Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
1.1. "A..., Lda." (Recorrente), notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, pela qual foi julgada totalmente improcedente a impugnação judicial da liquidação adicional de IVA, referente a período do ano de 2017, no montante de €15 146,08, ao qual acresce juros compensatórios e moratórios, inconformada vem dela interpor o presente recurso jurisdicional.
Alegou, formulando as seguintes conclusões:
«I – A liquidaçãas do ... e se/uo impugnada teve origem nas Conclusões de uma acção inspectiva levada a cabo pela Divisão de Inspecção II da Direcção de Finanç Relatório Final de Inspecção Tributária, que se encontra anexo à petição de Impugnação.
II – Sem concordar com tal liquidação e não prescindindo do seu direito ao contencioso, a Recorrente efectuou o pagamento integral das quantias dessa liquidação em 30-10-2018 e 26-10-2018.
III – Com base no mesmo procedimento inspectivo foi indeferido um pedido de reembolso de IVA no montante de 86.942,95€ (oitenta e seis mil, novecentos e quarenta e dois euros e noventa e cinco cêntimos) referente ao período 201712T, de cujo Despacho, veio a ser deduzida Impugnação nos termos do art.º 50.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, constituindo o Processo n.º 24/19.4BEPRT a correr termos na UO 3 do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.
IV – Pela Recorrente foi deduzida Reclamação Graciosa contra a mesma liquidação, remetida à Direcção de Finanças do ..., sobre a qual recaiu Despacho de Indeferimento notificado por aquela Direcção de Finanças em 02-09-2019, pelo que veio a ser apresentado contencioso judicial consubstanciado na Impugnação que deu origem à Douta Sentença agora recorrida.
V – Da leitura atenta da Douta Sentença Recorrida, entende a Recorrente que a mesma encerra duas vertentes e decisões distintas, pois
VI – No que concerne à matéria que versa e legalidade das facturas que originaram o Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) cuja liquidação é objecto da Impugnação, a Douta Sentença recorrida reconhece não assistir razão à Autoridade Tributária e Aduaneira quando a mesma pretende classifica-las com facturas falsas ou mesmo evocar uma inexistência de operação ou sua simulação.
VII – Decisão que leva ao afastamento da norma do n.º 3 do artigo 9.º do CIVA e consequente direito à dedução do IVA suportado pela Recorrente nas facturas em crise.
VIII – É o que se retira do vertido nas páginas 38 a 46 da Douta Sentença, que se chamam à colação, e se consideram para efeitos deste Recurso como integralmente aqui reproduzidas, aderindo a Recorrente à Sentença recorrida nesta parte, por se verificar pacífica a decisão de improcedência da argumentação da Impugnada, bem como a ilegalidade da Autoridade Tributária e Aduaneira, no que respeita à prestação efectiva dos serviços por parte das empresas antes identificadas.
IX – Não operando o afastamento do direito à dedução do IVA liquidados nessas facturas, nem as mesmas poderão ser consideradas falsas ou oriundas de operação simulada, como quer levar de vencida a Autoridade Tributária e Aduaneira, estribada no Relatório Final da Inspecção Tributária, o qual se encontra eivado de várias irregularidades e assenta em pressupostos inspectivos que mais não são do que meras convicções dos agentes que levaram a cabo a inspecção.
X – Acresce que a Autoridade Tributária não conseguiu verter nos autos de Impugnação ou nos procedimentos administrativos que o precederam, qualquer prova de que essas facturas não deveriam ter sido emitidas pelas empresas "B...,Lda". "M... Unipessoal, Lda." e "G..., Unipessoal, Lda.", ou que os serviços não foram por elas prestados.
XI – A Recorrente, ao tempo Impugnante, assume pois que, face à matéria apreciada e decidida nesta parte da Douta Sentença recorrida, lhe assiste razão e fica demonstrada a falta da mesma razão no que respeita à Impugnada ora Recorrida, pelo que se abstém de recorrer da parte supra referida da mesma, por lhe ser favorável e coincidir com todo o seu alegado sobre essa matéria em sede de Impugnação Judicial.
XII – Apreciemos então agora a segunda parte da Douta Sentença recorrida, que se desenvolve de páginas 46 a 56 da mesma, que se dão aqui por integralmente reproduzidas para efeitos do presente Recurso, onde se conclui pela Improcedência integral da Impugnação.
XIII – Aqui está em causa, e em apreciação, a forma legal de emissão das facturas supra indicadas, por eventual inobservância do preceituado no art.º 36.º do CIVA, e consequente o afastamento do direito à dedução por força da letra do art.º 19.º e seu n.º 2 do mesmo Código, posição com que a Recorrente não se pode conformar e da qual, adiante, irá arguir e recorrer nos termos a indicar.
XIV – No entanto, porque se reveste de primordial importância para a boa decisão deste Recurso, aqui se traz como questão inicial a aplicação, no caso sub judice, da norma do art.º 163.º, n.º 5 alínea a) do Código do Procedimento Administrativo, na forma como se encontra aplicada na Douta Sentença Recorrida do Tribunal a quo.
XV – Transcrevendo a Douta Sentença Recorrida, “Destarte, se é certo que no capítulo anterior se deu por verificada a ilegalidade material decorrente da ausência de indícios fundados de simulação quanto às operações económicas tituladas pelas facturas emitidas pelas sociedades "B...,Lda"., "M... Unipessoal, Lda." e "G..., Unipessoal, Lda.", não se pode agora concluir, sem margem para duvidas, que o conteúdo dos actos de liquidação adicional, ainda que expurgados da ilegalidade cometida seria, inelutavelmente, o mesmo, na medida em que, quanto àquelas facturas, subsiste um obstáculo legal ao exercício do direito à dedução do IVA liquidado, ou seja, a falta de requisitos formais (artigos 19.º,n.º 2 e 36.º, n.º 5 f) do CIVA).
XVI – E ainda, “É esta a solução que, à luz do princípio do aproveitamento do acto administrativo, se impõe adoptar no caso concreto, sobretudo se se tiver em conta que nos encontramos perante uma actuação administrativa de natureza estritamente vinculada (agora acolhido na primeira parte, da alínea a) do número 5, do artigo 163.º, do CPA).
XVII – Salvo melhor Douta opinião, a Recorrente não pode concordar, nem se pode conformar, com este entendimento que está redigido no segundo e terceiro parágrafos de página 55 da Douta Sentença Recorrida.
XIII – Tomando como referência os vícios formais do acto administrativo, a admissibilidade do aproveitamento do mesmo acto administrativo conduz a uma “depreciação do vício de forma à margem da lei” (Marcelo Rebelo de Sousa /André Salgado de Matos, in Direito Administrativo Geral, Tomo III, 2).
XIX – Aqui se chamando à colação a posição de Edmilson Wagner dos Santos Conde in Algumas reflexões sobre o artigo 163.º, n.º 5 do CPA, reforçada e referida pelo mesmo pelas posições de André Salgado de Matos, (A invalidade do acto administrativo no projecto de revisão do CPA, CJA, n.º 100 (Jul-Ago), 2013, cit., pp. 65 e 66) e de Luís Heleno Terrinha, excertos que, supra, nos permitimos transcrever neste Recurso.
XX – No mesmo sentido o Direito Europeu que, como artigo 41.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, vem destacar a importância do direito das formas no âmbito do Direito Administrativo.
XXI – Atentemos à letra dos números 1 e 2 do artigo 41.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia que dispõem: “n.º 1 :Todas as pessoas tem direito a que os seus assuntos sejam tratados pelas instituições e órgãos da União de forma imparcial, equitativa e num prazo razoável; n.º 2: Este direito compreende, nomeadamente: o direito de qualquer pessoa a ser ouvida antes de a seu respeito ser tomada qualquer medida individual que a afecte desfavoravelmente, o direito de qualquer pessoa a ter acesso aos processos que se lhe refiram, no respeito dos legítimos interesses da confidencialidade e do segredo profissional e comercial, a obrigação, por parte da administração, de fundamentar as suas decisões”
XXII – Resulta do antes referido, e salvo melhor Douta opinião, que a aplicação do art.º 163.º do CPA, não parece poder operar no caso vertido, pois que pese embora a Douta Sentença recorrida refira “ ... quanto àquelas facturas subsiste um obstáculo legal do exercício do direito à dedução do IVA liquidado ...”, o aproveitamento do acto administrativo conduz a uma “depreciação do vício de forma à margem da lei “, como já antes citado e aplicável in casu.
XXIII – A aplicação desta norma, como pretende o Tribunal a quo, promove a denegação de direitos ao Impugnante/Recorrente e fere os princípios plasmados no n.º 2 do artigo 41.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
XXIV – Não se vislumbra pois legitimidade para, lançando mão do princípio ínsito na alínea a) do n.º 5 do artigo 163.º do CPA, seja proferida uma Sentença com improcedência integral da Impugnação, quando na realidade a mesma Sentença reconhece que, em parte da matéria e análise, à Impugnada não assiste razão, mais constituindo este “aproveitamento do acto administrativo” um entrave à boa e correcta decisão global.
XXV – Termos em que, para reposição da legalidade e atento ao vício de forma de que enferma, deve a Douta Sentença Recorrida ser revogada na parte em que, por errónea aplicação da alínea a) do número 5 do artigo 163.º do CPA, não foi dado provimento à pretensão anulatória por que pugna a Recorrente.
XXVI – Verte Douta Sentença Recorrida no penúltimo parágrafo de folhas 50 da mesma que, “Subsistindo, porém, a questão da diferença temporal entre o momento da emissão da factura e o termo da prestação de serviços e causa”, e prossegue no primeiro parágrafo a folhas 51, “Apesar de alegar, e demonstrar, que a operação em causa não se esgota com o envio dos contentores, sustentando que a partir desse momento, há ainda muito trabalho a fazer, seja no que respeita ao procedimento burocrático de exportação, seja no tratamento a dar aos produtos que não foram utilizados na composição daquelas 600 000 rações de combate, não conseguiu demonstrar em que data estes trabalhos terminaram, ou que o termo dos mesmos tenha coincidido com a emissão das facturas”
XXVII – A Recorrente não pode concordar nem aceitar tais afirmações vertidas na Douta Sentença recorrida, atento ao que se encontra ínsito na petição de Impugnação nos seus articulados 77.º a 92.º que aqui se dão por reproduzidos integralmente para todos os legais efeitos.
XXVIII – Retira-se inequivocamente dos depoimentos das testemunhas AA, (minuto 45:00 a 54:00 da gravação SITAF) e BB (minuto 24:40 a 43:30 da gravação SITAF), esta última que prestou esclarecimentos primordiais, tanto no aspecto desta operação em concreto, como sobre a forma técnico legal e documental a que as operações deste tipo devem respeitar, quer quanto ao ordenamento jurídico interno quer quanto às normas da União Europeia a que Portugal está vinculado, que não se poderá questionar a datas de emissão das facturas como sendo as mesmas em que os serviços foram prestados.
XXIX – A testemunha BB, inquirida sobre a matéria, também não teve qualquer dúvida em afirmar que uma operação deste género, e esta em concreto, apenas se considera terminada quando os intervenientes e as autoridades, nomeadamente as aduaneiras, consideram estar concluído todo o procedimento inerente à exportação que incluiu o burocrático, depoimento que não reveste uma mera opinião mas assenta em bases legais.
XXX – Mais testemunhando ter existido uma desconformidade entre os elementos constantes do Despacho, emitido pelo exportador, e o Manifesto e BELs emitidos pelo representante do importador, o que obstava a que o procedimento fosse dado por concluído, levando à sua intervenção para resolução do problema uma vez que o representante do importador se auto desonerou dessa sua obrigação.
XXXI – Também, como constam dos Contratos celebrados entre a Recorrente/Impugnante e os prestadores de serviços, as facturas seriam emitidas apenas aquando do encerramento da operação já que só nesse momento se consideraria ter terminado as suas prestações de serviço, e foi o que em conformidade com o contratualizado que se emitiram essas facturas.
XXXII – Afirma a Douta Sentença recorrida, “... não conseguiu demonstrar em que data estes trabalhos terminaram, ou que o termo dos mesmos tenha coincidido com a emissão das facturas”, não podendo a Recorrente concordar com esta afirmação, já que, como se provou testemunhalmente e documentalmente, não poderá ser colocada em crise a data da emissão das facturas como coincidente com a data do efectivo términus da prestação de serviços.
XXXIII – Por outro lado, a Impugnada/Recorrida nunca demonstrou ou provou coisa diferente, nem no seu Relatório Final da Inspecção Tributária, nem na sua Informação e Despacho de Indeferimento da Reclamação Graciosa, nem na sua Contestação à Impugnação ou até mesmo durante a Audição de Testemunhas, o mesmo se dizendo da Digna Representante da Fazenda Publica, que em contra inquirição das testemunhas arroladas pela Recorrente, não logrou obter prova contrária ao alegado e testemunhado sobre a data da conclusão da prestação dos serviços ou da sua coincidência com a data da emissão da factura.
XXXIV – Como se referiu nas Alegações finais “A Inspecção Tributária fez apenas um mero exercício de raciocínio, manifestamente errado, no que respeita à data em que terminou a operação, data essa que tem manifesto interesse para cruzamento com a data da emissão das facturas cujo IVA a Autoridade Tributária pretende afastar de reembolso, já que olvidou que o seu procedimento, se rege pelo princípio da verdade material, consignado no artigo 6.º do Regime Complementar do Procedimento da Inspecção Tributária e Aduaneira (RCPITA), que, conjuntamente com o princípio da proporcionalidade, plasmado no artigo 7.º do mesmo Regime, pretende garantir aos contribuintes inspeccionados, a observâncias das normas fiscais aplicáveis.”
