Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00230/08.7BEMDL |
Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
Data do Acordão: | 11/07/2019 |
Tribunal: | TAF de Mirandela |
Relator: | Ana Patrocínio |
Descritores: | ANULAÇÃO PARCIAL DA LIQUIDAÇÃO, REPORTE DE PREJUÍZOS, PRESSUPOSTOS, DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO, AMPLIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO, COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL EM RAZÃO DA HIERARQUIA. |
Sumário: | : I - A divisibilidade do acto tributário constitui o argumento utilizado pela jurisprudência para fundamentar a possibilidade da decisão judicial de anulação parcial dos actos tributários. II - Baseando-se na classificação dos actos administrativos divisíveis a jurisprudência dos Tribunais Superiores abundantes vezes já afirmou que os actos que imponham a obrigação de pagamento de uma quantia, como é o caso dos actos de liquidação de tributos, são naturalmente divisíveis uma vez que correspondem a um quantitativo pecuniário e são apurados através de operações aritméticas, divisibilidade essa que igualmente resulta da própria lei. III - A anulação parcial é admissível quando haja uma ilegalidade apenas parcial ou quando o fundamento da anulação apenas afecte uma parte do acto. Assim já não acontece no caso de acto tributário que assente na fixação da matéria tributável por métodos indirectos. IV - Reconhecendo-se que o acto tributário está inquinado de ilegalidade que só em parte o invalida, deve anular-se só nessa parte, deixando-o subsistente no segmento em que nenhuma ilegalidade o fira. V - O artigo 47.º, n.º 2, do CIRC (redacção em vigor em 2005) não proíbe que, num exercício em que o lucro tributável é apurado a partir da contabilidade do sujeito passivo, sejam deduzidas perdas de anos anteriores, ainda que apuradas por métodos indirectos, desde que respeitado o limite de tempo nele fixado. VI - Tratando-se de mera recusa de algum dos fundamentos da acção ou da defesa ou de nulidade que não tenham interferido, porém, no resultado que foi favorável à parte, a esta não cabe reagir mediante a interposição de recurso (nem subordinado, nem independente), antes mediante a ampliação do objecto do recurso nas contra-alegações, de forma a obter uma resposta favorável às questões que suscitou, prevenindo o eventual acolhimento pelo tribunal ad quem dos argumentos de facto ou de direito suscitados pelo recorrente.* * Sumário elaborado pelo relator |
Votação: | Unanimidade |
Decisão: | Conceder provimento ao recurso. |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: | Emitiu parecer no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso. |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. Relatório A Excelentíssima Representante da Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, proferida em 10/12/2015, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida por T. -., Lda., NIPC (...), contra o acto de liquidação de IRC, respeitante ao exercício de 2005, no montante de €56.689,30; anulando-o. A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida: 1) “O presente recurso jurisdicional vem interposto contra a, aliás douta, sentença proferida pelo TAF de Mirandela, que julgou procedente a impugnação judicial que a sociedade Impugnante havia deduzido contra a Liquidação n.º 2008 8 31 0034783, de 03-07-2008, relativa a IRC do exercício de 2005, a final determinando a sua anulação. 2) Contudo, o Tribunal a quo mostrou-se vago e redundante na fixação dos factos que, com interesse para a decisão a proferir, julgou provados, razão pela qual a Fazenda Pública entende que, por um lado, devem os pontos 5. e 6. do probatório ser dele expurgados, pois dizem respeito a factualidade que nada tem a ver com a questão a apreciar e decidir, designadamente a prejuízos fiscais ocorridos, na esfera da Impugnante, no exercício de 1998, quando o thema decidendum consiste em saber se existiam ou não existiam prejuízos fiscais ocorridos no exercício de 1999 e, em caso afirmativo, se os mesmos eram reportáveis na liquidação de IRC impugnada, relativa ao exercício de 2005. 3) Por outro lado, deve toda a matéria de facto ser reformulada, nos termos que ficaram propostos no artigo 5.° da presente peça, por se nos afigurar que, dessa forma, os factos surgem cronologicamente ordenados, de uma forma mais precisa ou concisa, sempre em atenção à questão que ao Tribunal cabe apreciar e decidir. 4) Aqui chegados, cumpre dizer que é certo que a Impugnante, na sua declaração de rendimentos, Modelo 22, relativa ao exercício de 1999, declarou prejuízos fiscais no valor de € 186 815,52, o qual, no âmbito de uma acção de inspecção tributária, foi objecto de correcção, para menos, vindo a ser definitivamente fixado em € 128 946,45. 5) A Impugnante não lançou mão de qualquer meio gracioso ou judicial de impugnação ou recurso contra a sobredita correcção, efectuada pela AT, pelo que o valor dos prejuízos fiscais ocorridos na sua esfera, imputáveis ao exercício de 1999 e assim fixado, se consolidou ou cristalizou na ordem jurídica (cfr. artigo 60.