Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00064/22.6BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/08/2024
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:MARIA FERNANDA ANTUNES APARÍCIO DUARTE BRANDÃO
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA CONTRA O COMANDANTE-GERAL DA GUARDA NACIONAL REPUBLICANA;
DELIBERAÇÃO DE PRETERIÇÃO DA PROMOÇÃO AO GRAU HIERÁRQUICO DE CABO;
INAPTIDÃO FÍSICA E PSÍQUICA DO AUTOR PARA A PROMOÇÃO AO POSTO IMEDIATO;
FUNDAMENTAÇÃO DO ACTO;
NÃO PROVIMENTO DO RECURSO;
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
«AA», Guarda Principal, instaurou acção administrativa contra o Comandante-Geral da Guarda Nacional Republicana, ambos melhor identificados nos autos, peticionando (i) “a nulidade omissão de dever de fundamentação prevista nos artigos 152º e 153º CPA” e que (ii) “Seja a deliberação de preterição da promoção ao grau hierárquico de cabo revogada e substituída por deliberação de colocação do Militar «AA» na situação de demorado; e, em consequência, e face à decisão da JSS de 22 de outubro de 2020, decidir-se pela promoção do Militar «AA» a Cabo da GNR, com as legais consequências”.
Por saneador - sentença proferido pelo TAF de Penafiel foi julgada a acção improcedente e absolvida a Entidade Demandada dos pedidos.
Deste vem interposto recurso.
Alegando, o Autor formulou as seguintes conclusões:
I. Porque a douta Decisão padece de erro de julgamento de direito por errada interpretação e aplicação conferida à norma constante dos artigos 132º, 133º n.º 1 al. d) e n.º 2, e 134º al. a) do EMGNR, que determinou a preterição do recorrente na promoção ao posto de Cabo por antiguidade em vagas de 2017.
II. Porque o recorrente não sufraga o entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo, relativamente à interpretação e aplicação conferida, in casu, às normas artigos 132º, 133º n.º 1 al. d) e n.º 2, e 134º al. a) do EMGNR.
III. Porque data maxima venia, não assiste ao Tribunal a quo razão quando diz que “(...) a aptidão física do Autor não estava dependente de observação clínica, tratamento ou convalescença, isto porque, como resulta dos factos provados, a sua situação clínica já se arrastava desde o dia 11.05.2018, e que apenas teve o seu término a 22.10.2020.”
IV. Porque tal como demonstrado de maneira inequívoca e cristalina, na sua petição inicial, no dia 28/11/2018, foi submetido primeira Junta Superior de Saúde (JSS), e desta resultou “1) convalescença no domínio por 90 dias, findos os quais volta à JSS com relatório médico atualizado; 2) inapto para a promoção ao posto imediato, por se encontrar convalescente.”
V. Porque, tendo em conta o acidente de viação sofrido pelo recorrente sensivelmente 6 meses antes da submissão ao diagnostico da JSS, é mais do que compreensível que não estaria apto, à data, para a promoção ao posto imediato, porque tal como foi explicado expressamente encontrava-se o recorrente, por esse infortúnio, convalescente.
VI. Porque aptidão do recorrente estava dependente desta convalescença.
VII. Porque na última deliberação da JSS de 22/10/2022, foi o recorrente considerado “pronto para todo o serviço da GNR”.
VIII. Posto isto, de acordo com o n.º 2 do art. 133º do EMGNR, “O militar da Guarda demorado, logo que cessem os motivos que determinaram a demora na promoção, é promovido independentemente da existência de vaga, indo ocupar, na escala de antiguidade do novo posto, a mesma posição que teria se a promoção tivesse ocorrido sem demora, sendo ressarcido das remunerações respetivas que teria recebido caso aquela não se tivesse verificado (...)”.
IX. Porque não se pode aceitar ter sido o mesmo considerado preterido à luz do art. 134º do EMGNR, com a justificação constante da al. a) do n.º 1, uma vez que o mesmo apenas não reunia as condições gerais da promoção, in casu, as aptidões físicas porque se encontrava em convalescença, sendo que tal está expressamente previsto e enquadrado na situação de demorado na al. d) n.º 1 do art. 133º.
X. A previsão do artigo 133º, conjugando o seu número 1 com o número 2, enquadra-se, como uma luva, na situação ora apreço, ou seja, alguém que, fruto de um acidente, esteve a recuperar fisicamente, tendo recuperado e considerado apto para as suas funções.
XI. Terminando a sua recuperação, deveria o Recorrente ter sido promovido e ocupado o seu novo posto, que é seu por antiguidade e direito, aliás, como aconteceu com inúmeros outros Militares da GNR.
XII. Porque o interesse relevante do recorrente, e conforme resulta da aplicação da legislação supracitada ao caso concreto, a presente ação deve prosseguir os seus demais termos até final.
Nestes termos e nos demais de Direito que suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso de revista e, na sequência da reapreciação do caso, ser revogada a decisão recorrida, com as devidas e legais consequências, e substituída por outra que condena a Recorrida a promover o Recorrente ao posto de Cabo.
Fazendo assim a costumada Justiça!
O Réu juntou contra-alegações, concluindo:

