Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00557/17.7BEPNF |
Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
Data do Acordão: | 10/11/2024 |
Tribunal: | TAF de Penafiel |
Relator: | MARIA CLARA ALVES AMBROSIO |
Descritores: | CONTRATO DE FACTORING; RESPONSABILIDADE CONTRATUAL/RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL; PRAZOS DE PRESCRIÇÃO; INÍCIO DA CONTAGEM DO PRAZO DE PRESCRIÇÃO; |
Votação: | Unanimidade |
Meio Processual: | Acção Administrativa Comum |
Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção Administrativa, subsecção de Contratos Públicos, do Tribunal Central Administrativo Norte, I. RELATÓRIO No Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto correu termos acção administrativa, movida por [SCom01...], LD.ª contra o MUNICÍPIO ..., na qual pediu a condenação do Réu no pagamento à Autora da quantia de € 103.539,59, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação e até efetivo e integral pagamento. O Réu MUNICÍPIO apresentou contestação, na qual se defendeu por excepção, invocando a excepção de prescrição. A Autora deduziu réplica, na qual pugnou pela improcedência da exceção de prescrição suscitada pelo Réu MUNICÍPIO. O Tribunal a quo julgou procedente a excepção peremptória de prescrição, e, consequentemente, absolveu o Réu do pedido. Inconformada com a decisão recorre a A., apresentando as seguintes conclusões de recurso: “1- Entendemos que não assiste razão ao decidido, porquanto, se é verdade que o réu deixou de estar diretamente obrigado perante a credora, [SCom01...], Lda, ao pagamento das indicadas facturas, assumindo antes a obrigação do seu pagamento perante o Factor, também não deixa de ser verdade que o município réu assumiu perante a autora, uma outra, embora distinta, obrigação por referência a todas as facturas que confirmou serem devidas, qual seja a obrigação de «fazer o seu integral pagamento à Banco 1..., S.A., nas datas de vencimento fixadas.» 2- Na realidade, como se vê da factualidade elencada em C), E) o município réu participou ativamente no acordo de vontades com a autora subjacente, ou decorrente do contrato de factoring, pelo que não se pode arrogar ser um terceiro. 3- O município réu obrigou-se perante a autora ao integral pagamento ao Banco 1... de todas as facturas incluídas no contrato de factoring de 11/11/2009 e a fazê-lo nas datas de vencimento fixadas, conforme as referidas declarações confessórias aceites pelo Réu, para não mais serem retiradas, tendo incumprido culposamente essa obrigação. 4- Estamos perante uma relação obrigacional complexa e tripartida, surgindo este dever assumido pelo Município Réu como uma decorrência do Princípio da boa-fé no cumprimento dos contratos consagrado no artigo 762º nº 2 do Código Civil, normativo que a sentença violou. 5- Esta obrigação do Réu, não interessará “directamente ao cumprimento da prestação ou dos deveres principais, antes ao exacto processamento da relação obrigacional, ou dizendo de outra maneira, à exacta satisfação dos interesses globais envolvidos na relação obrigacional complexa.”- cfr. Prof. Almeida Costa in Direito das obrigações, Almedina. 6- “Os deveres laterais encontram-se sistematizados pelos autores em vários tipos, como os deveres de cuidado, previdência e segurança, os deveres de aviso e informação, os deveres de notificação, os deveres de cooperação, os deveres de protecção e cuidado relativos à pessoa e ao património da contraparte”. 7- Não se referindo a lei, em termos gerais, a estes deveres acessórios, fica o intérprete com a tarefa de indagar o regime jurídico derivado da sua violação, valendo o princípio da boa fé ética consagrado no artigo 762.º, n.º2 do Código Civil. 8- Mal andou a sentença, pois que, por força deste fundamental princípio se impunha procurar ver nas normas derivadas da boa fé objectiva se o prejuízo causado pelo injustificado não pagamento atempado das facturas, deve ser ressarcido, tendo, para o efeito, “que confrontar as consequências materiais da violação e, a partir delas, procurar encontrar a mais adequada tutela dos valores em jogo.” 9- Não está em causa o dever principal – de pagamento –mas trata-se de deveres laterais a que o réu ficou obrigado perante a autora, pelo princípio da boa fé, por corresponderem à satisfação dos interesses globais contidos na relação obrigacional complexa, sendo que, no caso, era do manifesto interesse da apelante que o réu cumprisse a referida obrigação expressamente assumida do pagamento das facturas objecto do factoring na data dos respectivos vencimentos, sob pena de se ver forçado a arcar com penalizações e encargos. 10- Ao demorar, como provado em F), cinco anos a pagar facturas cujo vencimento se situava num intervalo de meio ano (entre 15/07/2010 e 30/12/2010), cremos ser impossível não deixar de concluir que o réu violou de forma grosseira os deveres de proteção e cuidado em relação ao património da contraparte a que estava obrigado, e que o princípio da boa fé lhe impunha. 11- Por via disso, a autora, ao invés de receber os 1.361.747,40€ faturados, já de si diminuídos da comissão contratada, recebeu ainda menos 103.539,59€, vendo diminuído o seu património em cerca de 8% do valor faturado por causa exclusivamente imputável ao réu. 12- Daí o bem fundado da presente acção que deveria ter prosseguido para conhecimento de mérito. 13- Impõe-se, pois, o enquadramento da situação «sub judice» no âmbito da responsabilidade contratual resultante da relação obrigacional complexa constituída por via do contrato de factoring, pelo que sujeita, não ao prazo de três anos aludido na sentença, referente à responsabilidade delitual, mas ao prazo ordinário de prescrição de 20 anos previsto no artigo 309º do Código Civil. 14- Ou, sempre sem prescindir, ao prazo de 5 anos previsto no artigo 310º alíneas d) e g) do Código Civil, visto se referir a crédito com a natureza de juros e outras prestações periodicamente renováveis, nessa medida enquadráveis no preceito. 15- A sentença violou, por todo o exposto, o disposto nos artigos 309º al. d) e g) 310º, 334º3 e 762º nº 2 do Código Civil. 