XXXV – E ainda, “Nem logrou apresentar qualquer suporte probatório para esse seu mero exercício de raciocínio, apenas baseando a sua posição em presunções sem qualquer fundamento ou prova do vertido no seu Relatório, pretendendo agora desvalorizar a prova testemunhal, única existente e credível sobre a matéria e que inequivocamente remete para 11/12/2017 o final da operação.”
XXXVI – Nada restando à Recorrente senão pugnar pelo reconhecimento do término da operação em 11/12/2017 bem como da data de término das prestações de serviço à Recorrente, nos precisos termos alegados em sede de Impugnação e segundo a prova por si produzida sobre esta matéria, e consequente revogação da Douta Sentença recorrida.
XXXVII – No que à observância do artigo 36º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado respeita, aqui se reitera todo o alegado em sede de petição de Impugnação, nos articulados 93.º a 119.º, que se consideram totalmente reproduzidos, já que vertem a posição da Recorrente e assentam em diversa Doutrina e Jurisprudência ao caso aplicável.
XXXVIII – Sobre o tema da observância ou não do artigo 36.º do CIVA, a Douta Sentença Recorrida desenvolve-o de páginas 46 a 55, enquanto critério e condição objectiva do direito à dedução do IVA suportado pela Recorrente nas facturas emitidas por prestação de serviços pelas sociedades "B...,Lda". "M... Unipessoal, Lda." e "G..., Unipessoal, Lda.".
XXXIX – De onde ressalta, indubitavelmente, que apenas coloca em crise a observância do plasmado na alínea f) do n.º 5 daquele art.º 36.º do CIVA e consequente obstáculo á dedução por força do n.º 2 do art.º 19.º do mesmo Código, como se retira da ultima parte do primeiro parágrafo a folhas 55 quando refere que, “... subsiste um obstáculo legal ao exercício do direito à dedução do IVA, ou seja, a falta de requisitos formais (artigos 19.º, n.º 2 e 26.º, n.º 5 f) do CIVA)”
XL – Aceitando assim que que todos os restantes elementos formais elencados no n.º 5 do art.º 36.º do CIVA se encontram preenchidos e quanto a eles não persistem dúvidas na legalidade e formalidade das facturas e consequente direito à dedução do IVA por parte da Recorrente.
XLI – Como referido nas Alegações da Recorrente, “A Impugnante, no articulado da sua Impugnação, apresentou prova de que as exigências plasmadas no art.º 36.º do CIVA, estão todas preenchidas na emissão das facturas em crise, e fê-lo não só através da transcrição das várias alíneas do n.º 5 dessa norma, e prova do seu preenchimento, como através de doutrina e instruções administrativas emanadas pela própria AT, nomeadamente o Ofício Circulado número 18...44, emitido em 06-12-1991 pelo Gabinete do Subdiretor-Geral do SIVA e o Oficio Circulado n.º 30...04 de 28/06 da DSIVA, as quais pese embora vinculem a Inspecção Tributária, foram desconsideradas por desconhecimento ou por mera omissão.”
XLII – Continuando, “Quer a testemunha Dr.ª CC, quer a testemunhas DD, inquiridas sobre a matéria não tiveram dúvidas em considerar as facturas emitidas correctamente, cumprindo os requisitos do art.º 36.º do IVA, referindo a primeira que efectuou os lançamentos contabilísticos por os documentos estarem emitidos de forma legal, e a segunda referiu que foi a sua empresa de Contabilidade que emitiu as referidas facturas e que o fez no estrito cumprimento das normas fiscais aplicáveis.”
XLIII – Centremo-nos pois, na matéria versada na já referida alínea f) do n.º 5 do art.º 36.º do CIVA, pois é esta a que se encontra em análise e em que a Douta Sentença Recorrida se apoia para suportar a sua decisão de improcedência da Impugnação.
XLIV – O Imposto sobre valor Acrescentado (IVA) regula-se na ordem da Comunidade Europeia pela Directiva 2006/112/CE do Conselho de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, transposta para a ordem interna no Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA).
XLV – À alínea f) do n.º 5 do art.º 36.º do CIVA, corresponde o n.º 7 do art.º 226.º daquela Directiva, que, para melhor apreciação, aqui se transcreve: “artigo 226.º-Sem prejuízo das disposições específicas previstas na presente directiva, as únicas menções que devem obrigatoriamente figurar, para efeitos do IVA, nas facturas emitidas em aplicação do disposto nos artigos 220.º e 221.º são as seguintes: ... 7) A data em que foi efectuada, ou concluída, a entrega de bens ou a prestação de serviços ou a data em que foi efectuado o pagamento por conta, referido nos pontos 4) e 5) do artigo 220.o, na medida em que essa data esteja determinada e seja diferente da data de emissão da factura.”
XLVI – Da referida norma se intui que a obrigatoriedade da menção do elemento data é derrogado quando essa data coincidir com a da emissão da factura, pois a sua obrigatoriedade apenas se verifica quando a data da prestação dos serviços não coincidir com a data da emissão da factura, assim no caso vertente existe coincidência dessas datas e portanto por aplicação a contrario sensu da norma, não se verifica a obrigatoriedade de menção da data em que foram os serviços prestados efectuados ou terminaram.
XLVII – A Autoridade Tributária e Aduaneira e a Douta Sentença Recorrida corrobora com a imposição de obrigações de facturação suplementares às fixadas, designadamente, no artigo 226º da referida Directiva 2006/112/CE do Conselho o que está vedado, conforme decisão no Proc.º C-368/09 de 15/06/2010 do Tribunal de Justiça da União Europeia que refere, “não é legítimo aos Estados Membros associar o exercício do direito à dedução do IVA ao preenchimento de pressupostos relativos ao conteúdo das facturas que não estão expressamente previstos nas disposições da DIVA. Esta interpretação é igualmente corroborada pelo artigo 273º desta diretiva, que prevê que os Estados Membros podem impor obrigações que considerem necessárias para assegurar a exata percepção da IVA e para evitar a fraude, mas que esta faculdade não pode ser utilizada para impor obrigações de faturação suplementares às fixadas, designadamente, no artigo 226º da referida diretiva”.
XLVIII – Pese embora esta disposição permita aos Estados membros adoptar determinadas medidas, estas não deverão, todavia, ir para além do que é necessário para atingir esse fim e não poderão, por isso, ser utilizadas de tal forma que ponham sistematicamente em causa o direito à dedução do IVA, que é um princípio fundamental e o principal pilar do sistema comum do IVA, (Cfr. acórdãos de 18 de Dezembro de 1997, Molenheide, do TJU).
XLIX – No mesmo sentido o Acórdão de 21 de Abril de 2005, Finanzamt Bergisch Gladbach, C-25/03, n.º 80 do TJUE que refere “(...) é jurisprudência assente que a exigência, para o exercício do direito à dedução, de outros elementos na factura para além dos enunciados no artigo 22º, nº 3, alínea b), da Sexta Directiva deve ser limitada ao necessário para assegurar a cobrança do imposto sobre o valor acrescentado e a sua fiscalização pela Administração Fiscal. Além disso, esses elementos não devem, pelo seu número ou tecnicidade, tornar impossível na prática ou excessivamente difícil o exercício do direito à dedução (Acórdão de 14 de Julho de 1988, Jeunehomme e EGI, 123/87 e 330/87, Colect. P. 4517, n.º 17). Outrossim, as medidas que os Estados membros têm a possibilidade de tomar, nos termos do n.º 8 do artigo 22.º da mesma Directiva, para garantir o exacto recebimento do imposto e evitar a fraude não devem exceder o necessário para atingir aqueles objectivos. Não poderão por isso ser utilizadas de forma que ponham em causa a neutralidade do IVA, que constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA instituído pela legislação comunitária na matéria (acórdãos de 21 de Março de 2000, Gabalfrisa e o., C110/98 a C147/98, Colect., p.I1577, n.º 52, e de 19 de Setembro de 2000, Schmeink & Cofreth e Strobel, C454/98, Colect., p. I6973, n.º 59).”
L – A Douta Sentença Recorrida vem transcrever excertos do Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul datado de 28-11-2019, pretendendo fazer vencer a interpretação de que a possível falta de menção exigida na alínea f) do n.º 5 do art.º 36.º do CIVA, promove uma ineficácia da Autoridade Tributária e Aduaneira no que concerne à sua possibilidade inspectiva e de controlo “da data de ocorrência do facto gerador de imposto e portanto, determinar as disposições fiscais que devem, de um ponto de vista temporal, aplicar-se à operação a que respeita o documento.”
LI – Não pode a Recorrente concordar com tal afirmação vertida naquele Acórdão, primeiro porque o próprio legislador fiscal vem permitir a não indicação dessa data, ex vi parte final da alínea f) do n.º 5 do art.º 36.º do CIVA, e depois porque a legislação nacional oriunda da transposição da Directiva citada, extravasa aquilo que da mesma Directiva se retira numa clara violação a toda a jurisprudência do TJUE antes enunciada.
LII – A imposição do elemento data previsto na alínea f) do n.º 5 do art.º 36.º do CIVA, não pode ser considerado um factor primordial para combate à fraude e evasão fiscal ou mesmo como indicador do período de tributação, já que a Impugnada possuiu um dos maiores, senão o maior, banco de dados informatizados, que lhe dá o controlo de toda a actividade fiscal dos contribuintes sujeitos passivos de IVA, permitimo-nos dizer, com o devido respeito, que o vertido nesse Acórdão na parte transcrita, é uma falsa questão que só poderá ter origem numa interpretação de quem desconhece o modus fasciendi da Autoridade Tributária e Aduaneira e a panóplia de meios de controlo e cruzamento de dados que tem ao seu dispor.
LIII – A existência de eventuais vícios formais das facturas em análise não pode determinar por si só, e automaticamente, a negação do exercício do direito à dedução, pois para que esses vícios ponham em causa o exercício do direito à dedução é necessário que se encontre afastada a capacidade de correta cobrança do imposto e de fiscalização, o que não aconteceu no caso em sub judice, como refere no mesmo sentido o Acórdão de 14 de Julho de 1988, Lea Jeunehomme e EGI, C-123 e 130/87.
LIV – A realidade Impugnada é diversa, já que o IVA foi liquidado pelas sociedades prestadoras dos serviços, foi correctamente inserido nos seus elementos contabilísticos, consta das declarações periódicas de IVA correspondentes e foi entregue ao Estado, sem que até à data tenha a Autoridade Tributária e Aduaneira tenha procedido a qualquer rectificação ou reembolso desses montantes, o que bem demonstra a legalidade do formalismo das facturas em crise, tudo reforçado com o testemunho de DD, contabilista certificado das sociedades emitentes das facturas; o mesmo se dirá quanto à Recorrente pois procedeu segundo as normas tributárias aplicáveis, como declarado pela testemunha Dr.ª CC, contabilista certificada e responsável pelos elementos contabilísticos ao tempo dos factos.
LV – Não se vislumbrando razão de ciência para que a Douta Sentença Recorrida venha a afastar o legítimo direito à dedução do IVA suportado pela Recorrente nas facturas emitidas pelos prestadores de serviços, para tanto estribando-se na norma do n.º 2 do art.º 19.º do CIVA, considerando erradamente como passadas de forma ilegal as facturas em causa, e padecendo as mesmas de falta de formalismos, o que não se pode conceder.
LVI – A obter vencimento o entendimento do Tribunal a quo, em última rácio irá promover uma situação de dupla tributação uma vez que, como antes referido, os emitentes das facturas liquidaram IVA e entregaram essas quantias ao Estado, as mesmas que agora estão a ser exigidas à Recorrente por força da impossibilidade de dedução.
LVII – A questão central que se coloca nos autos em apreço é saber se as facturas emitidas à Recorrente são ou não formalmente válidas, para efeitos do exercício do direito à dedução, à luz dos pressupostos legais previstos na alínea a) do n.º 2 do artigo 19.º do Código do IVA, conjugado com o n.º 5 do artigo 36.º do mesmo Código, considerando, ainda, o disposto no artigo 226.º da Directiva 2006/112/CE DO CONSELHO de 28 de Novembro de 2006.
LVIII – Pretende a Autoridade Tributária e Aduaneira fazer vencer que as facturas não indicam a data concreta em que os serviços foram prestados, posição que vem a ser corroborada na Douta Sentença Recorrida, mas analisando a alínea f) do n.º 5 do artigo 36.º do Código do IVA tal obrigação só se verifica quando esta não coincide com a data da emissão da factura assim, como já referido anteriormente, por aplicação a contrario sensu , no caso aqui em análise essa obrigação inexiste dada a coincidência das datas.
LIX – Em todo o procedimento judicial de impugnação ou no contencioso administrativo que o precedeu nunca a Autoridade Tributária e Aduaneira logrou provar a inexistência desta coincidência temporal e consequente obrigação da aposição nas facturas da data de términus do serviço prestado, outrossim a Recorrente sempre pugnou pela correcta aplicação da norma e pelo reconhecimento da desnecessidade de aposição dessa data, apoiada na letra da lei.
LX – Refere Oficio Circulado n.º 30072/2004 de 28-6 da Direcção de Serviços do IVA da Autoridade Tributária que, “O Decreto-Lei n.º 256/2003, de 21 de Outubro, ao aditar ao n.º 5 do art.º 35.º do Código do IVA a alínea f) vem estabelecer que, a partir de 1 de Janeiro de 2004, as facturas ou documentos equivalentes devem conter a data em que os bens foram colocados à disposição do adquirente, em que os serviços foram realizados ou em que foram efectuados pagamentos anteriores à realização das operações, se essa data não coincidir com a da emissão da factura.” prosseguindo, “Face às regras atrás referidas, tendo em vista simplificar e harmonizar procedimentos, devem os sujeitos passivos, para efeitos da aplicação da alínea f) do n.º 5 do art.º 35.º do Código do IVA, atender ao seguinte: a) Nas transmissões de bens e prestações de serviços; b) Nas prestações de serviços considera-se que o serviço foi realizado no momento da sua conclusão.”
