Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 01057/23.1BEPRT |
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Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
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Data do Acordão: | 06/21/2024 |
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Tribunal: | TAF do Porto |
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Relator: | RICARDO DE OLIVEIRA E SOUSA |
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Descritores: | DEFICIT FACTUAL; AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO; |
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Sumário: | I- Permanecendo a decisão judicial sob recurso, em total penumbra, sobre pontos factuais de crucial importância para o conhecimento de questão omissa, impõe-se a ampliação da decisão de facto de harmonia com os parâmetros omissos e novo julgamento de direito da causa.* * Sumário elaborado pelo relator (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
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Votação: | Unanimidade |
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Meio Processual: | Impugnação Urgente - Contencioso pré-contratual (arts. 100º e segs. CPTA) - Recurso Jurisdicional |
Decisão: | Conceder provimento ao recurso. |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte - Secção de Contencioso Administrativo, subsecção de Contratos Públicos: * * I – RELATÓRIO 1. O MUNICÍPIO ... e a sociedade comercial [SCom01...], LDA., Réu e Contrainteressada, respetivamente, nos presentes autos de AÇÃO ADMINISTRATIVA DE CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL em que é Autora a sociedade comercial [SCom02...], UNIPESSOAL, LDA., vêm intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL do despacho saneador-sentença promanado nos autos, que julgou a presente ação procedente e, em consequência, anulou “(…) a decisão da presidente da Câmara Municipal ..., datada de 2023.04.25, de adjudicação da Reconstrução interior dos balneários do estádio municipal de ... e ... – ..., à CI, [SCom01...], Lda (…)” e condenou “(…) o MUNICÍPIO ..., proferir decisão de exclusão da proposta da CI, [SCom01...], Lda e a ordenar e classificar a proposta da A., [SCom02...], Unipessoal, Lda., em primeiro lugar. (…)”. 2. Alegando, o Recorrente MUNICÍPIO ... formulou as seguintes conclusões: “(…) 1 - O Recorrente não contesta a sentença recorrida quando esta considera que o prazo de execução, neste caso os 12 meses, configura termo ou condição e não um atributo da proposta na medida em que não está submetido à concorrência. 2 – Mas o Recorrente já diverge da conclusão propugnada pela sentença recorrida, segundo a qual a CI terá assumido mais do que um prazo de execução e, como tal, não se terá vinculado a nenhum. 3 – Ao assinar e entregar o Anexo I (constante do PA) a CI comprometeu-se a executar o contrato de acordo com o conteúdo mencionado no caderno de encargos, declarando aceitar sem reservas as suas cláusulas, entre elas a cláusula 9.º, n.º 2, onde vem mencionada a condição do prazo quando se refere “c) Concluir a execução da obra e solicitar a realização de vistoria da obra para efeitos da sua receção provisória no prazo de 12 Meses a contar da data da sua consignação ou da data em que o dono da obra comunique ao empreiteiro a aprovação do plano de segurança e saúde, caso esta última data seja posterior.”. 4 – A CI vinculou-se à condição nos termos em que a mesma vem estipulada no caderno de encargos, não tendo resultado para o Recorrente qualquer dúvida quanto à vinculação da CI nesses exatos termos. 5 – Ao contrário da configuração dada pela sentença recorrida, a vinculação ao prazo por parte da CI ocorreu aquando da entrega do anexo I, e não em sede de apresentação do PT. 6 – O PT, enquanto documento da proposta, pode ser conformado pela concorrência, e permanece como “documento aberto” até à consignação, podendo ser ajustado até esse momento, e podendo até ser alterado em momento posterior. 7 – É precisamente esta conceção do PT como documento em construção e da suficiência da declaração de compromisso em cumprimento do caderno de encargos, que vem sendo adotada pelo entendimento da jurisprudência mais recente, nos termos supra apresentados. 8 – Não há dúvida que o prazo definido pelo Recorrente para a execução, nos termos do CE, é de 12 meses, sendo um termo/condição; e sendo assim, como efetivamente é, ao submeter a declaração sob compromisso de honra de cumprimento do CE (anexo I), a CI vinculou-se a esse prazo e não a qualquer outro. 