° do CPPT), em nada relevando a chamada à colação, por parte da Impugnante, de uma impugnação judicial (Processo 240/2003, do TAF de Mirandela) de cuja instância a aqui recorrente foi absolvida, o que equivale, para todos os efeitos legais, a uma não impugnação. 6) Assim, assistia à Impugnante o direito de reportar os prejuízos fiscais ocorridos no exercício de 1999, em um ou mais dos seis exercícios seguintes àquele a que eles respeitam, ou seja, nos exercícios de 2000 a 2005, logo que, nos exercícios em que o reporte se verificasse, a matéria tributável se mostrasse apurada por meio de avaliação directa (cfr. artigo 47.°, n.°s 1 e 2, do CIRC, ao tempo) 7) Tal apenas ocorreu no exercício de 2005 (último em que o sobredito reporte de prejuízos fiscais relativos ao exercício de 2005 era legalmente admissível), em que a Impugnante reportou o montante de € 78 343,21, igual ao valor da matéria tributável que declarou. 8) Contudo, no âmbito de nova acção de inspecção tributária, desta circunscrita, entre os mais, ao exercício de 2005, ao valor da matéria tributável declarado pela Impugnante (€ 78 343,21), a AT acresceu o montante de € 132 892,74, relativa ao Excesso de majoração das amortizações, fixando-a, definitivamente, no valor de € 211 235,95, mantendo, porém, o valor que a Impugnante havia reportado, a título de prejuízos fiscais ocorridos no exercício de 1999, na importância de € 78 343,21, quando a este deveria, também, ter acrescido o valor ainda remanescente desses prejuízos fiscais, no montante de € 50 603,24, pois o seu montante total, de € 128 946,45, continha-se no valor da matéria tributável fixada. 9) Mas, pelo facto de assim não ter acontecido, não podia o Tribunal a quo ter anulado, pura e simplesmente a liquidação, pois, mesmo que a AT tivesse efectuado o reporte do valor total dos prejuízos fiscais ocorridos no exercício de 1999 (€ 128 946,45), ainda assim, da liquidação do IRC relativo ao exercício de 2005, resultaria, para a Impugnante, imposto a pagar, já que o resultado da aplicação da taxa normal de IRC (25%) à diferença positiva entre o valor da matéria tributável fixada (€ 211 235,95) e o montante total dos prejuízos fiscais relativos ao exercício de 1999 (€ 128 946,45) é € 20 572,38. 10) Contudo, o Meritíssimo Juiz a quo, parecendo fazer tábua rasa do interesse público na cobrança de um crédito do estado, relativo a impostos, que, como visto, se mostrava devido, optou, pura e simplesmente, por anular a liquidação impugnada, assim sonegado, à AT, o salutar e elementar direito de, por via da execução do julgado, concretizar a indisponibilidade dos créditos públicos, relativos a impostos e o superior interesse público na sua cobrança. 11) Razões pelas quais, a sentença sob recurso se mostra pouco defensável, para não dizer insustentável, devendo, por isso, ser objecto de revogação e subsequente substituição por outra, que sirva o fim primordial do Direito, que a justiça. Nestes termos e nos mais de Direito, que hão-de ser por V. Ex.as, com certeza, doutamente supridos, deverá o presente recurso jurisdicional, depois de admitido, ser julgado procedente, determinando-se a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra, que ordene a anulação parcial da Liquidação n.º 2008 8 31 0034783, de 03-07-2008, relativa a IRC do exercício de 2005, na parte em que não acresceu, aos prejuízos fiscais ocorridos no exercício de 1999, o valor remanescente de €50.603,24, ainda não utilizado ou reportado, nesses termos impondo à AT a reformulação da liquidação. Dest'arte, farão V. Ex.as, como a isso já nos acostumaram, a almeja JUSTIÇA!” **** A Recorrida contra-alegou, apresentando as seguintes conclusões:1. “A Fazenda Pública não recorreu da matéria de facto pelo que este Venerando Tribunal é incompetente para a apreciação do recurso. 2. Ainda que assim não se entenda, o presente recurso deve improceder por a decisão do tribunal a quo não merecer qualquer censura por ter anulado a liquidação da FA, porquanto tal liquidação não teve em conta prejuízos fiscais manifestamente dedutíveis, dedutibilidade, essa, que a FP nem sequer coloca em causa no presente recurso. 3. Mais importante do que o interesse público na cobrança dos impostos releva o interesse público de que essa cobrança se faça de acordo com a legalidade vigente, algo que o Digno Tribunal a quo manifestamente sancionou. 4. A Impugnante alega na presente acção de impugnação outros fundamentos que, no seu entender, levam à anulação do acto tributário de liquidação e que até ao momento não foram apreciados pela primeira instância, por tal apreciação ter ficado prejudicada por sentenças judiciais favoráveis à impugnante e fundamentadas em diferentes questões de facto e de direito. 5. Esses fundamentos são: ilegalidade da liquidação oficiosa por recurso ilegal à avaliação por métodos indirectos para determinação da matéria tributável; e ilegalidade da liquidação por não ter sido tomado em consideração o valor de € 35.791,00 de amortizações para efeitos da respectiva majoração. 6. Devem os autos baixar à primeira instância para apreciação das questões mencionadas na conclusão anterior, a fim de garantir à Impugnante o acesso à Justiça e ao duplo grau de jurisdição. 