16- Sem prescindir, mesmo no caso de se entender estarmos em sede de responsabilidade extracontratual, a sentença não fez o cômputo do prazo em observância ao disposto no regime legal respectivo, consagrado no artigo 483º e seg. do Código Civil, isto porque o facto ilícito e danoso em que se funda a responsabilidade delitual não se confunde com o dano. 17- O facto ilícito é o pagamento das facturas largos meses e anos para além da data do seu vencimento (invocado em 17º da PI); o dano é o prejuízo causado através dos encargos pesadíssimos que a autora se viu forçada a suportar (invocado de 19º a 23º da PI). 18- Não obstante, a Mma julgadora procedeu à contagem do prazo prescricional a partir da data dos últimos encargos que foram nos autos peticionados pela autora e não – como devia – a partir da data em que, finalmente o Réu terminou de pagar as facturas vencidas entre julho e dezembro de 2010 que foi outubro de 2015. 19- Na verdade, tendo o réu Município procedido ao pagamento das facturas muito para além das datas do respetivo vencimento, apenas entre novembro de 2013 e outubro de 2015, será sempre, necessariamente, ao termo desse lapso temporal – em que cessa o comportamento violador do dever lateral a que se obrigou pelo princípio da boa-fé – que se deve reportar a contagem do prazo prescricional. 20- Donde, e forçosamente, mesmo em sede de responsabilidade contratual, é de concluir que não tinha ainda decorrido o prazo prescricional quando em 03/03/2017 a Autora propôs a acção e quando em 08/09/2017 o réu foi para a mesma citado. 21- A sentença recorrida violou, portanto, e ainda o disposto no artigo 483º do Código Civil. 22- Por último, a sentença andou mal ao dar como provada na alínea F) da sentença, com fundamento em confissão, que a factura nº 74 foi paga pelo Réu Município em janeiro de 2015, pois, conforme recibo nº 43 emitido pela Autora com data de 30-10-2015 (cfr. doc. nº 63 junto com a petição inicial), esse pagamento ocorreu em outubro de 2010, motivo pelo qual se impugna esta parte da matéria assente em F). 23- Não há confissão, pois, por um lado, verifica-se que a data de pagam amento em causa não só não foi aceite especificamente pelo réu, como, bem pelo contrário, o réu não impugnou o documento nº 63 junto com a PI, ou seja, o recibo atinente à factura 74 de 30 de outubro de 2015. 24- Donde, a factualidade alegada – pagamento em janeiro de 2015 – podia ser retirada, como foi, pela autora quando, nos itens 3º e 21º da réplica a autora afirmou perentoriamente que a última fatura, com o nº 74, foi paga em outubro de 2015. 25- A sentença violou, portanto, os artigos 46º e 465º, nº 2 CPC que permitem a neutralização da confissão enquanto a parte contrária não a tiver aceitado especificadamente. 26- Assim, sempre deve ser modificada a resposta à matéria de facto, de forma a que conste que a data de pagamento da fatura 74 foi outubro de 2015. TERMOS EM QUE DEVE SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO RECURSO E REVOGADA A SENTENÇA PROFERIDA E SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE, JULGANDO IMPROCEDENTE A EXCEPÇÃO, ORDENE O PROSSEGUIMENTO DOS AUTOS PARA JULGAMENTO, POR SER DE LEI E DE JUSTIÇA. O R. contra-alegou. * Notificado o Ministério Público junto deste TCA Norte, nos termos e para efeitos do disposto no n.º 1, do artigo 146.º do CPTA, não foi emitido parecer. * II. OBJECTO DO RECURSO Conforme jurisprudência firmada, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo o Tribunal de recurso conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPTA). À luz do exposto, cumpre a este Tribunal apreciar se a sentença recorrida incorreu em (i) erro de julgamento de direito quando decidiu que ocorreu a prescrição do direito ao pagamento da quantia aqui peticionada e que se reporta a encargos cobrados pela instituição financeira – Banco 1..., S.A.-, com quem a A./recorrente celebrou um contrato de factoring; sendo improcedente, se ocorre (ii) erro de julgamento de facto quando foi dado como provado na alínea F) da sentença, com fundamento em confissão, que a factura nº 74 foi paga pelo Réu Município em janeiro de 2015. * III. Fundamentação III.1. De Facto Na sentença recorrida foram dados como assentes os seguintes factos: A) – O Réu MUNICÍPIO ... contratou à Autora a execução de várias obras de construção civil - por acordo; B) – Em 11-11-2009, foi celebrado entre a Autora [SCom01...], LD.ª (na qualidade de «ADERENTE») e a Banco 1..., S.A. (na qualidade de «FACTOR») o CONTRATO DE FACTORING, junto à petição inicial como documento n.º 1, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, através do qual foi feita a cessão de créditos de faturas emitidas à CÂMARA MUNICIPAL ..., a partir de 01-02-2009, de que se extrai o seguinte: [Imagem que aqui se dá por reproduzida] . [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] - cf. documento n.º 1 junto com a petição inicial; C) – Por carta remetida pela Autora e recebida pelo Réu MUNICÍPIO, com data de 11-11-2009, a Autora comunicou ao Réu que havia sido celebrado o CONTRATO DE FACTORING identificado na alínea antecedente, com o seguinte teor: [Imagem que aqui se dá por reproduzida] - cf. documento n.º 2 junto com a petição inicial; D) – As faturas que a Autora emitiu ao Réu MUNICÍPIO e que ficaram submetidas ao contrato de factoring identificado na alínea B) foram as faturas: 25; 26; 27; 51; 52;63; 64; 74; 95; 99; 100; 106; 107; 119; 120; 121; 122; 129; 132; 133; 167; 168; 209; 210; 224; 225; 273; 245; 270; 274; 284; 285; 334, 335; 349; 392 - por acordo; E) – Em data não concretamente apurada, o Réu MUNICÍPIO informou o Banco 1..., S.A. que os valores titulados pelas faturas abaixo discriminadas, que se venciam entre os dias 15-07-2010 e 30-12-2010, se encontravam confirmadas, “obrigando-se a fazer o seu integral pagamento à Banco 1..., S.A., nas datas dos respetivos vencimentos fixadas”: [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] por acordo; cf. documento n.