Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
1 – RELATÓRIO
AGF vem interpor recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, datada de 25 de Julho de 2016, que julgou improcedente a presente acção administrativa especial intentada contra o Instituto da Segurança Social IP – Centro Nacional de Pensões, e onde era solicitado que:
“ … seja anulada a decisão de indeferimento da concessão da pensão por velhice antecipada, sendo a mesma substituída pela decisão de concessão da pensão por velhice antecipada conforme o requerido pelo A.”
Em alegações o recorrente concluiu assim:
1) O recorrente preenche todos os requisitos para requerer a sua pensão de reforma antecipada, por ter os tempos de descontos completos, contabilizando o tempo no Brasil, como também em Portugal;
2) O Acordo de Seguridade Social ou Segurança Social entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Portuguesa tem a sua aplicação no presente caso, não tendo o mesmo prevista qualquer limitação de direito ou deveres, nem mesmo existe qualquer Acordo internacional, Regulamento internacional, Lei Nacional ou Regulamento Nacional, que limite a concessão do direito, conforme vem referido no Acordo acima referido;
3) Os procedimentos e orientações internas do Ministério da Segurança Social estão feridas de legalidade, uma vez que violam o referido Acordo e não têm fundamento legal, para interpretações diversas daquela que vêm referidas no Acordo;
4) Deve ser atribuída a pensão antecipada por velhice desde a data da apresentação do seu requerimento, ou seja, desde o dia 09-11-2011.
5) Deve ser anulado o Despacho de indeferimento da concessão de reforma antecipada, emitido pelo Instituto da Segurança Social de 14 de Fevereiro de 2013, substituindo o mesmo deferimento da requerida pensão antecipada a favor do A;
6) Tendo em conta a falta de resposta ao requerimento de pedido de reforma por velhice antecipada apresentado a 09 de Novembro de 2011 e só respondido a 14 de Fevereiro de 2013, deve–se entender pelo deferimento tácito, concedendo-se a reforma ao recorrente conforme requerido pelo seu requerimento;
7) Requer-se que seja anulada a decisão do Tribunal a quo e consequentemente o indeferimento da concessão da pensão por velhice antecipada, sendo a mesma substituída pela decisão de concessão da pensão por velhice antecipada conforme o requerido pelo recorrente.
8) O Tribunal a quo não se pronunciou à questão suscitada pelo A. e recorrente, referente à decisão tardia porta da administração, uma vez que foi ultrapassado o prazo concedido pelo disposto no artigo 108.º n.º 2 do CPA. Desta forma a sentença é nula, por não responder a todas as questões suscitadas pelo A.
9) O Tribunal a quo tendo decidido desta forma violou o disposto nos artigos 19.º, 20.º e 21.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, violou o disposto no n.º 1 do artigo 9.º do Acordo se Seguridade Social ou Segurança Social entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Portuguesa, com a confirmação do indeferimento do pedido de aposentação e violou o disposto no n.º 1 do artigo 128.º do CPA, na versão do decreto-lei n.º 4/2015, de 07 de Janeiro, quando não reconheceu, que a administração pública não respeitou o prazo de resposta.
O recorrido, notificado para o efeito, não contra-alegou
O Ministério Público, notificado ao abrigo do disposto no artº 146º, nº 1, do CPTA, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
As questões suscitadas e a decidir resumem-se em determinar, se ocorre nulidade da sentença e se o recorrente tem ou não direito a ter acesso à pensão de velhice antecipada.
2– FUNDAMENTAÇÃO
2.1 – DE FACTO
Na decisão sob recurso ficou assente o seguinte quadro factual:
1. Em 09.11.2011, o Autor apresentou requerimento de pensão de velhice no Centro Distrital de Vila Real – Serviço Local de Chaves do Réu, contando, à data, com 61 (sessenta e um) anos de idade, 19 (dezanove) anos de registo de remunerações em Portugal e 24 (vinte e quatro) anos de registo de remunerações no Brasil;
2. Por ofício datado de 28.02.2012, o Autor foi notificado do projeto de indeferimento do seu requerimento, com fundamento na circunstância de não ter completado “30 anos civis relevantes para cálculo aos 55 anos de idade”;
3. Em 09.03.2012, o Autor pronunciou-se quanto ao projeto de indeferimento referido no ponto antecedente;
4. Por ofício de 19.04.2012, o Autor foi notificado de que não se podiam considerar os períodos contributivos cumpridos no Brasil;
5. Em 10.05.2012, o Autor deduziu reclamação quanto ao ato referido no ponto antecedente;
6. Após dois pedidos de informação, o Autor foi notificado do indeferimento da reclamação apresentada por ofício datado de 14.02.2013;
7. Em 22.02.2013, o Autor apresentou recurso hierárquico;
8. Por despacho de 13.05.2013, foi o recurso hierárquico indeferido;
9. Por ofício de 22.05.2013, foi o Autor notificado da decisão do recurso hierárquico;
10. A petição inicial que motiva os presentes autos deu entrada neste Tribunal, em
20.06.2013.