7. Caso se entenda que os autos não devem baixar à primeira instância para apreciação das supramencionadas questões, então devem tais questões ser apreciadas por este Venerando Tribunal, nos termos do artigo 636.º do CPC, requerendo-se para o efeito, e uma vez mais, o alargamento do âmbito do recurso. 8. A correcção das majorações levada a efeito pela Fazenda Pública não consiste numa avaliação directa da escrita comercial da Impugnante. 9. Tal correcção também não consiste numa operação aritmética simples na medida em que envolve uma regra linear de proporcionalidade de índole subjectiva. 10. A correcção das majorações efectuada pela Fazenda Pública consiste na aplicação de métodos indirectos - avaliação indirecta -, porquanto calcula as amortizações do exercício com recurso a taxas médias e a coeficientes médios. 11. A matéria colectável obtida com a correcção da AT é uma presunção da matéria colectável, uma tentativa de aproximação ao montante de rendimento da Impugnante sujeito a imposto. 12. Não é aceitável que a AT escolha uma aproximação ou uma presunção do valor da matéria colectável quando tem TODA a informação contabilística necessária ao cálculo do imposto realmente devido. 13. O recurso aos métodos indirectos (avaliação indirecta) não é admitido nos presentes autos por não se verificarem os pressupostos da sua aplicação. 14. A própria AT reconhece que o recurso à avaliação indirecta não é aplicável nos presentes autos. (vide pág. 11 do Relatório) 15. A Fazenda Pública violou desta forma o artigo 87.º da Lei Geral Tributária. 16. Nos termos do artigo 87.º da Lei Geral Tributária, o recurso à avaliação indirecta "só pode efectuar-se" nas situações legalmente previstas. 17. Esta norma prevê uma verdadeira nulidade, susceptível de ser conhecida oficiosamente e a todo o tempo, pois é ela própria o corolário directo do disposto no n.º 3, do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa, segundo a qual Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei (sublinhado nosso). 18. Padecendo a liquidação dos presentes autos da nulidade que ora se invoca, deve a mesma ser anulada e declarada de nenhum efeito, julgando-se o recurso improcedente. 19. Ainda que assim se não entenda, sempre se diga que o critério utilizado pela Fazenda Pública na majoração das amortizações é inaceitável. 20. Primeiro porque estabelece uma proporcionalidade entre o valor global do activo da Impugnante, quando o deveria ter feito em relação aos equipamentos amortizáveis nesse exercício, sob pena de estar a considerar para efeitos de cálculo equipamento já totalmente amortizado. 21. Segundo porque o recurso à proporcionalidade não se justifica por o mapa de amortizações da Impugnante se encontrar ao dispor da Fazenda Pública para efeitos de determinação dos valores amortizáveis e as consequentes majorações a efectuar. 22. A Impugnante tem a faculdade de escolher as amortizações que pretende ver majoradas, por força do princípio da autoliquidação do imposto. 23. A Impugnante procedeu a essa escolha e disso informou a FP. 24. A AT nem permitiu que a Impugnante elegesse as despesas de investimento, nem tampouco recorreu ao mapa de amortizações constante da contabilidade da Impugnante. 25. Na sentença proferida nos presentes autos, o Supremo Tribunal Administrativo declarou que a Impugnante tem o direito de escolher as amortizações que pretende ver majoradas. 26. Deveria ser tomado em consideração o valor de € 35.791,00 de amortizações para efeitos da respectiva majoração, amortizações que a Impugnante especificamente escolheu, tendo para o efeito juntado com a petição inicial o competente mapa de amortizações. 27. Por esta escolha não ter sido atendida deve a liquidação objecto dos presentes autos ser devidamente anulada. 28. Caso ainda assim se não entenda, deve ainda a liquidação ser anulada por não ter tomado em consideração a dedutibilidade dos prejuízos fiscais ocorridos em 2002, ocorrência essa que foi alegada e provada pela impugnante e em momento algum foi contestada pela FP. Nestes termos e nos mais de Direito deve: 1. O presente recurso ser julgado liminarmente improcedente, por este TCAN ser materialmente incompetente para apreciação do mesmo. 2. Caso assim não se entenda, deve o presente recurso improceder por a pretensão da Fazenda Pública não merecer qualquer acolhimento. 3. Caso ainda assim não se entenda, requer-se o alargamento do âmbito o recurso, e, consequentemente, devem os presentes autos baixar à primeira instância para apreciação de duas questões levantadas pela Impugnante na sua petição inicial e ainda não decidas por nenhuma instância: i) ilegalidade da liquidação por recurso indevido a métodos indirectos de avaliação da matéria tributável e ii) ilegalidade da liquidação por não ter sido tomado em consideração a escolha feita pela Impugnante das amortizações que pretende ver majoradas. 4. Finalmente, requer-se o alargamento do âmbito do recurso quanto à apreciação da questão da dedutibilidade dos prejuízos fiscais ocorridos no ano de 2002, a qual deve ser julgada procedente, com as legais consequências, Assim se fazendo Justiça!” **** O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso.**** Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.