9 – O definido em sede de PT, enquanto documento submetido à concorrência, permanece em aberto, podendo vir a ser conformado até a consignação e mesmo depois da mesma, desde que não viole o previsto pelo caderno de encargos (prazo de 12 meses). 10 – No caso concreto da presente ação, verifica-se que nenhum dos prazos indicativos apresentados pela CI era superior, pelo que, contrariamente ao decidido pela sentença recorrida, nunca poderia ser fundamento da exclusão da proposta. 11 – Mesmo que se considerassem existir dúvidas quanto aos prazos diversos apresentados no plano de trabalhos – o que, reitera-se, não colocaria nunca em causa o entendimento do júri de que a CI se vinculou ao prazo de execução do n.º 2 da cláusula 9.ª do CE – ainda assim sempre seriam apenas ambiguidades ou obscuridades suscetíveis de serem supridas pela prestação de esclarecimentos e até mesmo retificação oficiosa, porque o número de dias que terão em concreto os 12 meses de execução da obra dependeriam sempre da data de consignação (que corresponde a uma fase muito posterior à fase de apresentação de propostas). 12 – O juízo de invalidade (anulação) efetuado pela sentença recorrida quanto à decisão de adjudicação impugnada não pode proceder. 13 – A consequência da exclusão da proposta da CI também se configura como infundada e desproporcionada, não tendo, para além disso, qualquer apoio mínimo na letra da lei. 14 - A intervenção do tribunal, neste domínio, deverá ser circunscrita às situações de erro grosseiro, manifesto e palmar, caso em que se reconheça que a intervenção da Administração sofreu de um evidente e grave desajustamento face à situação concreta. 15 - Este pressuposto do erro grosseiro, manifesto e palmar não se verificou, de todo, no presente caso. 16 - De acordo com a teoria das formalidades relativamente essenciais, a inobservância de formalidades legais ou regulamentares pelo candidato a um concurso público só implica a exclusão da respetiva proposta quando a lei estabeleça tal sanção ou se não puder, no caso concreto, dar-se como assegurados os interesses ou valores que a formalidade preterida visava tutelar. 17 - Sendo assumido na doutrina e na jurisprudência, de forma reiterada, que a exclusão de uma proposta reduz a concorrência, pelo que tal hipótese deve ser reduzida ao mínimo estritamente necessário. 18 – Na sequência da decisão de adjudicação impugnada na presente ação, foi celebrado o correspondente contrato com a CI, tendo a obra sido consignada em 12/06/2023. 19 - Na presente data a obra está em execução, com previsão de conclusão no prazo estabelecido, tendo já ocorrido, em Fevereiro de 2024, uma receção parcial da obra. 20 - Esta circunstância deverá ser considerada no quadro do disposto no n.º 4 do artigo 283º do CCP, sob pena de se violar os princípios da proporcionalidade, da justiça, da razoabilidade, da boa gestão dos dinheiros públicos, bem como do aproveitamento do ato administrativo, assim protegendo e evitando a ofensa de interesses públicos e privados merecedores de tutela. 21 – A sentença recorrida procedeu a uma incorreta interpretação e aplicação das normas invocadas para a respetiva decisão, designadamente as normas dos artigos 361º, 43º, 70º e 146º, todos do CCP, normas essas que assim se mostram violadas pela sentença recorrida (…)”. * 3. Já quanto ao seu recurso, a Recorrente [SCom01...], Lda., rematou nos seguintes termos: “(…) I - O objecto do presente recurso é interposto da sentença, proferida, pelo TAF do Porto – que julgou procedente a ação administrativa urgente de contencioso pré-contratual, instaurada pela Autora contra o MUNICÍPIO ..., no âmbito do concurso público para execução da empreitada denominada “Reconstrução interior dos balneários do estádio municipal de ... e ... II - No despacho saneador sentença, o Mmo. Juiz a quo, considerou que os documentos apresentados pela Recorrente e que integram o plano de trabalhos, não respeitavam a exigência do programa de procedimento e em face desse entendimento, conclui que o plano de trabalhos não dava cumprimento ao Programa de procedimento, bem como ao disposto no artigo 361º do CCP e que resultaram na exclusão da sua proposta. III - Do probatório resulta que, com a sua proposta, a contra-interessada apresentou aqueles documentos, no entanto, no entender da Autora, sem dar cumprimento às exigências do artigo 361º do Código dos Contratos Públicos, motivo pelo qual a proposta deve ser excluída à luz da alínea a) do n.º 2 do artigo 70º do Código dos Contratos Públicos IV - Mas nos termos do art.º 146.