3 – DE DIREITO
Cumpre apreciar as questões suscitadas pelos Recorrentes, o que deverá ser efectuado dentro das balizas estabelecidas, para tal efeito, pela lei processual aplicável - ver artigos 5.º, 608.º, n.º2, 635.º, n.ºs 4 e 5, e 639.º do C.P.C., na redacção conferida pela Lei n.º 41/2013, ex vi art.º 1.º do C.P.T.A, e ainda conforme o disposto no artigo 149º do CPTA.
No presente processo está em causa saber se o recorrente tem ou não ter direito a que lhe seja atribuída pensão antecipada por velhice.
I- Vem, no entanto, sustentar, em primeiro lugar, que ocorre nulidade da sentença por omissão de pronúncia. Sustentou que o seu pedido dever ser considerado como deferido tacitamente, questão que não foi apreciada.
Diga-se, desde já que, neste aspecto, o recorrente tem razão.
De acordo com a alínea d) do artigo 615º do CPC, é nula a sentença quando: “ o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar…”
O recorrente, nas suas alegações nos termos do artigo 91.º n.º 4 do CPA, veio sustentar que ocorreu deferimento tácito relativamente ao seu pedido de antecipação da pensão de velhice. Refere que apresentou o seu requerimento a 9 de Novembro de 2011 e apenas obteve resposta ao mesmo em Fevereiro de 2013. De acordo com o artigo 108º do CPA a entidade demandada tinha 90 dias para proferir decisão sob pena de se proceder a deferimento tácito da sua pretensão. Esta questão não foi apreciada, ocorrendo, assim, nulidade da decisão.
No entanto, nos termos do artigo 149º do CPTA, ainda que seja declarada nula a sentença, o tribunal de recurso não deixa de decidir o objecto da causa, conhecendo de facto e de direito. Nestes termos iremos apreciar a questão colocada na presente acção, incluindo o facto de ter ocorrido eventual deferimento tácito do pedido peticionado pelo Autor.
Mas vejamos, em primeiro lugar, o que está em causa.
Com data de 9 de Novembro de 2011 o Autor, ora recorrente apresentou requerimento de pensão de velhice antecipada no Centro Distrital de Vila Real da Segurança Social - Serviço Local de Chaves.
Na parte referente à carreira contributiva referia que tinha trabalhado e que se encontrava abrangido pelo sistema de Segurança Social do Brasil, entre 1 de Agosto de 1967 a 23 de Setembro de 1991.
Referia ainda que se encontrava inscrito na Segurança Social, Centro Distrital de Vila Real desde 01-01-92 e que iria cessar a sua actividade profissional em 30-04-2012.
Ou seja, o recorrente, que à data da apresentação do seu requerimento tinha 61 anos de idade, apresentava 19 anos de remunerações em Portugal e 24 anos de remunerações no Brasil.
Por ofício datado de 28-02-2012, o Autor foi notificado do projecto de indeferimento do seu requerimento, com fundamento na circunstância de não ter completado “30 anos civis relevantes para cálculo aos 55 anos de idade.
Respondeu à audiência prévia e em 19 de Abril de 2012 foi notificado de que não se podiam considerar os períodos contributivos cumpridos no Brasil para efeitos de cálculo da pensão.
Com data de 10-05-2012, o Autor deduziu reclamação e com data de 14 de Fevereiro de 2013 foi notificado do seu indeferimento.
Apresentou recurso hierárquico que também foi indeferido por despacho de 13 de Maio de 2013.
II - A primeira questão a resolver é decidir se o requerimento do Autor a solicitar a antecipação da sua pensão de velhice e datado de 9 de Novembro de 2011 foi ou não deferido tacitamente, uma vez que só em 14 de Fevereiro de 2013, é que o Instituto da Segurança Social veio a dar resposta ao mesmo, e após várias insistências.