º 41 junto com a petição inicial; F) – As faturas indicadas na alínea D) foram pagas pelo Réu MUNICÍPIO em: dezembro de 2011 - faturas n.ºs 273, 284 e 334 (cf. documentos n.ºs 35; 37; 39, juntos com a petição inicial), conforme recibo n.º 129/2011, emitido pela Autora, com data de 28-12-2011 (cf. doc. n.º 42 junto com a petição inicial); novembro de 2011 - faturas n.ºs 133, 167, 168, 224, 225, 274, 285 e 335 (cf. documentos n.ºs 30; 31; 32; 33; 34; 36; 38; 40, juntos com a petição inicial), conforme recibo n.º 102/2011 emitido pela Autora, com data de 10-11-2011 (cf. doc. n.º 43 junto com a petição inicial); outubro de 2011 - faturas n.ºs 392, 119, 26, 63, 64, 120 e 132 (cf. documentos n.ºs 22; 25; 26; 23; 25; 28; 29, juntos com a petição inicial), conforme recibos n.ºs 96/2011 e 97/2011 emitidos pela Autora, com data de 26-10-2011 (cf. doc. n.ºs 44 e 45 juntos com a petição inicial); maio de 2011 - faturas n.ºs 270, 349, e 27 (cf. documentos n.ºs 20; 21; 24 juntos com a petição inicial), conforme recibo n.º 44/2011 emitido pela Autora, com data de 11-05-2011 (cf. doc. n.º 46 junto com a petição inicial); novembro de 2013 - faturas n.ºs 95, 107, 106, 122 (cf. documentos n.ºs 8; 11; 12 juntos com a petição inicial), conforme recibos n.ºs 129/2013; 130/2013; 131/2013; 132/2013, emitidos pela Autora, com data de 20-11-2013 (cf. doc. n.ºs 47, 48, 49 e 50 juntos com a petição inicial); janeiro de 2014, - faturas n.ºs 25, 26, 51, 52, 99, 100, 121, 129, 209, 210, 245 e 246 (cf. documentos n.ºs 3, 4, 5, 6, 9, 10, 13, 15, 16, 17, 18 e 19, juntos com a petição inicial), conforme recibos n.ºs 2/2014; 3/2014; 4/2014; emitidos pela Autora, com data de 17-01-2014 (cf. doc. n.ºs 51 e 62juntos com a petição inicial); janeiro de 2015 - fatura n.º 74 (cf. documento n.º 7 junto com a petição inicial), conforme recibo n.º 43, emitido pela Autora, com data de 30-10-2015 (cf. doc. n.º 63 junto com a petição inicial); - por acordo; cf. documentação junta com a petição inicial; G) – Consta da troca de comunicações entre o Banco 1..., S.A. e o Réu MUNICÍPIO, um documento do “Banco 1...”, que não se mostra datado, com uma listagem de faturas vencidas e por vencer, de que se extrai o seguinte: [Imagem que aqui se dá por reproduzida] - cf. documentação junta com o ofício remetido a fls. 306 e seguintes do Sitaf; H) – No período compreendido entre julho de 2010 e 03-02-2014, no quadro do CONTRATO DE FACTORING identificado na alínea B), O Banco 1... cobrou à Autora determinadas quantias referentes a «encargos», designadamente relativos a «imposto de selo», «juros de adiantamento», «juros de adiant. postecipado» e «Comissão», sendo que, no tange concretamente ao ano de 2014, foram cobradas as seguintes quantias [documentos bancários juntos com o doc. n.º 68 da p.i.]: [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] - cf. documentos bancários juntos com a petição inicial, cujos teores se dão por reproduzidos; I) - A Autora instaurou a presente ação administrativa, via correio eletrónico, em 03-03-2017, cujo teor da petição inicial se dá por reproduzido - cf. fls. 1 e s. do Sitaf; J) - O Réu MUNÍCIPIO foi citado para esta ação em 08-09-2017 - fls. 261 do Sitaf. * MOTIVAÇÃO que consta da sentença recorrida: “Como decorre de cada alínea do elenco dos factos constante do probatório, a decisão sobre a matéria de facto assentou, no essencial, na posição vertida pelas partes nos seus articulados, atenta a repartição das regras do ónus da prova, e a impugnação especificada que consta da contestação deduzida pelo Réu MUNÍCIPIO, e, bem assim, da análise dos documentos juntos aos autos. Importa, em todo o caso, salientar que, no que toca à fatura n.º 74, a que se faz referência na alínea F) do probatório, o que ficou provado, por acordo - porque assim alegado pela Autora e não impugnado especificadamente pelo Réu MUNÍCIPIO - é que a fatura n.º 74 foi paga em janeiro de 2015, sendo que a data de 30-10-2015, refere-se à data de emissão do recibo n.º 43 (sendo que a data de emissão do recibo não se confunde com a data de pagamento). Por outro lado, quanto ao alegado “prejuízo”, no que ora releva, o Tribunal deu como provado o facto que consta na alínea H), pois a alegação contida no artigo 18.º a 23.º (expressamente impugnada pelo Réu na sua contestação), em rigor, consubstancia um juízo conclusivo, em que falta a substanciação fáctica para se alcançar os alegados “encargos” (e a que título/por referência a que faturas/datas, designadamente para ser possível aferir o nexo de imputação ao Réu) e os valores efetivamente liquidados a título de «juros antecipados e postecipado», «imposto de selo dos juros» e «comissão extra sobre adiantamento» (desconhecendo-se este último conceito e o que o mesmo engloba), não sendo sequer possível ao Tribunal (nem a ele compete) deslindar e extrair factos (simples e precisos) do acervo (anexo à p.i. em bloco) de documentos bancários juntos pela Autora (em que se fala, por exemplo, em cobrança de «comissão de rotação»; «comissão de imobilização»; «comissão de gestão semestral», «imposto de selo» relativo à comissão de imobilização, ou apenas em «comissão», etc., em que o Tribunal verifica, desde logo, quanto aos meses de julho e agosto de 2010, que não existe correspondência entre os valores indicados nos documentos bancários que constam de fls. 89 verso do processo físico (que se refere a um «pagamento de adiantamento), a «imposto de selo» e «comissão») e de fls. 90 do processo físico, e os valores indicados na tabela referente ao ano de 2010 - doc. n.º 64 junto com a petição inicial -, que encabeça o conjunto de documentação bancária relativa a esse ano), que permita atestar o assim afirmado pela Autora nos mencionados artigos da petição inicial. * III. 2. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO A recorrente alega que o recorrido se obrigou ao integral pagamento ao Banco 1..., S.A de todas as facturas incluídas no contrato de factoring que celebrou com a referida instituição financeira em 11/11/2009 e a fazê-lo nas datas de vencimento fixadas; que estamos perante uma relação obrigacional complexa e tripartida, surgindo este dever assumido pelo recorrido como uma decorrência do princípio da boa-fé no cumprimento dos contratos consagrado no artigo 762º do Código Civil, normativo que a sentença violou; que se impõe o enquadramento da situação sub judice no âmbito da responsabilidade contratual resultante da relação obrigacional complexa constituída por via do contrato de factoring, pelo que sujeita, não ao prazo de três anos aludido na sentença, referente à responsabilidade delitual, mas ao prazo ordinário de prescrição de 20 anos, previsto no artigo 309º do Código Civil ou ao prazo de 5 anos previsto no artigo 310º alíneas d) e g) do Código Civil, visto se referir a crédito com a natureza de juros e outras prestações periodicamente renováveis, nessa medida enquadráveis no preceito. E, sem prescindir, sustenta o recorrente que mesmo no caso de se entender estarmos em sede de responsabilidade extracontratual, a sentença não fez o cômputo do prazo em observância ao disposto no regime legal respectivo, consagrado no artigo 483º e seg. do Código Civil, isto porque o facto ilícito e danoso em que se funda a responsabilidade delitual não se confunde com o dano. O facto ilícito é o pagamento das facturas largos meses e anos para além da data do seu vencimento (invocado em 17º da PI); o dano é o prejuízo causado através dos encargos pesadíssimos que a autora se viu forçada a suportar (invocado de 19º a 23º da PI). Não obstante, o Tribunal a quo procedeu à contagem do prazo prescricional a partir da data dos últimos encargos que foram nos autos peticionados pela autora e não – como devia – a partir da data em que, finalmente o Réu terminou de pagar as facturas vencidas entre julho e dezembro de 2010, que foi outubro de 2015. Na verdade, tendo o recorrido procedido ao pagamento das facturas muito para além das datas do respetivo vencimento, apenas entre novembro de 2013 e outubro de 2015, será sempre, necessariamente, ao termo desse lapso temporal que se deve reportar a contagem do prazo prescricional. Donde, e forçosamente, mesmo em sede de responsabilidade contratual, não tinha ainda decorrido o prazo prescricional quando, em 03/03/2017, o autor propôs a acção e quando em 08/09/2017 o réu foi para a mesma citado. Mais sustenta a recorrente que a sentença andou mal ao dar como provada na alínea F) da sentença, com fundamento em confissão, que a factura nº 74 foi paga pelo Réu Município em janeiro de 2015, pois, conforme recibo nº 43 emitido pela Autora com data de 30-10-2015 (cfr. doc. nº 63 junto com a petição inicial), esse pagamento ocorreu em outubro de 2010, motivo pelo qual se impugna esta parte da matéria assente em F). Não há confissão, pois, por um lado, verifica-se que a data de pagamento em causa não só não foi aceite especificamente pelo réu, como, bem pelo contrário, o réu não impugnou o documento nº 63 junto com a PI, ou seja, o recibo atinente à factura 74 de 30 de outubro de 2015. Donde, a factualidade alegada – pagamento em janeiro de 2015 – podia ser retirada, como foi, pela autora quando, nos itens 3º e 21º da réplica a autora afirmou perentoriamente que a última fatura, com o nº 74, foi paga em outubro de 2015. A sentença violou, portanto, os artigos 46º e 465º, nº 2 CPC que permitem a neutralização da confissão enquanto a parte contrária não a tiver aceitado especificadamente. Assim, sempre deve ser modificada a resposta à matéria de facto, de forma a que conste que a data de pagamento da fatura 74 foi outubro de 2015. Vejamos então. No caso em apreço, ficou provado que, em 11/11/2009, foi celebrado entre a Autora [SCom01...], LD.ª (na qualidade de «ADERENTE») e a Banco 1..., S.A. (na qualidade de «FACTOR») o CONTRATO DE FACTORING, através do qual foi feita a cessão de créditos das seguintes faturas emitidas à CÂMARA MUNICIPAL ..., a partir de 01-02-2009: faturas nºs 25; 26; 27; 51; 52;63; 64; 74; 95; 99; 100; 106; 107; 119; 120; 121; 122; 129; 132; 133; 167; 168; 209; 210; 224; 225; 273; 245; 270; 274; 284; 285; 334, 335; 349; 392. Assente está, também, que, por carta remetida pela Autora e recebida pelo Réu MUNICÍPIO, com data de 11-11-2009, a Autora comunicou ao Réu que havia sido celebrado o CONTRATO DE FACTORING e que, em data não concretamente apurada, o Réu MUNICÍPIO informou o Banco 1..., S.A. que os valores titulados pelas faturas, que se venciam entre os dias 15-07-2010 e 30-12-2010, se encontravam confirmadas, “obrigando-se a fazer o seu integral pagamento à Banco 1..., S.A., nas datas dos respetivos vencimentos fixadas”. As referidas facturas eram as seguintes: [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] Resulta, ainda, do probatório, que as facturas 25; 26; 27; 51; 52;63; 64; 74; 95; 99; 100; 106; 107; 119; 120; 121; 122; 129; 132; 133; 167; 168; 209; 210; 224; 225; 273; 245; 270; 274; 284; 285; 334, 335; 349; 392 foram pagas pelo Réu MUNICÍPIO em: dezembro de 2011 - faturas n.ºs 273, 284 e 334 (cf. documentos n.ºs 35; 37; 39, juntos com a petição inicial), conforme recibo n.º 129/2011, emitido pela Autora, com data de 28-12-2011 (cf. doc. n.º 42 junto com a petição inicial); novembro de 2011 - faturas n.ºs 133, 167, 168, 224, 225, 274, 285 e 335 (cf. documentos n.ºs 30; 31; 32; 33; 34; 36; 38; 40, juntos com a petição inicial), conforme recibo n.º 102/2011 emitido pela Autora, com data de 10-11-2011 (cf. doc. n.º 43 junto com a petição inicial); outubro de 2011 - faturas n.ºs 392, 119, 26, 63, 64, 120 e 132 (cf. documentos n.ºs 22; 25; 26; 23; 25; 28; 29, juntos com a petição inicial), conforme recibos n.ºs 96/2011 e 97/2011 emitidos pela Autora, com data de 26-10-2011 (cf. doc. n.ºs 44 e 45 juntos com a petição inicial); maio de 2011 - faturas n.ºs 270, 349, e 27 (cf. documentos n.ºs 20; 21; 24 juntos com a petição inicial), conforme recibo n.º 44/2011 emitido pela Autora, com data de 11-05-2011 (cf. doc. n.º 46 junto com a petição inicial); novembro de 2013 - faturas n.ºs 95, 107, 106, 122 (cf. documentos n.ºs 8; 11; 12 juntos com a petição inicial), conforme recibos n.