Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO
«AA» instaurou Acção Administrativa contra o INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P., ambos melhor identificados nos autos, peticionando que a acção seja declarada procedente, devendo, em consequência, “ser revogado o ato impugnado, e condenada a entidade demandada - INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P. - a proferir decisão que defira o requerimento para pagamento das prestações de desemprego à A., no montante e durante o período de tempo fixados por Lei”.
Por decisão proferida pelo TAF do Porto foi julgada procedente a acção, anulado o acto impugnado e condenada a Entidade Demandada à prática do acto devido consubstanciado na prolação de decisão de deferimento do subsídio de desemprego impetrado pela Autora, com as demais consequências legais.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, a Entidade Demandada formulou as seguintes conclusões:
1 - A sentença recorrida violou, por erro de interpretação e aplicação, o - art.º 22.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro, o art. 34º nº 3 da Lei n.º 32/2002 (Lei de Bases da Segurança Social, - 29.º e ainda art. 254 e 256 do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social,
2 - Na verdade, uma vez que a sentença recorrida foi já proferida depois das contribuições devidas e necessárias para preencher o prazo de garantia da prestação de desemprego estarem prescritas, considerando válidos os respectivos períodos contributivos sem que se mostrem pagas as respectivas contribuições, a sentença viola, e de forma grosseira, a aplicação da Lei, nomeadamente ao não aplicar o regime do art. 256º do Código dos regimes contributivos da Segurança Social, que exige o pagamento efectivo para que se possam retirar efeitos dos períodos contributivos prescritos.
2 - Por outro lado, e mesmo quanto à parte das contribuições não prescritas, a sentença recorrida dá como provados factos sem qualquer contraditório por parte do aqui R., tendo por base apenas os factos descritos na petição inicial duma acção laboral, que veio a terminar sem julgamento e por transacção, transacção essa aliás onde ambas as partes acordaram em desistir de apurar os períodos contributivos devidos mediante o pagamento duma indemnização por não terem sido efectuados os descontos .
3 - E, portanto, não podia o tribunal tomar em conta esses factos alegados numa petição inicial laboral, numa acção laboral que termina numa transacção onde nada se diz sobre o período laboral reivindicado, pelo contrário, as partes aceitam que a A. não tem direito ao subsídio de desemprego por não ter efectuado descontos, e o R. Entidade patronal até paga uma compensação por esse facto, nenhuma das partes procedendo ao pagamento das contribuições , nem sequer as não prescritas. violando assim o direito ao contraditório do R.
4 - Além do mais, resulta dos autos que a A. pediu e recebeu uma compensação por não terem sido efectuados descontos, (e por isso não ter tido direito ao subsídio de desemprego), não procedendo além do mais ao pagamento posterior desses descontos, e, depois, veio pedir ao R. ISS o pagamento do subsídio de desemprego com base nesses descontos que a EE não efectuou junto da SS, mas que embolsou a compensação destes.
5 - Pelo que a sentença, ao deferir a pretensão da A. neste condicionalismo acolhe um manifesto abuso de direito por parte da A., e uma flagrante má fé, em violação do art. 334º do código civil.
6 - Finalmente, ao pretender aplicar, com força obrigatória, ao R. ISS factos alegados em processo judicial onde este ISS não foi parte tendo de o ser para que a sentença produzisse efeitos, (mas desatendendo o facto da A. ter recebido uma compensação por não terem sido efectuado descontos), além da violação do art. 256º do CRCSS, é também uma flagrante violação do direito de defesa e do direito ao contraditório do R., que foi confrontado com factos em relação aos quais não teve a oportunidade de contraditar. Factos esses que, para lhe serem oponíveis, teriam de ter sido discutidos em acção na qual o aqui R. fosse também parte.
Termos em que, revogando a sentença recorrida e absolvendo o R. do pedido na sua totalidade fará este Tribunal inteira Justiça
A Autora juntou contra-alegações, concluindo:
1.ª A decisão recorrida, e a sua motivação, não merecem qualquer censura,2.ª Razão pela qual, deverá ser mantida e confirmada na íntegra.