De acordo com o artigo 108º do anterior CPA (não se aplica ao caso dos autos o CPA aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de Janeiro, uma vez que à data dos factos em causa ainda não se encontrava em vigor), “ quando a prática de um acto administrativo ou o exercício de um direito por um particular dependam da aprovação ou autorização de um órgão administrativo, consideram-se estas concedidas, salvo disposição em contrário, se a decisão não for proferida no prazo estabelecido por lei”.
Por seu lado, de acordo com o n.º 3 do mesmo artigo, consideram-se dependentes de aprovação ou autorização administrativa, para alem daqueles relativamente aos quais leis especiais prevejam o deferimento tácito, os casos de …a) autorização de obras particulares…”.
Ou seja, de acordo com o disposto neste artigo 108º apenas se considera que ocorre deferimento tácito, quando este se encontra previsto em diploma especial, ou nas situações referidas no n.º 2 do referido artigo, e quando não ocorrer decisão no prazo estabelecido para o efeito, que será de 90 dias, se não ocorrer outro prazo especial.
No caso em apreço, nem a legislação que regula a atribuição de pensão por velhice prevê deferimento tácito quando não ocorra resposta atempada ao mesmo, nem a situação em causa se enquadra em qualquer das alíneas do n.º 3 do artigo 108º. Não ocorre, assim, qualquer deferimento tácito.
III- Vem ainda o recorrente sustentar que contando para efeitos de atribuição de pensão antecipada de velhice o tempo que trabalhou no Brasil, estão reunidos os pressupostos para que a sua pretensão possa ser deferida. A entidade demandada sustenta que nos temos do artigo 9º do Acordo de Segurança Social ou Seguridade Social celebrado entre o Governo da República Portuguesa e o Governo da República Federaria do Brasil, o tempo que o recorrente aí prestou funções laborais apenas conta para abertura do direito não relevando esse tempo para totalização do período, ou seja, para efeitos do cálculo.
Ao caso dos autos aplica-se o Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio, que define e regulamenta o regime jurídico de protecção nas eventualidades invalidez e velhice do regime geral de segurança social, adiante designado por regime geral.
Os artigos que nos interessa são os seguintes:
“Artigo 19.º
Prazo de garantia O prazo de garantia para atribuição da pensão de velhice é de 15 anos civis, seguidos ou interpolados, com registo de remunerações, nos termos do disposto no artigo 12.º
Artigo 20.º
Idade normal de acesso à pensão de velhice O reconhecimento do direito a pensão de velhice depende ainda de o beneficiário ter idade igual ou superior a 65 anos, sem prejuízo dos seguintes regimes e medidas especiais de antecipação:
a) Regime de flexibilização da idade de pensão de velhice;
b) Regimes de antecipação da idade de pensão de velhice, por motivo da natureza especialmente penosa ou desgastante da actividade profissional exercida, expressamente reconhecida por lei;
c) Medidas temporárias de protecção específica a actividades ou empresas por razões conjunturais;
d) Regime de antecipação da pensão de velhice nas situações de desemprego involuntário de longa duração.”.
Ou seja, a regra geral de o acesso à pensão por velhice depende do cumprimento do prazo de garantia (15 anos civis com registo de remunerações) e do beneficiário completar 65 anos de idade ou mais.
No entanto, como excepção deste regime, temos a possibilidade de antecipação da pensão de velhice que poderá ser requerida, de acordo com o referido no artigo 21º.
Menciona este artigo que:“Flexibilização da idade de pensão de velhice 1 — A flexibilização da idade de pensão de velhice, prevista na alínea a) do artigo anterior, consiste no direito de requerer a pensão em idade inferior, ou superior, a 65 anos.
2 — Tem direito à antecipação da idade de pensão de velhice, no âmbito do número anterior, o beneficiário que, tendo cumprido o prazo de garantia, tenha, pelo menos, 55 anos de idade e que, à data em que perfaça esta idade, tenha completado 30 anos civis de registo de remunerações relevantes para cálculo da pensão.
3 — A flexibilização da idade de pensão de velhice pode verificar-se no âmbito do regime da pensão unificada.”.
Ou seja, para pedir a antecipação da pensão de velhice o beneficiário tem de:
a) Cumprir o prazo de garantia, que como vimos é de 15 anos;
b) Ter 55 anos de idade;
c) Ter completado 30 anos civis de registo de remunerações.