ºs 129/2013; 130/2013; 131/2013; 132/2013, emitidos pela Autora, com data de 20-11-2013 (cf. doc. n.ºs 47, 48, 49 e 50 juntos com a petição inicial); janeiro de 2014, - faturas n.ºs 25, 26, 51, 52, 99, 100, 121, 129, 209, 210, 245 e 246 (cf. documentos n.ºs 3, 4, 5, 6, 9, 10, 13, 15, 16, 17, 18 e 19, juntos com a petição inicial), conforme recibos n.ºs 2/2014; 3/2014; 4/2014; emitidos pela Autora, com data de 17-01-2014 (cf. doc. n.ºs 51 e 62 juntos com a petição inicial); janeiro de 2015 - fatura n.º 74 (cf. documento n.º 7 junto com a petição inicial), conforme recibo n.º 43, emitido pela Autora, com data de 30-10-2015 (cf. doc. n.º 63 junto com a petição inicial); - por acordo; cf. documentação junta com a petição inicial; No período compreendido entre julho de 2010 e 03-02-2014, a Banco 1..., S.A. cobrou à Autora determinadas quantias referentes a encargos, designadamente relativos a imposto de selo, juros de adiantamento, juros de adiant. Postecipado e comissão, sendo que, no tange concretamente ao ano de 2014, foram cobradas as seguintes quantias: [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] Mais consta do probatório que a Autora/recorrente instaurou a presente ação administrativa, via correio eletrónico, em 03-03-2017, e que o Réu MUNÍCIPIO foi citado para a ação em 08-09-2017. Vejamos. A disciplina legal da cessão financeira ou factoring encontra-se plasmada no Decreto-Lei nº 171/95, de 18 de Julho. Nos termos deste regime legal, a actividade de factoring ou cessão financeira consiste, principalmente, na aquisição de créditos a curto prazo, derivados da venda de produtos ou da prestação de serviços, nos mercados interno e externo (cf. artigo 2º, nº 1). Na álea do contrato de factoring, coexistem a entidade que exerce a actividade de factoring - o factor ou cessionário -, o interveniente que ceda créditos ao factor – o aderente (ou facturizado) – e o terceiro devedor dos créditos cedidos pelo aderente ao factor – o devedor (cf. artigo 3º). No que tange aos requisitos formais deste negócio jurídico, o regime legal impõe que o contrato de factoring seja sempre celebrado por escrito e dele deve constar o conjunto das relações do factor com o respectivo aderente (cf. artigo 7º, nº 1) e, além disso, impõe que a transmissão de créditos ao abrigo de contratos de factoring seja acompanhada pelas correspondentes facturas ou suporte documental equivalente, nomeadamente informático, ou título cambiário (cf. artigo 7º, nº 2). O contrato de factoring consubstancia um contrato nominado e tipificado, de natureza bilateral – celebrado entre o aderente e o factor –, consensual – que só surge por vontade declarada das partes contratantes –, comutativa – dado que as partes assumem, na respectiva esfera jurídica, os efeitos advenientes do acordo contratual assumido – e onerosa – visto que o factor realiza uma prestação em troca de uma retribuição (cf. Acórdão do STJ, de 15-01-2013, proc. nº 345/03.8TBCBC.G1.S1). O contrato de cessão financeira ou factoring caracteriza-se pela circunstância de i) nascer com a aquisição, pelo factor, dentro de um prazo determinado, de créditos existentes na esfera jurídica do aderente ou de prestação de serviços; ii) mediante a aquisição de créditos não cobrados, o factor assumir-se como uma entidade que adianta meios financeiros ao cliente; iii) com a aquisição de instrumentos creditícios em dívida e de cobrança não certa, o factor assumir os riscos económicos e de actividade adstritos aos devedores dos créditos cedidos. No contrato de factoring, advêm para o factor as seguintes obrigações: i) adquirir os créditos (ou a prestação de serviços) nas condições contratualmente acordadas; ii) pagar ao aderente os créditos cedidos, de acordo com o plano de aquisição aprovado; iii) outorgar a antecipação de fundos ao aderente, pela forma convencionada; iv) proceder à cobrança dos créditos em cujos direitos se haja sub-rogado, de acordo e pela forma como o cedente havia estabelecido com o devedor. Já quanto ao aderente, decorrem do contrato as seguintes obrigações: i) informar o factor do comportamento dos devedores cedidos e contribuir para a cobrança dos créditos cedidos; ii) remeter ao factor o que tiverem pago directamente os devedores cedidos, a fim de cumprir o compromisso de reembolso pactuado; iii) ceder ao factor os documentos e instrumentos de conteúdo creditício objecto da aquisição (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 12-05-2016, proc. nº 084/15). O contrato de factoring, na falta de especificação no regime jurídico que regula as sociedades de factoring e o contrato de factoring, rege-se pelas suas cláusulas e, subsidiariamente, pelas regras da cessão de créditos, contempladas nos artigos 577º e seguintes do CC (cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 26-11-2015, proc. nº 09565/12). Por conseguinte, desde logo, embora o consentimento do devedor cedido não seja necessário para que se opere validamente a cessão financeira, o acordo só produz efeitos em relação a ele, nos termos do artigo 583º do CC, se lhe for notificada, ainda que extrajudicialmente, ou desde que aceite, de forma tácita ou expressa, a cessão de créditos operada. Ou seja, se os efeitos entre as partes, isto é, entre o factor e o facturizado, estão dependentes do tipo de negócio que serve de base à cessão, já em relação ao devedor cedido, que não tem de ser parte no contrato de factoring, a eficácia da cessão – e não, propriamente, a sua validade – depende da notificação ou da aceitação. O contrato de cessão financeira consiste numa simples modificação subjectiva, por substituição, no lado activo da relação jurídica obrigacional, permanecendo intacta a identidade objectiva do crédito, ou seja, sem efeitos inovatórios. Mais, sendo o devedor cedido estranho ao negócio que produz a cessão de créditos, não pode ele, em princípio, ser prejudicado pela modificação subjectiva do lado activo da relação jurídica, devendo poder opor ao cessionário as mesmas excepções que podia opor ao cedente. Acresce que, na falta de convenção em contrário, o crédito