º do CCP, apenas nas situações fundamentadas previstas no n.º 2 do art.º 70.º do CCP são motivo de exclusão, sendo que no caso concreto não se verifica a causa de exclusão do art.º 70.º, n.º 2, al. a), do CCP. V - A Recorrente apresentou todos os documentos da proposta nos termos do Programa do Concurso e art.º 57.º, n.º 1, do CCP, conforme referido na Sentença recorrida. VI - Desde logo, do que se expôs e face à matéria de facto provada, foi apresentado um plano de trabalhos com a indicação de meios humanos e de equipamento e de pagamentos para o conjunto da obra, o que, ao contrário do decidido, permite um controlo da execução por parte do dono da obra. VII - Mas ainda que as faltas detectadas, fossem relevantes para o controle da execução do contrato, não seriam omissões insupríveis e relevantes para efeitos de exclusão da proposta e sendo certo que, inequivocamente no caso concreto, apenas o preço era atributo das propostas, submetido à concorrência, e não a forma de execução. VIII - Não se verifica que os documentos da proposta da Recorrente possam estar desconformes com as vinculações legais e regulamentares a que as partes estão sujeitas nos termos dos art.ºs 96.º e 57.º do Código dos Contratos Públicos. IX - Os “atributos” da proposta não podem deixar de ser analisados à luz da relevância que assumam no concreto caderno de encargos, ou seja, enquanto objeto de avaliação nos termos do critério de adjudicação fixado e, por isso, a verificação de omissões ou menor detalhe nas especificações, não importa a exclusão da proposta por não se estar perante verdadeiros “atributos” da proposta, no sentido do artigo 56º nº 2 do CCP, mas sim especificações e concretizações a desenvolver e a ser objeto de uma avaliação mais ou menos positiva ou negativa, nos concretos termos concursais previamente definidos. X - Qualquer insuficiência da proposta que possa ser penalizada em função de um critério de avaliação pré-definido não poderá determinar a exclusão da mesma, com fundamento na falta de atributos que, pela sua importância e dignidade processual, impliquem a impossibilidade da sua avaliação. XI - Está errada a interpretação da Sentença recorrida quanto à aplicação e enquadramento da al. a) do nº 2 do art.º 70º do Código dos Contratos Públicos. XII - Nos termos do art.º 146.º do CCP apenas nas situações fundamentadas previstas no n.º 2 do art.º 70.º do CCP são motivo de exclusão, sendo que no caso concreto não se verifica a causa de exclusão do art.º 70.º, n.º 2, al. a), do CCP. XIII - A decisão recorrida incorre em violação de lei, pois, as circunstâncias dos autos não se enquadram na causa de exclusão prevista na alínea a) do nº 2 do artigo 70º do Código dos Contratos Públicos, ou sequer em qualquer outra causa de exclusão prevista no art.º 70.º do Código dos Contratos Públicos. XIV - A verificar-se o vício gerador de anulabilidade conducente à exclusão da proposta adjudicada, a Contra interessada invocou e requereu o afastamento do efeito anulatório nos termos do nº 4 do artigo 283º do CCP. XV - A Contra interessada alegou e demonstrou que não obstante a verificação de um vício gerador de anulabilidade conducente à exclusão da proposta adjudicada, a anulação do ato de adjudicação não iria trazer qualquer vantagem real ao autor da ação porque dela não decorrerá a alteração da classificação em termos de a sua proposta ficar melhor classificada e ordenada do que a proposta adjudicada. XVI - A empreitada em concurso já está adjudicada e contratada à Recorrente e esta procedeu à entrega dos documentos de habilitação, e os restantes concorrentes foram notificados dessa entrega, disponibilizando-se esses documentos na plataforma electrónica para consulta por parte de todos os concorrentes (artº 85º do CCP). XVII - A consequência lógica da declaração de invalidade do acto de adjudicação e seus actos preparatórios, atendendo ao facto de o concurso estar terminado, é a indemnização da Autora que se viu afectada pela prática de tais actos ilegais. XVIII - O nº 4 do artigo 283º do CCP exige do julgador uma ponderação motivada como forma de evitar o impacto desproporcionado ou contrário à boa-fé resultante da anulação do contrato administrativo face aos interesses públicos e privados em presença e à gravidade da ofensa geradora do vício do ato procedimental em causa, quando esteja em causa um vício meramente formal e o contrato se ache executado em medida relevante. XIX - À luz dos princípios da proporcionalidade, da racionalidade, da eficiência e da boa-fé a sentença recorrida deveria ter ponderado todos os interesses