O recorrente, quando solicitou a antecipação de sua pensão de velhice, ou seja, em 2011, tinha 19 anos de descontos para a segurança social e em Portugal, pelo que preenchia o primeiro requisito, o período de garantia.
Tinha 61 anos deidade, pelo que preenchia o segundo requisito.
No entanto, quando perfez os 55 anos de idade, ou seja, em 2005, tinha apenas 14 anos contabilizados de descontos no âmbito da segurança social em Portugal. Como não tem os 30 anos civis de registo de remunerações, foi-lhe indeferido o pedido.
O recorrente não concorda com tal solução sustentado que o tempo em que esteve a trabalhar no Brasil tem de contar para efeitos de poder beneficiar da antecipação da pensão de velhice, nos termos do Acordo de Segurança Social ou Seguridade Social estabelecido entre o Governo da República Portuguesa e o Governo da República Federativa do Brasil. Assim sendo este período de tempo, 24 anos de registo de remunerações do Brasil (n.º 1 do probatório que não foi posto em crise), a que se teria de acrescentar os 14 anos de descontos para a segurança social em Portugal já ultrapassa os 30 anos civis de registo de remunerações que o recorrente teria de ter quando fez 55 anos de idade para solicitar a antecipação da pensão de velhice.
A entidade demandada vem sustentar que nos termos do n.º 1 do artigo 9º do Acordo de Segurança Social ou Seguridade Social estabelecido entre o Governo da República Portuguesa e o Governo da República Federativa do Brasil, o tempo em causa determina o recurso à totalização dos períodos contributivos para a abertura do direito, mas não para a taxa de formação da pensão portuguesa.
É esta a questão alvo do presente litígio.
O Acordo de Segurança Social ou Seguridade Social entre o Governo da República Portuguesa e o Governo da República Federativa do Brasil foi aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 54/94, publicada no DR I série A de 27 de Agosto de 1994.
Referem os artigos que se consideram mais relevantes para análise da questão o seguinte:
Artigo 9.º 1 - Para efeitos de aplicação da legislação portuguesa, uma pessoa que haja cumprido períodos de seguro sob a égide das legislações de ambos os Estados Contratantes terá esses períodos totalizados para concessão das prestações decorrentes de invalidez, velhice e morte, excepto quando estiverem satisfeitas as condições estabelecidas por aquela legislação, sem que haja necessidade de recorrer à totalização.
2 - Para efeitos de aplicação da legislação brasileira, uma pessoa que haja cumprido períodos de seguro sob a égide das legislações de ambos os Estados Contratantes terá esses períodos totalizados para concessão das prestações decorrentes de invalidez, velhice e morte.
No que se refere à concessão da aposentadoria por tempo de serviço, os períodos de tempo de serviço verificados no Brasil serão igualmente totalizados com os períodos de seguro cumpridos sob a égide da legislação portuguesa, desde que estes períodos correspondam ao exercício efectivo de uma actividade profissional em Portugal.
Artigo 10.º Para efeitos de aplicação das legislações portuguesa e brasileira, serão tidas em conta as seguintes regras:
1) Quando, nos termos das legislações dos Estados Contratantes, o direito a uma prestação depender dos períodos de seguro cumpridos numa profissão regulada por um regime ou lei especial de segurança social ou seguridade social, somente poderão ser totalizados, para a concessão das referidas prestações, os períodos cumpridos na mesma profissão em um e outro Estado;
2) Sempre que num Estado Contratante não existir regime ou lei especial de segurança social ou seguridade social para a referida profissão, só poderão ser considerados, para concessão das mencionadas prestações no outro Estado, os períodos em que a profissão tenha sido exercida no primeiro Estado, sob o regime de segurança social ou seguridade social nele vigente. Se, todavia, o interessado não obtiver o direito às prestações do regime ou lei especial, os períodos cumpridos nesse regime serão considerados como se tivessem sido cumpridos no regime geral;
3) Para totalização dos períodos de seguro, cada Estado Contratante tomará em conta os períodos cumpridos nos termos da legislação do outro Estado, desde que não coincidam com períodos de seguro cumpridos ao abrigo da sua própria legislação.
Artigo 11.º As prestações a que as pessoas referidas nos artigos 9.º e 10.º do presente Acordo ou seus dependentes têm direito, em virtude da legislação de cada um dos Estados Contratantes, em consequência ou não da totalização dos períodos de seguro, serão liquidadas nos termos da sua própria legislação, tomando em conta, exclusivamente, os períodos de seguro cumpridos ao abrigo da legislação desse Estado.