LXI – Reforçando o teor daquele Oficio Circulado a convicção de que está cumprido o requisito da alínea f) do n.º 5 do art.º 36.º do CIVA, e preenchidas todas as restantes formalidades e legalidades exigíveis para a emissão das facturas, não se vislumbra qualquer irregularidade nas mesmas que obste a que o IVA liquidado nas mesmas possa conferir direito à dedução por parte da Recorrente, o que mais não é do que um direito que legalmente lhe assiste.
LXII – As instruções administrativas emanadas através do Ofício Circulado número 181044, emitido em 06-12-1991 pelo Gabinete do Subdiretor-Geral do SIVA e do Oficio Circulado n.º 30072/2004 de 28/06 da DSIVA, às quais a Autoridade Tributária está vinculada, devem ser tidas em consideração na apreciação desta causa, sob pena de se perverter o princípio da segurança jurídica, já que a Recorrente pautou a sua actuação não só em função das normas do CIVA como também atendeu àquilo que é o entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira vertido naquelas instruções administrativas, que não pode agora ver arredadas.
LXIII – Na mais recente jurisprudência do TJUE, Acórdão Barlis, no que toca à importância de ponderar as consequências da violação do artigo 226.º da Directiva 2006/112/CE do Conselho de 28 de Novembro de 2006, no que concerne ao exercício do direito à dedução à luz das finalidades prosseguidas pela referida norma, sobre a matéria de vícios formais, este Tribunal indica, como já anteriormente transcrito, que o princípio basilar da neutralidade do IVA “exige que a devolução deste imposto pago a montante seja concedida se os requisitos materiais estiverem cumpridos mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais.” “Daqui resulta que a Administração Fiscal não pode recusar o direito a dedução do IVA pelo simples facto de a fatura não preencher os requisitos exigidos pelo artigo 226.º, n.º 6 e 7, da Diretiva 2006/112, se dispuser de todos os dados para verificar se os requisitos substantivos relativos a este direito se encontram satisfeitos.” (neste sentido, acórdãos de 21 de outubro de 2010, Nidera Handelscompagnie, C-385/09, EU:C:2010:627, n.º 42; de 1 de março de 2012, Kopalnia Odkrywkowa Polski Trawertyn P. Granatowicz, M. W¹siewicz, C-280/10, EU:C:2012:107, n.º 43; e de 9 de julho de 2015, Salomie e Oltean, C-183/14, EU:C:2015:454, n.os 58, 59 e jurisprudência aí referida)”.
LXIV – In casu, a Autoridade Tributária e Aduaneira está na posse de todos “os requisitos materiais” e de que “foram cumpridos requisitos substantivos relativos a este direito se encontram satisfeitos” e a Douta Sentença Recorrida também os menciona na sua primeira parte quando reconhece a existência da operação e a legalidade da emissão das facturas por parte dos efectivos emitentes.
LXV – Consta deste Recurso, e de igual modo se arguiu e provou em sede de Impugnação Judicial, que as facturas emitidas pelos prestadores de serviços antes melhor identificados, encerram todos os formalismos legais do n.º 5 do art.º 36.º do IVA, nomeadamente da sua alínea f), conferindo assim direito à dedução do IVA liquidado e entregue nos cofres do Estado, com apoio legal na norma do art.º 19.º do CIVA, decidir coisa diferente deturpará a verdade material e promoverá uma falsa realidade fiscal, contra todas as normas aplicáveis e instruções administrativas emanadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, não podendo deixar de se referir que assentando o IVA no método subtractivo indirecto tem neste mesmo método a sua trave mestra que, in casu, está subvertida pela decisão do Tribunal a quo.
LXVI – Verifica-se pois ter existido por parte do Tribunal a quo uma incorrecta apreciação da matéria e das normas da alínea a) do n.º 2 do artigo 19.º do Código do IVA, conjugado com o n.º 5 do artigo 36.º do mesmo Código, considerando, ainda, o disposto no artigo 226.º da Directiva 2006/112/CE do Conselho de 28 de Novembro de 2006, que apenas poderá levar à revogação da Douta Sentença Recorrida.
Nestes termos e nos mais de Direito, requere-se a V.as Ex.as, se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por provado e, em consequência, ser a Douta Sentença recorrida, revogada e substituída por Douto Acórdão que julgue procedente a Impugnação nos precisos termos em que foi peticionado, tudo com as devidas e legais consequências, como é de Direito e de Justiça.»
1.2. A Recorrida (Fazenda Pública), notificada da apresentação do presente recurso, não apresentou contra-alegações.
1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 1086 e ss. do SITAF, no qual conclui a final que “(...) somos do parecer que deve ser negado provimento ao recurso interposto, mantendo-se integralmente na ordem jurídica a douta sentença recorrida.”.
1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cfr. art. 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.
1.5. Como é sabido, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, a intervenção do Tribunal ad quem é especialmente delimitada pelo teor das conclusões que finalizam as alegações do recurso jurisdicional apresentado [artigo 635.º do CPC].
Essa delimitação do objecto do recurso jurisdicional, na sua vertente negativa, permite concluir se o recurso abrange tudo o que na sentença foi desfavorável ao Recorrente ou, se este, expressa ou tacitamente, se conformou com parte das decisões de mérito proferidas quanto a questões por si suscitadas (artigos 635.º, n.º 3 e 4 do CPC), situação em que não podem ser reapreciadas pelo Tribunal ad quem.
Atento o teor da sentença proferida e as conclusões formuladas nas alegações de recurso, conclui-se que as questões a decidir são as que infra se enunciam.
Se o tribunal a quo andou mal ao deitar mão do instituto do «aproveitamento do acto», previsto no artigo 163º, n.º 5 alínea a) do Código de Procedimento Administrativo (CPA);
Ø Em caso negativo, se o assim decidido, incorre em erro de julgamento de facto e de direito, ao considerar que as facturas em questão não obedeciam aos pressupostos a que alude o artigo 36º n.º 5 do CIVA e substituindo-se à administração determinou a manutenção da liquidação adiciona impugnada.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. De facto
2.1.1. Matéria de facto dada como provada e não provada na 1ª instância e respectiva fundamentação:
«Factos Provados:
1. A sociedade Impugnante "A..., Lda.", constituiu-se com o regime jurídico de sociedade por quotas unipessoal, desde a data da sua constituição em 22.10.2018 com o CAE 070220 para o exercício da actividade principal de “Outras actividades consultoria” e desde essa data até a actualidade no CAE 046382, para o exercício da actividade principal de “comércio por grosso de outros produtos alimentares NE” passando o CAE 070220 para secundário – cf. relatório de inspecção tributária, junto pela Impugnante, Doc.1 da Petição Inicial, constante de fls. 66 e seguintes dos autos, numeração referente ao processo físico;
2. Em 23.04.2013 a sociedade impugnante foi objecto de contrato de fusão com a empresa "L..., Lda." sendo esta absorvida com incorporação de todo o seu património – cf. relatório de inspecção tributária, doc. 1 da Petição Inicial, constante de fls. 66 e seguintes dos autos, numeração referente ao processo físico;
3. Com a fusão das empresas, o objecto social da Impugnante passou a ser: “análise, avaliação, consultoria e prestação de serviços de controlo de gestão; organização, formação e optimização de recursos humanos; procedimentos administrativos e de gestão; estratégia de marketing e comunicação; prestação de serviços de operação, manutenção e exploração de todo o tipo de instalações; consultoria técnica de organização e implementação de sistemas de gestão de manutenção. Estudos técnicos de engenharia, desenvolvimento de planos de eficiência e racionalização energética. Formação profissional nas áreas técnicas da sua actuação. Gestão de obras. Importação e exportação.” – cf. relatório de inspecção tributária, doc. 1 junto com a Petição Inicial, constante de fls. 66 e seguintes dos autos, numeração referente ao processo físico;
4. A Impugnante encontra-se colectada no Serviço de Finanças de ..., e está enquadrada, para efeitos de IVA no regime normal de periodicidade trimestral, as declarações anuais de informação contabilística e fiscal e as declarações periódicas de rendimentos, Mod. 22 de IRC, foram apresentadas relativamente aos períodos de tributação inspeccionados e não existem dívidas fiscais pendentes – cf. relatório de inspecção tributária, doc. 1 da Petição Inicial, constante de fls. 66 e seguintes dos autos, numeração referente ao processo físico;
5. Em 05.06.2017 a Impugnante, na qualidade de primeira outorgante, celebrou com EE, enquanto segunda outorgante, contrato de prestação de serviços, cujo objecto é a “prestação de serviços na negociação e acompanhamento logístico no âmbito de processos de exportação de produtos alimentares”, na sua cláusula 5ª, no que respeita aos preços e condições de pagamento, consigna-se: “como contrapartida pelos serviços (...) a "A..., Lda." pagará à sociedade a constituir pelo Segundo Outorgante (...)” relativamente a trabalhos extraordinários convencionaram, ainda, que “serão facturados pela empresa a constituir de acordo com o valor orçamentado e aprovado” – cf. cópia do contrato de prestação de serviços, doc. 4 da Petição Inicial, contante de fls. 132 dos autos, numeração referente ao processo físico, para o qual se remete e cujo integral teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
6. Em 08.06.2017 a Impugnante, na qualidade de primeira outorgante, celebrou com FF, enquanto segundo outorgante, contrato de prestação de serviços, cujo objecto é a “prestação de serviços na negociação e acompanhamento logístico no âmbito de processos de exportação de produtos alimentares”, na sua cláusula 5ª, no que respeita aos preços e condições de pagamento, consigna-se: “como contrapartida pelos serviços (...) a "A..., Lda." pagará à sociedade a constituir pelo Segundo Outorgante (...)” relativamente a trabalhos extraordinários convencionaram, ainda, que “sejam solicitados (...) ao segundo outorgante, ou eventualmente à sociedade comercial a constituir, serão facturados de acordo com o valor orçamentado (...)” – cf. cópia do contrato de prestação de serviços, doc. 5 da Petição Inicial, contante de fls. 135 dos autos, numeração referente ao processo físico, para o qual se remete e cujo integral teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
7. Em 29.05.2017 a Impugnante, na qualidade de primeira outorgante, celebrou com GG, enquanto segundo outorgante, contrato de prestação de serviços, cujo objecto é a “prestação de serviços de consultoria na negociação e acompanhamento logístico no âmbito de processos de exportação de produtos alimentares”, na sua cláusula 5ª, no que respeita aos preços e condições de pagamento, consigna-se: “como contrapartida pelos serviços (...) a "A..., Lda." pagará à sociedade a constituir pelo Segundo Outorgante (...)” relativamente a trabalhos extraordinários convencionaram, ainda, que “serão facturados pela empresa a constituir de acordo com o valor orçamentado e aprovado” – cf. cópia do contrato de prestação de serviços, doc. 6 da Petição Inicial, contante de fls. 138 dos autos, numeração referente ao processo físico, para o qual se remete e cujo integral teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
8. Os contratos mencionados em 5, 6 e 7, apresentam um preambulo com o seguinte teor: “Considerando que o Segundo Outorgante se encontra a diligenciar no sentido de constituir uma sociedade unipessoal por quotas, na qual será o único sócio, cujo objecto social consiste, entre outros, na prestação de serviços de consultoria na negociação e acompanhamento logístico no âmbito de processos de exportação de produtos alimentares.
Considerando que os serviços prestados pelo segundo outorgante, serão facturados e pagos à referida sociedade a constituir, sem que para o efeito tenha que se reduzir a escrito a respectiva cessão de posição contratual” – cf. cada um dos supra identificados contratos, a fls. 132, 135 e 138 dos autos, numeração referente ao processo físico;
9. Pela Ordem de Serviço OI....440 foi determinada a realização de uma acção inspectiva externa, com o objectivo de aferir da legitimidade do pedido de reembolso do período 2017.12T (pedido n.º 18349620/0), efectuado pelo Sujeito Passivo, no montante de €86 942.95, sendo que a análise incidiu sobre os factos com relevância tributária ocorridos no período identificado, em conformidade com a extensão determinada pela Ordem de Serviço – veja-se relatório de inspecção tributária, B.2 âmbito e B.3 Incidência temporal, página 3 do relatório de inspecção tributária a fls. 38 e seguintes do processo administrativo apenso aos autos;
10. Da acção inspectiva referida nos pontos anteriores resultaram correcções meramente aritméticas em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado, as quais têm por fundamento:
“III – Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável
(...)
III.2 – IVA deduzido indevidamente
III.2.2 De facto
III.2.1.1 Identificação dos documentos de suporte ao exercício indevido do direito à dedução
A "A..., Lda." reconheceu contabilisticamente na Conta SNS6221 – Trabalhos Especializados os documentos identificados no quadro seguinte:
[dá-se por reproduzido(a) o(a) documento/imagem conforme original]
A identificação e caracterização dos emitentes das facturas constam no quadro seguinte:
[dá-se por reproduzido(a) o(a) documento/imagem conforme original]
A descrição mencionada nas facturas anteriormente identificadas é semelhante, como se evidencia:
Facturas emitidas pelas entidades "B...,Lda". e "M... Unipessoal, Lda.": “Prestação de Serviços na negociação acompanhamento logístico no âmbito do processo de exportação de produtos alimentares”;
Facturas emitidas pelas entidades "O..." e "G..., Unipessoal, Lda.": “Prestação de Serviços na negociação, acompanhamento logístico relacionado com processo de exportação de produtos alimentares”
Dando cumprimento à al. f) do n.º 5 do artigo 36º do CIVA é mencionado nas facturas emitidas pelas entidades "O..." e "G..., Unipessoal, Lda." que a data da prestação de serviços foi em 2017.11.10.