Termos em que a presente apelação da A. deverá ser julgada improcedente, mantendo-se e confirmando-se a sentença proferida nos autos, com o que será feita a melhor JUSTIÇA.
A Senhora Procuradora Geral Adjunta notificada, nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO
Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
A. A Autora foi admitida ao serviço de “«BB»”, NIF ...87..., com domicílio para o efeito na Rua ..., ..., ... ..., mediante contrato de trabalho verbal, celebrado no dia 21.07.2018 – cfr. motivação da matéria de facto.
B. Apenas em 02.12.2019, a Autora e “«BB»” assinaram um contrato escrito, por tempo indeterminado – Cfr. doc. n.º 2 da p.i.,
C. passando esta, desde essa data e até 15.04.2020, a estar enquadrada no regime da segurança social como trabalhadora por conta de outrem – facto não controvertido.
D. Relativamente à aqui Autora, o referido empresário não procedeu ao enquadramento e envio de importâncias para a Segurança Social, entre 21.07.2018, e 02.12.2019 – facto não controvertido.
E. Por ofício datado de 06.04.2020, o referido empresário enviou uma comunicação à Autora com o seguinte teor:
“Serve a presente para comunicar que pretendemos rescindir, a partir do dia 15 de Abril do corrente ano o contrato de trabalho que a vincula à nossa empresa desde o dia 02 de Dezembro de 2019. Na sequência desta nossa decisão está o facto de estarmos a atravessar uma conjuntura económica difícil, fruto da “COVID 19”, à qual a nossa área de trabalho não é alheia, inclusivé por imposição do Governo, por decreto, fomos obrigados a fechar por tempo indeterminado, as nossas lojas comerciais.
Por estes factos, iremos rescindir o referido contrato que consigo celebramos, de acordo com o estipulado no art.º 112.º, n.º 1, alínea a), do código do trabalho. ...º – cfr. doc. n.º 2 da p.i.
F. A Autora intentou acção judicial de impugnação de despedimento contra “«BB»”, acção essa que correu os seus termos no Juízo do Trabalho de Valongo – Juiz ..., sob o n.º 2872/20.... – cfr. doc. n.º 2 da p.i.
G. No âmbito do processo judicial referido na alínea f), em sede de audiência de julgamento, em 31.05.2021, foi obtida transação homologada por sentença dessa mesma data, constante de fls. do PA.
H. Em 15.06.2020, «BB» subscreveu “declaração e situação de desemprego”, relativamente à aqui Autora, indicando como motivos de cessação do contrato de trabalho “despedimento por extinção do posto de trabalho” – Cfr. PA.
I. A Autora solicitou junto dos serviços da Segurança Social a atribuição de prestações de desemprego, apresentado em 23.04.2020 – cfr. PA.
J. Por requerimento datado de 30.07.2021, remetido pelos Mandatários da Autora aos serviços da segurança social, foi requerido o seguinte:
“Tendo em conta tudo o acima alegado, vimos requerer a esse Instituto que, efectuadas as diligências que entender necessárias, intime o referido empresário a proceder ao pagamento à Segurança Social dos descontos efetuados pela nossa constituinte entre 21/07/2018 e 02/12/2019, e que, feitos esses pagamentos pelo referido empresário, procedam ao pagamento, pelo tempo e montante adequado, do subsídio de desemprego à nossa Constituinte” – cfr. PA.
K. Por ofício datado de 02.06.2022, remetidos pelos serviços da Segurança Social à aqui Autora, foi comunicado o teor do despacho proferido pela Directora de Núcleo de Prestações de Desemprego em 05.05.2022, de concordância com a informação com o seguinte teor que ora se transcreve na parte que releva:
“A Beneficiária acima identificada foi notificada do sentido provável de indeferimento da atribuição do Subsídio Social de Desemprego Inicial, para efeitos de audiência de interessados nos termos do artigo 121.º do Código de Procedimento Administrativo.
