Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00487/19.8BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/11/2024
Tribunal:TAF do Porto
Relator:PAULO FERREIRA DE MAGALHÃES
Descritores:PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS;
CONTRATO DE TRABALHO;
COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS;
Sumário:
1 - Atentos os termos por que a Autora fixou a acção, em face do que são os seus pressupostos, os seus objectivos, desde logo em torno da causa de pedir e do pedido formulado, e tendo presente o entendimento reiterado prosseguido pela jurisprudência dos nosso Tribunais Superiores, a competência material do tribunal que deve apreciar a sua pretensão é aferida em função do modo como vem por si configurada a acção, questão que se fixa no momento em que a acção é proposta, relevando especialmente para esse desiderato os termos e os pressupostos por que estrutura a causa que traz a Tribunal, em busca de tutela jurisdicional, e o modo como formula essa sua pretensão.

2 - Está em causa um litígio emergente de uma relação contratual já existente há vários anos, e relativamente à qual a Autora ora Recorrente não identifica ter na sua base um contrato de trabalho em funções públicas, ou melhor, de estarmos perante um litígio emergente de um vinculo de emprego público.

3 - O facto de, como assim refere a Autora ora Recorrente, ter exercido funções públicas, em face do âmbito das funções desenvolvidas e nas instalações da entidade pública, com utilização de meios e facilidades dessa mesma entidade, e por ser transportada em veículo do Estado Português, tal não é bastante para efeitos de ser atribuído aos tribunais da jurisdição administrativa [tribunais administrativos] o conhecimento da questão controvertida que a eles trouxe, e de a retirar da alçada dos tribunais da jurisdição comum [tribunais de trabalho].*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:


I - RELATÓRIO


«AA» [devidamente identificada nos autos] Autora na acção que intentou contra o Ministério do Planeamento e InfraEstruturas [também devidamente identificado nos autos], inconformada com a decisão proferida pelo Juízo Especializado Administrativo Social do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, pela qual, com referência ao pedido por si formulado [atinente, a “A - I - A declaração da existência de um contrato de trabalho entre a Autora e o R. e da ilicitude do seu despedimento por parte deste; II - A condenação do R. no pagamento à A. de: a) Subsídios de férias e de Natal, relativos aos anos de 2010 a 2015 (no montante respetivamente, de 14.208,00€), no total 28.416,00€; b) Subsídio de alimentação, relativos aos anos de 2010 a 2015 no montante de 5.781,58€; c) das horas de formação devidas e não ocorridas entre os anos 2010 a 2015, no montante de 2.359,38€. d) licença de maternidade, correspondendo a 6 meses de vencimento, no montante de 16.500,00€ III - A condenação do R. a pagar à Autora todas as retribuições que o A. deixou de auferir, desde a data do despedimento e até à data o trânsito em julgado da decisão judicial, sendo actualmente: a) Remunerações dos meses de janeiro, fevereiro, março e abril de 2016, no valor de 11.000,00€; b) Subsídio de alimentação de janeiro, fevereiro, março e abril de 2016, no valor de 375,76€; c) Proporcionais relativos aos subsídios de férias e natal dos meses de janeiro, fevereiro, março e abril de 2016, no valor de 1.834,00€; d) Todas as retribuições vincendas e até à data o trânsito em julgado da decisão judicial, a liquidar em execução de sentença. IV - A título de danos não patrimoniais tem direito a ser ressarcida na quantia nunca inferior a 5.000,00 €.V - A condenação do R. a reintegrar a Autora. B - Subsidiariamente e caso se entenda que não pode ser a Autora reintegrada, VI - A condenação do R. no pagamento à Autora de indemnização substitutiva da reintegração de 13.750,00€. VII - A condenação do R. no pagamento de juros de mora, vencidos e vincendos, até à data do trânsito em julgado da decisão. VIII – A condenação no pagamento de custas e demais encargos.], veio a julgar ser materialmente incompetente para conhecer a presente acção, absolvendo por isso o Réu da instância, veio interpor recurso de Apelação.

*

No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencou a final as conclusões que ora se reproduzem:

“[…]
Conclusões
1. Estatui o art.º 211.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa que os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais.
2. No que concerne aos tribunais administrativos e fiscais, preceitua o art.º 212.º n.º 3 da Constituição da República Portuguesa que lhes compete o julgamento das ações e recursos contenciosos que tenham por objetivo dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.
3. Estabelece o art.º 126.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, que aprovou a Lei de Organização do Sistema Judiciário, que compete às secções do trabalho conhecer, em matéria cível:(...) b) Das questões emergentes de relações de trabalho subordinado e de relações estabelecidas com vista à celebração de contratos de trabalho; (...)f) Das questões emergentes de contratos equiparados por lei aos de trabalho;(...)
4. Por seu turno, o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), no seu artigo 4.º n.º 4 b), delimita negativamente o âmbito da respetiva jurisdição, ao estipular que “ficam [igualmente] excluídas do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal: (...) b) A apreciação de litígios decorrentes de contratos de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa coletiva de direito público, com exceção dos litígios emergentes do vínculo de emprego público.
5. A relação laboral, definida na Petição Inicial foi constituída sob a égide da Lei n.º 12 -A/2008, de 27 de fevereiro, e da Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro, que entraram em vigor a 1 de janeiro de 2009, sendo que a Recorrente estriba a sua pretensão na impugnação do despedimento que reputa sem justa causa.
6. Destarte, a Lei n.º 12 A/2008, de 27 de fevereiro, entretanto revogada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, veio definir e regular os regimes de vinculação de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas.
7. Tal diploma estabelecia, no seu art.º 2.º, sob a epígrafe Âmbito de aplicação subjetivo: 1. A Presente lei é aplicável a todos os trabalhadores que exercem funções públicas, independentemente da modalidade de vinculação e de constituição da relação jurídica de emprego público ao abrigo da qual exercem as respetivas funções. 8. O art.º 83.º do aludido diploma legal determinava que os tribunais competentes para apreciar os litígios emergentes das relações jurídicas de emprego Público são os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal.
9. Assim, estando os autos estivermos perante uma entidade empregadora pública, como é o caso dos autos, então, às relações laborais estabelecidas entre as partes é aplicável a Lei n.º 12-A/2008, de 27.02, sendo, deste modo, competente para conhecer da existência da invocada relação de trabalho os Tribunais Administrativos e Fiscais.
10. É este o sentido da letra do art.º 6.º n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, que estatui que “o trabalho em funções públicas pode ser prestado mediante vínculo de emprego público ou contrato de prestação de serviço, nos termos da presente lei.”
11. O vínculo de emprego público é aquele pelo qual uma pessoa singular presta a sua atividade a um empregador público, de forma subordinada e mediante remuneração.
12. Sendo assim, e compaginando o exposto com o que preceituado o art.º 7.º da Lei n.º 35/2014 (o vínculo de emprego público constitui-se, em regra, por Contrato de trabalho em funções públicas), forçoso se torna concluir, vista a causa de pedir invocada, que o contrato que a A. celebrou com o R. enquadra - se no vínculo de emprego público.
3. No mesmo sentido podem igualmente ler-se se os Acórdãos do Tribunal da
Relação do Porto, datado de 18-11-2013, proferido no processo nº 23/12.7TTVCTA.P1, e o datado de 11-7-2012, proferido no processo nº 128/12.4TTVCT.P1.
14. Pelo que, o Tribunal administrativo e fiscal do Porto é o Tribunal Materialmente competente aa conhecer do pedido formulado pela Recorrente.
15. Violou a sentença proferida nestes autos, os arts. 211.º e 212.º da Constituição da República Portuguesa; art. 126.º da Lei 62/2013, 26 de Agosto, art.º 4.º do ETAF, art.º 2.º e 83.º da Lei 12-A/2008, 27/02.
Nestes termos e nos melhores de Direito deve o presente Recurso obter provimento, e como tal, ser revogada a sentença preferida nestes autos, e por conseguinte, ser julgado o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, como materialmente competente para conhecer o pedido formulado pela Recorrente.
Fazendo assim Vs. Exs. Justiça.
[…]”

**

O Recorrido não apresentou Contra Alegações.

*

O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso interposto, fixando os seus efeitos.

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O Ministério Público junto deste Tribunal Superior emitiu parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional, no sentido do seu provimento.


***

Com dispensa dos vistos legais [mas com envio prévio do projecto de Acórdão], cumpre apreciar e decidir.

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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 639.º e 635.º n.ºs 4 e 5, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], sendo que, de todo o modo, em caso de procedência da pretensão recursiva, o Tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida pois que, ainda que venha a declarar a sua nulidade, sempre tem de decidir [Cfr. artigo 149.º, n.º 1 do CPTA] “… o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito.”, reunidos que estejam os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas.

As questões suscitadas pela Recorrente resumem-se assim, a final e em suma, em apreciar e decidir sobre se a Sentença proferida padece de erro de julgamento em matéria de direito, por ter o Tribunal a quo julgado ser materialmente incompetente para conhecer do pedido formulado a final da Petição inicial.

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III - FUNDAMENTOS IIIi - DE FACTO
Os factos relevantes para a decisão são os enunciados no Relatório constante da Sentença recorrida.


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IIIii - DE DIREITO

Está em causa a decisão proferida pelo Juízo Administrativo Social do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que com referência ao pedido formulado pela Autora a final da Petição inicial, julgou ser materialmente incompetente para conhecer do mérito dessa pretensão.

Com o assim julgado não se conforma a Recorrente, sustentando para tanto, a final e em suma, que atentos os pedidos formulados na Petição inicial e bem assim a causa de pedir em que os mesmos assentam, que está em causa matéria que cabe na competência dos Tribunais Administrativos, sendo o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto o tribunal materialmente competente para conhecer do pedido por si formulado, e que assim não tendo sido julgado, que foram assim violados pela Sentença proferida os artigos 211.º e 212.º da Constituição da República Portuguesa, o artigo 126.º da Lei n.º 62/2013, 26 de agosto, o artigo 4.º do ETAF, assim como os artigos 2.º e 83.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro.