As entidades "B...,Lda". e "M... Unipessoal, Lda." não deram cumprimento a este formalismo.
Solicitou-se à "A..., Lda." para que fossem comprovados, documentalmente, os factos que consubstanciam o reconhecimento contabilístico das facturas já identificadas,
Em resposta a este pedido a "A..., Lda." respondeu:
“As partes têm um acordo em vigor para fornecimentos de rações de combate e quaisquer outros fornecimentos na área alimentar, fornecimentos de equipamentos técnicos, materiais de construção civil e quaisquer outros que possa ser angariado por qualquer das partes.
As partes realizam trabalhos repartidos que incluem , angariação e negociação dos contratos de fornecimento, procurement de matérias-primas no mercado nacional e internacional, aquisição dos bens (encomendas/compras), recepção dos produtos em armazém, manipulação dos bens para conciliação do produto acabado, acompanhamento e controlo de produção, controle de qualidade mas matérias-primas e produto acabado, chefia de equipas operacionais, acompanhamento e carga de contentores, acompanhamento das entidades inspectoras (SGS, Bureau Veritas ou outra), na validação de produto entregue, logística de saída dos produtos de embarque, negociação e contratação de transportes para embarque ao destino final.
No caso em causa, fornecimento de 600 000 rações de combate, em que o fornecimento acordado deveria ser efectuado em 6 semanas, a dimensão do trabalho exigia uma equipa de gestão do projecto alargada, como foi o caso.
Faz parte também do acordo que a retribuição às partes deverá sempre ocorrer no final de cada operação após o apuramento dos resultados, sendo que, todos os intervenientes têm acção directa nos projectos em curso, mantendo, dessa forma, o acompanhamento permanente da evolução dos projectos.
Após a operação referida de 600 000 unidades, ocorrida entre Junho e Julho de 2017, foram já efectuadas outras 2 operações (final 2017 e outra em 2018), uma com destino ao mercado nacional e outra cujo destino foi Moçambique. Ambas com dimensão mais reduzida.
De realçar que as partes envolvidas mantêm a mesma relação comercial entre si, cuja actividade tem o mesmo objectivo e que se perfilam várias operações iguais, que admitimos ainda irão ocorrer antes do 4º trimestre do presente ano em que uma delas é a repetição da mesma encomenda”.
Foram ainda remetidos 4 contratos escritos cujos elementos identificativos constam do quadro seguinte:
[dá-se por reproduzido(a) o(a) documento/imagem conforme original]
Da análise dos contratos apresentados conclui-se que com excepção do celebrado com a entidade "O...", a entidade emitente da factura é distinta da entidade que celebra o contato.
Os três contratos foram celebrados com pessoas singulares e são semelhantes, isto é, identificam as partes, sendo a "A..., Lda." o primeiro outorgante e as pessoas singulares o segundo outorgante, contêm um preâmbulo e 13 cláusulas idênticas, diferenciam-se pela modalidade da prestação de serviços e o respectivo valor da contraprestação.
É de assinalar as diferenças identificadas nas cláusulas 2ª e 5ª
No seu preâmbulo é referido que o Segundo Outorgante se encontra a diligenciar no sentido de constituir uma sociedade por quotas e que os serviços prestados pelo Segundo Outorgante serão facturados pelas referidas sociedades a constituir, sem que, para o efeito, seja necessário reduzir a escrito a respectiva cessão da posição contratual,
Na cláusula 1ª é dito que os referidos contratos têm por objecto a prestação de serviços de consultoria na negociação e acompanhamento logístico no âmbito de processos de exportação de produtos alimentares, pelo segundo ao primeiro outorgante, nas modalidades definidas pelas cláusulas dos contratos.
No n.º 1 da cláusula 2ª é referido que o Segundo Outorgante prestará um serviço que abrange a negociação na compra de produtos alimentares, acompanhamento na recepção de produtos alimentares em armazém, manipulação dos diversos produtos em armazém, embalamento dos produtos em armazém, acompanhamento e controlo de carga dos produtos em contentores, acompanhamento logístico para a entrega dos produtos nos eu destino final.
Este texto é comum aos três contratos, sendo acrescido do seguinte texto:
Nos contratos celebrados com GG e EE: “os serviços referentes a quaisquer outras soluções de produtividade que se julguem necessárias no decurso da actividade da "A..., Lda."”;
No contrato celebrado com EE: “Os serviços de consultoria, procurement internacional, serviços e soluções necessários à prossecução dos serviços anteriores”.
Na cláusula 4ª é referido que o contrato tem início na data da sua assinatura e vigorará pelo prazo de um ano, se não for expressamente denunciado pelas partes.
O contrato celebrado com a "O..." é similar aos restantes três contratos, não contendo preâmbulo, sendo que no n.º1 da cláusula 2ª é mencionado que o Segundo Outorgante prestará um serviço que abrange o acompanhamento logístico para a entrega dos produtos nos eu destino final, consultoria, gestão de projecto, serviço de transporte internacional e quaisquer outras soluções de produtividade que se julguem necessárias no decurso da actividade da "A..., Lda.".
III.2.1.2 Identificação da operação activa realizada pelo Sujeito Passivo
A "A..., Lda." identifica que os serviços em causa foram suportados para a gestão o projecto encetado para a venda para o mercado externo de 600 000 rações alimentares, para o cliente "U...", (...) Marrocos.
Para documentar esta venda a "A..., Lda." emitiu a factura FAC A/110, em 2017.06.09, no montante de €1 322 970.00m referente a um adiantamento efectuado pelo cliente, pago por transferência bancária, em 2017.07.15, e que foi anulada pela nota de crédito NC/A/2 emitida em 2017.07.10.
Posteriormente emitiu a factura FAC A/113, em 2017.07.10, no montante de €2 652 000.00 e, ainda referente a esta operação foi emitida a factura FAC A114, em 2017.08.10, no valor de €420.00, com a descrição de “stockage de conteneus”.
No quadro seguinte identificam-se os registos contabilísticos e os documentos referentes à relevação contabilística desta operação:
[dá-se por reproduzido(a) o(a) documento/imagem conforme original]
Na factura FAC A/113 são mencionados 3 menus (Menu 1, Menu 2, Menu 3), cada um com 200 000 unidades e o preço unitário de €4.42, são feitas referências ao destino final das mercadorias em Lobito, Angola, às condições de pagamento de 50% “à la comande”, de 25% “au depart” de 50% “des marchandises” e 25% “au departs des deniers marchandises” e ainda às condições de transporte em que os bens seguiam em “40 contentores de 40”, sendo que em cada contentor foram colocados 1 250 volumes contendo cada um 12 menus, ou seja, em cada contentor foram colocados 15 000 menus.
Foram apresentadas as declarações aduaneiras que confirmam a saída das mercadorias do território aduaneiro da União Europeia, que se identificam no quadro seguinte, intitulado: “Certificação de saída para o expedidor/exportador):
[dá-se por reproduzido(a) o(a) documento/imagem conforme original]
Constata-se, pelos documentos comprovativos de saída da mercadoria que a primeira certificação de saída foi emitida em 2017.07.20 e a última em 2017.08.19. Nestes documentos é mencionada o incoterms FOB nas condições de entrega.
Nos documentos contabilísticos analisados identificaram-se outros encargos suportados, para além dos mencionados no ponto anterior, nomeadamente com o arrendamento de um armazém, a assemblagem (montagem) e manuseamento de 600 000 rações alimentares e o transporte de 40 contentores, documentos estes que se identificam no quadro seguinte:
[dá-se por reproduzido(a) o(a) documento/imagem conforme original]
Salienta-se que os documentos de suporte aos encargos acima referenciados foram emitidos entre os meses de Junho e Agosto e fazem referência que esses serviços foram prestados nos mesmos meses, efectivamente:
O arrendamento respeita aos meses de Julho e Agosto;
A assemblagem e manuseamento realizou-se em Junho e
O transporte dos contentores ocorreu em Julho e Agosto.
III.2.1.3 Conclusão
Todos os procedimentos associados à exportação terminaram em 19.08.2017, data da autorização de saída do último contentor, uma vez que a responsabilidade do vendedor terminou com a colocação do último contentor no barco e o último pagamento por parte do cliente ocorreu em 2017.08.23.
Também a "A..., Lda." não contraria este facto e afirma “a operação referida de 600 000 unidades ocorrida entre Junho e Julho de 2017”
“... no caso em causa, fornecimento de 600 000 rações de combate, em que o fornecimento acordado deveria ser efectuado em 6 semanas, a dimensão do trabalho exigia uma equipa de gestão do projecto alargada, como foi o caso”
As facturas em análise foram emitidas nos meses de Outubro e Novembro de 2017, mais propriamente as emitidas pelas entidades "B...,Lda". e "M... Unipessoal, Lda." em 17 e 18 de Outubro de 2017 e as emitidas pela entidades "O..." e "G..., Unipessoal, Lda." em 10 de Novembro de 2017.
Nas facturas emitidas pelas entidades "O..." e "G..., Unipessoal, Lda." é mencionado que a data da prestação dos serviços foi 2017.11.10, dando cumprimento à alínea f) do n.º 5 do art. 36º do CIVA, as outras duas entidades não cumpriram com esta formalidade.
As entidades "B...,Lda"., "M... Unipessoal, Lda." e "G..., Unipessoal, Lda." foram constituídas em Setembro e Outubro de 2017, tornando-se Sujeitos Passivos de IVA em 2017.09.11, 2017.10.01 e 2017.10.30, respectivamente.
Em relação às 3 facturas emitidas pelas entidades "B...,Lda"., "M... Unipessoal, Lda." e Gygiverix, foram apresentados contratos para a prestação de serviços celebrados com entidades diferentes das entidades que emitiram as facturas, mais propriamente com EE, FF e GG, sócios-gerentes das sociedades emitentes das facturas. É mencionado nesses contratos que o início da prestação de serviços coincide com a sua assinatura, ou seja, em Maio e Junho de 2017.
A "A..., Lda." afirma ainda que as partes realizaram trabalhos repartidos que incluíram, nomeadamente, a angariação e negociação dos contratos de fornecimento, aquisição dos bens, recepção dos produtos em armazém, manipulação dos bens, acompanhamento e controlo de produção, controle de qualidade das matérias-primas e produto acabado, chefia de equipas operacionais, acompanhamento e carga de contentores, acompanhamento das entidades inspectoras, na validação do produto entregue, logística de saída dos produtos para embarque, negociação e contratação de transportes para embarque ao destino final, tudo operações que teriam de ser realizadas em momento anterior à data de certificação de saída dos bens, que ocorreu em 2017.08.19.
Pelo exposto, conclui-se que se está na presença de facturas falsas, uma vez que a terem sido prestados os serviços subjacentes aos contratos apresentados, esses serviços não foram prestados pelas entidades emitentes desses documentos, uma vez que na data da execução material dos serviços essas entidades não existiam juridicamente nem como sujeitos passivos de Imposto sobre o Valor Acrescentado.
As facturas falsas são documentos nas quais o emitente declara a prestação de um serviço ou a venda de bens que não correspondem a operação material e realmente existente. Simulam uma realidade que não existe ou, pelo menos, não existe tal como nelas se documenta. No caso concreto, a terem sido prestados serviços, os mesmos nunca poderiam tê-lo sido pelas empresas emitentes das facturas em causa, dado que, como já foi referido, não eram Sujeitos Passivos de IVA, logo não prestaram materialmente qualquer serviço ou poderiam ter exercido qualquer actividade de produção, comércio ou prestação de serviços.
É legítimo ainda colocar-se em causa a prestação efectiva dos serviços uma vez que, apesar de solicitado, não foi apresentada qualquer prova documental da sua existência, a que acresce o facto de que a descrição das facturas é genérica, não discrimina detalhadamente os serviços e é semelhante nas 3 facturas emitidas pelas empresas "B...,Lda"., "M... Unipessoal, Lda." e "G..., Unipessoal, Lda.":
“Prestação de serviços na negociação e acompanhamento logístico no âmbito do processo de exportação de produtos alimentares”.
Mais acresce que existe uma quarta factura, (emitida pela "O...") que contém o mesmo descritivo: “Prestação de Serviços na negociação e acompanhamento logístico no âmbito do processo de exportação de produtos alimentares”.
Acresce que a "A..., Lda." suportou encargos com o manuseamento dos bens e com o transporte dos contentores, que ascenderam ao montante de €232 326.00, como já identificado em quadro anterior.
Suportou, ainda, outros serviços associados a esta exportação, serviços mencionados nos documentos emitidos por HH (...) e II (...) no montante de €39 000.00.
Será ainda de referir que os serviços mencionados nas facturas em análise estavam isentos de liquidação de IVA, nos termos do artigo 14º, p) do CIVA, uma vez que esta alínea prevê a isenção daquele imposto nas prestações de serviços que estejam directamente relacionadas com a exportação de bens para fora da Comunidade, aliás isenção invocada pelos prestadores de serviços "W.., S. A." (...) e "T..." (...), prestadores de serviços de transporte de contentores e dos serviços de assemblagem e manuseamento de produtos, respectivamente. No entanto, nas facturas em causa, foi liquidado IVA, o que foi deduzido pela "A..., Lda." e contribuiu para o pedido de reembolso de IVA no período de 2017 12T, constituindo quase a totalidade desse valor.
III.2.2. De Direito
(...)
III.2.3 Conclusão
A "A..., Lda.", no período em análise (201712T), deduziu indevidamente o IVA mencionado nas facturas identificadas no quadro seguinte:
[dá-se por reproduzido(a) o(a) documento/imagem conforme original]
Contata-se que as condições exigidas para proceder ao direito à dedução não se encontram reunidas, pelo que não assiste razão à "A..., Lda." o direito à dedução do IVA mencionado nos referidos documentos em apreço.