O fundamento para tal residia no facto de à data da cessação do contrato de trabalho não ter prazo de garantia de 360 dias de trabalho por conta de outrem, com o correspondente registo de remunerações, num período de 24 meses imediatamente anterior à data de desemprego, para atribuição de Subsidio de Desemprego, conforme determina o n.º 1 do art.º 22.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro, alterado e republicado pelo Dec. Lei 7212010 de 18 de Junho, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 64/2012 de 15 de Março.
Verificou-se, igualmente, que a beneficiária não reunia prazo de garantia de 180 dias de trabalho por conta de outrem, com o correspondente registo de remunerações, num período de 12 meses imediatamente anterior à data do desemprego, para atribuição de Subsídio Social de Desemprego, conforme o n.º 2 do mesmo art.º e diploma supramencionados.
Perante tal notificação, em 23-11-2020, a beneficiária responde, fazendo uma exposição onde manifesta a sua discordância quanto à decisão proposta, dizendo:
Venho por este meio reclamar por V. Ex. ainda não e terem respondido a sucessivos pedidos de resposta à atribuição do subsídio de desemprego a que penso ter direito.
Em 21/07/2018 iniciei o meu trabalho na empresa do Sr. «BB», onde trabalhei até 15/04/2020, acontece que contra a minha vontade o sr «BB» não procedeu ao envio dos descontos para a Seg Social..
O que me levou a recorrer ao Tribunal para resolver a situação o que veio a resultar numa decisão que o obrigou a pagar uma compensação em prestações que mais uma vez veio a não cumprir, tal como com os descontos para a SegSocial.
Tenho procurado por mais que uma vez resposta a este meu problema até hoje sem qualquer resultado, o Advogado já enviou para V. Exs uma exposição aos vossos serviços acontece que até hoje também não teve resposta,(Junto cópia da exposição).
Por entender não ser correto poder ser prejudicada por incumprimentos, de patrões, e me ser devida resposta sou a solicitar de novo resposta até porque a minha situação está tomar-se insustentável já não conseguindo fazer face as minhas despesas pessoais.
Consultada a base de dados do Sistema de Informação da Segurança Social (SISS), confirma-se que à data desemprego, a beneficiária apresentava apenas 190,5 dias de registo de remunerações de trabalho por conta de outrem, no período de 24 meses imediatamente anteriores àquela data, e que apresenta apenas registo de remunerações de trabalho por conta de outrem de 54,5 dias, nos 12 meses que antecedem a data do desemprego.
Face à informação de que dispomos, designadamente a Ata de Audiência de Julgamento, que nada refere quanto à data inicio da prestação laboral, conjugado com o facto de não existirem rendimentos declarados em sede de IRS no ano de 2018 por esta Entidade, as data de enquadramento de 2019-12-02 a 2020-04-15, afiguram-se corretas, salvo se forem apresentadas provas conducentes ao apuramento efetivo de data de enquadramento anterior, o que não é o caso.
Ora, assim sendo, verifica-se que a beneficiária não apresenta prazo de garantia nem para a atribuição de subsidio de desemprego, nem para subsidio social de desemprego inicial” – cfr. doc. n.º 1 da pá.
L. Por ofício datado de 14.12.2022, remetido pela Entidade Demandada à aqui Autora, foi comunicado o seguinte:
“Informa-se V Ex.ª de que o requerimento acima indicado será indeferido se, no prazo de 5 dias úteis, a conta da data da recepção deste ofício, não der entrada nestes serviços, resposta por escrito, da qual constem elementos que possam obstar ao indeferimento, juntando meios de prova se for caso disso,
Os fundamentos para o indeferimento são os a seguir indicados:
- Não ter prazo de garantia de 360 dias de trabalho por conta de outrem, com o correspondente registo de remunerações, num período de 24 meses imediatamente anterior à data de desemprego, para a atribuição de subsídio de desemprego (n.º 1 do art. 22.º do Decreto Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro, alterado pelo Decreto Lei n.º 64/2012).