em que o factor fica investido é o mesmo que pertencia ao facturizado, transferindo-se todas as garantias e acessórios que não sejam inseparáveis da pessoa do facturizado, conforme deflui artigo 582º do CC. Daqui resulta que apenas o factor poderá reclamar o pagamento da factura, bem como o direito aos juros vincendos pelo eventual atraso verificado na respectiva liquidação, já que o direito ao juro por atraso no pagamento é um direito acessório que está acoplado ao direito de crédito cedido ao factor e que, portanto, só este terá legitimidade para invocá-lo junto do devedor, salvo convenção em contrário. No entanto, já assim não é quanto aos juros moratórios já vencidos, pois, salvo convenção negocial em sentido contrário, o artigo 561º do CC determina a sua autonomia relativamente ao crédito principal, designadamente, para efeitos de cessão, isto é, salvo estipulação em contrário, apenas se transmitem os juros de mora vencidos após a transmissão do crédito, podendo o cedente continuar a solicitar o pagamento dos juros de mora vencidos antes desse momento (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 19-01-2017, proc. nº 0484/16). Como se vê, o contrato de factoring vincula apenas as partes que o celebraram que, no caso em apreço, são a A. e a instituição de crédito. Quanto ao devedor, ora Réu/recorrido o mesmo foi informado pela A. por carta com data de 11-11-2009 da cedência de créditos que detinha sobre si e de que as facturas emitidas a partir de 10 de Fevereiro de 2009 deviam ser liquidadas directamente à Instituição de Crédito, em cumprimento da cláusula 12ª do contrato, tendo o R., em data não concretamente apurada, informado a Instituição de crédito que os valores titulados pelas faturas que se venciam entre os dias 15-07-2010 e 30-12-2010 e que se encontram identificadas na alínea E) do probatório, se encontravam confirmadas, “obrigando-se a fazer o seu integral pagamento à Banco 1..., S.A., nas datas dos respetivos vencimentos fixadas”. Por força desse contrato de factoring e tendo em conta o seu objecto, temos que, a obrigação contratual do R. perante a A., de pagamento das facturas em dívida e relativas a trabalhos executados no âmbito de obras executadas pela A., foi transferida para a instituição financeira, deixando de existir entre A. e R. uma relação de credor/devedor, passando a financeira a ser a credora de quantias a pagamento, em substituição da A./recorrente. Por outro lado, o contrato de factoring celebrado entre a A./recorrente e a financeira, consagrou determinadas obrigações de pagamento de encargos que a A. se comprometeu a pagar e que, agora, nesta sede, pretende imputar ao R./recorrido. Ora, a relação entre a A. e a financeira configura uma relação de cariz contratual fundada no contrato celebrado (relação creditícia), pelo que, em caso de incumprimento das obrigações emergentes do contrato de factoring, será à luz do instituto jurídico da responsabilidade civil contratual - art. 798º, do CC- que a questão será tratada. Por outro lado, a imputação da responsabilidade dos encargos que a A./recorrente assumiu perante a financeira e que quer imputar ao comportamento do R., em virtude de atraso no pagamento de facturas, tem enquadramento no instituto jurídico da responsabilidade civil extracontratual (artº 483º do CC), não emergindo directamente da violação de contrato celebrado entre A. e R. mas sim de alegado incumprimento do dever geral de pagamento pontual de créditos que terá produzido danos na esfera jurídica da A., traduzidos nos encargos que teve que suportar. Tanto a responsabilidade civil contratual como a responsabilidade civil extracontratual são fontes do direito de indemnizar. Como ensina Antunes Varela, “na rubrica da responsabilidade civil cabe tanto a responsabilidade proveniente da falta de cumprimento das obrigações emergentes dos contratos, de negócios unilaterais ou da lei (responsabilidade contratual), como a resultante da violação de direitos absolutos ou da prática de certos actos que, embora lícitos, causam prejuízos a outrem (responsabilidade extracontratual). (…) Apesar da nítida distinção conceitual existente entre as duas variantes da responsabilidade civil (uma, assente na violação de deveres gerais de abstenção, omissão ou não ingerência, correspondentes aos direitos absolutos; a outra resultante do não cumprimento, lato sensu, dos deveres relativos próprios das obrigações, incluindo os deveres acessórios de conduta, ainda que impostos por lei, no seio da complexa relação obrigacional), a verdade é que elas não constituem, sobretudo, na prática da vida, compartimentos estanques” (Das Obrigações em Geral, 10.ª ed., pp. 519 e ss.). Há diferenças nos dois regimes da responsabilidade a diversos níveis, salientando-se aqui, porque relevante para a decisão concreta a proferir, a que se prende com os prazos de prescrição (na responsabilidade contratual, o prazo de prescrição é em regra de vinte anos - art. 309.º; na responsabilidade extracontratual, o prazo de prescrição é de três anos - art. 498.º do Código Civil. Aqui chegados, decidido que a relação entre a A. e o R., que subjaz ao pedido condenatório formulado nos autos, é de cariz extracontratual ou extra obrigacional, já que não é ao abrigo do vínculo contratual que uniu a A. e o R. que vem formulado o pedido indemnizatório, vejamos se se verifica a prescrição do direito da A., como decidiu o Tribunal recorrido. Estabelece o nº1 do artigo 498º, nº 1, do CC o seguinte: “1. O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso”. A norma estabelece, pois, dois prazos prescricionais, com duração e momentos de início de contagem diversos. A prescrição ordinária de 20 anos (art. 309º do CC) conta-se desde o facto danoso, enquanto o prazo especial de três anos começa a correr a partir do momento “em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete”. Importa definir o que se deve entender por “conhecimento do direito que lhe compete”, pois daí depende a decisão do recurso. Os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual integram o facto voluntário, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano – artº 483º CC. Presentes estes pressupostos, o lesado tem direito a ser indemnizado pelos danos resultantes da lesão, em conformidade com o disposto no artigo 483º, nº 1, do CC, dentro do prazo de três anos, a contar da data em que teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos a exija. Segundo Antunes Varela o lesado tem conhecimento do seu direito «a partir da data em que ele, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito à indemnização pelos danos que sofreu». E, de harmonia com o mesmo autor, a lei tornou o início da contagem independente do conhecimento da extensão integral dos danos «atendendo à possibilidade de o lesado formular um pedido genérico de indemnização, cujo montante exacto será nesse caso definido no momento posterior da execução da sentença, quando não seja possível determinar logo a extensão exacta do dano». Ob. cit., págs. 586 e 587, Portanto, são dois os elementos que têm de estar reunidos para se poder afirmar que o lesado tem conhecimento do seu direito: a) Saber da existência dos pressupostos fácticos que fundamentam a responsabilidade civil que pretende exigir; b) Consciência da possibilidade legal de ser indemnizado pelos danos que sofreu, mesmo que ainda desconheça a extensão integral desses danos. Visto o enquadramento jurídico em termos abstractos, cumpre agora verificar, em concreto, quando a Autora tomou conhecimento do direito que exercitou nesta acção, pois é esse o momento em que se inicia a contagem do prazo de prescrição de três anos. Para a Recorrente, o facto ilícito é o pagamento das facturas largos meses e anos para além da data do seu vencimento; o dano é o prejuízo causado através dos encargos pesadíssimos que a autora se viu forçada a suportar; a contagem do prazo prescricional deve fazer –se a partir da data em que o Réu terminou de pagar as facturas vencidas entre julho e dezembro de 2010 que foi outubro de 2015; pelo que não tinha ainda decorrido o prazo prescricional quando, em 03/03/2017, propôs a acção e quando em 08/09/2017 o réu foi para a mesma citado. Para o Tribunal recorrido tal prazo “não pode ir para além do dia 28-02-2014 [que corresponde ao último dia do mês a que se reportam os encargos (mensalmente) cobrados cujo ressarcimento a Autora pretende; sendo certo que os últimos encargos foram cobrados em 03-02- 2014 e que a data da emissão do documento de cobrança de tais encargos reporta-se ao dia 10- 02-2014, conforme se retira da alínea H) do elenco da Matéria de Facto]. (…) Reportando-se, no caso, os alegados prejuízos/danos sofridos pela Autora/ADERENTE a «encargos» (designadamente «comissões», «juros de adiantamento» e «imposto de selo») que lhe foram cobrados pelo Banco 1... entre julho de 2010 e 03-02-2014, no quadro do CONTRATO DE FACTORING, tendo a citação do Réu ocorrido no dia 08-09-2017 (artigo 323.º, n.º 1 do CC), verifica-se a prescrição do direito de indemnização ora invocado”. In casu, o alegado facto ilícito que origina o pedido indemnizatório advém da circunstância do R. não ter procedido ao pagamento das facturas nas respectivas datas de vencimento (entre os dias 15/7/2010 e 30/12/2010) nem no período adicional de 60 dias, tendo sido pagas em [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] Pelo que, mensalmente a instituição financeira passou a debitar à A. os juros e demais encargos inerentes ao contrato de factoring, situação que se prolongou durante quatro anos (de 2010 a 3/2/2014) Portanto, é indiscutível que a Autora, senão antes, pelo menos, a partir de 3/2/2014, tinha perfeito conhecimento que teria de suportar os encargos que a financeira lhe cobrava e que advinham do comportamento do R. traduzido em atraso no pagamento de facturas, estando em tal data ciente dos prejuízos que, por isso, teria de suportar, sendo absolutamente irrelevante para este efeito a data em que efetivamente foram pagas as facturas, não sendo este o momento que releva para o conhecimento do direito que a A. exercitou nesta acção. Sendo assim, a Recorrente em tal data, reunia os pressupostos fácticos que fundamentam o pedido indemnizatório que peticiona na acção, estando perfeitamente consciente da possibilidade legal de ser indemnizada, nos termos em que veio a intentar a acção. Consequentemente, é manifesto que, na data em que foi intentada a acção- 03-03-2017 – já se mostrava integralmente decorrido o prazo de prescrição de três anos, prazo esse contado a partir do momento em que teve conhecimento do direito que lhe assistia que, senão antes, corresponde ao último período temporal (3/2/2014) em que a instituição financeira debitou à A. os juros e demais encargos inerentes ao contrato de factoring. * Sustenta ainda a recorrente que a sentença recorrida andou mal ao dar como provada na alínea F) da sentença, com fundamento em confissão, que a factura nº 74 foi paga pelo Réu Município em janeiro de 2015, pois, conforme recibo nº 43 emitido pela Autora com data de 30-10-2015 (cfr. doc. nº 63 junto com a petição inicial), esse pagamento ocorreu em outubro de 2015, motivo pelo qual se impugna esta parte da matéria assente em F). Não há confissão, pois, por um lado, verifica-se que a data de pagamento em causa não só não foi aceite especificamente pelo réu, como, bem pelo contrário, o réu não impugnou o documento nº 63 junto com a PI, ou seja, o recibo atinente à factura 74 de 30 de outubro de 2015. Donde, a factualidade alegada – pagamento em janeiro de 2015 – podia ser retirada, como foi, pela autora quando, nos itens 3º e 21º da réplica a autora afirmou perentoriamente que a última fatura, com o nº 74, foi paga em outubro de 2015. A sentença violou, portanto, os artigos 46º e 465º, nº 2 CPC que permitem a neutralização da confissão enquanto a parte contrária não a tiver aceitado especificadamente. Assim, sempre deve ser modificada a resposta à matéria de facto, de forma a que conste que a data de pagamento da fatura nº 74 foi outubro de 2015. Vejamos. Na sentença recorrida, da alínea F) do probatório consta, entre o mais, F) – As faturas indicadas na alínea D) foram pagas pelo Réu MUNICÍPIO em: (…) janeiro de 2015 - fatura n.