Estes documentos enfermam de várias inexactidões, desde logo, porque foram emitidos por entidades na qualidade de Sujeito Passivo, e que não prestaram os serviços, nem o poderiam ter feito dada a sua inexistência como Sujeito Passivo, não foi cumprida a obrigatoriedade de emissão de factura no momento da conclusão dos serviços (caso os mesmos tivessem sido prestados), não estão passados na forma legal, quem emitiu as facturas não se encontrava no exercício de qualquer actividade, pelo que se conclui existir a simulação de negócio nas facturas emitidas e, consequentemente, a utilização de facturas por operações inexistentes e ainda com a intervenção de pessoas ou entidades diversas das da operação subjacente, pelo menos quanto ao prestador de serviços.
Em face do exposto, só se pode concluir que as facturas n.º 1 2017/2; 1 2017/2 e 1/1, respectivamente, datadas de 2017.10.01, as suas primeiras e 2017.11.10 a última emitida pelas empresas "B...,Lda"., "M... Unipessoal, Lda." e "G..., Unipessoal, Lda.", no montante global de €545 954.37, com IVA de €102 089, 03, não titulam operações reais e não têm subjacente qualquer operação económica mais, correspondendo a um circuito documental com interposição de entidades diversas das da operação subjacente (que a ter-se verificado, ocorreu entre e "A..., Lda." e outras entidades), serviço a sua emissão unicamente para a obtenção do reembolso de IVA €86 942.95.
Assim, o IVA que a sociedade registou na sua contabilidade, no montante de €102 089.03, na conta SNC 24323 – Outros bens e serviços, e que declarou no Campo 24 da declaração periódica de IVA do período 2017.12T não é dedutível nos termos dos n.º 3 e 4 do artigo 19º do CIVA.
(...)
III.4 Apuramento das Correcções
Do presente procedimento inspectivo resultam as correcções, ao valor do IVA liquidado e do IVA deduzido, conforme cálculos apresentados nos quadros seguintes:
[dá-se por reproduzido(a) o(a) documento/imagem conforme original]
- cf. relatório de inspecção tributária, doc. 1 da Petição Inicial, a fls. 66 e seguintes dos autos, numeração referente ao processo físico;
11. Pelo ofício n.º 20....6673 de 09.08.2018, remetido via CTT, a sociedade Impugnante foi notificada para, querendo, nos termos do disposto no art. 60º da LGT, exercer o direito de audição sobre o projecto de relatório de inspecção tributária, com teor supratranscrito – cf. ponto IX do Relatório de Inspecção Tributária, referente ao Direito de Audição, constante de fls. 66 e seguintes dos autos, numeração referente ao processo físico;
12. E, 05.09.2018 a Impugnante exerceu o direito e audição, juntando ainda 27 documentos – cf. ponto IX do Relatório de Inspecção Tributária, referente ao Direito de Audição, constante de fls. 66 e seguintes dos autos, numeração referente ao processo físico;
13. Na apreciação do alegado em sede de direito de audição, refere-se o relatório de inspecção tributária, nos seguintes termos:
“IX: Direito de Audição – Fundamentação
(...)
Foram analisados os argumentos expostos na petição, e os documentos apresentados.
Nos pontos 3º e 4º é dito que o SP não possuía estrutura funcional para tramitação da operação económica que se concretizou na exportação de 600 000 rações de combate, motivo pelo qual foi necessário contratar diversas prestações de serviços.
Perante esta afirmação será de questionar quem executou as prestações de serviços necessárias à gestão de todo o processo antes da constituição das sociedades.
Será ainda de lembrar que em momento algum (...) a "A..., Lda." apresentou elementos e esclarecimentos, comprovando documentalmente, qualquer tipo de intervenção das entidades em causa no processo de exportação. Não foi apresentada uma única prova em que se tenha materializado os respectivos serviços facturados, apesar dos diversos pedidos formulados ao longo dos procedimentos inspectivos.
(...)
Nos pontos 5º e 6º é afirmado que a Inspecção Tributária coloca em crise as facturas emitidas pelas entidades "B...,Lda"., "M... Unipessoal, Lda." e "G..., Unipessoal, Lda."., suportando a sua decisão no facto de que os contratos de prestação de serviço não foram celebrados entre a "A..., Lda." e as referidas entidades.
Na verdade esta questão não foi levantada em ponto algum do projecto de relatório, o que está em discussão não é com quem foi celebrado o contato, mas sim quem prestou os serviços até à data da constituição das sociedades, uma vez que uma entidade que ainda não existe não pode prestar serviços.
Nos pontos 71 e 81 é referido que nos contratos celebrados já estava previsto que os outorgantes dos contatos estavam a diligenciar no sentido de constituírem uma sociedade comercial e que “os serviços prestados pelo Segundo Outorgante serão facturados e pagos às sociedades a constituir” (...), uma vez que estes fariam uma cessão da posição contratual a favor das respectivas sociedades.
Ponderasse que o texto sublinhado (...) poderá querer dizer que os serviços prestados por cada uma das pessoas singulares, desde a data da celebração dos contratos, seriam facturados pelas sociedades a constituir e pagos a estas, uma vez que não tem sentido afirmar que os serviços prestados serão facturados às sociedades.
A própria "A..., Lda." vem corroborar a convicção da Inspecção tributária de que quem emitiu as facturas não foi a pessoa que prestou os serviços.
(...)
Em ponto algum do Projecto de Relatório são colocados em crise os contratos celebrados, a alegada cedência da posição contratual ou a legalidade das mesmas. As partes são livres de celebrar os contatos e as condições neles impostas, o que não podem é estabelecer condições que contrariem as leis em vigor, no caso em questão do CIVA, não podem determinar que a entidade que realizou os serviços é distinta da entidade que factura, uma vez que aquele diploma impõe (...) que as facturas devem conter o nome, sede ou domicílio do prestador dos serviços, bem como os correspondentes números de identificação fiscal dos Sujeitos Passivos de imposto.
(...)
(...) é afirmado que a operação de exportação de 600 000 rações de combate exigiu operações de logística com vista à encomenda (...) que envolveu cerca de oitenta trabalhadores diariamente, e que estas tarefas foram uma parte dos serviços prestados contratualizados através dos Contratos de Prestação de serviço em análise.
Ora, esta afirmação legitima a conclusão (...) sendo estes serviços parte dos serviços contratualizados, a sua execução, obrigatoriamente teve que acontecer antes da data de embarque das rações de combate, ou seja, antes da data de constituição das referidas sociedades.
(...)
(...) as operações de logística com vista à encomenda, recepção e controlo dos diversos produtos obrigatoriamente tiveram de ser executados em data anterior à data de embarque, a terem sido realizados no âmbito dos Contratos de Prestação de Serviços em análise tiveram que ser realizados pelas pessoas singulares que os assinaram, nunca poderiam ter sido executados em nome e por conta das entidades constituídas em Outubro e Novembro.
Já no ponto 40º são elencadas operações que não podem estar no âmbito dos Contratos de Prestação de Serviços (...), por um lado a "A..., Lda." não estava obrigada ao “acompanhamento dos momentos pós saída dos bens para o cliente final, até a sua recepção e verificação das condições em que esta é feita”, visto que o incoterms que consta do DAU é FOB, ou seja, a responsabilidade da "A..., Lda." terminou no momento em que os contentores foram colocados no barco, por outro lado, o custo com o “acompanhamento até final de todo o procedimento burocrático que envolve o despacho dos contentores, quer junto do Despachante Oficial quer dos Serviços Alfandegários, foi suportado pela "A..., Lda.", uma vez que esta reconheceu contabilisticamente serviços adquiridos ao Despachante Oficial, J..., Lda., (...) sendo que em todos os DAU consta no local de “Assinatura e nome do declarante/representante” o nome de JJ, gerente da sociedade de profissionais identificada anteriormente.
Os serviços de inventariação dos excedentes e respectiva devolução, (...), não só têm carácter residual face à operação principal, como se arrastaram para além da data de emissão das facturas (...) e o mesmo se aplica à resolução da questão da alteração do Manifesto de Carga e dos BLs, pois a sua resolução prolongou-se até 2017.12.11, conforme mencionado pela "A..., Lda." (...).
Pelo que não pode ser afirmado pela "A..., Lda." que a emissão das facturas em causa esteve a aguardar a resolução destas questões (...).
(...)
Relembre-se que nas facturas emitidas pela entidade "G..., Unipessoal, Lda." é mencionado que a data da prestação de serviços foi em 2017.11.10, nas facturas emitidas pelas entidades "B...,Lda". e "M... Unipessoal, Lda." não é mencionada qualquer data.
Então a "A..., Lda." vem afirmar que os serviços foram prestados em 2017.11.10 pela "G..., Unipessoal, Lda.", em 2017.11.17 pela "B...,Lda". e em 2017.11.18 pela "M... Unipessoal, Lda.", datas em que os serviços constantes dos contratos já não eram necessários à operação (...).
(...)
Efectivamente nos documentos consta os elementos identificativos dos emitentes, mas no caso em concreto o emitente não coincide com o prestador dos serviços, pelo que naqueles documentos não consta os elementos identificativos do efectivo prestador de serviços (...). Os emitentes que titulam as facturas em questão não prestaram os serviços nem os poderiam ter prestado dado que, à data da realização dos mesmos, não eram Sujeitos Passivos de IVA, logo as facturas emitidas são documentos falsos.
(...) As descrições constantes das facturas: “Prestação de Serviços na negociação e acompanhamento logístico no âmbito do processo de exportação de produtos alimentares” e “Prestação de Serviços na negociação e acompanhamento logístico relacionado com processo de exportação de produtos alimentares”, não só são genéricas como enfermam de opacidade, a apreensão do teor dos serviços facturados pelas partes interessadas, externas a estas entidades, é inexequível.
(...)
Se a "A..., Lda." quer fazer vingar a tese de que os serviços foram prestados nas datas referidas, em 2017.11.10 ("G..., Unipessoal, Lda."), em 2017.11.17 ("B...,Lda".) e em 2017.11.18 ("M... Unipessoal, Lda."), então não reúnem condições para integrar a operação de exportação das 600 000 rações.
(...)
(...) em momento algum é afirmado que o IVA liquidado indevidamente não confere direito à dedução, efectivamente os serviços mencionados nas facturas em análise estariam isentos de liquidação de IVA (...) mas não foi esta a fundamentação para a exclusão do direito à dedução.
(...)
As correcções propostas pela Inspecção Tributária assentam na convicção de que as facturas são falsas quanto ao emitente, uma vez que a terem sido prestados os serviços subjacentes aos contratos apresentados, esses serviços não foram prestados pelas entidades emitentes desses documentos, visto que na data da execução material dos serviços essas entidades não existiam juridicamente como Sujeito Passivo de IVA, as facturas simulam uma realidade que não existiu, pelo menos, não existiu tal como nelas se documenta.
(...)
(...) até se poderá aceitar uma prestação de serviços pelos titulares de capital destas entidades, ao longo da preparação da operação, mas na qualidade de colaboradores da "A..., Lda." e não como entidades independentes, uma vez que estas não existiam à data em que a necessidade dos respectivos serviços se concretizou.
Face ao que vem sendo exposto, questiona-se como é que uma entidade que não existe pode prestar serviços de angariação de clientes, gestão de projecto ou acompanhamento de inspecções?
Na escolha da forma de facturação, pelos prestadores de serviços, prevaleceu o critério da poupança de imposto e não o da verdade material dos factos, pois a taxa de imposto sobre o rendimento a pagar por cada um dos prestadores de serviços em sede de IRS seria substancialmente superior à efectivamente paga em sede de IRC pelas sociedades, como veio a acontecer.
Em conclusão (...) a Inspecção Tributária afirma inequivocamente que as facturas são falsas, e assenta a sua argumentação no facto de que estas não cumprem com o determinado na alínea a) do n.15 do art. 361, as faturas não foram emitidas pelos prestadores dos serviços pelo que se conclui existir simulação de negócio e, consequentemente, a utilização de facturas com a intervenção de pessoas ou entidades diversas das da operação subjacente, pelo menos quanto ao prestador dos serviços, pelo que nos termos do n.º3 do art.19º, não assiste à "A..., Lda." o direito à dedução do IVA nelas mencionado.
A Inspecção Tributária não fundamenta a sua tese em indícios, mas sim em factos, os serviços necessários à execução da operação de exportação obrigatoriamente tiveram que ser realizados em data anterior à data da constituição como entidade jurídica das sociedades emitentes das facturas colocadas em crise e respectivo registo como SP de IVA.
Foi a própria "A..., Lda." que (...) veio afirmar que por vontade das partes os serviços seriam executados pelas pessoas singulares que subscreveram os contratos, pelo menos até à data da constituição das referidas sociedades, mas que a facturação e o recebimento ficavam a cargo das sociedades.
(...) os signatários dos contratos executaram tarefas relacionadas com o processo de exportação e, análise, mas em nome e por conta da "A..., Lda.", nunca como sócios gerentes das referidas entidades.
Concluindo-se, por fim, que a Inspecção Tributária, no presente documento procedeu à produção de prova fundamentada de que as operações em causa não correspondem à realidade, foram assim, reunidos indícios de que se está na presença de uma fraude fiscal, uma vez que foram identificadas condutas ilegítimas que visaram a obtenção de reembolsos, através da celebração de negócio simulado, por substituição de pessoas.
(...)