A. Pretende o Recorrente com o presente recurso que seja revogada a Douta Sentença proferida em 23/01/2024 que julgou improcedente a ação administrativa e assim obter a condenação da Recorrida a revogar o despacho de 21/08/2019 do Ex.mo Comandante do Comando da Administração dos Recursos Internos que o preteriu na promoção ao posto de cabo “e substituída por outra que condena a Recorrida a promover o Recorrente ao posto de Cabo.”;
B. Ora entende o Recorrido que a sentença proferida objeto do presente recurso não padece de nenhum vício que determine sequer a ponderação da sua eventual revogação;
C. Antes de mais, e de forma a situar a questão dos presentes autos, importa tecer uma breve resenha factual:
(1) Iniciado o procedimento promocional ao posto de cabo para ocupação de vagas ocorridas em 2017, o órgão de gestão de pessoal constatou que o Recorrente se encontrava convalescente desde 11/05/2018, pelo que teve legítimas dúvidas se o mesmo reuniria a condição geral de promoção ínsita na alínea d) do artigo 121.º do Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana, (EMGNR);
(2) Assim, em 05/12/2018 foi o mesmo presente à Junta Superior de Saúde, que deliberou que o Recorrente se encontrava “Inapto para a promoção ao posto imediato, por se encontrar convalescente.”, (isto para além de lhe ter determinado a convalescença no domicílio por mais 90 dias);
(3) No cumprimento do previsto no n.º 1 do artigo 124.º do EMGNR, em 20/12/2018, reuniu-se o Conselho Superior da Guarda o qual, analisando a documentação contida no processo relativo ao Recorrente, deliberou, por unanimidade, preteri-lo na promoção ao posto de cabo, por não satisfazer a condição geral de promoção, prevista na alínea d) do artigo 121.º do EMGNR;
(4) Em 19/02/2018, obtida a necessária autorização ministerial, por despacho do Ex.mo Comandante do Comando de Administração dos Recursos Internos foi determinada a promoção dos Guardas-Principais ao posto de Cabo, por antiguidade para vagas de 2017, (note-se que nesta data ainda o Recorrente se encontra em situação de baixa médica);
(5) Cumpridos todos os procedimentos legais, nomeadamente audição do Recorrente em sede de audiência prévia, através do despacho de 21/09/2019 do Ex.mo Comandante do Comando da Administração dos Recursos Internos, foi o Recorrente preterido na promoção ao posto de cabo para ocupação de vagas ocorridas em 2017, em virtude de não reunir a condição geral de promoção exigida na alínea d) do artigo 121.º do EMGNR;
D. Entende o Recorrente que, tanto a decisão impugnada como a Douta Sentença recorrida, padecem do vício de erro de julgamento de direito "por errada interpretação e aplicação conferida às normas constantes dos arts. 132.°, 133.° n.° 1 al. d) e n.° 2, e 134.° al. a) do EMGNR", entendendo que nunca poderia ter sido preterido na promoção, devendo, ao invés, ter sido considerado "demorado" na promoção, nos termos determinados na alínea d) do n.º 1 do artigo 133.º do EMGNR, em virtude de que quando foi observado pela Junta Superior de Saúde se encontrar convalescente e ter permanecido nessa situação até 22/10/2020;
E. Não entendeu assim - e bem, diga-se, desde já, - a Douta Sentença recorrida, que expressamente refere que:
"Com efeito, a demora na promoção tem lugar quando o militar da Guarda estiver abrangido por qualquer das condições estabelecidas no artigo 133.°, n.° 1 do EMGNR. Deste modo, constituirá demora na promoção o militar cuja verificação da aptidão física ou psíquica estiver dependente de observação clínica, tratamento ou convalescença – cfr. al. d) do n.° 1 do artigo 133.° do EMGNR. (...)
No entanto, estabelece o artigo 134.°, n.° 1, al. a) do EMGNR que a preterição na promoção do militar da Guarda tem lugar quando este não satisfaça qualquer das condições gerais de promoção. De todo o modo, o militar da Guarda preterido, logo que cessem os motivos que determinaram a sua preterição, passa a ser apreciado, para efeitos de promoção ao posto imediato, em igualdade de circunstâncias com os militares de igual posto e quadro, segundo o exposto no n.º 2 do artigo em referência. (...)
... quer isto dizer que o Autor, na data em que é proferido o despacho de promoção, isto é, o Despacho do Comandante da Administração dos Recursos Internos (CARI), de 19.02.2019, que determinou a promoção dos Guardas-principais, ao posto de Cabo, por antiguidade, para ocupação de vagas de 2017 – cfr. facto 5) do probatório – não reunia todas as condições gerais e especiais exigidas para a promoção em concreto.
Assim, e segundo uma interpretação que consideramos a mais acertada, entendemos que o instituto da “demora”, previsto no artigo 133.º do EMGNR não tem como campo de acção a situação factual do Autor, isto é, o seu âmbito de aplicação cobre outro universo de realidades que não a verificada nos presentes autos. Por outras palavras, sufragamos a ideia que a norma visa cobrir impedimentos temporários na promoção, funcionando como uma medida preventiva que visa diferir a apreciação das condições gerais de promoção logo que cesse as circunstâncias referidas nas diversas alíneas do artigo 133.º do Estatuto.
Perscrutando o conteúdo do dispositivo normativo, verificamos que as hipóteses ali elencadas consubstanciam, todas elas, situações que de certo modo estão limitadas no tempo, cessando, num período temporal próximo, o impedimento que obsta à promoção imediata.
Ao invés, as hipóteses previstas no artigo 134.° do EMGNR, conduzem-nos a situações incertas, que não reúnem condições de, a curto prazo, poderem ser ultrapassadas, levando a que o legislador, face à incerteza do preenchimento das condições necessárias à promoção, teve a necessidade de erigir o instituo da “preterição”, de forma a obliterar as inúmeras dificuldades que advêm de uma situação como a dos autos, como bem descreve a Entidade Demandada – cfr. artigo 59.° da contestação.