*** II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIARCumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento da matéria de facto e de direito, ao determinar a anulação total da liquidação de IRC de 2005. Caberá, antes de mais, apreciar a suscitada incompetência do tribunal, em razão da hierarquia. Posteriormente, na eventualidade de provimento do recurso, analisar-se-á o requerimento de ampliação do objecto deste, onde se mostram colocadas as seguintes questões: i) dedutibilidade dos prejuízos fiscais ocorridos no ano de 2002; ii) ilegalidade da liquidação por recurso indevido a métodos indirectos de avaliação da matéria tributável; iii) ilegalidade da liquidação por não ter sido tomado em consideração a escolha feita pela Impugnante das amortizações que pretende ver majoradas. III. Fundamentação 1. Questão prévia – Incompetência do tribunal, em razão da hierarquia Tendo sido suscitada pela Recorrida, nas suas contra-alegações, a questão da incompetência deste tribunal para apreciar o recurso interposto da sentença final, por não haver controvérsia factual a dirimir, importa conhecer de tal questão dado que a mesma merece imediata e prioritária apreciação face ao disposto nos artigos 16.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e 13.º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA). Na verdade, a competência dos tribunais administrativos, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de outra matéria – cfr. artigo 13.º do CPTA, ex vi artigo 2.º, alínea c), do CPPT. A incompetência em razão da hierarquia determina a incompetência absoluta do tribunal, a qual é do conhecimento oficioso e pode ser arguida até ao trânsito em julgado da decisão final (cfr. artigo 16.º do CPPT). A declaração de incompetência em razão da hierarquia permite que o interessado requeira a remessa do processo ao tribunal competente, que deve ser indicado na decisão que a declare, para o que dispõe do prazo de 14 dias a contar da notificação daquela decisão (cfr. artigo 18.º, n.º 2, do CPPT). Resulta do disposto nos artigos 26.º, alínea b), e 38.º, alínea a), ambos do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, que a Secção do Contencioso Tributário do S.T.A. conhece em segundo grau de jurisdição dos recursos de decisões dos tribunais tributários com exclusivo fundamento em matéria de direito; e a Secção do Contencioso Tributário do T.C.A. conhece em segundo grau de jurisdição dos recursos de decisões dos tribunais tributários que não tenham como exclusivo fundamento matéria de direito. Ora, nos termos do artigo 280.º, n.º 1 do CPPT, das decisões dos Tribunais Tributários de 1.ª Instância cabe recurso a interpor, em primeira linha, para os Tribunais Centrais Administrativos, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que tal recurso tem de ser interposto para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo. Por outro lado, é sabido que, nos termos do artigo 641.º, n.º 5 do CPC ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT, o despacho que admitiu o recurso não vincula o Tribunal Superior, pelo que nada obsta a que se aprecie e decida oficiosamente da incompetência do T.C.A. “ad quem” em razão da hierarquia. O S.T.A. tem entendido que, para determinação da competência hierárquica, em face do preceituado nos artigos 26.º, alínea b), e 38.º, alínea a) do E.T.A.F. e artigo 280.º, n.º 1, do C.P.P.T., o que é relevante é que o recorrente, nas alegações de recurso e respectivas conclusões, suscite qualquer questão de facto ou invoque, como suporte da sua pretensão, factos que não foram dados como provados na decisão recorrida. E que o recurso não versa exclusivamente matéria de direito, se nas respectivas conclusões se questionar a questão factual, manifestando-se divergência, por insuficiência, excesso ou erro, quanto à matéria de facto provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, quer porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, quer ainda porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos. Ora, é ostensivo, nas conclusões 2 e 3 das alegações de recurso, que a Recorrente não só solicita a eliminação dos pontos 5 e 6 do probatório, devido a erro na selecção da matéria de facto e alertando para a sua irrelevância, bem como pretende uma total reformulação da decisão da matéria de facto. Assim, é ponto assente que, relativamente à questão que delimita o objecto do recurso da sentença, é posta em causa a factualidade dada como provada, tanto mais, como veremos, este tribunal tomará posição acerca do alegado nas conclusões 2 e 3, dando parcial procedência conforme III 2.1 infra. O que significa que existe controvérsia factual a dirimir e que a matéria controvertida neste recurso não se resolve mediante uma exclusiva actividade de aplicação e interpretação dos preceitos jurídicos invocados. De todo o exposto decorre que o recurso da sentença interposto nos autos não tem exclusivo fundamento em matéria de direito. Pelo que improcede a excepção invocada pela Recorrida nas suas contra-alegações. 2. Matéria de facto [imagem que aqui se dá por reproduzida] (…)”9. No ano de 1999 a Impugnante declarou um prejuízo fiscal no valor de 37.453.149$00/186.815,52 € - Fls. 128; 10. Utilizou parte desse crédito fiscal no ano de 2005, no valor de 78.343,21 € - art.