– cf. Relatório de Inspecção Tributária, constante de fls. 66 a 83 dos autos, numeração referente ao processo físico, Doc. 1, junto a Petição Inicial, para o qual se remete e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
14. Sobre este relatório recaiu parecer do Chefe de equipa, com o seguinte teor: “Confirmo o teor do presente relatório, designadamente as correcções, no período de 2017 12T, de natureza meramente aritmética, em sede de IVA (imposto deduzido indevidamente), no valor de €102 089.03. (...) Confirmo, ainda, a proposta de indeferimento total do pedido de reembolso de IVA, relativo ao período de 2017 12T, no montante de €86 942.95. (...)” – cf. parecer constante de fls. 66 dos autos, numeração referente ao processo físico;
15. Em 24.09.2018, pelo Chefe de Divisão, por subdelegação do D. F. Adjunto, foi emitido despacho de concordância e determinada a notificação – cf. despacho constante de fls. 66 os autos, numeração referente ao processo físico.
16. Pelo ofício n.º 20...1834 de 26.09.2018, foi o mandatário da sociedade Impugnante notificado do relatório de inspecção tributária – cf. ofício constante de fls. 65 dos autos, numeração referente ao processo físico, documento 1 da Petição Inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todo os efeitos legais;
17. Em 31.01.2019, a sociedade Impugnante deu entrada, na Direcção de Finanças do ..., da Petição Inicial de Reclamação Graciosa, nos termos constantes do processo instrutor junto apo processo digital, referência 007391042 do Sitaf, documento para cujo integral teor se remete e o qual se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
18. Pela Direcção de Finanças do ..., foi elaborada informação, onde, analisados os argumentos do Reclamante, bem como o que resulta do relatório de inspecção tributária, se diz:
Relativamente às conclusões do relatório de inspecção, além de tudo o mais:
“(...) só se pode concluir que as facturas n.º1 2017/2; 1 2017/2 e 1/1, respectivamente datadas de 2017.10.01 as duas primeiras e 2017.1.10 a última, emitidas pelas empresas "B...,Lda"., "M... Unipessoal, Lda." e "G..., Unipessoal, Lda.", não titulam operações reais e não têm subjacente qualquer operação económica, mais, correspondendo a um circuito documental com interposição de entidades diversas das da operação subjacente, servindo a sai emissão unicamente para a obtenção do reembolso d IVA, não sendo dedutível IVA, nos termos dos n.º 3 e 4 do art. 19º do CIVA.”
Analisa e propõe decisão nos seguintes moldes:
“(...)
Da análise dos contratos apresentados conclui-se que (...), a entidade emitente da factura é distinta da entidade que celebra o contrato. Os três contatos foram celebrados com pessoas singulares e são semelhantes.
Em relação às facturas emitidas pelas entidades "B...,Lda"., "M... Unipessoal, Lda." e "G..., Unipessoal, Lda.", foram apresentados contratos para a prestação de serviços celebrados com entidades diferentes das entidades que emitiram as facturas, mais propriamente com EE, FF e GG, sócios-gerentes das sociedades emitentes das faturas. É mencionado nesses contratos que o início da prestação de serviços coincide com a assinatura, ou seja, Maio e Junho de 2017.
Pelo exposto, conclui-se que se está na presença de facturas falsas, uma vez que, a terem sido prestados os serviços subjacentes aos contratos apresentados, esses serviços não foram prestados pelas entidades emitentes desses documentos, uma vez que na data da execução material dos serviços essas entidades não existiam juridicamente nem como Sujeitos Passivos de IVA.
(...) as sociedades emitentes das facturas em discussão, eram sociedades em formação, não tinham personalidade jurídica aquando do facto tributário, sendo, por isso, os seus sócios responsáveis pessoal, solidária e ilimitadamente perante terceiros. Logo, não detendo personalidade aquando do facto tributário, não poderiam ser consideradas Sujeito Passivo de IVA e, por isso, não estariam obrigadas, entre outras obrigações jurídico-tributárias, à emissão de facturas.
As facturas falsas são documentos nos quais o emitente declara a prestação de um serviço ou a venda de bens que não correspondem a operação material e realmente existente. Simulam uma realidade que não existe ou, pelo menos, não existe tal como se documenta. No caso concreto, a terem sido prestados serviços, os mesmos nunca poderiam tê-lo sido pelas empresas emitentes das facturas em causa, dado que, como já foi referido, não eram Sujeito Passivo de IVA, logo não prestaram, materialmente, qualquer serviço ou poderiam ter exercido qualquer actividade (...).
(...)
Não foi apresentada qualquer prova documental da existência da prestação de serviços, a que acresce o facto de que a descrição das facturas é genérica, não discrimina detalhadamente os serviços e é semelhante nas 3 facturas emitidas pelas empresas, "B...,Lda"., "M... Unipessoal, Lda." e "G..., Unipessoal, Lda.". Desconhece-se, por isso, a efectividade da prestação dos serviços indicados nos referidos contratos, uma vez que não existe qualquer prova da realização das mesmas.
Efectivamente, os serviços mencionados nas facturas em análise estavam isentos de liquidação de IVA, (...), aliás isenção invocada pelos prestadores de serviços (...) de transporte dos contentores e dos serviços de assemblagem e manuseamento de produtos, respectivamente. No entanto, nas facturas em causa foi liquidado IVA, o qual foi deduzido pela "A..., Lda." e contribuiu para o pedido de reembolso de IVA (...) constituindo a quase totalidade do seu valor.
Em face do exposto, só se pode concluir que as facturas n.º 1 2017/2 e 1 2017/2 e 1/1 (...) não titulam operações reais e não têm subjacente qualquer operação económica. Servindo a sua emissão unicamente para a obtenção do reembolso de IVA, logo o IVA que a sociedade registou na sua contabilidade, não é dedutível nos termos dos n.º 3 e 4 do art. 19º do CIVA.
(...)
(...) Os mesmos serviços identificaram a data de celebração dos contratos com as pessoas singulares e a respectiva data de inscrição em sede de IVA das respectivas sociedades, e a reclamante comprova que as facturas foram emitidas após a data da invocada cedência da posição. Além disso, verificaram os Serviços de Inspecção tributária que, tal como refere a reclamante, os serviços deveriam ser realizados em momento anterior à data de certificação de saída dos bens, a qual ocorreu em 2017.08.19.
Não são colocados em crise os contratos celebrados, a alegada cedência da posição contratual ou a legalidade das mesmas (...)
(...)
(...) em momento algum é afirmado que o IVA liquidado indevidamente não confere direito à dedução, efectivamente os serviços mencionados nas facturas em análise estariam isentos de liquidação de IVA (...) mas não foi esta a fundamentação para a exclusão do direito à dedução.
As correcções efectuadas assentam na convicção de que as facturas são falsas quanto ao emitente, uma vez que a terem sido prestados os serviços subjacentes aos contratos apresentados, esses serviços não foram prestados pelas entidades emitentes desses documentos (...) as facturas simulam uma realidade que não existiu, pelo menos, não existiu tal como nelas se documenta.
(...)
Ficou devidamente comprovado (...) que se procedeu à produção de prova fundamentada de que as operações em causa não correspondem à realidade, foram, assim, reunidos indícios de que se está na presença de uma fraude fiscal, uma vez que foram identificadas condutas ilegítimas que visaram a obtenção de reembolsos, através da celebração de negócio simulado, por substituição de pessoas.
CONCLUSÃO
Contrariamente ao alegado pelo Reclamante, não é possível considerar os contratos celebrados, já devidamente identificados, como sociedades irregulares (...). Eram sim sociedades em formação, que não tinham personalidade jurídica, aquando do facto tributário.
O que está em causa (...) é quem prestou o serviço, entidade diferente da que celebrou o contrato de cedência de posição contratual (...)
O relatório (...) ao concluir que as facturas não se encontram correctamente emitidas, fê-lo tendo por base documentos contabilísticos da aqui reclamante e não em meros indícios (...)
(...)
No caso em análise, há a inversão do ónus da prova, acabando a presunção de veracidade das operações constantes da escrita e respectivos documentos de suporte, passando a competir à reclamante provar que as transacções são reais.
(...)
Cabia ao contribuinte o ónus de provar a materialidade das operações, o que não se verificou, pela sua falta de colaboração e, contrariamente ao que pretende fazer crer em sede de petição de procedimento gracioso.
Está devidamente fundamentada a actuação dos serviços de inspecção da DF ..., e sustentada a liquidação adicional de imposto, existindo facto tributário, sendo o mesmo legal como a liquidação em reclamação.
Pelo exposto, resulta que a liquidação não se encontra ferida de qualquer legalidade e que foram cumpridos todos os mecanismos legais para a descoberta da verdade material, por parte dos serviços de inspecção, não assistindo razão ao reclamante quando ao invocado, a fim de obter deferimento do pedido.” – cf. informação prévia à decisão a proferir sobre Reclamação Graciosa, elaborada pela Direcção de Finanças do ..., constante de fls. 198 e seguintes dos autos, numeração referente ao processo físico, Doc. 5 da Petição Inicial, para cujo integral teor se remete e o qual se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
19. Sobre a informação id. em 18., recaiu despacho e parecer, pelo qual, considerando o projectado indeferimento da Reclamação Graciosa, foi realizada a notificação do Reclamante, para audição prévia – cf. parecer e despacho constantes de fls. 198 dos autos, numeração referente ao processo físico, doc. 1 da Petição Inicial;
20. O Impugnante exerceu, no âmbito da Reclamação Graciosa identificada, o direito de audição prévia, nos termos em com os fundamentos constantes do requerimento inicial que faz fls. 202 e seguintes autos, numeração referente ao processo físico, Doc. 6 da Petição Inicial, para cujo teor se remete e o qual se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
21. Analisada a argumentação do direito de audição prévia, informa a Direcção de Finanças do ...:
“(...) verifica-se que não foram apresentados factos ou fundamentos novos dos já analisados em sede de projecto de despacho, para o qual se remete, que levem a alterar o sentido da decisão proferida.
Contrariamente ao alegado, nenhum facto foi objecto de não pronúncia e, quanto à situação de no projecto de despacho, terem sido utilizados excertos do relatório elaborado pelos serviços de inspecção, prende-se com a concordância da posição tomada pelos serviços de inspecção e, que se encontravam totalmente claros e precisos.
Quanto ao referido sobre a inversão do ónus da prova, remete-se para o já vertido no projecto de decisão, uma vez que o reclamante, nada de novo alega.
É de manter a posição assumida aquando do projecto de decisão, oportunamente notificado, sendo de INDEFERIR a pretensão do reclamante” – cf. informação constante de fls. 216 dos autos, numeração referente ao processo físico, para a qual se remete e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
22. Por despacho de concordância de 02.09.2019, do Chefe de Divisão, por subdelegação, foi indeferida a Reclamação Graciosa – cf. despacho constante de fls. 215 dos autos, numeração referente ao processo físico;
23. O indeferimento da Reclamação Graciosa foi notificado ao Impugnante pelo ofício n.º20...5217, de 02.09.2019 — cf. ofício constante de fls. 214 dos autos, numeração referente ao processo físico, Doc. 7 da Petição Inicial, para o qual se remete e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
24. Em 02.12.2019 foi remetida, via CTT, a Petição Inicial da presente Impugnação ao Serviço de Finanças de ... — cf. carimbo aposto no sobrescrito constante de fls. 288 dos autos, numeração referente ao processo físico;
Mais se provou que:
25. A operação levada a cabo pela Impugnante, de fornecimento de 600 000 rações de combate é muito complexa e envolve inúmeras tarefas, prolongando-se no tempo, só termina quando ressarcidos pelo cliente — facto que resulta dos depoimentos prestados nos autos e que é aceite pela Administração Tributária;
26. A operação não termina com a expedição dos contentores — facto que resulta dos depoimentos prestados nos autos;
27. Há ainda trabalho a fazer, até de armazenamento dos produtos que não são usados nas rações de combate enviadas — facto que resulta dos depoimentos das testemunhas inquiridas nos autos;
28. Na concretização desta operação, que envolve muito trabalho material, a Impugnante teve necessidade de subcontratar serviços, o que já havia acontecido antes e voltou a acontecer — facto que resulta dos depoimentos prestados nos autos;
29. Estes serviços, sempre foram facturados apenas no termo da operação, quando esta estava concretizada — facto que resulta dos depoimentos prestados nos autos;
30. A operação em causa é uma exportação, que envolve, além da parte operacional também uma parte burocrática, o procedimento alfandegário – facto que resulta dos depoimentos prestados nos autos;
31. Os serviços prestados pelas sociedades, "B...,Lda"., "M... Unipessoal, Lda." e "G..., Unipessoal, Lda.", foram semelhantes – facto que resulta dos depoimentos prestados nos autos;
32. Nenhuma destas empresas foi objecto de qualquer acção de inspecção, ou de qualquer correcção – facto que resulta dos depoimentos prestados nos autos,
Factos não provados
Para a decisão da causa, sem prejuízo das conclusões ou alegações de matéria de direito produzidas, de relevante, nada mais se provou.
Fundamentação da matéria de facto:
A decisão da matéria de facto, consonante ao que acima ficou exposto, efectuou-se com base nos documentos e informações constantes do processo, os quais são identificados em cada um dos factos dados como provados, por deles resultarem com toda a evidência, pela credibilidade que os mesmos encerram bem como pelo facto do seu teor não ter sido posto em causa pelas Partes.
Na fixação dos factos 25 a 32 atendeu-se, ainda, aos depoimentos das testemunhas inquiridas nos autos designadamente, CC, contabilista da Impugnante; KK, contabilista das sociedades "B...,Lda". e "M... Unipessoal, Lda.", que estabeleceram relações comerciais com a Impugnante; BB e AA, ambos prestaram serviços à Impugnante, no âmbito das relações comerciais estabelecidas por esta com as empresas onde trabalham. Os seus depoimentos foram considerados positivamente pelo Tribunal uma vez que as testemunhas mostraram conhecimento directo sobre os factos em causa, designadamente, quanto ao que lhes foi sendo perguntado. Depuseram de forma clara, calma e precisa, pelo que se mostraram relevantes.