em presença, considerando uma realística relevância dos diferentes níveis de gravidade na apreciação da consequência da invalidação do contrato, o que inevitavelmente levaria à aplicação do princípio do aproveitamento dos atos administrativos, que assim foi ignorado na decisão proferida. XX - A decisão proferida acarreta um dano irreparável para o interesse público, com gravosas consequências para o Município e para os respectivos munícipes e também os interesses privados em presença deverão ser ponderados, face às inevitáveis consequências decorrentes da anulação do contrato administrativo já celebrado. XXI - Ponderados os interesses da Administração, da concorrente a quem foi adjudicado o contrato e da Autora da presente ação, a solução do afastamento do efeito anulatório é a que melhor se coaduna com as exigências da necessidade ou exigibilidade e da proporcionalidade, na medida em que se afigura a solução menos onerosa do ponto de vista pessoal e material, e porque, com base num juízo de ponderação custos-benefícios, se pode concluir que os benefícios colhidos com essa solução superam os prejuízos ou inconvenientes que dela decorrem. XXII - Não tendo a decisão recorrida procedido à apreciação do pedido formulado pela Contra Interessada e avaliar mediante uma cuidada ponderação para efeitos de apurar da possibilidade de afastamento do efeito anulatório, através da qual se revelaria a manifesta desproporcionalidade da anulação do contrato, incorreu em omissão de pronúncia, geradora de causa de nulidade, nos termos do artigo 615.º do CPC. XXIII - Caso assim não se entenda, sempre a decisão recorrida fez uma errada apreciação dos factos e errada interpretação da lei, nomeadamente dos artigos 42º, 43º, 56º, 57º, 70º e 283º do CCP, proferindo uma decisão que igualmente viola os princípios da proporcionalidade, da justiça, da razoabilidade, da boa gestão dos dinheiros públicos (e igualmente o do aproveitamento do ato administrativo), bem como ofende interesses públicos e privados merecedores de tutela, sendo, nesta medida, também uma decisão injusta (…)”. * 4. Notificada que foi para o efeito, a Recorrida não contra-alegou. * 5. O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida, tendo ainda sustentado a inexistência de qualquer nulidade de sentença. * 6. O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior silenciou quanto ao propósito vertido no n.º1 do artigo 146º do C.P.T.A. * 7. Cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta. * * II– DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR 8. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º, n.º 2, e 146.º, n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4 e 5, e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA. 9. Neste pressuposto, as questões essenciais a dirimir, por ordem de precedência lógica, são as de saber se a decisão judicial recorrida incorreu em: (i) Nulidade de sentença, por omissão de pronúncia [questão suscitada no recurso interposto pela [SCom01...], Lda.]; (ii) Erro de julgamento de direito, por (ii.1) “(…) errada apreciação dos factos e errada interpretação da lei, nomeadamente dos artigos 42º, 43º, 56º, 57º, 70º e 283º do CCP, proferindo uma decisão que igualmente viola os princípios da proporcionalidade, da justiça, da razoabilidade, da boa gestão dos dinheiros públicos (e igualmente o do aproveitamento do ato administrativo), bem como ofende interesses públicos e privados merecedores de tutela, sendo, nesta medida, também uma decisão injusta (…)”[ questão suscitada no recurso interposto pela [SCom01...], Lda.] e, bem assim, (ii.2) por incorreta interpretação e aplicação das normas invocadas para a respetiva decisão, designadamente as normas dos artigos 361º, 43º, 70º e 146º, todos do CCP [questão suscitada no recurso interposto pela MUNICÍPIO ...] 10. É na resolução de tais questões pela ordem lógica exposta que se consubstancia a matéria que a este Tribunal Superior cumpre solucionar. * * III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO 11. A matéria de facto pertinente é a dada como provada na sentença «sub censura», a qual aqui damos por integralmente reproduzida, como decorre do art.º 663º, n.º 6, do CPC. * * IV- DO MÉRITO DA INSTÂNCIA DE RECURSO 12. A primeira questão suscitada no presente recurso jurisdicional consubstancia-se em saber se o despacho saneador-sentença recorrido incorreu em nulidade de sentença, por omissão de pronúncia. 13. Realmente, a Recorrente [SCom01...], Lda, apregoa que, antevendo a hipótese de verificar-se o vício gerador da anulabilidade do ato adjudicatório, invocou e requereu o afastamento do efeito anulatório nos termos do n.