º 9.º do requerimento de fls. 12, não impugnado. 11. Nesse processo foi proferida decisão, que transitou em julgado, que recusou o recebimento da impugnação judicial, porque, em resumo, a Impugnante não demonstrou ter autoliquidado a taxa de justiça inicial com a apresentação da PI - Fls. 276 a 278;” 2.1. A Recorrente começa por se insurgir contra esta decisão da matéria de facto, afirmando que o Tribunal a quo se mostrou vago e redundante na fixação dos factos que, com interesse para a decisão a proferir, julgou provados, solicitando a eliminação dos pontos 5. e 6. do probatório, pois dizem respeito a factualidade que nada tem a ver com a questão a apreciar e decidir, designadamente a prejuízos fiscais ocorridos, na esfera da Impugnante, no exercício de 1998, quando o thema decidendum consiste em saber se existiam ou não existiam prejuízos fiscais ocorridos no exercício de 1999 e, em caso afirmativo, se os mesmos eram reportáveis na liquidação de IRC impugnada, relativa ao exercício de 2005. Ora, compreendemos que a matéria vertida nos pontos 5. e 6. do probatório surge por força da alegação na petição inicial de que se encontra pendente uma impugnação judicial de liquidação adicional de 1999, que corre termos sob o n.º ….no TAF de Mirandela. Na verdade, como consta do ponto 4 do probatório, essa petição de impugnação dirige-se igualmente ao IRC de 1998. Contudo, nos presentes autos, nada foi alegado pelas partes no que tange à liquidação referente ao exercício de 1998. Relembramos que o juiz só se pode pronunciar sobre os factos alegados pelas partes ou daqueles que a lei manda conhecer oficiosamente – cfr. artigos 660.º, n.º 2, e 264.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC). O certo é que o tribunal só deve realizar ou ordenar oficiosamente diligências tendentes à descoberta da verdade material relativamente a factos que tenham sido alegados (ou que sejam de conhecimento oficioso) – cfr. artigo 99.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT). Na verdade, também em processo tributário a actividade inquisitória está limitada aos factos alegados pelas partes e aos do conhecimento oficioso, como decorre dos artigos 99.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária e 13.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer”). Alertamos, ainda, que o juiz não tem que se pronunciar acerca de toda a factualidade invocada pelas partes, devendo seleccionar aquela que se mostre relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, que deva considerar-se controvertida – cfr. artigo 511.º, n.º 1 do CPC. Portanto, o que releva é que as partes tenham invocado factos relevantes para o exame e decisão da causa, que devam considerar-se controvertidos ou necessitados de prova – cfr. artigos 265.º, n.º 3 e 513.º do CPC, bem como os correspondentes actuais artigos 5.º, 410.º e 411.º do CPC. Nestes termos, serão esses factos alegados que deverão ser seleccionados, tendo em conta, no que agora importa, a questão do reporte de prejuízos dos anos de 1999 e de 2002 alegada na petição inicial, reiterada neste recurso e na ampliação deste. Logo, impõe-se expurgar da decisão da matéria de facto os pontos 5 e 6, tanto mais que este último visa, tão-só, explicitar que o vertido no ponto anterior se refere ao IRC do exercício de 1998, que, manifestamente, não se mostra questionado nos presentes autos, nem contende, ainda que incidentalmente, com qualquer questão suscitada. Acrescenta a Recorrente dever toda a matéria de facto ser reformulada, nos termos que ficaram propostos no artigo 5.° das suas alegações de recurso, por se lhe afigurar que, dessa forma, os factos surgem cronologicamente ordenados, de um modo mais preciso ou conciso, sempre em atenção à questão que ao Tribunal cabe apreciar e decidir. Reconhecemos que a apresentação da factualidade, tal como proposta pela Recorrente, é mais escorreita, de melhor e mais fácil apreensão. Todavia, vistos e ponderados todos os pontos, verificamos que a matéria de facto constante da decisão recorrida e a elencada pela Recorrente correspondem integralmente. Assim, sendo apenas uma questão de estilo na exposição que estará em causa, não se observando erros técnicos evidentes, não se justifica efectuar qualquer alteração à restante factualidade, que deverá, agora, entender-se estabilizada. 3. O Direito O presente recurso jurisdicional vem interposto contra a sentença proferida pelo TAF de Mirandela, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial que a Recorrida havia deduzido contra a liquidação de IRC, relativa ao exercício de 2005, tendo, a final, determinando a sua anulação. Defende que não podia o Tribunal a quo ter anulado, pura e simplesmente, a liquidação, pois, mesmo que a AT tivesse efectuado o reporte do valor total dos prejuízos fiscais ocorridos no exercício de 1999 (€ 128 946,45), ainda assim, da liquidação do IRC relativo ao exercício de 2005, resultaria, para a Impugnante, imposto a pagar, já que o resultado da aplicação da taxa normal de IRC (25%) à diferença positiva entre o valor da matéria tributável fixada (€ 211 235,95) e o montante total dos prejuízos fiscais relativos ao exercício de 1999 (€ 128 946,45) é € 20 572,38. A Recorrente não coloca, portanto, em causa a decisão de mérito de reportar a totalidade dos prejuízos fiscais ocorridos em 1999 na liquidação impugnada de IRC de 2005, pretendendo, apenas, a revogação da decisão recorrida na parte que anula totalmente a liquidação e a sua substituição por outra que ordene a anulação parcial da Liquidação n.