não é, ainda, despiciendo relembrar o afirmado pelo STA no seu acórdão de 27/06/2012, também parcialmente transcrito supra: não se vê que na respectiva Petição Inicial da impugnação a impugnante suscite tal questão atinente a qualquer aplicação de métodos indirectos (embora a tenha suscitado em sede de alegações pré-sentenciais).
Constata-se, assim, que o STA não encontrou outras questões que tivessem sido arguidas na petição de impugnação, pelo que as duas questões suscitadas em ampliação a este recurso não foram invocadas perante o tribunal de 1.ª instância nem foram por este analisadas, não sendo demais frisar que não se tratam de fundamentos de conhecimento oficioso.
Nestes termos, improcede o pedido de remessa dos autos à primeira instância formulado nas contra-alegações pela Recorrida, na medida em que também a esse tribunal não caberia apreciar as mencionadas duas questões.

Conclusões/Sumário

I - A divisibilidade do acto tributário constitui o argumento utilizado pela jurisprudência para fundamentar a possibilidade da decisão judicial de anulação parcial dos actos tributários.
II - Baseando-se na classificação dos actos administrativos divisíveis a jurisprudência dos Tribunais Superiores abundantes vezes já afirmou que os actos que imponham a obrigação de pagamento de uma quantia, como é o caso dos actos de liquidação de tributos, são naturalmente divisíveis uma vez que correspondem a um quantitativo pecuniário e são apurados através de operações aritméticas, divisibilidade essa que igualmente resulta da própria lei.
III - A anulação parcial é admissível quando haja uma ilegalidade apenas parcial ou quando o fundamento da anulação apenas afecte uma parte do acto. Assim já não acontece no caso de acto tributário que assente na fixação da matéria tributável por métodos indirectos.
IV - Reconhecendo-se que o acto tributário está inquinado de ilegalidade que só em parte o invalida, deve anular-se só nessa parte, deixando-o subsistente no segmento em que nenhuma ilegalidade o fira.
V - O artigo 47.º, n.º 2, do CIRC (redacção em vigor em 2005) não proíbe que, num exercício em que o lucro tributável é apurado a partir da contabilidade do sujeito passivo, sejam deduzidas perdas de anos anteriores, ainda que apuradas por métodos indirectos, desde que respeitado o limite de tempo nele fixado.
VI - Tratando-se de mera recusa de algum dos fundamentos da acção ou da defesa ou de nulidade que não tenham interferido, porém, no resultado que foi favorável à parte, a esta não cabe reagir mediante a interposição de recurso (nem subordinado, nem independente), antes mediante a ampliação do objecto do recurso nas contra-alegações, de forma a obter uma resposta favorável às questões que suscitou, prevenindo o eventual acolhimento pelo tribunal ad quem dos argumentos de facto ou de direito suscitados pelo recorrente.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em julgar o tribunal competente em razão da hierarquia para conhecer o recurso, conceder provimento ao recurso da Recorrente e parcial provimento à ampliação do mesmo solicitada pela Recorrida, revogar a sentença na parte recorrida e julgar a impugnação judicial parcialmente procedente, anulando parcialmente a liquidação adicional de IRC, referente a 2005, na parte em que deve ser alterada pela consideração do reporte de prejuízos fiscais dos anos de 1999 (remanescente não utilizado no valor de €50.602,51) e de 2002.

Custas a cargo da Recorrente e da Recorrida em ambas as instâncias, na proporção do decaimento, que se fixa em 50%.

Porto, 07 de Novembro de 2019

Ana Patrocínio
Cristina Travassos Bento
Paulo Ferreira de Magalhães