º 4 do artigo 283.º do CCP, realidade que não foi objeto de apreciação judicial, razão pela qual considerar que “(…) incorreu [a decisão judicial recorrida] em omissão de pronúncia, geradora de causa de nulidade, nos termos do artigo 615.º do CPC (…)”. 14. Vejamos, sublinhando, desde já, que, de acordo com o art. 608º, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC), “(…) O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, (...).” 15. A inobservância de tal comando é, como se sabe, sancionada com a nulidade da sentença: art. 615º n.º 1 al. d) CPC. 16. O exato conteúdo do que sejam as questões a resolver de que falam tais normativos foi objeto de abundante tratamento jurisprudencial. 17. Destaca-se, nesta problemática, o aresto produzido por este Tribunal Central Administrativo Norte de 07.01.2016, no processo 02279/11.5BEPRT: cujo teor ora parcialmente se transcreve: “(…) As causas determinantes de nulidade de decisões judiciais correspondem a irregularidades que afetam formalmente a sentença e provocam dúvidas sobre a sua validade encontrando-se tipificadas, de forma taxativa, no artigo 615.º do CPC. O que não se confunde, naturalmente, com errados fundamentos de facto e/ou de direito. Determina o artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 1.º do CPTA, que a nulidade por omissão de pronúncia ocorre “quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”. Este preceito relaciona-se com o comando ínsito na primeira parte do n.º 2 do artigo 608.º do mesmo diploma, segundo o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, e não todos e cada um dos argumentos/fundamentos apresentados pelas partes, e excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras – cfr. Alberto Reis, Código de Processo Civil anotado, volume V, Coimbra 1984 (reimpressão); e os acórdãos, entre outros, do STA de 03.07.2007, rec. 043/07, de 11.9.2007, recurso 059/07, de 10.09.2008, recurso 0812/07, de 28.01.2009, recurso 0667/08, e de 28.10.2009, recurso 098/09 de 17/03/2010, rec. 0964/09). Do mesmo modo estipula o artigo 95.º do CPTA que “Sem prejuízo do disposto no número seguinte, o tribunal deve decidir, na sentença ou acórdão, todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras”. Questões, para este efeito, são pois as pretensões processuais formuladas pelas partes no processo que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os específicos de qualquer ato (processual), quando realmente debatidos entre as partes – cfr. Antunes Varela in RLJ, Ano 122.º, p. 112 – a decidir pelo Tribunal enquanto problemas fundamentais e necessários à decisão da causa – cfr. Teixeira de Sousa in “Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, Lx. 1997, págs. 220 e 221. Exige-se pois ao Tribunal que examine toda a matéria de facto alegada pelas partes e analise todos pedidos formulados por elas, com exceção das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se torne inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões – cfr. M. Teixeira de Sousa, ob. e pp. cits.”. 18. Posição que se manteve no Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 20.10.2017, no Procº. n.º 00048/17.6, que, a este propósito, expendeu o seguinte: “(…) A questão está desde logo em saber se o tribunal se deixou de pronunciar face ao suscitado e, em qualquer caso, se teria de o fazer. Referiu a este propósito o STJ, no seu acórdão de 21.12.2005, no Processo n.º 05B2287 que: “A nulidade do acórdão por omissão de pronúncia (art. 668º nº 1 d) do CPC), traduzindo-se no incumprimento, por parte do julgador, do dever consignado no art. 660º nº 2 - 1ª parte - do CPC, só acontece quando não haja pronúncia sobre pontos fáctico-jurídicos estruturantes das posições dos pleiteantes, nomeadamente as que se prendem com a causa de pedir, pedido e exceções (excetuados aqueles cuja decisão esteja prejudicada por mor do plasmado no último dos normativos citados), não, pois, quando tão só ocorre mera ausência de discussão das "razões ou dos "argumentos" invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas.” Como se refere no Acórdão, desta feita do STA nº 01035/12, de 11-03-2015, “a nulidade de sentença por omissão de pronúncia só ocorre quando o tribunal deixar de apreciar questão que devia conhecer (artigos 668.º, n.º 1, alínea d) e 660.º, n.