º 2008 8 31 0034783, de 03-07-2008, relativa a IRC do exercício de 2005, na parte em que não acresceu, aos prejuízos fiscais ocorridos no exercício de 1999, o valor remanescente de €50.603,24, ainda não utilizado ou reportado, nesses termos impondo à AT a reformulação da liquidação. Em boa verdade, do discurso fundamentador da sentença recorrida não se alcança a motivação para anular totalmente a liquidação impugnada. Vejamos: “(…) Dedução de prejuízos fiscais tidos no exercício de 1999. O que esteve em discussão no processo 240/2003 foi parte do crédito fiscal da Impugnante, porque, do valor declarado de 37.453.149$00/186.815,52 €, apenas não foi reconhecido o montante de 11.601.834$00/ 57.869,07 €. Dispunha o art.º 47.º, n.º 1 do CIRC à data dos factos, que os prejuízos fiscais apurados em determinado exercício, nos termos das disposições anteriores, são deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais dos seis exercícios posteriores. Visto este preceito isoladamente é claro que os prejuízos fiscais apurados, seja por avaliação directa ou indirecta (cfr. art.º 81.º da LGT), são dedutíveis ao lucro tributável. Contudo o n.º 2 daquela norma dispõe que nos exercícios em que tiver lugar o apuramento do lucro tributável com base em métodos indirectos, os prejuízos fiscais não são dedutíveis, salvaguardando a dedução daqueles que não tenham sido anteriormente deduzidos, dentro do período daqueles seis anos posteriores. Este preceito só pode ser interpretado da seguinte maneira: Apesar de não poderem ser deduzidos os prejuízos que ocorreram nos anos em que se apurou o lucro tributável com base em métodos indirectos, nada impede que sejam deduzidos aos lucros tributáveis, os prejuízos de um ou mais dos seis exercícios anteriores, quando a matéria tributável foi avaliada ou calculada directamente segundo os critérios de cada tributo. Neste caso, nada impediria o Impugnante de, relativamente ao lucro do exercício do ano de 2005, deduzir os prejuízos de 1999 e de 2002, se, nestes anos, a matéria tributável tivesse sido calculada segundo os critérios de avaliação directa. Vimos que a Impugnante não provou, e nem sequer alegou, que a matéria tributável referente a 2002 tivesse sido apurada segundo o critério da avaliação directa - pelo que a impugnação só pode proceder relativamente à dedução dos prejuízos fiscais apurados referentes ao ano de 1999, e ainda não utilizados no ano de 2005, no valor de 50.602,51€ (186.815,52 € de prejuízo fiscal declarado - 57.870,00 € não reconhecido na inspecção referente ao exercício de 1999 - 78.343,21€ de prejuízo utilizado em 2005). DECISÃO Pelo exposto julgo procedente esta impugnação parcialmente procedente e anulo a liquidação em causa. (…)” Apesar de o segmento decisório se apresentar algo equívoco – julgo procedente esta impugnação parcialmente procedente – a condenação em custas, pela sua necessária sintonia com a decisão, revela que o tribunal pretendeu julgar a impugnação parcialmente procedente: custas pela FP e pela Impugnante, na proporção de, respectivamente, ¾ e ¼. O pedido formulado na petição inicial apresenta-se alternativo: “(…) ser anulada a liquidação em epígrafe, ou em alternativa ser compensada com o crédito de imposto acima mencionado (…)”. Desde início, não obstante as várias decisões já proferidas nos autos, que se mostravam identificadas na petição inicial três questões fundamentais a resolver: a de saber se a correcção por excesso de majoração das amortizações tem suporte legal, se a taxa aplicável é a utilizada de 25% ou a de 20% e ainda se há ou não lugar à dedução de prejuízos fiscais (crédito de imposto segundo a invocação da impugnante) relativos a 1999 e a 2002. Embora, no final, a petição inicial apontar para um pedido alternativo, a interpretação que fazemos da mesma, tudo visto, não pode deixar de entrever uma única pretensão – a eliminação da liquidação adicional de IRC do exercício de 2005 da ordem jurídica – que equivale a não ter a Recorrida que pagar imposto nesse ano. As duas primeiras questões que referimos contendem linearmente com a anulação da liquidação. Vejamos a ilação da impugnante na sua petição de impugnação: “Assim, a correcção de IRC relativa ao ano de 2005 deve ser anulada, desde logo na parte em que excede o valor acima mencionado (…)”. A terceira questão está ligada ao pedido de compensação e aos reflexos do reporte de prejuízos na liquidação de IRC de 2005. Vejamos a conclusão da impugnante na sua petição inicial: “(…) e no remanescente, por compensação com o crédito fiscal relativo a prejuízos dos anos de 1999 e 2002, no valor de €135.907,35”. Ora, o reporte dos prejuízos fiscais de 1999 e de 2002 na liquidação de IRC de 2005 significará, necessariamente, uma alteração desta, o que poderá corresponder ao não apuramento de imposto a pagar, equivalendo à anulação da liquidação, se os prejuízos