Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02359/10.2BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/17/2022
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:REVERSÃO DA EXECUÇÃO, PRESSUPOSTOS,
CULPA, ÓNUS DA PROVA, IVA,
RETENÇÕES NA FONTE IRS, IRC, QUESTÃO NOVA
Sumário:I - No domínio da vigência da LGT, para afastar a responsabilidade subsidiária pelas dívidas de impostos cujo termo do prazo para pagamento ou entrega terminou durante o período da sua administração, é necessária a demonstração de que não é imputável aos gerentes ou administradores das sociedades a falta de pagamento ou de entrega do imposto (artigo 24.º, n.º 1, alínea b), da LGT).
II - Assim, ao gerente que exercia funções na data em que deveria ter sido entregue o imposto não basta, em sede de oposição à execução fiscal, alegar que a empresa atravessava dificuldades económicas provocadas por motivos exógenos, que ele se esforçou por ultrapassar, e que foi um gestor diligente.
III - Haverá, isso sim, que demonstrar que a falta desse pagamento não lhe foi imputável, o que passa pela demonstração da falta de fundos da sociedade originária devedora para efectuar o pagamento e que tal falta se não deve a qualquer omissão ou comportamento censuráveis do gestor.
IV - A dúvida relativamente à verificação da culpa dos gestores, pela falta de pagamento dos impostos cujo pagamento ou entrega devesse ter sido feito durante o período em que exerceram funções de gestão, sempre terá de ser valorada contra o oponente.
Recorrente:AA
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Execução Fiscal - Oposição - 1ª espécie - Recursos jurisdicionais [Desp. 11/2016]
Decisão:Decisão: negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Foi emitido parecer no sentido de o recurso merecer provimento.
1
Decisão Texto Integral:AA, contribuinte fiscal n.º 13....20, melhor identificado nos autos, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 30/05/2014, que julgou parcialmente procedente a oposição por si deduzida, na qualidade de revertido, contra a execução fiscal n.º 18...6094 e apensos, a correr termos no Serviço de Finanças de ..., instaurada originariamente contra a sociedade “R..., Lda.”, pessoa colectiva n.º ..., para cobrança da quantia global de €172.340,53, respeitante a dívidas de IVA, IRC e IRS, bem como a coimas pela prática de contra-ordenações fiscais, relativas ao período de 2000 a 2007.
Na pendência da presente oposição, por despacho do órgão de execução fiscal proferido em 26/07/2010, as dívidas de IVA e juros compensatórios de Outubro de 2000 foram declaradas prescritas, pelo que a quantia exequenda totalizava, à data do envio do processo para o tribunal recorrido, o valor global de €170.366,73.
Desde já se adianta somente serem objecto do presente recurso as dívidas respeitantes a IVA dos anos de 2001 a 2005, IRC dos exercícios de 2001 a 2004 e IRS retido na fonte dos anos de 2001 a 2003, uma vez que o tribunal recorrido julgou procedente a presente Oposição no que tange às coimas fiscais; mostrando-se indicado como valor do recurso €151.334,99.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
“1 – O presente recurso vem interposto em matéria de facto e em matéria de direito;
2 – Por uma mera questão de sistemática cabe invocar-se a falta de fundamentação do despacho de reversão que determinou o prosseguimento da execução contra o recorrente;
3 – Constando da notificação do despacho de reversão, sob a epígrafe “fundamentos”
• Inexistência ou insuficiência de bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão (art.º 23.º n.º 2 da LGT);
• Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão de pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo (art.º 24.º n.º 1 al. b) LGT)
E ainda
Tendo em vista a informação que antecede, revertam-se as dívidas contra os responsáveis subsidiários BB, CC e AA.”
Constando da referida informação que antecede apenas o indeferimento de uma invocada prescrição e de que o nome dos revertidos é o que consta no registo comercial, deve este despacho ser havido como ilegal por falta de fundamentação.
4 – Na verdade, não consta desse despacho, em contradição com as disposições legais aplicáveis, fundadamente, quais são os factos que permitem concluir pela insuficiência de bens penhoráveis, [quais foram as diligências que permitiram concluir por tal insuficiência e porque é que e em que medida é que a actuação dos gerentes/ administradores da recorrente, concorreram com a sua actuação, para a verificação de tal insuficiência];
5 – Por outro lado, a alusão que se faz na carta de citação quanto aos fundamentos da reversão se traduz numa mera reprodução do texto da lei, na redacção em vigor à data da notificação designadamente o art.º 23.º n.º 2 e 24.º n.º 1 al. b), ambos da LGT e, como tal, não preenche os requisitos de fundamentação previstos por lei;
6 – Também não se extrai desse despacho a necessária demonstração do exercício de facto, por parte do recorrente, de actos de administração ou gerência, prejudiciais aos património da sociedade ou geradores da sua insuficiência, para ocorrer aos tributos em dívida, ou seja, não está alegada a gerência de facto, não bastando para o efeito a mera indicação do teor das matrículas da sociedade em vigor na Conservatória de Registo Comercial competente;
7 A inobservância do dever de fundamentar – como sucede no caso vertente - consubstancia a violação do conteúdo essencial de um direito fundamental, que tem como consequência nulidade do acto administrativo com a decorrente e necessária declaração de ilegalidade;
8 Mas se assim se não entendesse, sempre se afigura caber o entendimento de que a fundamentação do acto administrativo constitui conteúdo essencial de um direito fundamental, constitucionalmente previsto, pelo que a sua omissão determina a verificação de nulidade com igual consequência;
9 Em todo o caso a ilegalidade decorrente da falta de fundamentação do despacho de reversão, pela gravidade e importância de que se reveste, não pode deixar de ser valorada contra a Autoridade tributária para efeito da sua declaração de invalidade;
10 Assim, a decisão de reversão está ferida de invalidade, que como tal deve ser declarada, determinando-se, em consequência, a extinção da execução fiscal a que se referem os presentes autos, relativamente ao aqui recorrente.