Portanto, uma vez que a aptidão física do Autor não estava dependente de observação clínica, tratamento ou convalescença, isto porque, como resulta dos factos provados, a sua situação clínica já se arrastava desde o dia 11.05.2018, e que apenas teve o seu término a 22.10.2020 – cfr. facto 2) e 15) do probatório – e porque aquela situação, à data da promoção, já estava definida, isto é, o Autor estava incapacitado por mais 90 dias, bem andou a Entidade Demanda ao decidir pela preterição do Autor da promoção a Cabo. Não poderia ser de outra forma. É que, nos termos da al. d) do n.° 1 do artigo 133.°, a situação de demorado caberá, unicamente, para aqueles casos em que a alta médica e, consequentemente, o preenchimento do requisito ou condição geral de promoção previsto na al. d) do artigo 121.° do EMGNR esteja apenas dependente de data certa e temporalmente próxima da data a promover.”;
F. Pouco mais haverá a acrescentar à Douta Sentença, sendo por demais inquestionável que a interpretação que o Recorrido pretende que seja feita da alínea d) do n.º 1 do artigo 133.º não encontra nem na letra nem tão pouco no espírito do legislador qualquer suporte;
G. Assim, determina expressamente a mencionada alínea do n.º 1 do artigo 133.º do EMGNR que:
“1 – A demora na promoção tem lugar quando o militar da Guarda estiver abrangido por qualquer das seguintes condições:
d) A verificação da aptidão física ou psíquica estiver dependente da observação clínica, tratamento ou convalescença”, (sublinhado e negrito nossos);
H. Na perspetiva do Recorrente, o simples facto de se encontrar em convalescença impõe, de forma automática, a decisão de demora na promoção, sendo evidente que labora em erro crasso de interpretação do normativo transcrito;
I. De facto o que o artigo 133.º nos diz expressamente é que fica demorado na promoção o militar relativamente ao qual a Junta Superior de Saúde (JSS) não possa proceder à verificação da sua aptidão física ou psíquica por um de três motivos, a saber:
- Porque tal verificação está dependente de observação clínica, (que por qualquer facto considerado atendível não pode ser feita);
- Porque o militar se encontra em tratamento e a JSS não o conseguindo
observar não dispõe de elementos que permitam fazer essa avaliação;
- Porque o militar se encontra convalescente e, à semelhança do supra exposto, a JSS não o conseguindo observar não dispõe de elementos que permitam fazer essa avaliação;
J. Se bastasse, como pretende o Recorrente, para ser determinada a situação de demora, que um militar se encontrasse em convalescença à data da promoção, então obviamente que a convalescença constituiria uma alínea independente, determinando-se que ficaria na situação de demorado o militar que, cabendo-lhe a promoção, se encontrasse convalescente;
K. Consequentemente, o que sucedeu é que a JSS de facto, em 05/12/2018, quando analisa o Recorrente e a documentação clínica constante do seu processo entende que o mesmo se encontra inapto para a promoção ao posto imediato atendendo a que está convalescente, (entendendo-se que remete para as razões da convalescença, naturalmente, os motivos determinantes da inaptidão);
L. Assim, a inaplicabilidade da alínea d) do n.º 1 do artigo 132.º do EMGNR é evidente desde logo pelo facto de que a verificação da aptidão física do Recorrente foi, de facto, feita pela JSS e devidamente estribada na avaliação direta e análise do seu processo clínico, apenas sendo de aplicar este normativo se tal verificação não pudesse ter sido feita e estivesse dependente de qualquer das situações referidas no articulado 13 supra;
M. É esta a interpretação que resulta do elemento objetivo e literal do normativo estatutário em análise, sendo que a mesma é igualmente suportada pelo espírito do legislador, como bem é referido na Douta Sentença Recorrida;
N. Assim, imaginemos o absurdo que, em teoria, poderia ocorrer se perfilhássemos como possível o entendimento do Recorrente:
- Imaginemos um militar que se encontra convalescente, de forma ininterrupta, por 6 anos e que, ao fim desses 6 anos é dado como apto para todo o serviço;
- Considerado cessado o motivo que havia determinado a sua demora, (consubstanciado na sua situação de convalescença), o militar seria apreciado e promovido, sendo reconstituída toda a situação que se teria verificado caso tivesse sido promovido sem demora, conforme disposto no n.º 2 do artigo 133.º do EMGNR;
- Mas as consequências não se resumiriam ao exposto: teríamos que o inserir em todos os procedimentos promocionais que tivessem ocorrido posteriormente e que, caso tivesse, em tempo, sido promovido, seria parte e, caso lhe coubesse a promoção, então seria promovido;
- Este entendimento iria lançar o caos nos recursos humanos de uma instituição que, como a GNR, tem mais de 24000 militares e mais de uma dezena de procedimentos promocionais por ano, sendo que, seguramente, não foi essa a intenção do legislador, como bem é reconhecido na Douta Sentença recorrida que não merece, assim, qualquer reparo;
O. Por último e no que concerne à alegada falta de fundamentação que o Recorrente invocou na PI, atendendo a que a mesma se encontra devidamente rebatida na Douta Sentença e que, em sede de recurso, o Recorrente não impugna a análise e decisão do Tribunal a quo relativamente a esta questão, entende-se a mesma por devidamente rebatida e consolidada na ordem jurídica.