cobrirem integralmente o lucro tributável. Logo, a pretensão da impugnante, ora Recorrida, não deixa de ser única: atacar a liquidação adicional com os três fundamentos indicados na petição inicial, tendo em vista o não apuramento de imposto a pagar. Considerando que numa primeira decisão, em recurso, o STA revogou a sentença na parte recorrida, ficando julgadas as duas primeiras questões de forma improcedente, e determinou a remessa dos autos à primeira instância para conhecimento da terceira questão que havia ficado prejudicada pela solução encontrada anteriormente para o litígio; verifica-se que, independentemente do desfecho da acção, a anulação da liquidação seria sempre apenas parcial, pois, as duas primeiras questões elencadas na petição inicial, contendentes com a base essencial da correcção efectuada pela AT (benefício fiscal relativo à interioridade) e que sustentou a liquidação adicional, já estão definitivamente julgadas improcedentes, sendo de salientar que se prendem com aspectos quantitativos decorrentes de correcções ou ajustes meramente aritméticos. Efectivamente, deve reconhecer-se que os Tribunais Tributários sempre têm procedido à anulação parcial dos actos tributários, igualmente prevendo a lei tal possibilidade (cfr. artigos 79.º, n.º 1 e 100.º da Lei Geral Tributária; artigo 112.º, n.º 3, do Código de Procedimento e de Processo Tributário). A divisibilidade do acto tributário constitui o argumento utilizado pela jurisprudência para fundamentar a possibilidade da decisão judicial de anulação parcial dos actos tributários. Baseando-se na classificação dos actos administrativos divisíveis (cfr. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol. II, Almedina, 1991, pág.1396; Acórdão do STA-Pleno da 1ª.Secção, 18/07/1985, rec.15294, A. Dout., n.º 300, pág.1533 e seg.), os Tribunais Superiores abundantes vezes já afirmaram que os actos que imponham a obrigação de pagamento de uma quantia, como é o caso dos actos de liquidação de tributos, são naturalmente divisíveis uma vez que correspondem a um quantitativo pecuniário e são apurados através de operações aritméticas, divisibilidade essa que igualmente resulta da própria lei, em virtude de que é admissível a sua anulação parcial quando o fundamento da anulação apenas afecte uma parte do acto. Assim já não acontece no caso de acto tributário que assente na fixação da matéria colectável por métodos indirectos (v.g. ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/9/1999, rec.24101; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 16/5/2001, rec.25532; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 27/9/2005, rec.287/05; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/7/2012, proc.4397/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.7660/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/12/2015, proc.7421/14) – cfr. Acórdão do TCA Sul, de 08/06/2017, processo n.º 06112/12. Igualmente a doutrina fiscal admite a característica da divisibilidade no acto tributário (cfr. José Casalta Nabais, Direito Fiscal, Almedina, 4ª. edição, 2006, pág.415; J.L. Saldanha Sanches, O contencioso tributário como contencioso de plena jurisdição, Fiscalidade, n.º 7/8, Julho/Outubro de 2001, pág.63 e seg.; André Festas da Silva, Princípios Estruturantes do Contencioso Tributário, Dislivro, 2008, pág.75). Como vimos, in casu, as duas primeiras causas de pedir conexas com o pedido de anulação da liquidação já foram julgadas improcedentes em decisão anterior nos presentes autos, tendo como consequência a subsistência da liquidação na ordem jurídica que, sublinhe-se, é adicional à liquidação inicial de IRC; restando a influência do reporte de prejuízos fiscais dos anos de 1999 e de 2002 na liquidação impugnada. A sentença recorrida considerou a possibilidade de reportar os prejuízos fiscais do ano de 1999 que ainda não haviam sido atendidos, mas negou igual solução aos prejuízos fiscais relativos ao exercício de 2002. Ora, embora a Recorrente demonstre os cálculos nas suas alegações de recurso para espelhar que, apesar da dedução dos prejuízos fiscais de 1999, refeita a liquidação, ainda haveria imposto a pagar pela Recorrida, entendemos que na situação em análise estará em causa uma anulação parcial, porque se reporta só a aspectos quantitativos pecuniários a ter em conta no cômputo de todos os elementos que integram a liquidação adicional de IRC de 2005. Na verdade, os cálculos aritméticos e o apuramento do imposto, na sequência de decisão transitada em julgado de anulação parcial da liquidação, serão efectuados pela AT, em execução da sentença. Pode acontecer que, após recálculo, a AT verifique que afinal não se apurou imposto a pagar, mas isto não significa que devesse a anulação ter sido total. A anulação parcial somente se verifica quando o acto é divisível, por ter subjacente quantias apuradas por operações aritméticas (como é o caso, vide ponto 2 do probatório) e o fundamento da anulação/alteração afecte unicamente uma parte do acto tributário. Efectivamente, em face dos elementos disponíveis (cfr. pontos 1, 2 e 3 do probatório) e do discurso fundamentador da sentença recorrida, forçoso é concluir que assiste razão à Recorrente e que o tribunal deveria ter antes anulado parcialmente a liquidação, permitindo à AT reformular a mesma - realizando os cálculos aritméticos com o reporte de prejuízos que deveria atender e apurando, assim, novamente o imposto. Pelo exposto, impõe-se conceder provimento ao recurso, mas alterar somente o efeito jurídico decorrente da consideração da totalidade dos prejuízos fiscais de 1999 na liquidação de IRC de 2005, anulando parcialmente a mesma. Nesta conformidade, por agora, uma vez que ainda apreciaremos a ampliação do objecto do recurso apresentada pela Recorrida, determinamos a anulação parcial da Liquidação n.