11 O facto dado como provado em H. dos factos provados deve ser alterado ficando apenas provado de modo a conter apenas os dizeres H. “A sociedade referida em a) teve sempre um número reduzido de funcionários, nunca teve património imóvel, possuindo mobiliário de escritório e equipamento informático;” de acordo com o que resulta dos seguintes depoimentos: DD de 20-03-2014, volta 00:06:05 e depoimento de EE de 20-03-2014, volta 00:44:00 a 00:44:21;
12 A questão em apreço não é despicienda, revestindo-se de importância para efeito de, com rigor, se fixar de que modo é composto o património da devedora e, no que se reporta à adequação da decisão de reversão, à apreciação da prova de que o recorrente tudo fez para evitar que esse património se tornasse insuficiente para garantir o pagamento de dívidas exequendas, ou seja, de que modo agiu de modo a que este património diminuísse;
13. Atenta a prova produzida, deveriam ter sido julgados provados os seguintes factos com base nos elementos de prova que a seguir se indicam:
J. A devedora exerceu a sua actividade sempre com dificuldades de tesouraria (do alegado em 39 da oposição)
Depoimento da testemunha DD de 20-03-2014, volta 00:10:06 a 00:13:17
K. A empresa começou a não conseguir cobrar dos seus clientes, quer os serviços prestados quer o material fornecido.
Depoimento da testemunha DD de 20-03-2014, volta 00:11:23 a 00:12:35 Depoimento da testemunha EE de 20-03-2014, volta 00:45:16 a 00:45:45 e volta 00:48:30 a 00:49:42
L. Sobretudo referente a empreitadas executadas para entidades públicas, a empresa tinha dificuldades no recebimento atempado dos serviços executados nessas empreitadas.
Depoimento da testemunha DD de 20-03-2014, volta 00:10:06 a 0013:17
Depoimento da testemunha EE de 20-03-2014, volta 00:45:16 a 00:45:45
M. Apesar da situação de dificuldade em que se encontrava, procurou sempre cumprir junto dos seus fornecedores e dos poucos funcionários que prestavam trabalho para a empresa e o dinheiro que entrava era canalizado para pagar dívidas da empresa.
Depoimento da testemunha DD de 20-03-2014, volta 00:14:44 a 00:16:27
Depoimento da testemunha DD de 20-03-2014, volta 00:17:03 a 00:17:40
N. Foi neste contexto económico que o aqui oponente contraiu vários empréstimos junto da Banca, para fazer face a necessidades da empresa
Depoimento da testemunha DD de 20-03-2014, volta 00:17:44 a 00:18:46
Depoimento da testemunha EE de 20-03-2014, volta 00:47:57 a 00:48:00
O. Tendo os empréstimos supra referidos sido amortizados também pelo aqui oponente.
Depoimento da testemunha DD de 20-03-2014, volta 00:19:02 a 00:19:13
P. Que com o intuito de “salvar” a empresa, deixou várias vezes de retirar o seu salário;
Depoimento da testemunha DD de 20-03-2014, volta 00:20:44 a 00:23:00
Depoimento da testemunha EE de 20-03-2014 volta 00:52:20 a 00:53:00
Q. O oponente pagou muitas dívidas a fornecedores da sociedade executada (incluindo ao Estado).
Depoimento da testemunha DD de 20-03-2014, volta 00:20:00 a 00:20:39
Depoimento da testemunha EE de 20-03-2014 volta 00:50:27 a 00:52:20
Depoimento da testemunha FF de 20-03-2014 volta 01:15:53 a 01:19:26.
R. Baixou significativamente o seu nível de vida, com o intuito de superar a situação que se julgava temporária.
Depoimento da testemunha DD de 20-03-2014, volta 00:23:00 a 00:24:00
Depoimento da testemunha FF de 20-03-2014 volta 01:19:36 a 01:20:10
S. Só a um credor pagou cerca de cem mil euros.
Depoimento da testemunha GG de 20-03-2014, volta 01:07:00 a 01:08:50
T. Sempre expectante quanto ao futuro, e na ânsia de que melhores dias chegassem.
Depoimento da testemunha DD de 20-03-2014, volta 00:06:22 a 00:07:35
Depoimento da testemunha EE de 20-03-2014, volta 00:53:40 a 00:54:12
14. Desde o início da actividade da devedora o seu património era exíguo – considerando o facto provado em H. com a modificação propugnada pelo recorrente, pelo que naturalmente, o património da devedora não se tornou insuficiente por culpa do recorrente;
15. O recorrente logrou demonstrar que o não pagamento da dívida exequenda não ocorreu por culpa sua;
16 Na verdade não actuou o recorrente com dolo;
17 A devedora nunca libertou meios suficientes que lhe permitissem desafogo de tesouraria;
18 O recorrente disponibilizou capital de mais de Eur 125.000,00 à devedora para que esta se mantivesse em laboração;
19 Como tal nunca agiu com o propósito de não pagar nem retirou benefícios patrimoniais desse não pagamento;
20 Esta conclusão extrai-se dos factos por cuja alteração – de modo a que passem a figurar como factos provados, por serem relevantes – estão descritos de J. a T. e respectivo suporte probatório, sustentando nos depoimentos das testemunhas apontados;
Normas Jurídicas Violadas:
n.º 3 do art.º 268.º da Constituição da República Portuguesa
art.º 133.º n.º 1- 1.ª parte do Código de Procedimento Administrativo al. d) do n.º 1 do art.º 133.º do Código de Procedimento Administrativo
art.º 24.º n.º 1 al.s a) e b) LGT
Termos em que, revogando-se a douta decisão, substituindo-se a mesma por outra que determine a extinção da execução relativamente ao recorrente, se fará inteira e cabal justiça!”