Neste conspecto, para aqui extraímos a essencialidade da fundamentação de direito aportada pelo Tribunal a quo na Sentença recorrida, como segue:

Início da transcrição
“[…]
Afigurando-se ao Tribunal ocorrer incompetência material do mesmo para conhecimento do presente litígio, foram as partes notificadas para se pronunciarem sobre tal excepção, tendo vindo defender que a mesma não se verifica, por estarmos perante relação jurídica de emprego público.
II-SANEAMENTO
Cumpre, então, desde logo, apreciar a competência deste Tribunal para decisão dos presentes autos.
[…]
A Autora, na Petição Inicial apresentada (e como refere expressamente na Réplica apresentada), configura a presente acção como uma acção para apreciação da ilicitude do que considera ter sido o seu despedimento ilícito, contrariamente ao estipulado no Código do Trabalho. Passando-se a citar:
“A Autora celebrou um contrato de trabalho com o Réu através da adjudicação de diversos contratos de prestação e serviços.
4. Encontra-se preenchido o artigo 12º, nº1 do Código do Trabalho, e, suas várias alíneas “1 - Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma atividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características:
a) A atividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;
b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da atividade;
c) O prestador de atividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;
d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de atividade, como contrapartida da mesma;
e) O prestador de atividade desempenhe funções de direção ou chefia na estrutura orgânica da empresa”.
5. A Autora estava ligada ao Réu por um contrato de trabalho e foi despedida ilicitamente por este.
6. Através da presente ação pretende a Autora que o Tribunal declare a ilicitude do ato de despedimento.”
Ora, como tem vindo a ser pacificamente decidido pelo Tribunal de Conflitos (por todos, citaremos o Acórdão daquele Tribunal de 17-11-2016, proferido no processo nº 017/16):
A……….. - identificada nos autos - intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto [TAF/P] acção administrativa comum [AAC] contra a ADMINISTRAÇÃO CENTRAL DO SISTEMA DE SAÚDE, I.P., a B……….., Lda., a C…………, SA, e a D……….., Lda., pedindo o seguinte [folhas 3 a 31 do volume I dos autos]:
1) Ser declarada a existência de «relação laboral» e contrato de trabalho entre a autora e a 1ª ré, reconhecendo-se a existência de um «contrato de trabalho»;
2) Ser declarada a «ilicitude do despedimento» da autora com efeitos a partir de
31.12.2010;
3) Serem as rés condenadas, solidariamente, a pagar à autora, por força do regime fraudatório supra alegado, a quantia total de 84.052,64€, assim discriminada:
- 29.340,00€ [2.934€ por cada ano de antiguidade] de indemnização por antiguidade devido ao despedimento ilícito;
- 5.868,00€ relativos a proporcionais de férias e subsídio de férias ao tempo de serviço prestado no ano da cessação;
- 5.000,00€ relativos a retribuição dos meses de Novembro e Dezembro de 2010 acrescidos de 2.100€ de IVA;
- 36.095,84€ relativos aos subsídios de férias e de Natal desde 2003 a 2010;
- 1.703,41€ relativos a juros de mora vencidos, calculados à taxa legal de 4%;
- 4.147,09€ a título de formação profissional não proporcionada;
- 5.208,00€ a título de diferenças salariais devidas pela ilegal diminuição da retribuição
- 2.000,00€ por danos não patrimoniais, pela ilicitude do despedimento.
(…)
Na alínea d) do nº3 desse artigo prescreve-se que está «excluída» da jurisdição administrativa «A apreciação de litígios emergentes de contratos individuais de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa colectiva de direito público, com excepção dos litígios emergentes de contratos de trabalho em funções públicas».
Ora, o que se verifica é que a autora, apesar de pôr à cabeça dos seus quatro demandados um «instituto público», pretende que se reconheça que entre eles não existiu uma relação jurídica de prestação de serviços, mas sim um contrato de trabalho de direito privado, como claramente se depreende da forma como estrutura a sua petição inicial, em termos de facto e de direito. Na verdade, e como muito pertinentemente salienta o TAF/P, «Relembra-se que a impetrante aludiu às formas de vinculação que foi estabelecendo ao longo do tempo com as rés, indicando o contrato de trabalho a termo certo, passando, depois, para o regime de contrato de avença, conhecido vulgarmente por recibos verdes […].
Nenhum dos contratos acima elencados atribuiu à autora a qualidade de funcionária ou agente administrativo, tanto mais que a impetrante foi construindo a petição inicial sempre na óptica do direito do trabalho privatístico, não sendo por acaso as referências que amiudamente foi fazendo sobre tal ramo do Direito: entidade patronal, relação de trabalho, Código do Trabalho e, sobretudo, ao despedimento ilícito e consequente pedido de indemnização por antiguidade em vez da reintegração.
E veja-se bem que, nos pedidos finais, a autora envereda sempre por pedir contra as rés o reconhecimento de uma relação laboral e a ilicitude do despedimento, discriminando os créditos laborais aos quais entende ter direito, sem nunca, registe-se bem, encarrilhar pelo pedido da sua integração no quadro de pessoal da 1ª ré, segundo o regime do vínculo de emprego público [contrato de trabalho em funções públicas], que não é pela mesma citado. […]».
E é com base nesse contrato de trabalho de direito privado, cuja existência ela quer ver reconhecida, e no despedimento ilícito a que foi sujeita, que pretende também ver declarado, que estrutura a sua pretensão quer de «indemnização» quer de «créditos laborais» perante as rés, relativamente a alegadas dívidas de vencimentos, de subsídios, e de juros. Aliás, se dúvidas houvesse a tal respeito, a autora desfê-las na resposta dada à excepção de incompetência deduzida na contestação da acção do Tribunal de Trabalho, onde esclareceu que não fundou a sua pretensão em contrato de trabalho em funções públicas, sendo causa de pedir, pelo contrário, o contrato de trabalho subordinado de direito privado.
Assim, não podem subsistir dúvidas de que a autora, A……….., caracteriza o vínculo jurídico entre si e as rés, durante a sua vigência e no momento da sua cessação, como relação laboral de direito privado, o que quer ver reconhecido, sendo que é nesta caracterização que repousam as pretensões que ela deduz.
Saber se essa «relação jurídica», ao abrigo da qual foi prestado o trabalho da autora, assumiu efectivamente tal natureza privatística e teve as consequências que dela pretende retirar é questão que pertence já ao mérito da causa.
4. Consequentemente, teremos de concluir que, atendendo aos termos em que a autora formulou a sua pretensão, são os tribunais judiciais, e, concretamente, os «tribunais do trabalho», os competentes para conhecer da presente acção, e não os tribunais da jurisdição administrativa.
Esta é, aliás, a jurisprudência que tem vindo a ser produzida por este Tribunal de Conflitos em casos semelhantes, e da qual referimos, a título de exemplo, os acórdãos de 31.01.1991 [conflito nº217, in Apêndice ao DR de 30.10.93, página 4], de
07.05.1991 [conflito nº231, in Apêndice do DR de 30.10.93, página 24], de 06.05.1991 [conflito nº230, in Apêndice do DR de 30.10.93, página 34], de 26.09.1996 [conflito nº267, in Apêndice do DR de 28.11.97, na página 59], de 05.02.2003 [conflito nº06/02, in Apêndice do DR de 05.05.2004, página 6], de 05.05.2011 [conflito nº029/10], e de 27.02.2014 [conflito nº055/13].
5. Restará, por conseguinte, e em resultado da «apreciação» acabada de fazer, proferir decisão a resolver o presente conflito negativo de jurisdição no sentido da atribuição da «competência material» para conhecer do litígio vertido nestes autos à «jurisdição comum», e, concretamente, in casu, à «Instância Central de Matosinhos - Secção do Trabalho».”
Ora, seguindo a jurisprudência supra citada, com a qual concordámos, sempre será de concluir que a relação material controvertida na presente acção não se encontra incluída no âmbito da jurisdição administrativa, sendo, por isso, este Juízo incompetente para dela conhecer, com a fundamentação supra exposta.
III-DECISÃO
Nesses termos, julgo o Juízo Especializado Administrativo Social do TAF do Porto materialmente incompetente para conhecer a presente acção, absolvendo-se o Réu da presente instância, nos termos dos artigos 89º, nºs 1, 2 e 3, alínea a) do CPTA e 96º a 99º do CPC, aplicáveis “ex vi” art. 1º do CPTA, sem prejuízo do disposto no artº 14º, nºs 2 e 3 do CPTA.
[…]”
Fim da transcrição