Assim, todas as testemunhas explicaram que a operação em causa é complexa e demorada, envolve muito trabalho material o que implica a necessidade de muitos funcionários, dos quais a impugnante não dispunha.
Mais foi dito, com relevância para a boa decisão da causa, que os serviços prestados por cada uma daquelas três empresas, "M... Unipessoal, Lda.", "B...,Lda". e "G..., Unipessoal, Lda.", foram semelhantes o que consideram explicar a razão pela qual o descritivo das mesmas é, também, semelhante.
Mais foi dito, de forma coerente, por todos, que esta operação não termina com o envio dos contentores, exigindo, ainda, trabalho. Por um lado, aquele que se relaciona com a preservação e armazenamento dos alimentos sobrantes, não usados nas rações enviadas; e, por outro lado, o trabalho burocrático, explicando que a mesma só é dada por terminada “quando estavam ressarcidos pelo cliente”.
Foi ainda dito que nenhuma daquelas três sociedades foi objecto de acção de inspecção ou de qualquer correcção.»
2.2. De direito
A Recorrente ("A..., Lda.") insurge-se por via do presente recurso jurisdicional contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do ... que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial da liquidação adicional de IVA, referente a período do ano de 2017, ao qual acresce juros compensatórios e moratórios, no valor global de €15 543.40, apresentada na sequência do indeferimento da Reclamação graciosa.
Como decorre das alegações de recurso, a Recorrente conforma-se com a sentença no segmento em que julgou padecer a liquidação impugnada do vício que lhe vinha assacado de “erro nos pressupostos de facto e inobservância dos princípios da verdade material e da proporcionalidade”, reconhecendo não assistir razão à Autoridade Tributária e Aduaneira ao evocar e afirmar estar perante facturas falsas, que as facturas “(...) não titulam operações reais e não têm subjacente qualquer operação económica mais, correspondendo a um circuito documental com interposição de entidades diversas das da operação subjacente (...)” e, consequentemente considerou ser não dedutível o IVA que a Recorrente registou na sua contabilidade, no montante de € 102.089,03, nos termos dos n.ºs 3 e 4 do artigo 19º do CIVA. (vide itens 10., 13., 18. e 21.)
Efectivamente, como discorre da sentença recorrida, aí se conclui “Ora, considerando os argumentos que serviram de base à Administração Tributária para desconsiderar as facturas n.º 1 2017/2 no valor de €151 905.00 emitida pela "B...,Lda".; n.º 1 2017/2, também no valor de €151 905.00 emitida pela "M... Unipessoal, Lda." e a factura n.º 1/1 emitida pela "G..., Unipessoal, Lda." no valor de €242 144.37; considerando a prova produzida nos autos pela sociedade impugnante, sempre diremos que tal decisão não poderá manter-se nos autos. /Tal como considera a Impugnante, enferma de erro sobre os pressupostos de facto, violando ainda os princípios da verdade material e da proporcionalidade, a decisão da Administração Tributária de desconsiderar as facturas supra identificadas, (...), pelo que, decidimos, nesta parte, pela procedência da argumentação da Impugnante.” (conclusões V a XI)
Mas, não se conforma a Recorrente, com a “segunda parte” da sentença recorrida, onde se conclui pela improcedência da Impugnação, decorrente da apreciação que ali realizou sobre a forma legal de emissão daquelas mesmas facturas, por inobservância do preceituado no artigo 36.º do CIVA e a consequente manutenção do afastamento do direito à dedução por força da letra do artigo 19.º, n.º 2 do mesmo Código, julgamento esse operado com recurso ao regime ínsito no artigo 163º, n.º 5 alínea a) do CPA.
Para a Recorrente os fundamentos aduzidos na sentença para manter o acto de liquidação na ordem jurídica incorrem em errado julgamento de direito, num primeiro momento por via do recurso ao mecanismo previsto no artigo 163.º, n.º 5, alínea a) do CPA “princípio do aproveitamento do acto administrativo” (questão inicia) e, subsequentemente, na errada interpretação e aplicação que faz do artigo 36º, n.º 5 do CIVA (erro de julgamento de facto e de direito).
Adiantamos desde já que são justificadas as críticas dirigidas ao julgado, em sede de questão inicial (conclusão XIV a XXV).
2.2.1. Do principio do aproveitamento do acto administrativo – artigo 163º, n.º 5, alínea a) do CPA
Não obstante a técnica utilizada na redacção da decisão possa ter suscitado alguma dificuldade aos seus destinatários na delimitação precisa dos fundamentos da decisão judicial impugnada - por existir uma distinção entre cumulação de fundamentos de procedência da acção (num primeiro momento) e fundamentos hipotéticos de improcedência da acção (num segundo momento) – o certo é que, no caso concreto, a Recorrente e este Tribunal ad quem percebeu que o Tribunal a quo, após avaliar da ocorrência de erro nos pressupostos de facto da liquidação, prossegue o julgamento na apreciação da conformidade das facturas emitidas nos termos dos artigos 36º, n.º 5, al. f) e 19º, n.º 2 ambos do CIVA, enquanto exigência de dedutibilidade do IVA, ao afirmar que “É esta a solução que, à luz do princípio do aproveitamento do acto administrativo, se impõe adoptar no caso concreto, sobretudo se se tiver em conta que nos encontramos perante uma actuação administrativa de natureza estritamente vinculada (agora acolhido na primeira parte, da alínea a) do número 5, do artigo 163.º, do CPA).”
Portanto.
- Num primeiro momento, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto decidiu, que “... considerando a argumentação já despendida, considerando a forma como a Administração Tributária chega a tal conclusão, porque não há nada nos autos que nos permita dizer que não foram estas entidades (independentemente de funcionarem como sociedades irregulares, ou já constituídas) que prestaram os serviços facturados, sendo certo que a documentação junta, em articulação com a prova testemunhal produzida nos autos, nos permitem concluir exactamente o contrário, seremos levados a concluir, pela ilegalidade da actuação da Administração Tributária./(...) Tal como considera a Impugnante, enferma de erro sobre os pressupostos de facto, (...) pelo que, decidimos, nesta parte, pela procedência da argumentação da Impugnante.”
- Num segundo momento, o Tribunal a quo, determinou a improcedência da pretensão anulatória da Impugnante, entendendo que “Destarte, se é certo que no capítulo anterior se deu por verificada a ilegalidade material decorrente da ausência de indícios fundados de simulação quanto às operações económicas tituladas pelas facturas emitidas pelas sociedades "B...,Lda"., "M... Unipessoal, Lda." e "G..., Unipessoal, Lda.", não se pode agora concluir, sem margem para dúvidas, que o conteúdo dos actos de liquidação adicional, ainda que expurgados da ilegalidade cometida seria, inelutavelmente, o mesmo, na medida em que, quanto àquelas facturas, subsiste um obstáculo legal ao exercício do direito à dedução do IVA liquidado, ou seja, a falta de requisitos formais (artigos 19.º, n.º 2, e 36.º, n.º 5 f) do CIVA)./É esta a solução que, à luz do princípio do aproveitamento do acto administrativo, se impõe adoptar no caso concreto, sobretudo se se tiver em conta que nos encontramos perante uma actuação administrativa de natureza estritamente vinculada (agora acolhido na primeira parte, da alínea a), do número 5, do artigo 163.º, do CPA).”. (objecto do recurso)
Para sustentar este julgamento, a Meritíssima Juíza a quo argumenta que “(Ora,) considerando a fundamentação vinda de transcrever, de acordo com a qual se extrai a necessidade absoluta da indicação da data da prestação de serviços, assim se permitindo o controlo da exacta cobrança de imposto.” e, de que “(Enfim,) a falta destes elementos nunca permitiria à administração tributária exercer um controlo efectivo quanto ao cálculo do montante de imposto a liquidar.”, para assim determinar que o vicio que reconheceu existir (num primeiro momento) não é susceptível de produzir efeitos invalidantes por estarmos perante uma actuação administrativa estritamente vinculada da AT e de que outro desfecho não seria possível.
Por força do presente recurso, cumpre de antemão aferir se nas concretas circunstâncias dos autos a liquidação adicional impugnada se deve manter na ordem jurídica, isto é, se o efeito invalidante resultante do reconhecimento da ilegalidade do acto de liquidação impugnado deve ser afastado atento o regime consagrado no artigo 163.º, n.º 5, al. a) do CPA.
Uma cabal resposta, impõe tecer algumas considerações gerais sobre o instituto do aproveitamento do acto relativas à densificação que vem sendo feita pela jurisprudência e doutrina mais recentes sobre cada uma das regras concretas imposta pelo legislador, legitimadoras do “aproveitamento do acto”.
“Neste contexto, é quase despiciente recordar que o aproveitamento do acto administrativo constitui um instituto legal de origem doutrinal e jurisprudencial que só obteve consagração no ordenamento jurídico português com o novo Código de Procedimento Administrativo (CPA - diploma que deve ser considerado infra se outro não for expressamente identificado) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de Janeiro.
Constituiu a consagração do referido princípio, como unanimemente é reconhecido, uma importante inovação, tendo o legislador definido rigorosa (e generosamente), nas alíneas a), b) e c), do n.º 5 do artigo 163.º, as várias hipóteses de cuja verificação resulta para o juiz o dever de afastar os efeitos invalidantes do acto anulável.
Vejamos, pois, antes de mais, o que estabeleceu o legislador em cada uma dessas alíneas, transcrevendo o normativo na parte relevante:
«Artigo 163.º
Atos anuláveis e regime da anulabilidade
(…)
5 - Não se produz o efeito anulatório quando:
a) O conteúdo do ato anulável não possa ser outro, por o ato ser de conteúdo vinculado ou a apreciação do caso concreto permita identificar apenas uma solução como legalmente possível;
b) O fim visado pela exigência procedimental ou formal preterida tenha sido alcançado por outra via;
c) Se comprove, sem margem para dúvidas, que, mesmo sem o vício, o ato teria sido praticado com o mesmo conteúdo».
De forma sintética, podemos afirmar que do preceito transcrito resulta que o critério adoptado pelo legislador na definição das várias hipóteses previstas foi distinto, sendo nuns casos essa definição determinada pelo conteúdo do acto ou das circunstâncias do caso [al. a)], noutros pela natureza da norma e os fins por esta prosseguidos [al. b)] noutros, ainda, pelos poderes ao abrigo dos quais o acto foi proferido [alínea c)]. (Neste sentido, Maria Madalena Torres Pereira Mendes, O princípio do aproveitamento do ato administrativo no novo Código de Procedimento Administrativo – Contributo para a interpretação da solução legal”, Revista O Direito, ano 148 (2016), III, páginas 639-673.)
Assim, o âmbito de aplicação da alínea a) circunscreve-se ao aproveitamento dos actos de conteúdo vinculado e a outros actos que, não sendo de conteúdo vinculado, não podiam no caso concreto ter outro conteúdo que não o que lhe foi atribuído pela Administração; a alínea b) tem como campo de aplicação os actos praticados ou omitidos em violação de normas que prescrevem formalidades processuais ou procedimentais, determinando que o acto é sempre aproveitado desde que, pese embora a violação da norma, o objecto prosseguido pelo legislador com a sua consagração tenha sido por outra forma alcançado; por fim, a hipótese contemplada na alínea c) dirigida aos actos anuláveis proferidos pela Administração ao abrigo de poderes discricionários, situação em que o acto anulável só é aproveitado se existir absoluta certeza que esse acto, sem o vício que o afecta, seria sempre praticado exactamente com o mesmo conteúdo.” (in acórdão do STA de 03.02.2021, proferido no âmbito do processo n.º 371/18.2BEVIS; negritos nossa autoria).
Com o presente preceito, passaram a obter expressão legal as situações que habilitam o poder judicial administrativo a conformar a legalidade administrativa, não anulando o acto administrativo impugnado, não obstante se encontrar enfermado de algum vício.
Princípio este, o do “aproveitamento do acto”, que habilita o juiz administrativo a proceder a juízos ponderativos relativos à irrelevância de ilegalidade cometida pela Administração, exigindo-se ao poder judicial que proceda à formulação de valorações que vão em muito para além da aplicação da mera literalidade da lei, mediante a formulação de ponderações decisórias. O princípio do aproveitamento do acto administrativo tem sido aplicado, sobretudo, a propósito de vícios formais e procedimentais, como a preterição da forma legal prescrita e a preterição de formalidades anteriores ou concomitantes à prática do acto, colocando-se, com maior incidência, na preterição de audiência prévia (como decorre da jurisprudência firmada pelo STA, secção do contencioso tributário) e na falta de fundamentação, também ela formal, em suma perante vicissitudes formais que inquinassem o acto. Sendo que, até a reforma de 2015, a jurisprudência e doutrina vinham excluindo a aplicação do princípio no caso de verificação de vícios materiais ou de violação de lei.
Certo é, que exceptuando a alínea b), do n.º 5, do artigo 163.º do CPA, que se refere expressamente aos vícios formais e procedimentais, as alíneas a) e c) consentem que o princípio do aproveitamento seja aplicado a actos que enfermem de vícios de outra natureza, conquanto se verifiquem os pressupostos legais previstos, quais sejam: tratando-se de um acto estritamente vinculado ou que se encontre reduzida a zero a sua discricionariedade, aliada a uma forte convicção do julgador, sem qualquer margem de incerteza ou dúvida, que o sentido do acto seria aquele, poderá verificar-se um vício material do acto, que não determine a produção dos seus efeitos anulatórios.