NESTES TERMOS, e nos demais de Direito aplicáveis e com o suprimento, deverá o presente recurso ser considerado improcedente, mantendo-se a Douta Sentença proferida.

O Senhor Procurador Geral Adjunto notificado, nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.

Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:

1) No âmbito do procedimento de promoção ao posto de Cabo, para vagas ocorridas em 2017, foram solicitadas às Unidades orgânicas da GNR os documentos necessários para verificação das condições gerais e especiais de promoção relativamente aos militares a promover cfr. fls. 19 do processo administrativo apenso.

2) No seguimento do referido procedimento, o percurso profissional do Autor foi analisado pelos órgãos de gestão dos recursos humanos da GNR, no qual constataram que o Autor encontrava-se em situação de baixa médica, com inicio a 11.05.2018 cfr. fls. 15 do processo administrativo apenso.

3) Na sessão de 05.12.2018 da Junta Superior de Saúde, a mesma deliberou, em relação ao Autor, o seguinte: “1) Convalescente no domicilio por 90 dias, findos os quais e volta à JSS com relatório atualizado. 2) Inapto para a promoção ao posto imediato, por se encontrar convalescentecfr. fls. 108 e 109 do processo administrativo apenso.




4) Em 20.12.2018, o Conselho Superior da Guarda deliberou, por unanimidade, preterir o Autor na promoção a Cabo, por não satisfazer a condição geral de promoção, designadamente a “aptidão física e psíquica adequadas”, nos termos da alínea d) do art.º 929.º ambos do EMGNR cfr. fls. 2 a 5 do processo administrativo apenso.

5) Através do Despacho do Comandante da Administração dos Recursos Internos (CARI), de 19.02.2019, exarado no seguimento da Informação n.º ...02..., de 18.02.2019, foi determinada a promoção dos Guardas-principais, ao posto de Cabo, por antiguidade, para ocupação de vagas de 2017 – 2.ª Fase cfr. fls. 8 a 13 do processo administrativo apenso.

6) Pelo Despacho n.º ...19, do Ministro da Administração Interna e do Secretário de Estado da Administração e do Emprego Publico, de 08 de Fevereiro, publicado no Diário da República, 2.º Série, n.º 24, foram autorizadas 478 promoções, por antiguidade, ao posto de Cabo, em vagas de 2017 cfr. fls. 6 do processo administrativo apenso.

7) O Autor foi presente à Junta Superior de Saúde, tendo a mesma, na sessão de 27.03.2019,
deliberado, em relação ao Autor, o seguinte: “
parcialmente apto para o serviço, dispensado de exercícios e esforços físicos e trabalho no exterior por 180 dias, findos os quais volta à JSS com relatório clinico atualizadocfr. fls. 116 do processo administrativo apenso.

8) Pelo Despacho do Director dos Recursos Humanos da GNR, de 22.05.2019, exarado em anexo à Informação n.º ...05..., foi manifestada a intenção de preterir a promoção do Autor a Cabo, por antiguidade, para vagas relativas ao ano de 2017 cfr. fls. 20 e 21 do processo administrativo apenso.

9) Em 07.06.2019, o Autor apresentou a sua pronúncia em sede de audiência prévia e, por Despacho do Comandante do CARI, de 06.08.2019, exarado na Informação n.º ...08..., foram julgados improcedentes os argumentos apresentados pelo Autor, do qual foi notificado em 14.08.2019 cfr. fls. 24 a 34 do processo administrativo apenso.

10) Na sessão de 29.06.2019, a Junta Superior de Saúde deliberou, em relação ao Autor, o seguinte: “parcialmente apto para o serviço, dispensado de exercícios e esforços físicos por 365 dias, e volta à JSS com relatório clinico atualizadocfr. fls. 118 do processo administrativo apenso.




11) No dia 21.08.2019 foi proferido pelo Comandante do CARI o despacho definitivo de preterição do Autor a Cabo, por antiguidade, para vagas de 2017, nos termos e com os fundamentos seguintes:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

– cfr. fls. 38 a 40 do processo administrativo apenso.

12) No dia 25.09.2019, foi o Autor notificado do conteúdo do despacho do Comandante do CARI cfr. fls. 42 do processo administrativo apenso.

13) O Autor, em 12.09.2019, dirigiu ao Comandante-Geral da GNR um requerimento intitulado “recurso hierárquico”, no qual peticionava que deveria considerar-se o mesmo apto para a promoção ao posto de cabo cfr. fls. 48 do processo administrativo apenso.

14) O referido requerimento foi indeferido pelo Despacho do Comandante-Geral da GNR, de 23.01.2020, sendo posteriormente remetido ao Ministro da Administração Interna, a coberto do e-mail n.º 25/GCCARI/2020, de 24.01.2020 cfr. fls. 50 a 60 do processo administrativo apenso.




15) Na sessão de 22.10.2020, a Junta Superior de Saúde deliberou, em relação ao Autor, o seguinte: “pronto para todo o serviço da GNR– cfr. fls. 120 do processo administrativo apenso.

16) Através do Ofício n.º ...21, de 14.10.2021, foi remetida a decisão do Recurso Hierárquico interposto pelo Autor, exarado no despacho de 19.10.2021 do Ministro da Administração Interna, nos termos e com os fundamentos vertidos na Informação n.º ...21... cfr. fls. 62 a 73 do processo administrativo apenso.