Apreciou e decidiu o Tribunal a quo, em suma, com invocação e citação e jurisprudência tirada pelo Tribunal dos Conflitos, que a relação material controvertida patenteada nos autos não se encontra incluída no âmbito da jurisdição administrativa, e para tanto, que quer na Petição inicial, quer na Réplica apresentadas pela Autora ora Recorrente, a mesma configura a presente acção como uma acção para apreciação da ilicitude do que considera ter sido o seu despedimento ilícito face ao disposto no Código do Trabalho.

Enquanto Tribunal de recurso e tendo subjacente o disposto no artigo 627.º, n.º 1 do CPC, este TCA Norte conhece dos recursos jurisdicionais interpostos onde devem ser evidenciadas as irregularidades de que a Sentença pode enfermar [que se reportam a nulidades que afectam a Sentença do ponto de vista formal e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade], assim como os erros de julgamento de facto e/ou de direito, que por si são resultantes de desacerto tomado pelo Tribunal na formação da sua convicção em torno da realidade factual, ou da interpretação e aplicação do direito, em termos tais que o decidido não está em correspondência com a realidade fáctica ou normativa.

Vejamos então.

Justaposta à pretensão recursiva da Recorrente está a invocação pela sua parte de que os pedidos por si formulados a final da Petição inicial, assim como a causa de pedir a que os mesmos se reportam, que tal contende com matéria que é da competência dos Tribunais administrativos, por assentarem os fundamentos do seu pedido, em suma, em que a relação laboral por si estabelecida com a CCDRN foi constituída sob a égide da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, e da Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro, que entraram em vigor a 1 de janeiro de 2009, estribando a sua pretensão no facto de ter sido despedida sem justa causa. Enfatizou que a Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, entretanto revogada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, veio definir e regular os regimes de vinculação de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas, e que dispunha o seu artigo 2.º, que esse diploma era aplicável a todos os trabalhadores que exercem funções públicas, independentemente da modalidade de vinculação e de constituição da relação jurídica de emprego público ao abrigo da qual exercem as respetivas funções, e nesse sentido, que o artigo 83.º desse mesmo diploma legal determinava que os tribunais competentes para apreciar os litígios emergentes das relações jurídicas de emprego público são os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, invocando ainda em favor da sua pretensão, que é esse o sentido da letra do artigo 6.º n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, que dispõe que o trabalho em funções públicas pode ser prestado mediante vínculo de emprego público ou contrato de prestação de serviço, nos termos da presente lei, o que considera ter sido o seu caso, por ter prestado a sua atividade a um empregador público, de forma subordinada e mediante remuneração.


Neste patamar, para aqui extraímos excertos do que a Autora deixou vertido na Petição inicial, como segue:

Início da transcrição
“[...]
6. Posteriormente, em 15.10.2010, a Autora, por ajuste directo e por documento escrito celebrou diretamente contrato com a CCDRN, através da empresa da [SCom01...], Lda, da qual a Autora é sócia.
7. O último contrato celebrado entre a CCDRN com a Autora assumiu a modalidade de recibos verdes.
8. Estes contractos foram indevidamente denominados pelo R. e pela CCDRN como de “prestação de serviços”, sucedendo-lhe vários e sucessivos contractos assim indevidamente denominados.
9. Na execução de todos os contratos a Autora utilizou as instalações e equipamentos da CCDRN, cumpriu horário de trabalho, marcou férias, dependia financeiramente e encontrava-se sobre o poder e autoridade da CCDRN.
[...]
14. Os contratos seguintes (15.10.2010, 11.10.2011, 27.11.2012) foram celebrados entre a CCDRN e a sociedade por quotas “[SCom01...], Lda”, sendo certo que apenas o último contrato foi celebrado entre a CCDRN e a Autora.
[...]
23. Desde o início da relação laboral que a CCDRN vem fazendo pedidos à Autora no sentido de esta subscrever contratos de trabalho de prestação de serviços.
24. Tais contratos foram subscritos no exclusivo interesse e por sugestão da CCDRN, tendo em conta alegados constrangimentos que desaconselhariam a contratação laboral da Requerente.
25. De tal forma que, a determinada altura a CCDRN exigiu à Autora que constituísse sociedade comercial por quotas ([SCom01...], Lda), por forma celebrar contratos de prestação de serviços com essa entidade.
26. Esta sociedade apenas foi constituída em 13.09.2010, ou seja, imediatamente antes da celebração do contrato entre a Autora e a CCDRN (15.10.2010).