Artigo 12.º Quando os montantes das pensões ou aposentadorias devidos pelas entidades gestoras dos Estados Contratantes não alcançarem, somados, o mínimo fixado no Estado Contratante em que o beneficiário reside, a diferença até esse mínimo correrá por conta da entidade gestora desse último Estado.
Este acordo foi alterado pela Resolução da Assembleia da República n.º 6/2009, publicada no DR, I série, de 26-02-2009, e que aprovou Acordo que altera o Acordo sobre Segurança Social ou Seguridade Social entre o Governo da República Portuguesa e o Governo da República Federativa do Brasil, assinado em Brasília em 9 de Agosto de 2006.
O seu artigo 9º foi alterado apesar de o n.º 1 ter praticamente a mesma redacção. Refere este número, o que está em causa que:
1 - Uma pessoa que haja cumprido períodos de seguro sob a égide das legislações de ambos os Estados Contratantes terá esses períodos totalizados para concessão das prestações decorrentes de invalidez, velhice e morte, excepto quando estiverem satisfeitas as condições estabelecidas por aquela legislação, sem que haja necessidade de recorrer à totalização.
Ou seja, interpretando norma em causa verifica-se que:
a) uma pessoa que haja cumprido períodos de seguro sob a égide das legislações de ambos os Estados Contratantes terá esses períodos totalizados para concessão das prestações decorrentes de invalidez, velhice e morte,
b) excepto quando estiverem satisfeitas as condições estabelecidas por aquela legislação, sem que haja necessidade de recorrer à totalização.
Dito de outra forma, os trabalhadores que tenham descontado para os sistemas de segurança social dos dois países, têm direito a que esses períodos de tempo contem para efeitos de concessão de pensão, para o que aos autos interessa, de velhice.
Só não será assim se tiver direito à pensão em causa sem que haja necessidade de recorrer à totalização dos descontos.
É esta a interpretação que decorre dos normativos referidos.
O artigo 9.º do Código Civil refere no seu n.º 1 que o intérprete não se deve cingir à letra da lei, mas deve reconstituir, a partir dela, o pensamento legislativo, pelo que a letra da lei é o seu ponto de partida (n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil) mas também é o seu limite, na medida em que não pode a interpretação jurídica não ter um mínimo de correspondência verbal.
Por outro lado, refere o n.º 3 do mesmo artigo, que o intérprete presumirá que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados e que consagrou as soluções mais acertadas.
De acordo com a jurisprudência expendida no Ac. do STA, de 29.11.2011, processo n.º 701/10: «I - Interpretar a lei é atribuir-lhe um significado, determinar o seu sentido a fim de se entender a sua correcta aplicação a um caso concreto.
II - A interpretação jurídica realiza-se através de elementos, meios, factores ou critérios que devem utilizar-se harmónica e não isoladamente.
III - O primeiro são as palavras em que a lei se expressa (elemento literal); os outros a que seguidamente se recorre, constituem os elementos, geralmente, denominados lógicos (histórico, racional e teleológico).
IV - O elemento literal, também apelidado de gramatical, são as palavras em que a lei se exprime e constitui o ponto de partida do intérprete e o limite da interpretação.
A letra da lei tem duas funções: a negativa (ou de exclusão) e positiva (ou de selecção). A primeira afasta qualquer interpretação que não tenha uma base de apoio na lei (teoria da alusão); a segunda privilegia, sucessivamente, de entre os vários significados possíveis, o técnico-jurídico, o especial e o fixado pelo uso geral da linguagem.
V - Mas além do elemento literal, o intérprete tem de se socorrer algumas vezes dos elementos lógicos com os quais se tenta determinar o espírito da lei, a sua racionalidade ou a sua lógica. Estes elementos lógicos agrupam-se em três categorias: a) elemento histórico que atende à história da lei (trabalhos preparatórios, elementos do preâmbulo ou relatório da lei e occasio legis [circunstâncias sociais ou políticas e económicas em que a lei foi elaborada]; b) o elemento sistemático que indica que as leis se interpretam umas pelas outras porque a ordem jurídica forma um sistema e a norma deve ser tomada como parte de um todo, parte do sistema; c) elemento racional ou teleológico que leva a atender-se ao fim ou objectivo que a norma visa realizar, qual foi a sua razão de ser (ratio legis)».
