Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00039/20.0BELSB |
Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
Data do Acordão: | 10/11/2024 |
Tribunal: | TAF do Porto |
Relator: | RICARDO DE OLIVEIRA E SOUSA |
Descritores: | OMISSÃO DE PRONÚNCIA; CONHECIMENTO POR SUBSTITUIÇÃO; |
Sumário: | I – A nulidade de sentença, por omissão de pronúncia [art. 615.º n.º 1 d) do CPC], é um vício que ocorre quando o Tribunal não se pronuncia sobre questões atinentes ao mérito da causa, situação que se divisa na decisão judicial recorrida quanto ao pedido reconvencional formulado nos autos. II – Nos termos da normação contida no artigo 149.º, n.º 1, do CPTA, apurada a existência desta nulidade, o Tribunal de Recurso não deve limitar-se a reenviar o processo ao tribunal a quo, antes deve prosseguir apreciando as demais questões que constituem objeto da apelação, in casu, do pedido reconvencional formulado nos autos. III- Só assim não será se o Tribunal de Recurso não dispuser de todos os elementos necessários para conhecer do mérito da instância reconvencional, concretamente, se for necessário produzir prova sobre factos que integram a causa de pedir reconvencional, eventualidade que ocorrerá, sobretudo, quando não se realizou audiência final, em virtude da procedência de eventual matéria excetiva suscitada nos autos, que é, manifestamente, a situação no caso em apreço. IV- Deste modo, e sopesando que a instância reconvencional nem sequer foi admitida em curso, o que torna absolutamente qualquer resolução em torno do conhecimento do mérito da mesma um exercício inócuo e estéril, por desprovido de qualquer fundamento, não pode operar aqui o conhecimento por substituição, o que, aliás, bem se harmoniza com a proteção do princípio da tutela jurisdicional efetiva, sob pena de supressão de um grau de recurso.* * Sumário elaborado pelo relator (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
Votação: | Unanimidade |
Meio Processual: | Acção Administrativa Comum |
Decisão: | Conceder provimento ao recurso. |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte - Secção de Contencioso Administrativo, subsecção de Contratos Públicos: * * I – RELATÓRIO 1. A APDL - ADMINISTRAÇÃO DOS PORTOS DO DOURO E LEIXÕES, S.A., Ré nos presentes autos de AÇÃO ADMINISTRATIVA em que é Autora a sociedade comercial [SCom01...], LDA., vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do T.A.F. do Porto, editada em 29.07.2022, que julgou “(…) verificada a excepção dilatória de falta de interesse em agir e, em consequência, absolve[u] (…) a Ré da presente 2. Alegando, a Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…) A) A Recorrente, em sede de contestação e na observância do disposto nos artigos 93°, 266° n°s 1 e 2 e 583° do CPC, deduziu contra a Recorrida pedido reconvencional, naturalmente “autónomo e independente” dos demais pedidos formulados, que se esgotavam no pedido de procedência das excepções por si deduzidas com a sua absolvição da instância ou quando assim se não entendesse no pedido de improcedência da acção com a sua absolvição do pedido. B) No pedido reconvencional a Recorrente alegou causa de pedir e formulou pedido que não foi, de forma séria, posto em causa pela Recorrida, que aliás confessa expressamente os erros e omissões que lhe são imputados. C) Ao Juiz cabe resolver todas as questões que as partes submetam à sua apreciação, incumbindo-lhe pronunciar-se sobre as mesmas, sob pena de omissão que fere de nulidade a sentença, tudo nos exactos termos do disposto nos artigos 608°/2 e 615°/1 d) do CPC. D) A improcedência da acção e a absolvição da instância não obstam à apreciação do pedido reconvencional regularmente deduzido, a menos que este dependa do formulado pelo Autor, pelo que, mesmo que verificada a excepção dilatória de falta de interesse em agir e a consequente absolvição da Ré da instância, sempre o Tribunal a quo deveria ter-se pronunciado acerca do pedido reconvencional- artigo 266°/6 do CPC E) Sobre o Tribunal pendia a obrigação de conhecer do mérito da instância reconvencional, impondo-se ao Senhor Juiz a quo produzir uma decisão final que corresponda à resolução justa do conflito F) Decidindo como decidiu o Senhor Juiz a quo violou os artigos 93°, 266° n°s 1 e 2, 583°, 608°/2 