27. O que sucedeu com o único propósito de aceder à solicitação da CCDRN e de poder prestar o trabalho da Autora a este organismo público.
28. Assim o fez, como se descreverá, subsequentemente.
29. Não obstante a titularidade nominal dessa sociedade nos documentos assinados pela Autora e pela CCDRN denominados “contratos de prestação de serviços” a verdade é que tal constituiu um expediente para que a CCDRN se furtasse a reconhecer a relação juslaboral entre a Autora e esse organismo.
[...]
33. A única facturação que tal sociedade emite é para a CCDRN.
34. A Autora através de tal sociedade ou por si ou mantêm um vínculo de exclusividade com a CCDRN, e não trabalha para qualquer outra entidade a não ser para este organismo.
35. De sorte que ocorre, in casu a descaracterização jurídica da aludida sociedade.
36. Pois a mesma foi exclusivamente criada e constituída para que a Autora pudesse trabalhar na CCDRN a pedido, por imposição deste organismo.
[...]
43. Deste modo, a Autora desenvolvia por conta do R. actividade intelectual, mediante retribuição que a CCDRN lhe pagava e com subordinação jurídica.
44. Durante todo o período de tempo descrito, a Autora trabalhava para a CCDRN no interesse e por conta desta e sob a sua autoridade e direcção.
45. A vontade da Autora e dos sucessivos administradores da CCDRN foi a de contratarem a Autora mediante contrato de trabalho.
46. A actividade da Autora era desenvolvida e prestada nas instalações da CCDRN sem que lhe fosse exigido qualquer resultado final proveniente dessa actividade.
[...]
69. A Autora estava subordinada a todas as normas organizacionais e regulamentares (incluindo regras de conduta) da CCDRN tal como todos os demais trabalhadores deste organismo.
71. Em face destes factos verifica-se que a Autora mantém uma relação laboral com a instituição.
72. A Autora sempre teve a expectativa que, à semelhança do que sucedeu com os outros colegas de trabalho, que transitaram do Programa Operacional da Regional Norte – ON (QCAIII) para o Programa Operacional Regional do Norte - ON.2 (QREN), no ano de 2008, com a prolação do Despacho n.º 18849/2008 de 15 de julho e do Despacho n.º 26864/2008 de 23 de outubro, a sua situação viesse a ser regularizada com o reconhecimento de um contrato de trabalho, através da inclusão da Autora no despacho nº 2265/2015, de 5 de março, no âmbito do qual é feita a transição dos trabalhadores da equipa técnica do Programa Operacional Regional do Norte - ON.2 (QREN) para o Programa Operacional Regional do Norte – Norte2020 (Portugal2020).
[...]
75. Sucede que dia 09.11.2015, a Autora foi convocada, para uma reunião, com o Presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte, (o qual é, por inerência, Presidente da Comissão Diretiva do NORTE 2020), que lhe transmitiu, que a partir do dia 31 de dezembro iria cessar o contrato constante do documento escrito denominado “prestação de serviços”.
76. A justificação para tal decisão residiria em dificuldade legal; tanto assim que só iriam ser renovados os contratos de prestação de serviços que tivessem sido celebrados há menos de 18 meses e por um período máximo de igual duração.
[...]
78. Em 14.12.2015 foi-lhe retirado o acesso informático da CCDRN.
79. Assim, esse e-mail configura e constitui decisão de despedimento da Autora.
80. Ora, esta decisão é ilícita.
81. Em primeiro lugar, é mister referir que não existe qualquer obstáculo legal que impeça a transição da Autora do ON.2 para o NORTE 2020.
82. Com efeito, o n.º 5 do artigo 83º do DL 137/2014 de 12 de setembro estipula que “O disposto nas alíneas a) a e) do número anterior produz efeitos mediante despacho dos membros do Governo competentes nos termos do n.º 3 do artigo 23.º, publicado na 2.ª série do Diário da República, que fixa, designadamente, para cada PO do QREN, a data de extinção, as condições particulares a observar na transferência de competências e os recursos humanos necessários a transitar”.
83. A expressão “recursos humanos” tem que ser entendida como aplicável quer a todos os trabalhadores com contrato de trabalho, quer aos trabalhadores com contrato de prestação de serviços.
[...]
91. Sem embargo, a verdade é que a Autora é trabalhadora em funções públicas através uma relação laboral que se encontra qualificada indevidamente por uma falsa prestação de serviços.
92. Neste contexto, está o R. obrigado a reintegrar a Autora.
[...]
102. Dispõem os artºs 436º/1, 437º/1, 438º/1 e 439º/1, 2 e 3, todos do C. T., que, sendo o despedimento declarado ilícito, o empregador é condenado, além do mais, a reintegrar o trabalhador que, para além da indemnização prevista, tem direito a receber as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do Tribunal.
[...]“
Fim da transcrição