Como já vimos, interpretando o que refere o artigo 9º n.º 1 da Convenção conclui-se que uma pessoa que haja cumprido períodos de seguro sob a égide das legislações de ambos os Estados Contratantes terá esses períodos totalizados para concessão das prestações decorrentes de invalidez, velhice e morte. Excepto, refere a segunda parte do referido n.º 1, quando estiverem satisfeitas as condições estabelecidas por aquela legislação, sem que haja necessidade de recorrer à totalização. Tendo em atenção o exposto, não vemos como pode a entidade demandada sustentar que nos termos do Acordo celebrado com a República Federativa do Brasil e a República Portuguesa não tem o recorrente direito a antecipação da pensão de velhice. O recorrente, desde que haja cumprido os períodos de seguro, ou seja, desde que haja descontado para a segurança social (a definição do que se entendo por período de seguro encontra-se na alínea g) do artigo 1º da Resolução ora em análise quando refere:…g) «Período de seguro» designa os períodos de pagamento de contribuições e os períodos equivalentes, tal como são definidos ou tomados em consideração pela legislação ao abrigo da qual foram ou são considerados como cumpridos), tem direito a que esses períodos sejam contabilizados para efeitos de concessão de pensão de velhice. A excepção não se aplica ao caso dos autos uma vez que para ter acesso à referida pensão o recorrente tem de contabilizar o período que descontou no Brasil.
De notar que não está em causa, neste momento, o montante da sua pensão, mas sim, e apenas, o facto de poder, ou não, ter acesso à pensão antecipada de velhice.
Refere a entidade demandada que o acordo em causa apenas determina o recurso à totalização dos períodos contributivos para a abertura do direito, mas não para a taxa de formação da pensão. Mas esta conclusão não se retira do Acordo, como já vimos. Não se fala, no artigo em causa, nem da abertura do direito nem da taxa de formação da pensão.
Por seu lado se o Acordo determina o recurso à totalização dos períodos contributivos para a abertura do direito, como refere a entidade demandada, então não há dúvidas que o recorrente tem direito a que lhe seja atribuída a pensão antecipada de velhice. É que para ter esse direito precisa do tempo de descontos do Brasil e o artigo 9º n.º 1 refere expressamente que uma pessoa que haja cumprido períodos de seguro sob a égide das legislações de ambos os Estados Contratantes terá esses períodos totalizados para concessão das prestações decorrentes de invalidez, velhice e morte. É o caso dos autos. Para a atribuição antecipada, ou não, dessa pensão nada obsta a que o recorrente não possa contabilizar o período que descontou no Brasil. Nada no acordo veda tal possibilidade. No entanto, como já referimos, outra coisa será o montante dessa pensão, mas essa é uma questão que não está agora em causa.
Tendo em atenção o exposto tem de se concluir que procedem as conclusões do recorrente.
Vem ainda solicitado que seja a entidade demandada condenada a conceder a pensão por velhice, ou seja, vem solicitar a prática do acto devido.
De acordo com o que o próprio recorrente refere na parte final da sua petição inicial, torna-se necessário que seja solicitado à Segurança Social do Brasil o comprovativo dos descontos efectuados pelo Autor. Não se sabendo se esses comprovativos já estão ou não no seu processo individual, e esta é uma matéria que compete à Administração resolver e analisar, este Tribunal apenas pode proceder à anulação do acto impugnado e condenar a entidade demandada a apreciar o pedido do recorrente tendo em atenção a interpretação anteriormente verificada quanto ao artigo 9º do Acordo de Segurança Social ou Seguridade Social entre o Governo da República Portuguesa e o Governo da República Federativa do Brasil.
3 – DECISÃO
Pelo exposto acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal em conceder provimento ao recurso, declarando-se nula a decisão recorrida e, em substituição, conceder parcial provimento à presente acção, anulando-se o acto impugnado e condenando-se a entidade demandada a apreciar o requerimento de antecipação da pensão de velhice do Autor, devendo para o efeito ser contado o período de descontos que realizou para o regime de Segurança Social da República Federativa do Brasil.
Custas da primeira instância por ambas as partes na proporção do decaimento, que se fixa em 20% para o Autor e 80% para a entidade demandada, e sem custas nesta instância.
Notifique.
Porto, 23 de Junho de 2017
Ass.: Joaquim Cruzeiro
Ass.: Fernanda Brandão
Ass.: Frederico de Frias Macedo Branco |