- Não ter igualmente, prazo de garantia de 180 dias de trabalho por conta de outrem, com o correspondente registo de remunerações num período de 12 meses imediatamente anterior à data do desemprego, para atribuição de Subsídio de Desemprego (n.º 2 do art. 22.º do Decreto-Lei nº 220/2006, de 3 de Novembro)” – Cfr. PA.
DE DIREITO
É entendimento pacífico na doutrina e jurisprudência, com consagração nos artigos 635.º, n.º(s) 4 e 5, 639.º, n.º(s) 1 e 2 e artigos 1.º, 140.º, n.º 3 e 146.º, n.º 4 do CPTA que o objeto do recurso se encontra delimitado pelas conclusões extraídas da motivação, pelo respetivo recorrente, o que se traduz no impedimento do tribunal ad quem de conhecer de matéria que aí não tiver sido invocada, exceto as situações de conhecimento oficioso, seja de mérito ou de natureza adjetiva.
Assim,
Ao contrário do defendido pela Apelante, a decisão recorrida não merece censura.
Com efeito, da sentença consta o seguinte: Em face do requisito do acesso às prestações por desemprego a que se refere o artigo 22º nº 1 do DL. nº 220/2006, de 22 de novembro, nos termos do qual o trabalhador deve ter trabalhado um número mínimo de dias num determinado período de tempo anterior à situação de desemprego, ou seja, 365 dias de trabalho no período de 24 meses imediatamente anterior à data do desemprego, conclui-se que a Autora preenche tal requisito, considerando que o início da actividade laboral em causa ocorreu em 21.07.2018 e perdurou até 15.04.2020.
Tal como se avançou, não impede o reconhecimento desse requisito, a falta da entrega das declarações mensais das remunerações (e do pagamento das respectivas contribuições à Segurança Social), que não sejam imputáveis ao trabalhador, como sucede na presente acção, já que em tal caso este não pode ser prejudicado no direito às prestações sociais, como é expressamente salvaguardado pelo artigo 61.º, n.º 4, da Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro.
Revemo-nos nesta leitura
E a esta conclusão não obstam os argumentos avançados pela Entidade Demandada na sua contestação, em face do regime legal acabado de expor, que naturalmente não pode deixar de ser garantístico do trabalhador, e possibilitando mesmo o suprimento oficioso por parte da entidade demandada perante o incumprimento dos deveres legais de comunicação da relação contributiva pelas entidades empregadoras.
Por isso, embora o Réu invoque, perante a ausência de comunicação de tal enquadramento, que desconhece qual o salário da Autora, e quais os descontos devidos, não se pode olvidar que a Autora alega que o seu salário correspondia ao salário mínimo, o que é de Lei, e como tal nenhuma objeção ao cálculo das prestações sociais. Aliás, isso mesmo foi alegado pela Autora no proc. 2872/20.... (cfr. arts. 15.º e 16.º) e não mereceu impugnação da sua entidade patronal.
Ademais não se pode acompanhar a Entidade Demandada quando afirma que é lícito ao R. interpretar que a A., mediante o texto do acordo, e ao pagamento da indemnização, considera-se compensada pelo eventual prejuízo na sua carreira contributiva, e pensão de reforma e nas prestações sociais que pudesse ter direito, pelo facto da EE não ter procedido aos descontos legais na íntegra e que renuncia a provar em juízo a eventual obrigação da EE em efectuar os descontos.
Lido o termo de transação junto aos autos e que findou o processo 2872/20...., nenhum elemento, desde logo textual, permite afirmar que a indemnização acordada implica qualquer renúncia pela Autora, desde logo, ao nível do enquadramento contributo para efeito de acesso às prestações sociais, nem que a Autora se conformava com o facto de a sua entidade patronal não ter procedido aos descontos legais integrais e devidos.