Em face do que assim vem patenteado nas conclusões das Alegações de recurso apresentadas pela Recorrente, julgamos ser evidente que por via do recuso jurisdicional, a mesma vem fazer um accertamento do seu posicionamento quanto ao Réu, diverso do que alegou na Petição inicial.

Com efeito, decorre da Petição inicial que nunca a Autora convocou para defesa da sua posição, e para fundamento da causa de pedir e também do pedido, nenhum diploma legal que posse atinente ao regime jurídico dos trabalhadores em funções públicas [seja a Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, seja a Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro, seja a Lei n.º 35/2014, de 20 de junho].

O que a Autora sustentou na Petição inicial, em suma, é que pese embora a celebração dos contratos de prestação de serviços, que a relação jurídica estabelecida teve por base uma relação de trabalho subordinado, pois que esteve sujeita às determinações e disciplina da entidade a favor de quem prestou essas funções, a CCDRN, e no fundo, que desse modo, o que celebrou foi um contrato de trabalho com a aparência de contrato de prestação de serviços, e assim, a final, que desse modo está sujeita ao Código do Trabalho, sustentando a ilicitude do seu despedimento, e o direito a indemnização/reintegração.

A Autora alicerça os pedidos formulados na sua prestação de trabalho subordinado ao abrigo de contrato de trabalho [e não de prestação de serviços] e na cessação ilícita deste, sendo que, nesse conspecto, para dilucidação de eventuais dúvidas, a Autora tornou a marcar o fundamento dessa sua pretensão na Réplica apresentada.

Como assim julgamos, é a partir da causa de pedir e do pedido que a Autora expendeu na Petição inicial, e assim a natureza da relação material controvertida, que é possível identificar o tribunal materialmente competente em razão da matéria, para conhecer do mérito dos autos.

Ora, os tribunais da jurisdição comum, concretamente os tribunais de trabalho, são os competentes para conhecer de um pedido de reconhecimento da existência de um “contrato de trabalho” outorgado entre um cidadão e uma entidade de direito público, assim como da sua cessação, por “despedimento ilícito”, e da condenação do Réu a pagar certas quantias que têm por fonte aquele contrato e esse despedimento ilícito.