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Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de o recurso merecer provimento.
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Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; submete-se o processo à Conferência para julgamento.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito, ao julgar o revertido parte legítima na execução fiscal, por não ter demonstrado não lhe ser imputável a falta de pagamento das dívidas exequendas, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“Factos Provados:
A. O processo de execução fiscal nº 18...6094 foi instaurado pelo Serviço de Finanças de ..., contra a sociedade “R..., Lda.” para cobrança coerciva da quantia de € 170.366,73 (cento e setenta mil e trezentos e sessenta e seis euros e setenta e três cêntimos) referente a IVA dos anos de 2001 a 2005, IRC dos exercícios de 2001 a 2004, IRS retido na fonte dos anos de 2001 a 2003 e coimas fiscais – cfr. fls. ;
B. Pelo ofício nº 15896 enviado por carta com o registo nº RM5...05PT foi o Oponente notificado para querendo exercer o seu direito de audição prévia à reversão – cfr. fls. 40 a 42;
C. A 23 de Setembro de 2009 foi proferido despacho de reversão contra o Oponente, o qual se considera aqui integralmente reproduzido, assim como informação que lhe antecede – cfr. fls. 43 e 44;
D. O Oponente foi citado por reversão, por carta registada com aviso de recepção assinado pelo Oponente a 30 de Setembro de 2009 – cfr. fls. 46 e 47;
E. As dívidas de IVA do ano de 2000 e os juros compensatórios de Outubro de 2010 Ocorre certamente lapso de escrita, pois deveria estar escrito 2000. foram declaradas prescritas a 26 de Julho de 2000 Ocorre igualmente lapso de escrita, pois queria ter-se escrito 2010. – cfr. fls. 151;
F. A sociedade referida em A), tinha como objecto a prestação de serviços e fornecimento de instalações na área de tratamento de águas residuais;
G. A sociedade referida em A) utilizava espaço arrendado;
H. A sociedade referida em A) teve sempre um número reduzido de funcionários e nunca teve património imóvel, possuindo mobiliário de escritório e equipamento informático e dois veículos automóveis que eram utilizados;
I. Os presente autos deram entrada a 29 de Outubro de 2009.
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Factos não provados
Para a decisão da causa, sem prejuízo das conclusões ou alegações de matéria de direito produzidas, de relevante, nada mais se provou.
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Fundamentação da matéria de facto:
A decisão da matéria de facto, consonante ao que acima ficou exposto, efectuou-se com base nos documentos e informações constantes do processo e no depoimento das testemunhas inquiridas em Tribunal.
Assim no que se refere às testemunhas DD, HH, II e JJ depuseram todos eles, atenta a forma desinteressada, coerente e sem contradições entre eles, de forma credível perante o Tribunal. Os factos provados E) a H) resultou do depoimento das referidas testemunhas.
Nessa medida, convenceram o Tribunal da bondade do trato social e boas intenções do Oponente na sua actuação empresarial mas que contudo, na prática, se revelou sempre desastrosa na gestão da sociedade devedora originária. Comportamento esse que se arrastou durante anos e do qual resultou a opção de não entregar os impostos devidos ao Estado e até em utilizar o recebimento de IVA em pagamento de salários.”

2. O Direito

O Recorrente começa por invocar a invalidade do despacho de reversão, afirmando que tal decisão de reversão não cumpriu com as exigências de fundamentação impostas pelo n.º 3 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa, gerando a sua nulidade, sendo que, tendo em conta o vício em questão, tal invocação seria passível de ser arguida por qualquer interessado a todo o tempo – cfr. conclusões 1 a 10 das alegações do recurso.
Sustenta, portanto, que a fundamentação do acto administrativo é elemento essencial do acto, sendo a sua omissão, como ocorre no caso vertente, a preterição de um elemento essencial do acto administrativo gerando a nulidade do mesmo, nos termos do disposto no artigo 133.º, n.º 1, primeira parte do Código de Procedimento Administrativo. Assim não se entendendo, defende que sempre a fundamentação do acto administrativo constitui conteúdo essencial de um direito fundamental, constitucionalmente previsto.
Ora, independentemente da natureza da invalidade presente nesta alegação do Recorrente, como resulta dos autos, trata-se aqui de uma questão nova, suscitada pela primeira vez, nesta sede recursiva.
Efectivamente, na petição inicial, resulta claro que o oponente só suscitou as questões da “ilegitimidade da pessoa citada, por esta não ser o próprio devedor que figura no título, gerando inexequibilidade do mesmo”, resvalando, depois, para a prova da culpa do responsável subsidiário, pugnando pela “ausência de culpa”; da “prescrição das dívidas exequendas”; “a falta de notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade”; e da “duplicação de colecta”.
Como decorre do disposto no n.º 2 do artigo 608.º do CPC, «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras».
Realmente, a questão da falta de fundamentação da decisão de reversão, como questão nova, não pode ser conhecida em sede recursiva.
Como é jurisprudência pacífica do STA, reiterada em vários acórdãos, com excepção das que sejam de conhecimento oficioso, não pode em sede de recurso conhecer-se de questões novas, ou seja, de questões que não tenham sido objecto da sentença, pois os recursos jurisdicionais destinam-se a reapreciar as decisões proferidas pelos tribunais inferiores – visando anulá-las ou alterá-las com fundamento em vício de forma (nulidade) ou de fundo (erro de julgamento) – e não a decidir questões que, podendo e devendo ter sido suscitadas antes, o não foram.
Neste sentido, entre muitos outros, pode ver-se o acórdão do STA, de 27/01/2016, proferido no âmbito do processo n.º 043/16, que contém vasta referência jurisprudencial.
Não obstante a qualificação que o Recorrente realiza do vício de falta de fundamentação, enquanto gerador de invalidade, a verdade é que a falta de fundamentação não é matéria de conhecimento oficioso deste tribunal.