Também não se pode aceitar a alegação de que ao Tribunal está vedado tomar conhecimento de uma relação de trabalho e de um período laboral, porquanto, tal como resulta dos arestos citados, nada impede que, a título incidental e para efeitos da verificação das condições de atribuição da prestação social, o Tribunal conheça do período laboral em causa, nomeadamente para efeitos do período de garantia.
Em suma, dado como preenchido o requisito cuja verificação a Entidade Demandada recusou (período de garantia), resta concluir pela procedência da acção, condenando-se, em consequência, a Entidade Demandada a proferir decisão de deferimento do subsídio de desemprego, nos termos legais, em condições a aferir em sede procedimental.
De facto, assim é.
Verifica-se que a sentença proferida nos autos se encontra devidamente fundamentada e se alicerça em jurisprudência que acompanhamos.
Não merece qualquer reparo, antes se impondo a sua confirmação.
Em suma,
De salientar que o probatório não vem posto em causa;
Deste modo, tanto a Autora, como a sua entidade patronal, nesta acção revelaram uma situação de falta de entrega dos descontos para a segurança social referente a determinado período, vindo mesmo a confluir - por ausência de impugnação ou controvérsia - que a duração da relação laboral que os unia teve início em 21.07.2018 e duração até ao dia 15.04.2020;
Conjugados os referidos elementos probatórios, perante o assumir dessas posições, tinha o Tribunal de dar como verificada a referida factualidade;
Como emerge da jurisprudência citada, requisito do acesso às prestações por desemprego a que se refere o artigo 22º nº 1 do DL. nº 220/2006, de 22 de novembro é o trabalhador ter trabalhado um número mínimo de dias num determinado período de tempo anterior à situação de desemprego, que o artigo 3º do DL. nº 324/2009 veio a fixar em 365 dias de trabalho no período de 24 meses, imediatamente anterior à data do desemprego, refletidos nas declarações mensais das remunerações (o respetivo registo constante do sistema da Segurança Social).
Isto não prejudica, no entanto, as situações em que a falta da entrega das declarações mensais das remunerações (e do pagamento das respetivas contribuições à Segurança Social), não sejam imputáveis ao trabalhador, já que em tal caso este não pode ser prejudicado no direito às prestações sociais, como é expressamente salvaguardado pelo artigo 34º nº 3 da Lei n.º 32/2002 (Lei de Bases da Segurança Social) onde se dispõe que “...a falta de declaração do exercício de atividade profissional ou a falta do pagamento de contribuições relativas a períodos de exercício de atividade profissional dos trabalhadores por conta de outrem que lhes não seja imputável não prejudica o direito às prestações”;
A mera circunstância formal de não constarem do registo de remunerações da Segurança Social o número mínimo de dias necessário ao preenchimento do prazo de garantia para o direito às prestações por desemprego (cfr. artigos 22º nº 1 do DL. nº 220/2006 e 3º do DL. nº 324/2009) não é fundamento legítimo para ser negado esse direito, caso se constate que foram omitidos pela entidade empregadora dias de trabalho, que não foram por ela declarados, como era devido, por terem sido prestados;
Não se pode alhear que a anterior entidade patronal, em sede judicial admitiu/confessou mesmo que “não procedeu aos descontos para a segurança social”, não colocando em causa, ademais, a data de admissão da Autora (21.07.2018) donde se conclui que foram omitidos pela entidade empregadora da Autora dias de trabalho, que não foram por ela declarados, dispondo por isso a Entidade Demandada de elementos indiciadores do incumprimento pela referida entidade patronal do correcto enquadramento contributivo da Autora, prevendo-se na lei a possibilidade de suprimento oficioso, ainda que sem prejuízo dos poderes de diligências instrutórias que houvesse lugar pela Entidade Demandada;
Deste modo, resulta claro da factualidade apurada nos autos que a Autora foi admitida ao serviço de “«BB»”, NIF ...87..., com domicílio para o efeito na Rua ..., ..., ... ..., mediante contrato de trabalho verbal, celebrado no dia 21.07.2018 e que apenas em 02.12.2019, a Autora e “«BB»” assinaram um contrato escrito, por tempo indeterminado passando esta, desde essa data e até 15.04.2020, a estar enquadrada no regime da segurança social como trabalhadora por conta de outrem;