e 615°/1 do CPC. (…)”. * 3. Notificada que foi para o efeito, a Recorrida apresentou contra-alegações, que rematou com o seguinte quadro conclusivo: “(…) O tribunal a quo proferiu sentença julgando procedente a excepção dilatória de falta de interesse em agir, absolvendo a ré da instância relativamente aos pedidos formulados, e por consequência ficou prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas, designadamente o pedido reconvencional da ora recorrente. A recorrente, inconformada com a decisão, apresentou recurso de apelação alegando a nulidade da sentença proferida, por omissão de pronúncia quanto ao pedido reconvencional. Nos termos do n.° 6 do artigo 266.° do CPC, conjugado com o artigo 1.° do CPTA, “^ improcedência da acção e a absolvição do réu da instância não obstam à apreciação do pedido reconvencional regularmente deduzido, salvo quando este seja dependente do formulado pelo autor.” (sublinhado nosso). Consideramos que, o pedido reconvencional apresentado pela recorrente estava na dependência do pedido formulado pela ora recorrida, pois para que o pedido reconvencional procedesse, o pedido da ora recorrida teria que ser indeferido e, por consequência, revogada a deliberação tomada pelo Conselho de Administração da APDL de 18.07.2019, o que não aconteceu por ser verificar a excepção dilatória de falta de interesse em agir. Nos termos do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.°425/16.0YIPRT.L1.S2, de 24.10.2019: “O pedido reconvencional estará dependente do pedido formulado pelo autor quando somente seja apreciado se o pedido do autor for julgado procedente”; “entendendo-se que um pedido reconvencional é dependente de um pedido formulado pelo Autor se este se destinar a ser conhecido apenas na hipótese de este último ser julqado procedente.”. Por outro lado, importa analisar a razão pela qual foi o pedido da recorrida indeferido. Nos termos do n.° 1 do artigo 307.° do Código dos Contratos Públicos, com a excepção dos casos previstos no número seguintes as declarações do contratante público sobre a interpretação e validade do contrato ou sobre a sua execução são meras declarações negociais, pelo que, na falta de acordo do cocontratante, o contraente público apenas pode obter os efeitos pretendidos através do recurso à acção administrativa. O n.° 2 do artigo 307.° do CCP estabelece de forma taxativa as declarações do contraente público que revestem a forma de acto administrativo, não se enquadrando o presente caso em nenhuma dessas hipóteses. Neste sentido, se concluiu, que a decisão de exercer o direito de ser indemnizada no valor global de € 9.779,04 (nove mil setecentos e setenta e nove euros e quatro cêntimos) constitui uma declaração negocial e não um acto administrativo, ao abrigo do n.° 2 do artigo 307.° do CCP, pelo que não tendo caracter imperativo. Atendendo que estamos perante uma declaração negocial, decidiu o Tribunal a quo pela ilegitimidade da recorrida na presente acção o que, por outro lado significa, que a recorrida para ver reconhecido o seu direito de ser indemnizada, nos termos do estatuído na Deliberação do Conselho de Administração, terá sempre que intentar em modo e tempo própria a competente acção judicial administrativa para o efeito. Não pode a recorrente aproveitar a presente acção, para peticionar o seu alegado direito de ser indemnizada. Atendendo ao exposto, ao abrigo do n.° 6 do artigo 266.° do CPC, decidiu bem o Tribunal a quo em abster-se de conhecer o pedido reconvencional da recorrente, atendendo que o mesmo estaria sempre na dependência do pedido principal (…)”. * 4. O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida, tendo ainda sustentado a inexistência de qualquer nulidade de sentença, por omissão de pronúncia. * 5. O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior emitiu parecer, ao abrigo do artigo 146.º do CPTA, no sentido da procedência do presente recurso. * 6. Com dispensa de vistos prévios, mas com prévia divulgação do projeto de acórdão pelos Senhores Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência. * * II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR 7. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA. 8. Neste pressuposto, a questão essencial a dirimir consiste em saber se a sentença recorrida, ao julgar nos termos e com o alcance explanados no ponto I) do presente aresto, incorreu nulidade de sentença, por omissão de pronúncia, dessa sorte, violando “(…) os artigos 93º, 266º nºs 1 e 2, 583º, 608º/2 e 615º/1 do CPC (…)”. 9. É na resolução de tal questão que se consubstancia a matéria que a este Tribunal Superior cumpre solucionar. * * III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A matéria de facto pertinente é a dada como provada na sentença «sub censura», a qual aqui damos por integralmente reproduzida, como decorre do art.º 663º, n.º 6, do CPC. * * IV – DO MÉRITO DA INSTÂNCIA DE RECURSO 10. Cumpre decidir, sendo que a única questão que se mostra controversa e objeto do presente recurso jurisdicional consiste em saber se a sentença recorrida incorreu nulidade de sentença, por omissão de pronúncia. 11. Realmente, a Recorrente clama que cabe “(…) ao Juiz cabe resolver todas as questões que as partes submetam à sua apreciação, incumbindo-lhe pronunciar-se sobre as mesmas, sob pena de omissão que fere de nulidade a sentença, tudo nos exatos termos do disposto nos artigos 608º/2 e 615º/1 d) do CPC (…)”. 12. Apregoa ainda que, em sede de contestação, deduziu contra a Recorrida um pedido reconvencional autónomo e independente dos demais pedidos formulados nos autos, impendendo, por isso, sobre o Tribunal a quo a obrigação de conhecer do mérito da instância reconvencional, o que não veio a suceder. 13. Termos em que conclui que o Tribunal, ao decidir como decidiu, “(…) violou os artigos 93º, 266º, nºs 1 e 2, 583º, 608º/2 e 615º/1 do CPC (…)”. 14. Vejamos, sublinhando, desde já, que, de acordo com o art. 608º n.º 2 do Código de Processo Civil (CPC), “(…) O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, (...)”. 15. A inobservância de tal comando é, como se sabe, sancionada com a nulidade da sentença: art. 615º, n.º 1, al. d) CPC. 16. O exato conteúdo do que sejam as questões a resolver de que falam tais normativos foi objeto de abundante tratamento jurisprudencial. 17. Destaca-se, nesta problemática, o Acórdão produzido por este Tribunal Central Administrativo Norte de 07.01.2016, no processo 02279/11.5BEPRT, cujo teor ora parcialmente se transcreve: “(…) As causas determinantes de nulidade de decisões judiciais correspondem a irregularidades que afetam formalmente a sentença e provocam dúvidas sobre a sua validade encontrando-se tipificadas, de forma taxativa, no artigo 615.º do CPC. O que não se confunde, naturalmente, com errados fundamentos de facto e/ou de direito. Determina o artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 1.º do CPTA, que a nulidade por omissão de pronúncia ocorre “quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”. Este preceito relaciona-se com o comando ínsito na primeira parte do n.º 2 do artigo 608.º do mesmo diploma, segundo o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, e não todos e cada um dos argumentos/fundamentos apresentados pelas partes, e excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras – cfr. Alberto Reis, Código de Processo Civil anotado, volume V, Coimbra 1984 (reimpressão); e os acórdãos, entre outros, do STA de 03.07.2007, rec. 043/07, de 11.9.2007, recurso 059/07, de 10.09.2008, recurso 0812/07, de 28.01.2009, recurso 0667/08, e de 28.10.2009, recurso 098/09 de 17/03/2010, rec. 0964/09). Do mesmo modo estipula o artigo 95.º do CPTA que “Sem prejuízo do disposto no número seguinte, o tribunal deve decidir, na sentença ou acórdão, todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras”. Questões, para este efeito, são pois as pretensões processuais formuladas pelas partes no processo que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os específicos de qualquer ato (processual), quando realmente debatidos entre as partes – cfr. Antunes Varela in RLJ, Ano 122.º, p. 112 – a decidir pelo Tribunal enquanto problemas fundamentais e necessários à decisão da causa – cfr. Teixeira de Sousa in “Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, Lx 1997, págs. 220 e 221. Exige-se pois ao Tribunal que examine toda a matéria de facto alegada pelas partes e analise todos pedidos formulados por elas, com exceção das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se torne inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões – cfr. M. Teixeira de Sousa, ob. e pp. cits.”