Assim, não é possível tomar conhecimento desta questão, sendo, contudo, de avançar para a análise das restantes questões colocadas no recurso e que foram objecto da sentença recorrida.

A questão que foi decidida no tribunal recorrido e que cumpre apreciar é a de saber se o Recorrente é parte legítima na execução fiscal, por não ter demonstrado não lhe ser imputável a falta de pagamento das dívidas exequendas.
Nas conclusões 11 e 12 das alegações do recurso, o Recorrente impugna a decisão da matéria de facto, nomeadamente, a matéria vertida no ponto H:
“A sociedade referida em A) teve sempre um número reduzido de funcionários e nunca teve património imóvel, possuindo mobiliário de escritório e equipamento informático e dois veículos automóveis que eram utilizados.”
Alerta o Recorrente que a questão em apreço não é despicienda, revestindo-se de importância para efeito de, com rigor, se fixar de que modo é composto o património da devedora e, no que se reporta à adequação da decisão de reversão, à apreciação da prova de que o recorrente tudo fez para evitar que esse património se tornasse insuficiente para garantir o pagamento de dívidas exequendas.
Pugna o Recorrente que o facto dado como provado no ponto H. do probatório deve ser alterado ficando provado de modo a conter somente a seguinte matéria: H. “A sociedade referida em a) teve sempre um número reduzido de funcionários, nunca teve património imóvel, possuindo mobiliário de escritório e equipamento informático.”
Para sustentar tal alteração, o Recorrente indicou os seguintes meios probatórios: os depoimentos testemunhais prestados em 20/03/2014 por DD, registado nos minutos 00:06:05, e por EE, na volta 00:44:00 a 00:44:21.
Com efeito, na petição de oposição tal matéria não havia sido exactamente invocada como foi vertida no probatório, alegando-se, no seu artigo 38.º, que a empresa detinha em regime de locação financeira dois veículos automóveis que eram utilizados pelos gerentes e assalariados da empresa, o que, para o efeito pretendido, é substancialmente diferente de se ter apurado que a empresa possuía dois veículos automóveis que eram utilizados. Efectivamente, não se logrou provar que a empresa fosse proprietária de dois veículos automóveis, pelo que essa parte final do ponto H não deverá manter-se no probatório.
Por outro lado, o ponto H encerra um juízo de valor ao aí se afirmar que a sociedade sempre teve um reduzido número de funcionários, sendo vago e genérico ao não concretizar os bens de que, afinal, a empresa seria proprietária. Na verdade, a alegação é globalmente genérica, sendo que se o Recorrente pretendia, com rigor, fixar de que modo é composto o património da devedora, manifestamente não logrou alcançar tal desiderato, dado desconhecer-se a real dimensão da empresa, quantos seriam os seus funcionários e quais seriam os seus equipamentos. Pelo que o ponto H, tal como se mostra formulado, se revela sumariamente inútil, não atingindo o préstimo desejado pelo Recorrente, devendo ser eliminado do probatório, por não consubstanciar factos simples, concretos, que reflictam, efectivamente, a realidade da vida da empresa devedora originária, nomeadamente, no concernente aos seus recursos humanos e materiais.
Na conclusão 13 das alegações do recurso, o Recorrente, atenta a prova produzida, solicita um aditamento à decisão da matéria de facto, alegando que deveriam ter sido julgados provados os seguintes factos com base nos elementos de prova que a seguir se indicam:
J. A devedora exerceu a sua actividade sempre com dificuldades de tesouraria.
Depoimento da testemunha DD de 20-03-2014, volta 00:10:06 a 00:13:17
K. A empresa começou a não conseguir cobrar dos seus clientes, quer os serviços prestados quer o material fornecido.
Depoimento da testemunha DD de 20-03-2014, volta 00:11:23 a 00:12:35 Depoimento da testemunha EE de 20-03-2014, volta 00:45:16 a 00:45:45 e volta 00:48:30 a 00:49:42
L. Sobretudo referente a empreitadas executadas para entidades públicas, a empresa tinha dificuldades no recebimento atempado dos serviços executados nessas empreitadas.
Depoimento da testemunha DD de 20-03-2014, volta 00:10:06 a 0013:17
Depoimento da testemunha EE de 20-03-2014, volta 00:45:16 a 00:45:45
M. Apesar da situação de dificuldade em que se encontrava, procurou sempre cumprir junto dos seus fornecedores e dos poucos funcionários que prestavam trabalho para a empresa e o dinheiro que entrava era canalizado para pagar dívidas da empresa.
Depoimento da testemunha DD de 20-03-2014, volta 00:14:44 a 00:16:27
Depoimento da testemunha DD de 20-03-2014, volta 00:17:03 a 00:17:40
N. Foi neste contexto económico que o aqui oponente contraiu vários empréstimos junto da Banca, para fazer face a necessidades da empresa.
Depoimento da testemunha DD de 20-03-2014, volta 00:17:44 a 00:18:46
Depoimento da testemunha EE de 20-03-2014, volta 00:47:57 a 00:48:00
O. Tendo os empréstimos supra referidos sido amortizados também pelo aqui oponente.
Depoimento da testemunha DD de 20-03-2014, volta 00:19:02 a 00:19:13
P. Que com o intuito de “salvar” a empresa, deixou várias vezes de retirar o seu salário.
Depoimento da testemunha DD de 20-03-2014, volta 00:20:44 a 00:23:00
Depoimento da testemunha EE de 20-03-2014 volta 00:52:20 a 00:53:00
Q. O oponente pagou muitas dívidas a fornecedores da sociedade executada (incluindo ao Estado).
Depoimento da testemunha DD de 20-03-2014, volta 00:20:00 a 00:20:39
Depoimento da testemunha EE de 20-03-2014 volta 00:50:27 a 00:52:20
Depoimento da testemunha FF de 20-03-2014 volta 01:15:53 a 01:19:26.