Assim, pese embora a relação laboral em causa se tenha iniciado em 21.07.2018, a entidade empregadora apenas procedeu à entrega das declarações de remunerações no período correspondente entre 02.12.2019 a 15.04.2020;
A falta de declaração de admissão da trabalhadora/Autora na data devida (21.07.2018), bem como a omissão da entrega de todas as declarações mensais das remunerações (o respectivo registo constante do sistema da Segurança Social), não podem ser imputáveis à Autora, considerando os deveres de comunicação que recaíam sobre a sua entidade patronal, por força do art. 29.º do Código Contributivo, valendo aqui o disposto no art. 61.º n.º 4, da Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro;
Há que ter em consideração que a proteção da situação de desemprego se situa no âmbito do subsistema previdencial, pelo que é dependente da inscrição obrigatória do trabalhador e do cumprimento das respetivas obrigações contributivas, e bem assim que a proteção da eventualidade de desemprego, coberta pelo regime da segurança social, é realizada pela concessão de prestações pecuniárias destinadas precisamente a substituir os rendimentos da atividade profissional perdidos;
Não constitui fundamento válido de indeferimento da prestação social em causa a mera circunstância formal de não constarem do registo de remunerações da Segurança Social o número mínimo de dias necessário ao preenchimento do prazo de garantia para o direito às prestações por desemprego, na situação, comprovada nos autos, em que a falta de entrega de declarações de remunerações, com o correspetivo registo na Segurança Social não é imputável ao trabalhador, mas antes à sua entidade patronal, o que, repete-se, não pode prejudicar o direito do trabalhador às prestações;
Acresce que não se pode acompanhar a Entidade Demandada quando afirma que é lícito ao R. interpretar que a A., mediante o texto do acordo, e o pagamento da indemnização, considera-se compensada pelo eventual prejuízo na sua carreira contributiva, e pensão de reforma e nas prestações sociais a que pudesse ter direito, pelo facto da EE não ter procedido aos descontos legais na íntegra e que renuncia a provar em juízo a eventual obrigação da EE em efectuar os descontos;
É que, lido o termo de transação junto aos autos e que findou o processo 2872/20...., nenhum elemento, desde logo textual, permite afirmar que a indemnização acordada implica qualquer renúncia pela Autora, desde logo, ao nível do enquadramento para efeito de acesso às prestações sociais, nem que a Autora se conformava com o facto da sua entidade patronal não ter procedido aos descontos legais integrais e devidos;
Também não se aceita a alegação de que ao Tribunal está vedado tomar conhecimento de uma relação de trabalho e de um período laboral, porquanto nada impede que, a título incidental e para efeitos da verificação das condições de atribuição da prestação social, o Tribunal conheça do período laboral em causa, nomeadamente para efeitos do período de garantia;
Preenchido o requisito cuja verificação a Entidade Demandada recusou (período de garantia), restava concluir pela procedência da acção;
Tudo o resto constitui matéria nova;
Como se lê em António Santos Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2018, Almedina, pág. 119: “… os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando estas sejam de conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha os elementos imprescindíveis. Seguindo a terminologia proposta por Teixeira de Sousa, podemos concluir que tradicionalmente temos seguido um modelo de reponderação que visa o controlo da decisão recorrida, e não um modelo de reexame que permita a repetição da instância no tribunal de recurso. Compreendem-se perfeitamente as razões que levaram a que o sistema tenha sido assim desenhado. A diversidade de graus de jurisdição determina que, em regra, os Tribunais Superiores apenas devem ser confrontados com questões que as partes discutiram nos momentos próprios. Quando respeitem à matéria de facto mais se impõe o escrupuloso respeito de tal regra, a fim de obviar a que, numa etapa desajustada, se coloquem questões que nem sequer puderam ser convenientemente discutidas ou apreciadas”.