. 18. Posição que se manteve no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 20.10.2017, no Procº. n.º 00048/17.6, que: “(…) A questão está desde logo em saber se o tribunal se deixou de pronunciar face ao suscitado e, em qualquer caso, se teria de o fazer. Referiu a este propósito o STJ, no seu acórdão de 21.12.2005, no Processo n.º 05B2287 que: “A nulidade do acórdão por omissão de pronúncia (art. 668º nº 1 d) do CPC), traduzindo-se no incumprimento, por parte do julgador, do dever consignado no art. 660º nº 2 - 1ª parte - do CPC, só acontece quando não haja pronúncia sobre pontos fáctico-jurídicos estruturantes das posições dos pleiteantes, nomeadamente as que se prendem com a causa de pedir, pedido e exceções (excetuados aqueles cuja decisão esteja prejudicada por mor do plasmado no último dos normativos citados), não, pois, quando tão só ocorre mera ausência de discussão das "razões ou dos "argumentos" invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas.” Como se refere no Acórdão, desta feita do STA nº 01035/12, de 11-03-2015, “a nulidade de sentença por omissão de pronúncia só ocorre quando o tribunal deixar de apreciar questão que devia conhecer (artigos 668.º, n.º 1, alínea d) e 660.º, n.º 2 do Código de Processo Civil revogado, aplicável no caso sub judice). (…) Resulta também do artº 95º, nº 1, do CPTA que, sem prejuízo do disposto no número seguinte, o tribunal deve decidir, na sentença ou acórdão, todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras. Como este Supremo Tribunal Administrativo vem entendendo, haverá omissão de pronúncia sempre que o tribunal, pura e simplesmente, não tome posição sobre qualquer questão que devesse conhecer, inclusivamente, não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento – cf. neste sentido Acórdãos de 19.02.2014, recurso 126/14, de 09.04.2008, recurso 756/07, e de 23.04.2008, recurso 964/06. Numa correta abordagem da questão importa ainda ter presente, como também vem sublinhando de forma pacífica a jurisprudência, que esta obrigação não significa que o juiz tenha de conhecer todos os argumentos ou considerações que as partes hajam produzido. Uma coisa são as questões submetidas ao Tribunal e outra são os argumentos que se usam na sua defesa para fazer valer o seu ponto de vista. Sendo que só têm dignidade de questões as pretensões processuais formuladas pelas partes ao tribunal e não os argumentos por elas usados em defesa das mesmas, não estando o tribunal vinculado a apreciar todos os argumentos utilizados pelas partes.” 19. Em reforço deste entendimento, ressalte-se o expendido no Acórdão do S.T.A. de 12.06.2018 [processo n.º 0930/12.7BALSB], consultável em www.dgsi.pt: “(…) 24. Caraterizando a arguida nulidade de decisão temos que a mesma se consubstancia na infração ao dever que impende sobre o tribunal de resolver todas as questões que as partes hajam submetido à sua apreciação excetuadas aquelas cuja decisão esteja ou fique prejudicada pela solução dada a outras [cfr. art. 608.º, n.º 2, CPC].25. Com efeito, o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos/pretensões pelas mesmas formulados, ressalvadas apenas as matérias ou pedidos/pretensões que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se haja tornado inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões. 26. Questões para este efeito são, assim, todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que exigem decisão do julgador, bem como, ainda, os pressupostos processuais [gerais e específicos] debatidos nos autos, sendo que não podem confundir-se aquilo que são as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com o que são as razões de facto ou de direito, os argumentos, ou os pressupostos em que cada a parte funda a sua posição nas questões objeto de litígio (…)”. 20. Ciente do que se vem de expor, e após exame dos argumentos esgrimidos no presente recurso jurisdicional, adiante-se, desde já, que assiste razão à Recorrente na arguida nulidade de sentença. 21. Na verdade, escrutinados os autos, ressalta de meridiana evidência que a Ré contestou pela forma inserta a fls. 92 dos autos [suporte digital], na qual se defendeu por exceção e impugnação, pugnando, em suma, pela improcedência da presente ação administrativa, deduzindo, a final, um pedido reconvencional contra a Autora. 