º 74 (cf. documento n.º 7 junto com a petição inicial), conforme recibo n.º 43, emitido pela Autora, com data de 30-10 -2015 (cf. doc. n.º 63 junto com a petição inicial); - por acordo; cf. documentação junta com a petição inicial. Da motivação da sentença recorrida extrai-se o seguinte: “no que toca à fatura n.º 74, a que se faz referência na alínea F) do probatório, o que ficou provado, por acordo - porque assim alegado pela Autora e não impugnado especificadamente pelo Réu MUNÍCIPIO - é que a fatura n.º 74 foi paga em janeiro de 2015, sendo que a data de 30-10-2015, refere-se à data de emissão do recibo n.º 43 (sendo que a data de emissão do recibo não se confunde com a data de pagamento)”. Estabelece o art. 640º, nº 1 do CPC que, quando “seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”. Assim, deve o recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, para além de delimitar os concretos pontos da decisão que pretende questionar, deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada. No caso em apreço, não há dúvida que a recorrente cumpre o ónus de impugnação, nos termos fixados no artº 640º do CPC, tendo indicado nas suas conclusões de recurso o concreto ponto de facto que considera incorrectamente provado; os concretos meios probatórios que imporiam decisão diferente; a decisão que, no seu entender, se impunha. Mas será que, existe fundamento para a prendida alteração do teor do Facto F), indo de encontro à fixação do facto F) de acordo com o pretendido pelo recorrente, isto é, “a factura nº 74 foi paga pelo Réu Município em Outubro de 2015 ao invés de Janeiro de 2015”? Julgamos que não. A impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto e a eventual alteração do julgamento feito pelo Tribunal de 1ª instância tem como finalidade modificar o julgamento feito sobre os factos que se consideram incorretamente julgados, modificação essa que, de alguma forma, tem que afectar a solução jurídica dada ao caso. Neste sentido, v. p. ex Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 2/11/2017 processo 501/12.8TBCBC.G1, em cujo sumário se pode ler: “II. Por força dos princípios da utilidade, da economia e da celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objecto da impugnação for(em) insusceptível(eis) de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter(em) relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil (arts. 2º, n.º 1 e 130º, ambos do C.P.C.)”. Mais se extrai do referido Acórdão: “Veio, porém, a jurisprudência precisar ainda que a impugnação da decisão de facto não se justifica a se, de forma independente e autónoma da decisão de mérito proferida, assumindo antes um carácter instrumental face à mesma. Com efeito, a «impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, consagrada no artigo 685.º-B [do anterior C.P.C.], visa, em primeira linha, modificar o julgamento feito sobre os factos que se consideram incorretamente julgados. Mas, este instrumento processual tem por fim último possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada, para, face à nova realidade a que por esse caminho se chegou, se possa concluir que afinal existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu; ou seja, que o enquadramento jurídico dos factos agora tidos por provados conduz a decisão diferente da anteriormente alcançada. O seu efetivo objetivo é conceder à parte uma ferramenta processual que lhe permita modificar a matéria de facto considerada provada ou não provada, de modo a que, por essa via, obtenha um efeito juridicamente útil ou relevante» (Ac. da RC, de 24.04.2012, Beça Pereira, Processo nº 219/10, com bold apócrifo). Logo, «por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objeto da impugnação for insuscetível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente» (Ac. da RC, de 27.05.2014, Moreira do Carmo, Processo nº 1024/12, com bold apócrifo). Por outras palavra, se, «por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for, "segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito", irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a atividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente. Quer isto dizer que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objeto da impugnação não for suscetível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual consagrados nos artigos 2.º n.º 1, 137.º e 138.º.» (Ac. da RC, de 24.04.2012, Beça Pereira, Processo nº 219/10, com bold apócrifo. No mesmo sentido, Ac. da RC, de 14.01.2014, Henrique Antunes, Processo nº 6628/10). In casu tendo sido decidido que o momento relevante para determinar o início da contagem do prazo de prescrição do direito indemnizatório peticionado na acção, correspondia ao momento em que a financeira reclamou da A. o pagamento de encargos estabelecidos no contrato de factoring, sendo absolutamente irrelevante para este efeito a data em que efectivamente foram pagas as facturas, é evidente que a alteração pretendida pela recorrente à matéria de facto – passar a constar que a factura nº74 foi paga em outubro de 2015 e não em janeiro de 2015 - não tem qualquer relevo para a solução jurídica a dar ao caso, pelo que, ainda que fosse procedente a pretendida alteração da matéria de facto, seria insuscetível de, face às circunstâncias concretas, ter qualquer destaque jurídico para a solução da causa ou mérito do recurso e, assim, a ocorrer, representaria actividade processual inútil. Nessa medida, também tem que improceder este segmento do recurso interposto. * IV. DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Administrativa, subsecção de Contratos Públicos, do Tribunal Central Administrativo Norte, em, negar provimento ao recurso, confirmando-se, assim, a sentença recorrida; Custas pela Recorrente (artº 527º, nºs 1 e 2 do CPC). Notifique. Porto, 11 de Outubro de 2024. Maria Clara Ambrósio Tiago Afonso Lopes de Miranda Ricardo de Oliveira e Sousa |