Em suma e, antes de volvermos aos autos, temos por assente que: (i) a aplicação do princípio do aproveitamento do acto ou princípio da economia dos actos públicos assenta na ideia de que carece de razoabilidade anular um acto se o resultado (em sede de repetição pela administração) sempre seria o mesmo e, de que (ii) o presente instituto não pode servir, em circunstância alguma, como passe conduto para a legitimação da conduta ilegal da Administração.
Volvendo ao julgamento que ora se avalia, recordamos que o que está em causa é a emissão de uma liquidação adicional de IVA, emitida na sequência do indeferimento da Reclamação Graciosa, ou seja, suportada numa decisão administrativa que considerou não dedutível determinadas facturas nos termos dos n.º 3 e 4 do artigo 19º do CIVA e daí retirou as devidas consequências, e em causa nos presentes autos de Impugnação é a ilegalidade daquela liquidação, por erro sobre os pressupostos de facto, para o que ora nos importa.
E, foi precisamente pelo reconhecimento da verificação da ilegalidade da liquidação por “erro sobre os pressupostos de facto e inobservância dos princípios da verdade material e da proporcionalidade” que culmina o primeiro momento da sentença sob recurso, não colocado em crise. Estamos, pois, perante uma invalidade material do acto, assente na sua substância, cuja consequência é, a anulabilidade.
Temos que a ilegalidade da liquidação não se traduz numa mera formalidade, mas numa ilegalidade que contende com o conteúdo do próprio acto de liquidação, com a sua substância, uma vez que sem a fundamentação inerente ao acto que possa ser atendida – as facturas titularem operações não reais, subsumíveis ao n.º 3 e 4 do artigo 19º do CIVA, o acto de liquidação fica esvaziado de conteúdo.
Vejamos, assenta a posição da AT, conforme exarado no seu RIT, acompanhado em sede de Reclamação Graciosa, que “(...) Pelo exposto, conclui-se que se está na presença de facturas falsas, uma vez que, a terem sido prestados os serviços subjacentes aos contratos apresentados, esses serviços não foram prestados pelas entidades emitentes desses documentos, uma vez que na data da execução material dos serviços essas entidades não existiam juridicamente nem como Sujeitos Passivos de IVA.
(...) Em face do exposto, só se pode concluir que as facturas n.º 1 2017/2 e 1 2017/2 e 1/1 (...) não titulam operações reais e não têm subjacente qualquer operação económica. Servindo a sua emissão unicamente para a obtenção do reembolso de IVA, logo o IVA que a sociedade registou na sua contabilidade, não é dedutível nos termos dos n.º 3 e 4 do art. 19º do CIVA.”
É certo, que os SIT carearam vários indícios para sustentar a tese de que as facturas não titulavam operações reais, entre os quais, o de que algumas facturas não cumpriam com o requisito formal a que alude al. f) do n.º 5 do artigo 36º do CIVA, nomeadamente que:
“A descrição mencionada nas facturas anteriormente identificadas é semelhante, como se evidencia:
Facturas emitidas pelas entidades "B...,Lda". e "M... Unipessoal, Lda.": “Prestação de Serviços na negociação acompanhamento logístico no âmbito do processo de exportação de produtos alimentares”;
Facturas emitidas pelas entidades "O..." e "G..., Unipessoal, Lda.": “Prestação de Serviços na negociação, acompanhamento logístico relacionado com processo de exportação de produtos alimentares”
Dando cumprimento à al. f) do n.º 5 do artigo 36º do CIVA é mencionado nas facturas emitidas pelas entidades "O..." e "G..., Unipessoal, Lda." que a data da prestação de serviços foi em 2017.11.10.
As entidades "B...,Lda". e "M... Unipessoal, Lda." não deram cumprimento a este formalismo.” (vide item 10 do probatório).
E, prosseguindo que “... Estes documentos enfermam de várias inexactidões, desde logo, porque foram emitidos por entidades na qualidade de Sujeito Passivo, e que não prestaram os serviços, nem o poderiam ter feito dada a sua inexistência como Sujeito Passivo, não foi cumprida a obrigatoriedade de emissão de factura no momento da conclusão dos serviços (caso os mesmos tivessem sido prestados), não estão passados na forma legal, quem emitiu as facturas não se encontrava no exercício de qualquer actividade, pelo que se conclui existir a simulação de negócio nas facturas emitidas e, consequentemente, a utilização de facturas por operações inexistentes e ainda com a intervenção de pessoas ou entidades diversas das da operação subjacente, pelo menos quanto ao prestador de serviços.
Em face do exposto, só se pode concluir que as facturas n.º 1 2017/2; 1 2017/2 e 1/1, respectivamente, datadas de 2017.10.01, as suas primeiras e 2017.11.10 a última emitida pelas empresas "B...,Lda"., "M... Unipessoal, Lda." e "G..., Unipessoal, Lda.", no montante global de €545 954.37, com IVA de €102 089, 03, não titulam operações reais e não têm subjacente qualquer operação económica mais, correspondendo a um circuito documental com interposição de entidades diversas das da operação subjacente (que a ter-se verificado, ocorreu entre e "A..., Lda." e outras entidades), serviço a sua emissão unicamente para a obtenção do reembolso de IVA €86 942.95.”.
Mas tal constatação não legitima actuação do julgador de efectuar em jeito de golpe misericordioso, após concluir que ocorria erro nos pressupostos para considerar que a facturas não titulavam operações reais, extrapolar de um dos indícios aludido de que algumas facturas não obedeciam ao requisito formal a que alude al. f) do n.º 5 do artigo 36º do CIVA (conter a data de prestação do serviço), e daí retirar o efeito invalidante da anulabilidade que havia declarado.
Perante o assim explanado, já avançamos a nossa resposta de saber se a liquidação adicional de IVA declarada ilegal nos autos é subsumível à situação prevista na alínea a) do n.º 5 do artigo 163º do CPA.
A questão só pode ter resposta negativa e como tal, impõem-se declarar que a sentença que assim não o entendeu incorre em erro de julgamento de direito.
É que, o instituto do aproveitamento do acto administrativo em matéria tributária, nas situações em que a legalidade desse acto está dependente de uma fundamentação exigente, imbuída de princípios que vão do inquisitório ao da participação, tem que ser aplicado de forma muito rigorosa, sob pena de, com esse aproveitamento, serem totalmente postergadas garantias constitucionais e legais dos contribuintes.
Depois, não podemos obviar que não estamos perante um vício formal, pelo que nada garante que Administração perante a ilegalidade do acto declarada emitisse nova liquidação assente exclusivamente na falta do requisito formal da al f) do n.º 5 do artigo 36º do CIVA [aliás a menção feita no RIT às mesmas é a seguinte “(...) Nas facturas emitidas pelas entidades "O..." e "G..., Unipessoal, Lda." é mencionado que a data da prestação dos serviços foi 2017.11.10, dando cumprimento à alínea f) do n.º 5 do art. 36º do CIVA, as outras duas entidades não cumpriram com esta formalidade.” – vide ponto III.2.1.3 Conclusão, item 10. Do probatório].
Aliás, atente-se ao facto de o sujeito passivo na sua petição de Reclamação Graciosa dar conta da sua perplexidade ao referir que “... fica em dúvida se a inspecção pretende afastar o direito à dedução por as facturas não estarem conformes o art.º 36º n.º 5 do CIVA, se por se estar perante uma operação simulada ou por se tratar de operação não sujeita a IVA.”, como disso se dá conta no projecto de indeferimento daquela.
E, a resposta foi peremptória ao decidir-se naquela Reclamação de que “... nos termos do n.º 3 do artigo 19º do CIVA, não pode ser deduzido imposto resultante de operações simuladas, sendo que a Administração Fiscal carreou para os autos factos concretos, objectivos e fortemente indiciadores de que as operações enquadradas nos registos disponibilizados, não titulam operações reais, está a mesma legitimada a efectuar as operações que entender./ Cabia ao contribuinte o ónus provar a materialidade das operações, o que não se verificou, pela sua falta de colaboração ...” (vide itens 18., 19., 21. e 22.).
Do transcrito, infere-se precisamente o contrário, ou seja, da falta de relevância que os serviços do SIT em sede de relatório e, posteriormente, em sede de Reclamação Graciosa atribuíram a falta de conforme das facturas com o artigo 36º, n.º 5 do CIVA.
Não colhe de todo afirmação que se faz na sentença recorrida de que ocorre “(...) a necessidade absoluta da indicação da data da prestação de serviços, assim se permitindo o controlo da exacta cobrança de imposto.”, pois como bem alude a Recorrente no seu recurso “A existência de eventuais vícios formais das facturas em análise não pode determinar por si só, e automaticamente, a negação do exercício do direito à dedução, pois para que esses vícios ponham em causa o exercício do direito à dedução é necessário que se encontre afastada a capacidade de correta cobrança do imposto e de fiscalização, o que não aconteceu no caso em sub judice, como refere no mesmo sentido o Acórdão de 14 de Julho de 1988, Lea Jeunehomme e EGI, C-123 e 130/87.” (vide conclusão LIII).
Por outro lado, a Recorrente pretendeu junto da Administração perceber e produzir prova sobre tais omissões detetadas nas facturas, não tendo sido pelos serviços, como já se referiu, atribuído relevância a tais factos, tendo uma eventual correcção também assente nessa premissa, sido desvalorizada pela AT, quer em sede de procedimento inspetivo, quer em sede de reclamação graciosa.
Assim sendo, cientes de que à luz do entendimento da jurisprudência do TJUE, a Administração Fiscal não pode recusar o direito a dedução do IVA pelo simples facto de a fatura não preencher os requisitos exigidos pelo artigo 226°, n.ºs 6 e 7, da Diretiva 2006/112, se dispuser de todos os dados para verificar se os requisitos substantivos relativos a este direito se encontram satisfeitos.
Ou seja, e desde logo, ao contrário do que decorre da sentença, a consequência das facturas não preencherem todos os requisitos legais previstos no artigo 36.º do CIVA, desde logo alínea f), do seu n.º 5, não é não serem suporte válido para a dedução de imposto, sendo o TJUE taxativo no sentido de que a Administração Fiscal não pode recusar tout court o direito à dedução do IVA pelo simples facto de a factura não preencher os requisitos, sendo necessário.
Assim sendo, não é possível com a certeza absoluta que emana do regime do artigo 165º, n.º 5, alínea a) do CPA, afirmar que relativamente ao IVA titulado pelos documentos a que se reportam as correcções propostas no RIT, as deficiências formais detectadas pela AT e sobrevalorizadas pela sentença a quo que aquelas não são, em concreto, idóneas a, de per si, afastarem o direito da Recorrente à dedução do imposto nelas mencionado, compete a AT no âmbito das suas competências aferir se está na posse de todos os dados para verificar se os requisitos substantivos relativos a esse direito se encontram satisfeitos, em termos de lhe permitir a realização de controlos do pagamento do imposto devido e da existência do direito a dedução do IVA.
Não pode o Tribunal a quo, substituir-se AT no controle da verificação dos requisitos substanciais do direito à dedução da Recorrente, não lhe sendo lícito, por isso, afastar tal direito com fundamento nas referidas deficiências formais ao abrigo do instituto do aproveitamento do acto.
Afigura-se pacifico ser impossível afirmar in casu que as apreciações das circunstâncias do caso concreto restringem a atuação da AT a uma única solução possível, sob pena de neutralização dos princípio do inquisitório e da participação inerentes ao procedimento, entre outros, já para não falar da eventual postergação de garantias constitucionais e legais dos contribuintes.
Portanto, cientes das premissas que postulamos como inultrapassáveis, in casu não estão verificados os pressupostos consagrados pelo legislador na alínea a) do n.º 5 do artigo 163.º do CPA [sendo que o exposto é extensível, para afastar a aplicação das alíneas b) e c)] para que seja afastado o efeito anulatório do acto ilegal impugnado.
É, pois, com os fundamentos expostos, de julgar procedente o recurso jurisdicional e, dar por prejudicado o conhecimento das demais questões.
Assim, prevalecendo o determinado na sentença no seu primeiro momento, cumpre daí retirar os devidos efeitos, pelos que os actos tributários impugnados não se podem manter, não podendo deixar de ser anulados.
2.3. Conclusões
I. Não é estabelecida qualquer restrição quanto ao tipo de ilegalidade suscetível de ser considerada sanada, nos casos a que se refere a alínea a) do n.º 5 do artigo 163.º do CPA o aproveitamento de acto, abrange o acto vinculado e o acto discricionário em abstracto;
II. No entanto, não pode admitir-se a neutralização dos efeitos anulatórios quando nessa decisão estejam envolvidos juízos de valoração próprios da actividade administrativa, por outras palavras não ocorra a certeza absoluta que outra seria a posição da AT, sob pena de violação dos princípios do inquisitório, do contraditório e da participação.
III. O aproveitamento do acto administrativo ao abrigo do artigo 163.º, n.º 5, alínea a) do CPA pressupõe sempre, por um lado, que a rejeição de aplicação do instituto do aproveitamento do acto tem de ser interpretado em conformidade com os princípios que regem o exercício da actividade jurisprudencial, maxime, o princípio da separação dos poderes, do qual deflui, indubitavelmente, que aos Tribunais está vedada a possibilidade de decidir em substituição da Administração
3. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso e, revogando a sentença recorrida no segmento objecto de recurso, manter os efeitos invalidantes da declaração de anulabilidade da liquidação impugnada pelo Tribunal a quo, julgando-se procedente a impugnação.
Custas em 1ª instância e em sede de recurso pela Fazenda Pública, sendo que nesta instância as custas não incluem a taxa de justiça, uma vez que não contra-alegou.
Porto, 17 de novembro de 2022
Irene Isabel das Neves
(Relatora)
Ana Paula Santos
(1.º Adjunta)
Margarida Reis
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