22. Mais emerge com cristalina clareza que, no decurso do pleito, nada foi dito quanto a este pedido reconvencional, mormente, quanto à sua admissibilidade [ou não] no curso dos autos, desde logo, em razão da competência do Tribunal a quo e/ou da verificação [ou não] dos legais pressupostos que a lei processual civil faz depender o uso de tal faculdade processual. 23. Aflora ainda com insofismável nitidez que o Tribunal a quo promanou decisão final a extinguir a instância, por falta de interesse de agir da Autora, julgando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas nos autos. 24. Ora, a declarada “falta de interesse de agir” da Autora não obsta, de modo algum, à apreciação do pedido reconvencional formulado nos autos. 25. De facto, este último reveste-se de uma natureza distinta e autónoma face ao pedido originalmente apresentado pela Autora, constituindo, por si só, uma pretensão jurídica que merece análise independente. 26. Destarte, infere-se que a alegada "prejudicialidade de conhecimento" não se estende à pronúncia sobre a instância reconvencional, antes circunscrevendo-se, tão-somente, às demais questões suscitadas no âmbito da ação intentada pela Autora, nomeadamente a matéria excetiva invocada nos autos e o mérito da causa principal. 27. A reconvenção, pela sua autonomia processual, permanece, portanto, incólume a esta declaração de prejudicialidade. 28. Em tais termos, é, para nós, absolutamente cristalino que o pedido reconvencional deduzido nos autos não foi objeto de oportuna apreciação e decisão, incorrendo, por isso, o T.A.F. do Porto em omissão de pronúncia. 29. A omissão de pronúncia, como é consabido, consubstancia uma nulidade de sentença, nos termos da alínea d) do n.º1 do artigo 615.º do CPC. 30. O artigo 149.º, n.º 1, do CPTA estabelece a regra da substituição do tribunal recorrido, é dizer, julgando procedente a arguição de nulidade da sentença, o Tribunal de Recurso não deve limitar-se a reenviar o processo ao tribunal a quo, antes deve prosseguir apreciando as demais questões que constituem objeto da apelação, in casu, do pedido reconvencional formulado nos autos. 31. Só assim não será se o Tribunal de Recurso não dispuser de todos os elementos necessários para conhecer do mérito da instância reconvencional, concretamente, se for necessário produzir prova sobre factos que integram a causa de pedir reconvencional, eventualidade que ocorrerá, sobretudo, quando não se realizou audiência final, em virtude da procedência de eventual matéria excetiva suscitada nos autos, que é, manifestamente, a situação no caso em apreço. 32. Acresce que, em bom rigor, a instância reconvencional nem sequer foi admitida em curso, o que torna absolutamente qualquer resolução em torno do conhecimento do mérito da mesma um exercício inócuo e estéril, por desprovido de qualquer fundamento. 33. Nestas situações, não pode operar o conhecimento por substituição, o que, aliás, bem se harmoniza com a proteção do princípio da tutela jurisdicional efetiva, sob pena de supressão de um grau de recurso. 34. Por conseguinte, em consonância com a lógica que se vem supra de expor, impõe-se julgar procedente o recurso interposto pela Apelante, declarar nula a sentença recorrida, e determinar a baixa dos autos ao tribunal "a quo" para aí ser proferida pronúncia quanto à admissibilidade [ou não] do pedido reconvencional formulado nos autos e, sendo caso disso, decisão final quanto ao mérito do mesmo. 35. Ao que se proverá no dispositivo. * * V – DISPOSITIVO Nestes termos, acordam em conferência os Juízes da Subsecção de Contratos Públicos da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da C.R.P., em CONCEDER PROVIMENTO ao recurso jurisdicional em análise, declarar nula a sentença recorrida, a determinar a baixa dos autos ao tribunal "a quo" para aí ser proferida pronúncia quanto à admissibilidade [ou não] do pedido reconvencional formulado nos autos e, sendo caso disso, decisão final quanto ao mérito do mesmo.
Sem custas. Registe e Notifique-se. * * Porto, 11 de outubro de 2024, Ricardo de Oliveira e Sousa Clara Ambrósio Tiago Afonso Lopes de Miranda |