DE DIREITO
Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo o Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Assim,
Pretende o Recorrente com o presente recurso obter a procedência da sua pretensão e a consequente condenação da Recorrida a revogar o despacho de 21/08/2019 do Senhor Comandante do Comando da Administração dos Recursos Internos que o preteriu na promoção ao posto de cabo “e substituída por outra que condena a Recorrida a promover o Recorrente ao posto de Cabo.”
Não vemos que tenha razão.
Com efeito, a decisão judicial recorrida reconheceu, e bem, a legalidade da decisão impugnada.
De sublinhar que o probatório não vem posto em crise.
Ora, em resumo e de forma a melhor enquadrar a factualidade e enquadramento dos autos, destacamos os seguintes factos, dados como assentes:
-Em 2018, iniciado o procedimento promocional ao posto de cabo para ocupação de vagas ocorridas em 2017, o Departamento de Recursos Humanos, órgão de gestão de pessoal da GNR, analisando o percurso profissional dos militares em apreciação, verificou que o ora Recorrente se encontrava em situação de baixa médica desde 11/05/2018, o que levou a que se suscitassem dúvidas relativamente à reunião das condições gerais de promoção, concretamente da exigida na alínea d) do artigo 121.º do Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana, (EMGNR);
-Em 05/12/2018, a Junta Superior de Saúde, composta por um coletivo de três médicos especialistas, reuniu de forma a apreciar da capacidade física e psíquica dos militares apreciados no procedimento promocional, tendo, no que ao aqui Recorrente importa, deliberado que o mesmo se encontrava “Inapto para a promoção ao posto imediato, por se encontrar convalescente.”, (isto para além de lhe ter determinado a convalescença no domicílio por mais 90 dias);
-Nos termos previstos no artigo 124.º, n.º 1, do EMGNR, em 20/12/2018, reuniu-se o Conselho Superior da Guarda, o qual, analisando a documentação ínsita no processo relativo ao Recorrente, deliberou, por unanimidade, preterir o Recorrente na promoção ao posto de cabo, por não satisfazer a condição geral de promoção, prevista na alínea d) do artigo 121.º do EMGNR;
-Em 19/02/2018, obtida a necessária autorização ministerial, por despacho do Senhor Comandante do Comando de Administração dos Recursos Internos foi determinada a promoção dos Guardas-Principais ao posto de Cabo, por antiguidade para vagas de 2017, (note-se que nesta data ainda o Recorrente se encontra em situação de baixa médica);
-Cumpridos todos os procedimentos legais, nomeadamente audição do Recorrente em sede de audiência prévia, através do despacho de 21/09/2019 do Senhor Comandante do Comando da Administração dos Recursos Internos, foi o Recorrente preterido na promoção ao posto de cabo para ocupação de vagas ocorridas em 2017, em virtude de não reunir a condição geral de promoção exigida na alínea d) do artigo 121.º do EMGNR.
Na óptica do Recorrente tanto a decisão impugnada como o saneador -sentença recorrido padecem do vício de erro de julgamento de direito “por errada interpretação e aplicação conferida às normas constantes dos arts. 132.°, 133.° n.° 1 al. d) e n.° 2, e 134.° al. a) do EMGNR".
Resumidamente, entende o Recorrente que nunca poderia ter sido preterido na promoção, devendo, ao invés, ter sido considerado "demorado" na promoção, nos termos determinados na alínea d) do n.º 1 do artigo 133.º do EMGNR, em virtude de que quando foi observado pela Junta Superior de Saúde se encontrar convalescente e ter permanecido nessa situação até 22/10/2020.
Todavia carece de suporte.
Como bem referido pelo Tribunal a quo:
"Assim, e desde logo, nos termos do seu artigo 120.° (Condições de promoção), o militar da Guarda, para ser promovido, tem de satisfazer as condições gerais e especiais de promoção, até à data em que se concretiza a promoção, salvo nos casos previstos no presente Estatuto.
Estabelecendo o artigo 121.° do EMGNR as condições gerais de promoção, aí se estabelece que constituem condições gerais de promoção, comuns a todos os militares, e entre outras, a aptidão física e psíquica adequadas - cfr. al. d) do artigo 121.° do EMGNR.
Por outro lado, e quanto à verificação das condições gerais de promoção, determina o artigo 122.°, n.° 1 do referido Estatuto que a verificação das condições gerais de promoção dos militares da Guarda é efectuada através da avaliação do desempenho, da ficha curricular, da folha de matrícula e outros documentos constantes do processo individual do militar. A verificação das condições gerais de promoção compete ao órgão de gestão de recursos humanos da Guarda, segundo o disposto no n.° 3 do artigo em referência.
No mais, refere o EMGNR que o militar da Guarda que não satisfaça qualquer uma das condições gerais de promoção é, segundo o disposto no artigo 123.°, n.° 3 do EMGNR, preterido. (...)
Com efeito, a demora na promoção tem lugar quando o militar da Guarda estiver abrangido por qualquer das condições estabelecidas no artigo 133.°, n.° 1 do EMGNR. Deste modo, constituirá demora na promoção o militar cuja verificação da aptidão física ou psíquica estiver dependente de observação clínica, tratamento ou convalescença - cfr. al. d) do n.° 1 do artigo 133.° do EMGNR.
Nos termos do n.° 2 do referido artigo, o militar da Guarda demorado, logo que cessem os motivos que determinaram a demora na promoção, é promovido, independentemente da existência de vaga, indo ocupar, na escala de antiguidade do novo posto, a mesma posição que teria se a promoção tivesse ocorrido sem demora, sendo ressarcido das remunerações respetcivas que teria recebido caso aquela não se tivesse verificado, salvo o disposto no n.° 4 do artigo 122.°.
No entanto, estabelece o artigo 134.°, n.° 1, al. a) do EMGNR que a preterição na promoção do militar da Guarda tem lugar quando este não satisfaça qualquer das condições gerais de promoção. De todo o modo, o militar da Guarda preterido, logo que cessem os motivos que determinaram a sua preterição, passa a ser apreciado, para efeitos de promoção ao posto imediato, em igualdade de circunstâncias com os militares de igual posto e quadro, segundo o exposto no n.º 2 do artigo em referência. (...)
... quer isto dizer que o Autor, na data em que é proferido o despacho de promoção, isto é, o Despacho do Comandante da Administração dos Recursos Internos (CARI), de 19.02.2019, que determinou a promoção dos Guardas-principais, ao posto de Cabo, por antiguidade, para ocupação de vagas de 2017 - cfr. facto 5) do probatório - não reunia todas as condições gerais e especiais exigidas para a promoção em concreto.