Compulsado o teor do Acórdão do Tribunal de Conflitos em que se ancorou o Tribunal a quo, para efeitos de fundamentar a solução jurídica dada à questão em apreço, a partir deles extraímos que atentos os termos em que a Autora funda os pedidos e a causa de pedir imanente à Petição inicial, não são os mesmos de molde a que se possa formular uma convicção diversa, ou seja, de que para efeitos de apreciação da sua pretensão são competentes os Tribunais desta jurisdição.

Efectivamente, pelo artigo 4.º, n.º 3, alínea d) do ETAF [na versão em vigor desde 01 de janeiro de 2004], aí se dispunha estar excluída da jurisdição administrativa a apreciação de litígios emergentes de contratos individuais de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa colectiva de direito público, com excepção dos litígios emergentes de contratos de trabalho em funções públicas, e que após a alteração que lhe foi introduzida [pelo Decreto-Lei n.º n.º 214-G/2015, de 20 de fevereiro], passou a dispôr o legislador sob o artigo 4.º, n.º 4, alínea b) desse mesmo ETAF, que está excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal, a apreciação de litígios decorrentes de contratos de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa coletiva de direito público, com exceção dos litígios emergentes do vínculo de emprego público.

A Autora ora Recorrente não sustenta que prosseguiu em favor de entidade de direito público e no seu seio, ao abrigo de trabalho em funções públicas, ou de prestação de serviços formada ao abrigo das normas dispostas pelo respectivo regime jurídico, e que nessa medida é detentora de um vinculo de emprego público, antes porém e apenas [Cfr. o ponto 91 da Petição inicial], que é trabalhadora em funções públicas através uma relação laboral que se encontra qualificada indevidamente por uma falsa prestação de serviços, o que é muito pouco, face ao que disse antecedentemente na Petição inicial [e mesmo depois, sob o ponto 102 da Petição inicial], para a sua pretensão poder ser colocada na esfera de jurisdição dos tribunais administrativos.

O facto de, como assim refere, ter exercido funções públicas, em face do âmbito das funções desenvolvidas e nas instalações da entidade, com utilização de meios e facilidades dessa mesma entidade, e por ser transportada em veículo do Estado Português, tal não é bastante para efeitos de ser atribuído aos tribunais da jurisdição administrativa [tribunais administrativos] o conhecimento da questão controvertida que a eles trouxe, e de a retirar da alçada dos tribunais da jurisdição comum [tribunais de trabalho].

Face ao que sustentou em sede da causa de pedir imanente à Petição inicial, julgamos ser manifesto que entre a Autora e a CCDRN [leia-se Ministério do Planeamento e das Infra-estruturas] se estabeleceu uma relação jurídica, por via da qual aquela prestou a favor deste última a sua força de trabalho e que por via disso foi remunerada, o que tudo aconteceu ao abrigo de contratos denominados de prestação de serviços.

Mas não pode ser a natureza pública da entidade a favor de quem prestou esse trabalho, onde exerceu as funções em causa e que podem, numa expressão corrente, ser denominadas [comummente, mas não juridicamente] de funções públicas, e por ter havido, designadamente, subordinação jurídica nessa prestação, inclusive com horário de trabalho e com utilização dos meios disponibilizados pela entidade, que tal faz transmutar essa relação de trabalho, como sendo uma relação de direito público, ou mais precisamente, que esse trabalho em funções públicas possa ser tido como prestado mediante vínculo de emprego público.

Salientamos que seja na Petição inicial, seja na Réplica, a Autora faz ainda diversas alusões ou referências que por si, inculcam que a sua pretensão assenta, concretamente, na invocação da existência de um contrato individual de trabalho, ao contrário do que foi consigo outorgado, um contrato de prestação de serviços. São disso especial exemplo, os pontos 26, 29, 39, 45, 46, 71, 72, 83 e 87 da Petição inicial, e mais paradigmática e representativa, a referência efectuada sob o ponto 102 da Petição inicial, onde a Autora, claramente colocou em sede da causa de pedir, que a sua pretensão tem por base a invocação da existência de um contrato individual de trabalho, pois que para tanto, invoca a ilicitude do seu despedimento, tendo por base o disposto nos artigos 436.º, n.º 1, 437.º, n.º 1, 438.º, n.º 1 e 439.º, n.ºs 1, 2 e 3, todos do Código de Trabalho [salientamos que a Autora se reporta a estes normativos do Código de Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de agosto, que foi revogada pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, sendo que neste diploma, os artigos 389.º, 390.º e 391.º do Código de Trabalho aprovado por esta Lei, tratam da mesma matéria sinalizada pela Autora].

E sob o primeiro dos pedidos formulados sob o primeiro capitulo do pedido enunciado a final da Petição inicial, o que a Autora peticiona é a declaração da existência de um contrato de trabalho para com o Réu, que a ter existido, tem de ser apreciada e decidido pelo Tribunal competente em razão da matéria, que integra a jurisdição dos Tribunais comuns.

A Autora não tem constituída a seu favor uma relação jurídica de emprego público, e de resto assim não o alega nos articulados por si apresentados nos autos [Petição inicial e Réplica], antes pelo contrário.