º 2008 8 31 0034783, de 03-07-2008, relativa a IRC do exercício de 2005, na parte em que não acresceu, aos prejuízos fiscais ocorridos no exercício de 1999, o valor remanescente de €50.603,24, ainda não utilizado ou reportado, nesses termos impondo-se à AT a reformulação da liquidação. Na medida em que o recurso logrou provimento, cabe, então, analisar o requerimento de ampliação do seu objecto, formulado pela Recorrida nas suas contra-alegações, onde se mostram colocadas as seguintes questões: i) dedutibilidade dos prejuízos fiscais ocorridos no ano de 2002; ii) ilegalidade da liquidação por recurso indevido a métodos indirectos de avaliação da matéria tributável; iii) ilegalidade da liquidação por não ter sido tomado em consideração a escolha feita pela Impugnante das amortizações que pretende ver majoradas. Uma vez que a questão da dedutibilidade dos prejuízos fiscais de 2002 foi apreciada e julgada improcedente na sentença recorrida e que as outras duas questões não foram conhecidas em quaisquer das decisões proferidas nos autos, importa precisar o conceito de ampliação do objecto do recurso, tanto mais que a sentença recorrida julgou a impugnação parcialmente procedente. Há que destrinçar claramente o recurso subordinado (a que alude o artigo 633.º do CPC), o qual implica que a parte ficou vencida em relação ao resultado declarado na sentença, da ampliação do objecto do recurso prevista no artigo 636.º do CPC, que pressupõe apenas que o fundamento ou fundamentos invocados para escorar a decisão favorável não foram acolhidos. Subscrevemos inteiramente o entendimento de Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa (in Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1, Almedina, Coimbra, 2018, pp. 324 e 325), quando anotam, a propósito do artigo 633.º do CPC, que: «8. Não deve, contudo, estabelecer-se qualquer confusão entre o recurso subordinado e a ampliação do objecto do recurso a que se reporta o art. 636º. No recurso subordinado, a parte é vencida quanto ao resultado da acção (ou seja, quanto a um pedido ou a um segmento do pedido), ao passo que nas situações reguladas no art. 636º releva a não aceitação de algum dos fundamentos de facto ou de direito que sustentavam a pretensão ou a defesa, ou a verificação de alguma nulidade decisória que não tenha interferido (ainda) no resultado final. Assim, tratando-se de mera recusa de algum dos fundamentos da acção ou da defesa ou de nulidade que não tenham interferido, porém, no resultado que foi favorável à parte, a esta não cabe reagir mediante a interposição de recurso (nem subordinado, nem independente), antes mediante a ampliação do objecto do recurso nas contra-alegações, de forma a obter uma resposta favorável às questões que suscitou, prevenindo o eventual acolhimento pelo tribunal ad quem dos argumentos de facto ou de direito suscitados pelo recorrente»., GPS, p. 759. É nossa convicção que o julgamento de parcial procedência da impugnação deveria estar umbilicalmente ligado ao pedido deduzido na acção, que, até ao momento, obteve parcial provimento, dado se ter, agora, anulado parcialmente a liquidação por força do reporte de prejuízos fiscais de 1999. Mas lembramos que foi a circunstância de a sentença recorrida ter anulado na totalidade a liquidação que motivou o presente recurso e, consequentemente, a ampliação do seu âmbito. Para melhor compreensão, façamos um périplo pelas ocorrências processuais, mas também previamente no procedimento administrativo: Na declaração de rendimentos relativa ao exercício de 1999, a impugnante, ora Recorrida, declarou prejuízos fiscais no montante de €186.815,52. No âmbito de uma acção inspectiva tributária, circunscrita, entre os mais, ao exercício de 1999, os prejuízos fiscais declarados pela impugnante, no montante de €186.815,52, foram objecto de correcção, para menos, tendo sido fixados no valor de €128.946,45. As conclusões vertidas no Relatório desta inspecção tributária foram objecto de impugnação judicial, que visou as liquidações de IRC de 1998 e de IRC de 1999, tendo tramitado no TAF de Mirandela sob o processo n.º 240/2003, mas cuja petição inicial foi recusada, em virtude de falta de apresentação do documento comprovativo de pagamento da taxa de justiça. Não obstante ter sido interposto recurso jurisdicional desta decisão, o mesmo foi julgado deserto por falta de apresentação das respectivas alegações. Na declaração de rendimentos relativa ao exercício de 2005, a impugnante declarou matéria tributável no montante de €78.343,21 e reportou prejuízos fiscais na mesma importância, relativos ao exercício de 1999. |