Assim, e segundo uma interpretação que consideramos a mais acertada, entendemos que o instituto da “demora”, previsto no artigo 133.º do EMGNR não tem como campo de acção a situação factual do Autor, isto é, o seu âmbito de aplicação cobre outro universo de realidades que não a verificada nos presentes autos. Por outras palavras, sufragamos a leitura que a norma visa cobrir impedimentos temporários na promoção, funcionando como uma medida preventiva que visa diferir a apreciação das condições gerais de promoção logo que cesse as circunstâncias referidas nas diversas alíneas do artigo 133.º do Estatuto.
Perscrutando o conteúdo do dispositivo normativo, verificamos que as hipóteses ali elencadas consubstanciam, todas elas, situações que de certo modo estão limitadas no tempo, cessando, num período temporal próximo, o impedimento que obsta à promoção imediata.
Ao invés, as hipóteses previstas no artigo 134.° do EMGNR, conduzem-nos a situações incertas, que não reúnem condições de, a curto prazo, poderem ser ultrapassadas, levando a que o legislador, face à incerteza do preenchimento das condições necessárias à promoção, teve a necessidade de erigir o instituo da “preterição”, de forma a obliterar as inúmeras dificuldades que advêm de uma situação como a dos autos, como bem descreve a Entidade Demandada.
Portanto, uma vez que a aptidão física do Autor não estava dependente de observação clínica, tratamento ou convalescença, isto porque, como resulta dos factos provados, a sua situação clínica já se arrastava desde o dia 11.05.2018, e que apenas teve o seu término a 22.10.2020 - cfr. facto 2) e 15) do probatório - e porque aquela situação, à data da promoção, já estava definida, isto é, o Autor estava incapacitado por mais 90 dias, bem andou a Entidade Demanda ao decidir pela preterição do Autor da promoção a Cabo. Não poderia ser de outra forma. É que, nos termos da al. d) do n.° 1 do artigo 133.°, a situação de demorado caberá, unicamente, para aqueles casos em que a alta médica e, consequentemente, o preenchimento do requisito ou condição geral de promoção previsto na al. d) do artigo 121.° do EMGNR esteja apenas dependente de data certa e temporalmente próxima da data a promover. Tanto assim é que as consequências previstas para a cessação dos motivos que determinaram a demora ou a preterição são substancialmente diferentes. Veja-se que para a cessão dos efeitos que determinaram a demora na promoção, o militar demorado é promovido,
independentemente da existência de vaga, indo ocupar, na escala de antiguidade do novo posto, a mesma posição que teria se a promoção tivesse ocorrido sem demora, sendo ressarcido das remunerações respectivas que teria recebido caso aquela não se tivesse verificado, segundo o disposto no n.° 2 do artigo 133.° do EMGNR.
Já na situação da cessação dos motivos que determinaram a preterição, o militar passa a ser apreciado, para efeitos de promoção ao posto imediato, em igualdade de circunstâncias com os militares de igual posto e quadro, de acordo com o previsto no n.° 2 do artigo 134.° do EMGNR.
Assim sendo, e face ao quadro factual dado como provado, bem andou a Entidade Demandada ao qualificar a situação do Autor como “preterição”, já que o mesmo não reunia a necessária aptidão física, nem previsivelmente a viria a adquirir, pelo que a mesma não estava temporalmente determinada.
Secundamos o entendimento da decisão recorrida.
De facto, a interpretação que o Recorrido pretende que seja feita da alínea d) do n.º 1 do artigo 133.º não encontra nem na letra nem tão pouco no espírito do legislador qualquer suporte.
Assim, determina expressamente a mencionada alínea do n.º 1 do artigo 133.º do EMGNR que:
“1 – A demora na promoção tem lugar quando o militar da Guarda estiver abrangido por qualquer das seguintes condições:
d) A verificação da aptidão física ou psíquica estiver dependente da observação clínica, tratamento ou convalescença”.
Funcionando a letra da lei como ponto de partida e como limite da interpretação - na expressão de José Oliveira Ascensão, “[a] letra não é só o ponto de partida, é também um elemento irremovível de toda a interpretação” - Introdução e Teoria Geral, 13.ª ed., Almedina, 2005, pág. 396. -, o entendimento adotado pelo Recorrente não é consentâneo, nem se coaduna, com a regra interpretativa basilar, prevista nos termos do artigo 9.º do CC.
Ora, onde o legislador não legisla, não deve o intérprete legislar, não podendo ser tomado em conta o pensamento legislativo que não recolha na letra da lei um mínimo de correspondência textual (artº 9º/2 do Código Civil).
Segundo este preceito, relativo à interpretação da lei, não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso; assim, mesmo quando o intérprete “...se socorre de elementos externos, o sentido só poderá valer se for possível estabelecer alguma relação entre ele e o texto que se pretende interpretar”- cfr. João Baptista Machado, em Introdução ao Direito Legitimador, 1983-189.
E refere José Lebre de Freitas, in BMJ 333º-18 “A “mens legislatoris” só deverá ser tida em conta como elemento determinante da interpretação da lei quando tenha o mínimo de correspondência no seu texto e no seu espírito”.
Assim, presumindo-se que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, ao abrigo do n.º 3 do mencionado artigo 9.º, é notório concluir no sentido apontado na decisão sob escrutínio.
Efectivamente, o simples facto de se encontrar em convalescença imporia a decisão de demora, simplesmente uma análise, desde logo, da letra da lei impede tal conclusão.
De facto, não basta para que o militar seja demorado que se encontre em convalescença mas sim que esse facto impeça que a aptidão física ou psíquica seja verificada
Com efeito, o que este artigo nos diz expressamente é que fica demorado na promoção o militar relativamente ao qual a Junta Superior de Saúde (JSS) não possa proceder à verificação da sua aptidão física ou psíquica por um de três motivos, a saber:
- Porque tal verificação está dependente de observação clínica, (que por qualquer facto considerado atendível não pode ser feita);
- Porque o militar se encontra em tratamento e a JSS não o conseguindo observar não dispõe de elementos que permitam fazer essa avaliação;
- Porque o militar se encontra convalescente e, à semelhança do supra exposto, a JSS não o conseguindo observar não dispõe de elementos que permitam fazer essa avaliação.
Temos, assim, que se bastasse, como pretende o Recorrente, para ser determinada a situação de demora que um militar se encontrasse em convalescença à data da promoção, então obviamente que a convalescença constituiria uma alínea independente, determinando-se que ficaria na situação de demorado o militar que, cabendo-lhe a promoção, se encontrasse convalescente.