R. Baixou significativamente o seu nível de vida, com o intuito de superar a situação que se julgava temporária.
Depoimento da testemunha DD de 20-03-2014, volta 00:23:00 a 00:24:00
Depoimento da testemunha FF de 20-03-2014 volta 01:19:36 a 01:20:10
S. Só a um credor pagou cerca de cem mil euros.
Depoimento da testemunha GG de 20-03-2014, volta 01:07:00 a 01:08:50
T. Sempre expectante quanto ao futuro, e na ânsia de que melhores dias chegassem.
Depoimento da testemunha DD de 20-03-2014, volta 00:06:22 a 00:07:35
Depoimento da testemunha EE de 20-03-2014, volta 00:53:40 a 00:54:12

Verificamos que esta matéria se encontra alegada na petição de oposição, entendendo o Recorrente que a mesma não ficou, como devia, a constar da fundamentação da matéria dada como provada e que, igualmente, não foi valorada na apreciação da culpa do Recorrente.
Importa, desde já, salientar que, apesar de esta matéria se encontrar invocada nos artigos 39.º, 43.º, 44.º, 47.º a 50.º, 52.º, 53.º, 54.º, 55.º, 56.º, 57.º e 58.º da petição inicial, consubstancia uma alegação genérica, sem que se mostrem individualizados factos concretos, só estes susceptíveis de produção de prova. Alguns apresentam-se sob a forma de conclusões, tratando-se de ilações de facto que poderiam, eventualmente, ser extraídas de factos simples.
Efectivamente, não basta alegar que a sociedade devedora originária exerceu a sua actividade sempre no limite da solvabilidade, que nunca gerou lucros suficientes para que pudessem ser distribuídos, importaria demonstrar, em concreto, os problemas de tesouraria e alegar e provar que no momento em que teve que pagar os impostos aqui em dívida não tinha, de facto, liquidez, revelando, concretizadamente, o alcance e dimensão dos problemas de tesouraria – cfr. artigos 39.º e 40.º da petição de oposição.
Também não é susceptível de prova a alegação vaga de que começou a não conseguir cobrar dos seus clientes, quer os serviços prestados quer o material fornecido, sobretudo referente a empreitadas executadas para entidades públicas, sem que tivesse indicado um desses clientes – cfr. artigos 43.º e 44.º da petição de oposição.
O mesmo é válido para a invocação de que contraiu vários empréstimos junto da Banca, uma vez que não os identificou em concreto, nem temporalmente nem quanto aos montantes envolvidos, sendo, portanto, impossível relacioná-los com eventual amortização realizada pelo próprio oponente – cfr. artigos 52.º e 53.º da petição inicial.
Continua a ser genérica a restante alegação na petição de oposição, pois não individualiza em que período deixou de auferir o seu salário, quando pagou dívidas a fornecedores (sem que se mostrem identificados esses fornecedores), também não indicou o credor a que terá pago cem mil euros, etc – cfr. artigos 54.º a 58.º da petição de oposição. Note-se, todavia, que unicamente em sede de recurso o oponente deu a conhecer inovadoramente um valor, afirmando que usou fundos próprios para pagar dívidas a fornecedores para efeito de obstar ao colapso da devedora, num montante que ultrapassou os €125.000,00. Por outro lado, igualmente, não são susceptíveis de produção de qualquer prova os juízos de valor como ter baixado “significativamente o seu nível de vida” ou estar expectante quanto ao futuro e na ânsia de que melhores dias chegassem.
As partes devem invocar factos simples, dado que somente sobre estes poderá incidir a produção de prova e, depois, eventualmente, serem levados ao probatório. Nesta conformidade, os juízos de valor, as ilações de facto ou de direito e qualquer matéria que encerre conclusões não deverão integrar a decisão da matéria de facto, pelo que improcede, desde logo, a pretensão do Recorrente de aditar ao probatório matéria que condicione irremediavelmente o desfecho da causa. As conclusões devem ser retiradas pelo tribunal dos factos simples invocados e que se mostrem provados, num trabalho posterior de subsunção dos factos ao direito aplicável. E a verdade é que o Recorrente, na sua petição de oposição, não alegou quaisquer factos densificadores que pudessem permitir as diversas conclusões a que fomos aludindo a título de exemplo.
Por conseguinte, não admira que o tribunal recorrido não tenha valorado na apreciação da culpa do Recorrente esta matéria, realçando que este sempre deu preferência ao pagamento aos trabalhadores e aos fornecedores em detrimento da entrega de quantias devidas ao Estado no âmbito de pagamento de impostos.

Estabilizada a decisão da matéria de facto, vejamos como a sentença motivou a improcedência da oposição, na parte recorrida, após transcrever o disposto no artigo 24.º da LGT:
“(…) Ora, não resulta dos factos considerados provados, quaisquer factos dos quais se possa concluir pela ausência de culpa do Oponente na insuficiência patrimonial da devedora originária para proceder ao pagamento da quantia exequenda.
Na verdade, nos termos da alínea b) do nº 1, do artigo 24º da LGT, cabia ao Oponente fazer prova da ausência de culpa.
Porém, não resulta, como já se referiu, que nenhuma medida tenha sido tomada para garantir o cumprimento das obrigações fiscais, preferindo manter em actividade claramente de forma deficitária e recorrendo aos montantes devidos de impostos como forma de financiamento da própria actividade.
Conclui-se assim que a presente oposição é considerada improcedente também quanto a esta alegação do Oponente. (…)”
Aqui chegados, constatamos ser pacífico ter o Recorrente exercido a gerência da sociedade originária, dado tudo indicar existir correspondência entre a gerência de direito e a gerência de facto e tal nunca ter sido questionado. Logo, tudo aponta para a aplicabilidade do disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea b), da LGT.