Atentando no teor da Réplica apresentada pela Autora nos autos, vem a referir, de forma expressa, que “[…] celebrou um contrato de trabalho com o Réu através da adjudicação de diversos contratos de prestação e serviços.” e que se encontra por isso preenchido o artigo 12.º, n.º 1 do Código do Trabalho, nas suas várias alíneas presumindo-se dessa forma pela existência de contrato de trabalho, tendo enfatizado que “… estava ligada ao Réu por um contrato de trabalho e foi despedida ilicitamente por este.”, e que “… Através da presente ação pretende a Autora que o Tribunal declare a ilicitude do ato de despedimento”.

Efectivamente, atentos os termos por que a Autora fixou a acção, em face do que são os seus pressupostos, os seus objectivos, desde logo em torno da causa de pedir e do pedido formulado, e tendo presente o entendimento reiterado prosseguido pela jurisprudência dos nosso Tribunais Superiores, a competência material do tribunal que deve apreciar a sua pretensão é aferida em função do modo como vem por si configurada a acção, questão que se fixa no momento em que a acção é proposta, relevando especialmente para esse desiderato os termos e os pressupostos por que estrutura a causa que traz a Tribunal, em busca de tutela jurisdicional, e o modo como formula essa sua pretensão.

Em sede das conclusões das suas Alegações de recurso, a Autora não deixa de prosseguir na formulação da expressão do que é a sua pretensão, dando o enfoque na particularidade de a entidade para quem prestou funções ser uma entidade de direito público, ou seja, de que é uma entidade empregadora pública, e que por isso as relações de trabalho com ela estabelecidas caem no âmbito do conhecimento dos tribunais da jurisdição administrativa, por em seu entender estarmos em face de um vínculo de emprego público, assente num seu pressuposto, que é decorrente de a sua atividade ser prestada de forma subordinada e mediante remuneração, a um empregador público.

Porém, a Autora ora Recorrente não alegou na Petição inicial ser detentora de qualquer vínculo de emprego público, nem formula a final a Petição inicial pedido no sentido do reconhecimento de um contrato de trabalho em funções públicas, em termos da constituição de um vínculo de emprego público, sendo irrelevante que o tenha vindo a fazer em sede de Alegações de recurso.

Como assim julgamos, está em causa um litígio emergente de uma relação contratual já existente há vários anos, e relativamente à qual a Autora não identifica ter na sua base um contrato de trabalho em funções públicas, ou melhor, de estarmos perante um litígio emergente de um vinculo de emprego público.

Deste modo, julgamos assim que a situação em apreço nos autos tem o seu enquadramento na alínea b), do n.º 4 do artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

Ou seja, a Autora ora Recorrente não fica desprovida de tutela jurisdicional efectiva, por via do acesso ao direito e aos tribunais, só que sendo a competência dos tribunais uma questão de ordem pública, e que de resto é de conhecimento oficioso, a apreciação e decisão do bem fundado da sua pretensão tem de ser feita junto dos Tribunais judiciais, mesmo sendo a entidade para quem prestou trabalho, de direito público.

Termos em que tem assim, forçosamente, de improceder a pretensão recursiva do Recorrente.

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E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO:

DESCRITORES: Prestação de serviços; Contrato de trabalho; Competência dos tribunais administrativos

1 - Atentos os termos por que a Autora fixou a acção, em face do que são os seus pressupostos, os seus objectivos, desde logo em torno da causa de pedir e do pedido formulado, e tendo presente o entendimento reiterado prosseguido pela jurisprudência dos nosso Tribunais Superiores, a competência material do tribunal que deve apreciar a sua pretensão é aferida em função do modo como vem por si configurada a acção, questão que se fixa no momento em que a acção é proposta, relevando especialmente para esse desiderato os termos e os pressupostos por que estrutura a causa que traz a Tribunal, em busca de tutela jurisdicional, e o modo como formula essa sua pretensão.

2 - Está em causa um litígio emergente de uma relação contratual já existente há vários anos, e relativamente à qual a Autora ora Recorrente não identifica ter na sua base um contrato de trabalho em funções públicas, ou melhor, de estarmos perante um litígio emergente de um vinculo de emprego público.

3 - O facto de, como assim refere a Autora ora Recorrente, ter exercido funções públicas, em face do âmbito das funções desenvolvidas e nas instalações da entidade pública, com utilização de meios e facilidades dessa mesma entidade, e por ser transportada em veículo do Estado Português, tal não é bastante para efeitos de ser atribuído aos tribunais da jurisdição administrativa [tribunais administrativos] o conhecimento da questão controvertida que a eles trouxe, e de a retirar da alçada dos tribunais da jurisdição comum [tribunais de trabalho].

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IV – DECISÃO

Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Subsecção Administrativa Social da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, Acordam em conferência em NEGAR PROVIMENTO ao recurso de Apelação deduzido por «AA», confirmando a Sentença recorrida.


*
Custas a cargo da Recorrente - Cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.


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Notifique.

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Porto, 11 de outubro de 2024.

Paulo Ferreira de Magalhães, relator
Rogério Martins
Fernanda Brandão