Porém não é isso que sucede.
Assim, o que sucedeu é que a JSS de facto, em 05/12/2018, quando analisou o Recorrente e a documentação clínica constante do seu processo entendeu que o mesmo se encontrava inapto para a promoção ao posto imediato atendendo a que estava convalescente, (entendendo-se que remete para as razões da convalescença, naturalmente, os motivos determinantes da inaptidão).
Assim, a inaplicabilidade da alínea d) do n.º 1 do artigo 132.º do EMGNR é evidente desde logo pelo facto de que a verificação da aptidão física do Recorrente foi, de facto, feita pela JSS e devidamente estribada na avaliação direta e análise do seu processo clínico, apenas sendo de aplicar este normativo se tal verificação não pudesse ter sido feita e estivesse dependente de qualquer das situações referidas supra.
Ora, o aqui recorrente que já se encontrava convalescente quando foi presente à JSS, após avaliação por este órgão foi mantida a sua convalescença o que, naturalmente determinou a deliberação de inaptidão para a promoção e a consequente preterição.
Como é sabido, na interpretação de uma norma jurídica, isto é, na tarefa de fixar o sentido e o alcance com que ela deve valer, intervêm, para além do elemento gramatical (o texto, a letra da lei), elementos lógicos, que a doutrina subdivide em elementos de ordem histórica, racional ou teleológica e sistemática.
O elemento teleológico consiste na razão de ser da lei (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao elaborar a norma, “o conhecimento deste fim sobretudo quando acompanhado do conhecimento das circunstâncias (políticas, sociais, económicas, morais, etc.) em que a norma foi elaborada ou da conjuntura político-económico-social que motivou a “decisão” legislativa (occasio legis) constitui um subsídio da maior importância para determinar o sentido da norma. Basta lembrar que o esclarecimento da ratio legis nos revela a “valoração” ou ponderação dos diversos interesses que a norma regula e, portanto, o peso relativo desses interesses, a opção entre eles traduzida pela solução que a norma exprime. Sem esquecer ainda que, pela descoberta daquela “racionalidade” que (por vezes inconscientemente) inspirou o legislador na fixação de certo regime jurídico particular, o intérprete se apodera de um ponto de referência que ao mesmo tempo o habilita a definir o exato alcance da norma e a discriminar outras situações típicas com o mesmo ou com diferente recorte”, como escreveu o Prof. «BB», ob. cit.. A ratio legis revela, portanto, a valoração ou ponderação dos diversos interesses que a norma jurídica disciplina.
Assim, mesmo se analisarmos o espírito da lei e o que o legislador terá querido dizer, teremos igualmente de chegar à mesma conclusão.
Senão vejamos,
- Dispõe o n.º 2 do artigo 133.º do EMGNR que o militar demorado, logo que cessem os motivos que conduziram à demora, é promovido independentemente de vaga, ocupando na escala de antiguidade do novo posto a mesma posição que teria se a promoção tivesse ocorrido sem demora, sendo ressarcido das remunerações respetivas que teria recebido.
Visualizando o exemplo trazido pela Entidade Recorrida teríamos, por hipótese, que perfilhando o entendimento do aqui Recorrente, um militar que se encontra convalescente, de forma ininterrupta, por 6 anos; Ao fim dos 6 anos é dado como apto para todo o serviço e considerado apto para a promoção; Então teríamos que esse mesmo militar seria promovido, sendo reconstituída toda a situação que se teria verificado caso tivesse sido promovido sem demora; - Mas as consequências não se ficariam por aqui;
Teríamos igualmente que o inserir em todos os procedimentos promocionais que tivessem ocorrido posteriormente e que, caso tivesse, em tempo, sido promovido, seria parte;
E cabendo-lhe também a promoção seria assim promovido;
Ora esta óptica iria lançar o caos nos recursos humanos de uma instituição que, como a GNR, tem mais de 24000 militares e mais de uma dezena de procedimentos promocionais por ano, sendo que, seguramente, não foi essa a intenção do legislador, como bem é reconhecido no saneador - sentença recorrido.
No que concerne à alegada falta de fundamentação do despacho impugnado, que o Recorrente havia suscitado na PI apresentada, subscreve-se na íntegra o analisado e decidido na peça processual recorrida, vértice decisório que terá de se considerar consolidado em virtude do presente recurso interposto não impugnar esse trecho decisório.
Sempre se dirá, contudo, que, como é sabido, o dever de fundamentação cumpre, essencialmente, duas funções: a de propiciar a melhor realização e defesa do interesse público; a de facilitar o controlo da legalidade administrativa e contenciosa do acto.
Conforme decidido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 05-12-2002, proc. n.º ...2, “fundamentar um acto administrativo é enunciar expressamente os motivos de facto e de direitos que determinaram o seu autor à prolação do mesmo, elucidando com suficiente clareza sobre os motivos determinantes do acolhimento, pela Administração, de determinada posição decisória.”
A fundamentação do acto administrativo é um conceito relativo que varia conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto, mas de acordo com o estabelecido no n.º 1 do artigo 153º do Código do Procedimento Administrativo, a fundamentação deve ser expressa, através da sucinta exposição dos motivos de facto e direito da decisão.
A fundamentação consiste, assim, em deduzir expressamente a resolução tomada das premissas em que assenta ou em exprimir os motivos porque se resolve de uma maneira e não de outra.
É pacífico o entendimento de que um acto estará devidamente fundamentado sempre que um destinatário normal possa ficar ciente do sentido dessa mesma decisão, das razões que a sustentam.
Nos termos do n.º 2 do artigo 153º do Código do Procedimento Administrativo “equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que por obscuridade, contradição, não esclareçam concretamente a motivação do acto”.
A fundamentação é obscura, quando não se percebe em que consistem, ou seja, a concreta motivação do acto. É insuficiente quando não permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear os mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação. E é contraditória ou incongruente quando os fundamentos invocados são contraditórios entre si, em relação à decisão tomada no procedimento.
No caso sub judice, o ato impugnado mostra-se devidamente fundamentado.
Como referido na sentença:

Posto isto, e como resulta dos facto provados, do despacho de 21.08.2019 do Comandante do CARI afere-se qual o iter cognoscitivo que esteve subjacente à tomada de decisão, isto é, o destinatário do acto fica a saber, por um lado, qual o conteúdo da decisão e, por outro, porque razão se decidiu naquele sentido e não noutro. Ora, resulta, de forma clara, que o despacho cumpre todos os requisitos de fundamentação exigidos no artigo 153.º do CPA, sendo também evidente que o Autor entendeu que havia sido preterido em virtude de não ter reunido a condição geral de promoção relativa à aptidão física e psíquica decorrente da deliberação da JSS, pelo que o mesmo ficou ciente dos termos e da fundamentação expressa naquela decisão – cfr. facto 11) do probatório.

Em face de todas as informações e despachos interlocutórios, bem como do despacho final ora impugnado, dúvidas não restam que o Autor foi preterido por não satisfazer todas as condições gerais de promoção e que a preterição ocorreu por aplicação do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 134.º do EMGNR. Efectivamente, e centrando-nos apenas no despacho definitivo proferido em 21.08.2019, verifica-se que é aí expressamente referido que “O órgão de gestão de recursos humanos propôs aos Srs. Conselheiros que o Guarda Principal «AA» fosse preterido na promoção a Cabo, por antiguidade, para as vagas relativas ao ano de 2097, por, nos termos da alínea a) do n.° 9 do art.° 934.°, não satisfazer a condição geral de promoção, designadamente o «Aptidão Física e psíquica adequadas», nos termos da alínea d) do art.º 929.º ambos do EMGNR”, sendo assim expressamente decidido “Preterir na promoção a Cabo, por antiguidade, para as vagas relativas ao ano de 2097,o Guarda Principal Inf (...34) «AA», por não reunir a condição geral de promoção, nos termos da alínea a) do n. ° 9 do art.° 934.° do EMGNR, designadamente, a constante na alínea d) do art.° 929.° do mesmo normativo legal” – cfr. facto 99) do probatório.

O que significa, portanto, que falece o vício invocado pelo Autor, já que o despacho impugnado indica e expõe as razões factuais e jurídicas que se ponderaram ao tomar a decisão, bem como o necessário juízo lógico-jurídico, tendencialmente subsuntivo da qual saiu aquela conclusão.
Desatende-se também esta argumentação.
Em suma,
A sentença proferida objeto do presente recurso não padece de nenhum vício que determine a sua revogação;
O que sucedeu é que a JSS de facto, em 05/12/2018, quando analisou o Recorrente e a documentação clínica constante do seu processo entendeu que o mesmo se encontrava inapto para a promoção ao posto imediato atendendo a que estava convalescente;
A inaplicabilidade da alínea d) do n.º 1 do artigo 132.º do EMGNR é evidente desde logo pelo facto de que a verificação da aptidão física do Recorrente foi, de facto, feita pela JSS e devidamente alicerçada na avaliação direta e análise do seu processo clínico, apenas sendo de aplicar este normativo se tal verificação não pudesse ter sido feita e estivesse dependente de qualquer das situações referidas supra;
É esta a interpretação que resulta do elemento objetivo e literal do normativo estatutário em análise, sendo que a mesma é igualmente suportada pelo espírito do legislador, como bem referido pelo Tribunal a quo.
Improcedem as Conclusões das alegações.
DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pelo Recorrente.
Notifique e DN.

Porto, 08/11/2024

Fernanda Brandão
Isabel Costa (em substituição)
Rogério Martins