O enquadramento jurídico ao abrigo do qual operou a reversão é fulcral, uma vez que a questão colocada no presente recurso se prende com a invocação de inexistência de culpa por parte do Oponente.
A execução fiscal a que se reporta a presente oposição destina-se à cobrança coerciva de dívidas provenientes de IVA dos anos de 2001 a 2005, IRC dos exercícios de 2001 a 2004 e IRS retido na fonte dos anos de 2001 a 2003 (agora somente estas em discussão).
É sabido que o regime da responsabilidade subsidiária aplicável é o vigente no momento em que se verifica o facto gerador da responsabilidade (artigo 12.º do Código Civil), pelo que sendo as dívidas exequendas referentes a 2001 a 2005, dúvidas não restam que é de aplicar o regime previsto no artigo 24.º da LGT.
Este artigo 24.º, n.º 1, da LGT estabelece o seguinte:
“1. Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento. (…)”.
Neste normativo está, assim, prevista a responsabilidade subsidiária dos administradores ou gerentes relativamente a dívidas cujo facto constitutivo tenha ocorrido no período do exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento tenha terminado depois deste exercício [alínea a) supra] ou vencidas no período do seu mandato [alínea b)].
Como se escreveu no Acórdão deste TCAN de 10/10/2013, no âmbito do processo n.º 242/06.5BECBR: «Quanto às dívidas tributárias cujo facto constitutivo tenha ocorrido no período do exercício do seu cargo ou quando o prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois desse exercício (mas em que o gerente ou administrador já não exercia funções à data em que a dívida foi posta à cobrança) o administrador ou gerente é responsável se tiver sido por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para o seu pagamento. Neste caso, o ónus da prova da culpa recai, no entanto, sobre a Fazenda Pública.
Quanto às dívidas cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, o administrador ou gerente é responsável pelo seu pagamento, salvo se provar que a falta de pagamento lhe não foi imputável. Neste caso, existe uma presunção legal de culpa, recaindo sobre o administrador ou gerente o ónus da prova de que não lhe é imputável a falta de pagamento ou de entrega da prestação tributária. Ora, “esta presunção, apesar de contrária à regra geral da responsabilidade extracontratual prevista no artigo 487.º do Código Civil (CC), compreende-se neste caso, pois se o gestor não tiver culpa pela falta de pagamento ou de entrega do imposto ocorrida no período em que exerceu funções, ser-lhe-á fácil prová-lo (Cf. JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., II volume, anotação 32 ao art. 204º, pág. 356.). Note-se que, embora esta alínea b) se refira meramente a imputação, e não a culpa, a jurisprudência tem vindo a interpretá-la no sentido de que é sempre exigível a culpa do gestor, entendida esta como a inobservância ou violação de uma regra de conduta previamente estabelecida” - assim, por todos, o acórdão do TCAN de 29 de Outubro de 2009, Processo 228/07.2.»
Ora, da concatenação de todos os elementos dos autos, resulta que a responsabilidade do Recorrente se subsume ao disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT. O que significa que lhe cabe ilidir a presunção de culpa constante daquele normativo (ao invés do que chegou a afirmar no artigo 22.º da sua petição de oposição).
Feito o enquadramento jurídico, resultando a aplicabilidade à reversão do artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT, por o prazo legal de pagamento ou entrega das dívidas tributárias ter ocorrido no período do exercício do cargo de gerente pelo Oponente e ora Recorrente, é o gerente responsável pelo seu pagamento, salvo se provar que a falta de pagamento lhe não foi imputável. Como já referimos, neste caso, existe uma presunção legal de culpa, recaindo sobre o administrador ou gerente o ónus da prova de que não lhe é imputável a falta de pagamento ou de entrega da prestação tributária.
Alega o Recorrente ter invocado matéria de facto que permite aferir a sua falta de culpa na insuficiência de bens da devedora originária.
Ora, incumbindo ao Oponente demonstrar que a falta de pagamento das dívidas tributárias vencidas durante a sua gerência não lhe pode ser imputada, porque a inexistência ou insuficiência de bens na empresa que geriu não é da sua responsabilidade, vejamos o que a este propósito resulta dos autos, tendo presente que a decisão da matéria de facto, pelos motivos indicados supra, está estabilizada.
Além do que já ficou dito na sentença recorrida, salientamos que nada foi alegado nos autos que permita concluir que a sociedade não tinha fundos necessários à entrega do IVA, do imposto retido na fonte ou ao pagamento do IRC. Aliás, o problema deste processo residirá essencialmente nas deficiências e insuficiências da alegação.
A abordagem exposta na petição inicial, a que já aludimos supra, inculca a ideia de que o Recorrente deu prioridade aos pagamentos a funcionários e a fornecedores, em detrimento do pagamento dos impostos, indicando a escolha pela opção de tentar manter a sociedade em funcionamento, tendo em vista conseguir obter receitas – cfr. artigos 47.º a 50.º da petição de oposição.
Na alínea b) do referido artigo 24.º, ao responsabilizar-se os gestores que «não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento», estabelece-se uma presunção legal de culpa, no pressuposto de que, tendo o prazo legal de pagamento terminado no período da sua gestão, não podem desconhecer a existência da dívida, e por conseguinte, ao colocarem a empresa numa situação de insuficiência patrimonial, indiciam uma conduta dolosa que é especialmente grave para os interesses do Estado Fiscal, e, por isso, só lhes resta provar que não foi por culpa sua que a empresa caiu em tal situação.
O acto ilícito culposo que se presume praticado pelo gestor não se fica pela omissão de pagamento do imposto vencido. O que se presume é que o gestor não actuou com a diligência de um bonus pater familiae, com a observância das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial ao do artigo 64.º do Código das Sociedades Comerciais, que lhe impõe a observância de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios, que sejam relevantes para a sustentabilidade da sociedade – cfr., entre muitos, o Acórdão deste TCAN, de 23/11/11, proferido no âmbito do processo n.º 00972/09.0 BEVIS.