Os recursos são meios de impugnações judiciais e não vias de julgamento de questões novas. Ou seja, é função do recurso a reapreciação da decisão recorrida e não proceder a um novo julgamento da causa pelo que o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que a ela não foram submetidos.
Como é jurisprudência uniforme, os recursos, nos termos do artigo 627º do CPC (ex vi artº 140º/3 do CPTA), são meios de impugnações judiciais e não meios de julgamento de questões novas; é função do recurso no nosso sistema jurídico, a reapreciação da decisão recorrida e não proceder a um novo julgamento da causa pelo que o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que não hajam sido formulados.
Como decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25/03/2009, proferido no âmbito do processo nº 09P0308:
“I-É regra geral do regime dos recursos que estes não podem ter como objecto a decisão de questões novas, que não tenham sido especificamente tratadas na decisão de que se recorre, mas apenas a reapreciação, em outro grau, de questões decididas pela instância inferior. A reapreciação constitui um julgamento parcelar sobre a validade dos fundamentos da decisão recorrida, como remédio contra erros de julgamento, e não um julgamento sobre matéria nova que não tenha sido objecto da decisão de que se recorre.
II-O objecto e o conteúdo material da decisão recorrida constituem, por isso, o círculo que define também, como limite maior, o objecto de recurso e, consequentemente, os limites e o âmbito da intervenção e do julgamento (os poderes de cognição) do tribunal de recurso.
III-No recurso não podem, pois, ser suscitadas questões novas que não tenham sido submetidas e constituído objecto específico da decisão do tribunal a quo; pela mesma razão, também o tribunal ad quem não pode assumir competência para se pronunciar ex novo sobre matéria que não tenha sido objecto da decisão recorrida.”
Dito de outro modo, os recursos são instrumentais ao reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores e não servem para proferir decisões sobre matéria nova, isto é, que não tenha sido submetida à apreciação do tribunal de que se recorre.
Os recursos jurisdicionais visam a reapreciação de decisões de tribunais de grau hierárquico inferior, tendo em vista a sua alteração ou anulação por erro de facto ou de direito das mesmas, não sendo admissível no recurso o conhecimento de questões que não foram colocadas nem apreciadas na decisão recorrida e que não são de conhecimento oficioso - Acórdão do STA, de 26/09/2012, proc. 0708/12.
Os recursos são específicos meios de impugnação de decisões judiciais, que visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões sobre matéria nova. Por isso, e em princípio, não se pode neles tratar de questões que não tenham sido apreciadas pela decisão impugnada, salvo questões novas de conhecimento oficioso e não decididas com trânsito em julgado - Acórdão do STA, de 13/11/2013, proc. 01460/13.
Em sede de recurso jurisdicional não pode ser conhecida questão nova, que o recorrente não tenha oportunamente alegado nos seus articulados, designadamente a invocação de um novo vício do ato impugnado, por essa matéria integrar matéria extemporaneamente invocada sobre a qual a sentença impugnada não se pronunciou, nem podia pronunciar-se - Acórdão do TCA Sul, proc.° 5786/09, de 3 de fevereiro.)
O objectivo do recurso jurisdicional é a modificação da decisão impugnada, pelo que, não tendo esta conhecido de determinada questão por não ter sido oportunamente suscitada, não pode o Recorrente vir agora invocá-la perante o tribunal ad quem, porque o objecto do recurso são os vícios da decisão recorrida.
Nestes termos, os novos “vícios” invocados não serão enfrentados nesta sede.
Improcedem as Conclusões das alegações.
DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
Notifique e DN.
Porto, 12/7/2024
Fernanda Brandão
Rogério Martins
Paulo Ferreira de Magalhães |