Apesar da dificuldade que existe na prova de um facto negativo, como é o caso da ausência de culpa, o Oponente não podia deixar de alegar e provar factos concretos de onde se possa inferir que a insuficiência patrimonial da empresa se deveu a circunstâncias que lhe são alheias e que não lhe podem ser imputadas. Para afastar a responsabilidade subsidiária por dívidas de impostos cujo prazo de pagamento terminou durante a gestão, o gestor tem, pois, que demonstrar que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos e que a falta de meios financeiros não se deveu a qualquer conduta que lhe possa ser censurável.
Realmente, o normativo que subjaz à nossa análise faz recair sobre o gestor o ónus da prova de que não lhe é imputável a falta de pagamento ou de entrega da prestação tributária, pois tal imputabilidade presume-se. Note-se que, embora esta alínea b) se refira meramente a imputação, e não a culpa, a jurisprudência tem vindo a interpretá-la no sentido de que é sempre exigível a culpa do gestor, entendida esta como a inobservância ou violação de uma regra de conduta previamente estabelecida.
Assim, demonstrada que seja a falta de pagamento ou de entrega da dívida tributária por parte da sociedade originária devedora, recairá sobre o gestor o ónus da prova da falta de culpa por tal facto, sendo certo que a lei impõe a quem exerça funções de administração em pessoas colectivas ou entes fiscalmente equiparados «o cumprimento dos deveres tributários das entidades por si representadas» (artigo 32.º da LGT).
Não só da prova, mas essencialmente da própria alegação do Recorrente, resulta que este terá optado por dar prioridade ao pagamento aos trabalhadores e fornecedores, em detrimento do Estado. Isto poderá explicar por que não terá tido, então, disponibilidade financeira para pagar os referidos tributos.
O Recorrente deve ficar ciente que, se pretendia ilidir a presunção de culpa que sobre si impendia, não podia ficar-se por generalidades relativas ao contexto económico-financeiro (a partir de 1995 instalou-se uma grave crise no sector de actuação da empresa) e a motivos exógenos (designadamente, incumprimento dos clientes/créditos incobráveis), tinha que demonstrar que não teve fundos para fazer face às suas obrigações fiscais e que a inexistência/insuficiência de tal liquidez não lhe era imputável. Queremos com isto significar que, se orientou verbas para outros fins (todos os seus recurso financeiros foram dirigidos para pagamentos aos seus fornecedores e aos funcionários), como parece tê-lo realizado, em vez de assegurar os seus compromissos fiscais, jamais conseguirá provar a sua falta de culpa como gestor.
Assim, é forçoso concluir que o Recorrente não concretizou, nem quantificou, as dificuldades de tesouraria da sociedade, tendo o Tribunal ficado convencido, atenta toda a sua alegação na petição inicial, que a executada originária poderia ter tido capacidade e meios económicos e financeiros para pagar as dívidas revertidas e que se não o fez foi por uma opção da sua gerência, que era exercida pelo Recorrente, de manter a sociedade em funcionamento, evitando o seu encerramento, cumprindo com os compromissos que considerou vitais para atingir tal desiderato; sempre na expectativa de que a situação melhoraria e que num curto espaço de tempo poderiam liquidar o valor dos impostos declarados e não entregues, até porque a empresa desenvolvia actividade num ramo que prometia ser de futuro, como é o do ambiente – cfr. artigo 51.º da petição de oposição.
Face à alegação e prova produzida no processo, o Tribunal fica convencido que a falta de pagamento das dívidas revertidas é imputável ao Recorrente.
Grande parte da matéria de facto invocada na petição de oposição apresenta-se manifestamente vaga e insuficiente; nada sendo alegado em concreto, muito menos que nos permita concluir no sentido de que o Oponente não tenha culpa pela falta de entrega ao Estado, designadamente, do IVA e do imposto retido na fonte.
Para tanto, sempre haveria que provar-se factualidade que permitisse a conclusão de que a sociedade não tinha os fundos necessários à entrega do tributo e que o Recorrente nenhuma responsabilidade tinha nessa situação. O que não ocorreu.
Conforme consta do probatório, relembramos uma vez mais, estão também em causa dívidas de IVA e IRS – retenção na fonte.
No caso especial do IVA, bem como nos impostos retidos na fonte, a falta da sua entrega ganha particular gravidade, na medida em que se trata de impostos que traduzem um fluxo monetário na empresa que, ao não serem entregues nos cofres do Estado, estão a ser «desviados» do seu destino legal único, em proveito de «objectivos» alheios à sua finalidade.
Quando o gestor procede ao «desvio» da destinação das verbas recebidas (estamos a falar do IVA) não pode, assim, deixar de indiciar um comportamento censurável. E quanto mais censurável é o comportamento indiciado, mais esforço se exige na demonstração de factos positivos bastantes que contrariem aqueles indícios, sob pena de não afastar a presunção de culpa que a lei lhe atribui.
Como escreve Saldanha Sanches, «(…) No caso do IVA, a existência desse fluxo financeiro cria um forte indício de comportamento censurável que só em casos muito particulares pode ser objecto de uma demonstração de ausência de culpa por parte dos particulares. É uma demonstração difícil, mas não impossível, uma vez que a empresa não é o fiel depositário da quantia cobrada. Embora tenha o dever de entregar as quantias cobradas na aplicação do IVA no prazo previsto pela lei, a empresa pode considerá-las como uma receita normal, cabendo-lhe a devida diligência para que o pagamento seja feito. Pode haver justificação, pela verificação de um facto imprevisto e razoavelmente imprevisível, para que a entrega se não tenha verificado» (cfr. Manual de Direito Fiscal, Coimbra Editora, 3ª edição, pp. 274).
A matéria de facto invocada nos artigos 43.º a 45.º da petição de oposição apresenta-se manifestamente vaga e insuficiente – começou a não conseguir cobrar dos seus clientes, quer os serviços prestados quer o material fornecido, sobretudo referente a empreitadas executadas para entidades públicas, tinha dificuldades no recebimento atempado dos serviços, o que consequentemente obrigou a que a sociedade devedora originária entrasse também ela em incumprimento em relação ao pagamento dos valores dos impostos aqui exigidos. Nada é alegado em concreto, muito menos que nos permita concluir no sentido de que o Oponente não tenha culpa pela não entrega em tempo oportuno do IVA e do imposto retido na fonte.
Ora, compulsada a alegação que consta da petição de oposição, o Recorrente não menciona que não tivesse recebido o IVA liquidado nas facturas.
Note-se que, embora o não recebimento do IVA dos clientes não justifique que o mesmo não haja de ser entregue ao Estado (ao sujeito passivo de IVA compete, em conformidade com o Código daquele imposto, entregar o IVA resultante da diferença entre o imposto liquidado e o imposto dedutível, independentemente de o ter recebido ou não do cliente), é facto que pode e deve ser ponderado na avaliação da culpa do gerente pela falta de entrega do imposto ao Estado, designadamente se puder estabelecer-se uma conexão entre a falta de fundos da empresa e o não recebimento dos clientes. O que significa que, em princípio, o montante correspondente ao imposto a entregar ao Estado terá entrado na sociedade. E, se assim foi, por certo apenas circunstâncias muito excepcionais poderiam justificar por que a sociedade não efectuou a entrega desse montante ao Estado e, assim, permitir que o Oponente, como gerente da sociedade, afastasse a presunção de culpa por essa falta de entrega.
Mas, ainda que a sociedade originária devedora não tenha recebido dos seus clientes o IVA que havia de entregar ao Estado, o que não se mostra invocado pelo Recorrente, tal não determinaria, por si só, o afastamento da culpa do Oponente pela falta de entrega do imposto. Para tanto, sempre haveria que provar-se factualidade que permitisse a conclusão de que a sociedade não tinha os fundos necessários à entrega do imposto e que o Oponente nenhuma responsabilidade tinha nessa situação – cfr., neste mesmo sentido, o Acórdão do TCAN, de 29/10/2009, proferido no âmbito do processo n.º 00228/07.2BEBRG.
Atendendo ao mecanismo a que obedece este imposto - uma vez que o IVA arrecadado e entregue por terceiros não é receita própria da sociedade, havendo a obrigação de ser entregue ao Estado, não se vislumbra como pudesse o gerente, ora Recorrente, ilidir a presunção de culpa e demonstrar não lhe ser imputável a falta de pagamento do imposto somente com fundamento em circunstancialismo de elevada dificuldade económica e falta de clientes/impossibilidade de lhe serem adjudicadas empreitadas de vulto, como a ETAR do .... Trata-se de facturas emitidas, em que foi liquidado o IVA, entregue por terceiros; logo, estas quantias referentes a IVA tinham que existir disponíveis na sociedade.
Concluímos, pois, que não há nos autos alegação alguma no sentido de que a falta de pagamento das dívidas ora em cobrança coerciva não seja imputável ao Oponente.
Neste domínio, cabe ter presente que a culpa traduz-se na falta do cumprimento diligente das obrigações a que o ora Recorrente estava adstrito por força das suas funções de gerente da devedora originária, além de que se os bens da devedora originária são entretanto insuficientes para o pagamento das respectivas dívidas é porque o seu património foi dissipado em prejuízo dos credores.
Sendo assim, como é, tudo indicando que a situação de insuficiência patrimonial foi antecedida do incumprimento de obrigação em relação ao fisco, afirma-se o apontado nexo de causalidade entre a actuação negligente do gerente e a insuficiência do património social, de modo que se impõe concluir estar demonstrada a culpa do ora Recorrente na insuficiência do património da executada originária para a satisfação das dívidas tributárias revertidas, sendo que, por outro lado, na presente oposição, o Oponente não conseguiu pôr em causa tal presunção, pelo que improcede a alegação da ilegitimidade do Recorrente para a execução fiscal.
Nada se demonstrando no sentido de afastar a culpa do Oponente pela não entrega dos impostos, deve ele responder pelas dívidas ao abrigo da alínea b) do artigo 24.º, n.º 1, da LGT.
Pelo exposto, urge negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida na ordem jurídica.

Conclusões/Sumário
I - No domínio da vigência da LGT, para afastar a responsabilidade subsidiária pelas dívidas de impostos cujo termo do prazo para pagamento ou entrega terminou durante o período da sua administração, é necessária a demonstração de que não é imputável aos gerentes ou administradores das sociedades a falta de pagamento ou de entrega do imposto (artigo 24.º, n.º 1, alínea b), da LGT).
II - Assim, ao gerente que exercia funções na data em que deveria ter sido entregue o imposto não basta, em sede de oposição à execução fiscal, alegar que a empresa atravessava dificuldades económicas provocadas por motivos exógenos, que ele se esforçou por ultrapassar, e que foi um gestor diligente.
III - Haverá, isso sim, que demonstrar que a falta desse pagamento não lhe foi imputável, o que passa pela demonstração da falta de fundos da sociedade originária devedora para efectuar o pagamento e que tal falta se não deve a qualquer omissão ou comportamento censuráveis do gestor.
IV - A dúvida relativamente à verificação da culpa dos gestores, pela falta de pagamento dos impostos cujo pagamento ou entrega devesse ter sido feito durante o período em que exerceram funções de gestão, sempre terá de ser valorada contra o oponente.

IV. Decisão
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo do Recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.

Porto, 17 de Novembro de 2022
Ana Patrocínio
Margarida Reis
Conceição Soares