º 2 do Código de Processo Civil revogado, aplicável no caso sub judice). (…) Resulta também do artº 95º, nº 1, do CPTA que, sem prejuízo do disposto no número seguinte, o tribunal deve decidir, na sentença ou acórdão, todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras. Como este Supremo Tribunal Administrativo vem entendendo, haverá omissão de pronúncia sempre que o tribunal, pura e simplesmente, não tome posição sobre qualquer questão que devesse conhecer, inclusivamente, não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento – cf. neste sentido Acórdãos de 19.02.2014, recurso 126/14, de 09.04.2008, recurso 756/07, e de 23.04.2008, recurso 964/06. Numa correta abordagem da questão importa ainda ter presente, como também vem sublinhando de forma pacífica a jurisprudência, que esta obrigação não significa que o juiz tenha de conhecer todos os argumentos ou considerações que as partes hajam produzido. Uma coisa são as questões submetidas ao Tribunal e outra são os argumentos que se usam na sua defesa para fazer valer o seu ponto de vista. Sendo que só têm dignidade de questões as pretensões processuais formuladas pelas partes ao tribunal e não os argumentos por elas usados em defesa das mesmas, não estando o tribunal vinculado a apreciar todos os argumentos utilizados pelas partes.”. 18. Em reforço deste entendimento, ressalte-se o expendido no Acórdão do S.T.A. de 12.06.2018 [processo n.º 0930/12.7BALSB], consultável em www.dgsi.pt: “(…) 24. Caraterizando a arguida nulidade de decisão temos que a mesma se consubstancia na infração ao dever que impende sobre o tribunal de resolver todas as questões que as partes hajam submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja ou fique prejudicada pela solução dada a outras [cfr. art. 608.º, n.º 2, CPC]. 25. Com efeito, o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos/pretensões pelas mesmas formulados, ressalvadas apenas as matérias ou pedidos/pretensões que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se haja tornado inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões. 26. Questões para este efeito são, assim, todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que exigem decisão do julgador, bem como, ainda, os pressupostos processuais [gerais e específicos] debatidos nos autos, sendo que não podem confundir-se aquilo que são as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com o que são as razões de facto ou de direito, os argumentos, ou os pressupostos em que cada a parte funda a sua posição nas questões objeto de litígio (…)”. 19. Revertendo, agora, ao caso sujeito, na linha deste entendimento, crê-se que a decisão sob recurso violou, efetivamente, as normas de direito supra apontadas. 20. Na verdade, a Autora instaurou a presente ação de contencioso pré-contratual, peticionando o provimento do presente meio processual por forma a ser anulada a “(…) decisão de adjudicação da empreitada “Reconstrução interior dos balneários do estádio municipal de ... e ...”, tomada pela ED no âmbito do respetivo procedimento concursal de concurso público n.º 10/2023/EM – consubstanciada na decisão da Presidente da Câmara Municipal da ED de 27 de abril de 2023 e ratificada por esta Câmara Municipal na sua reunião de 8 de fevereiro seguinte (…)”, ou, quando assim não se entenda, por forma a ser condenada a Entidade Demandada a elaborar um novo relatório final e nova decisão de adjudicação expurgada dos apontados vícios e que integre a exclusão da proposta da dita contrainteressada. 21. A Contrainteressada [SCom01...], Lda., e a Entidade Demandada - o MUNICÍPIO ... - contestaram pelas formas insertas a fls. 176 a 202 e seguintes e 216 a 227 dos autos [suporte digital], respetivamente, tendo, para o que ora nos interessa, aquela expressamente requerido, sob os artigos 103º a 124º da sua contestação, o afastamento do efeito anulatório nos termos do nº 4 do artigo 283º do CCP. 22. Por decisão judicial editada em 05.03.2024, como sabemos, o T.A.F. do Porto julgou favoravelmente as pretensões da Autora. 23. Contudo, fê-lo de forma deficitária quanto à questão de “afastamento do efeito anulatório nos termos do nº 4 do artigo 283º do CCP” equacionado pela Contrainteressada [SCom01...], Lda., na sua contestação. 24. Realmente, examinando o teor do despacho saneador-sentença recorrido, é, para nós, absolutamente cristalino que o Tribunal a quo emanou juízo decisório final desprovido da sua apreciação. 25. Neste enquadramento, não sentimos hesitação em assumir que a suscitada questão de “afastamento do efeito anulatório nos termos do nº 4 do artigo 283º do CCP” não foi objeto de oportuna apreciação e decisão, incorrendo, por isso, o T.A.F. de Porto em omissão de pronúncia. 26. A omissão de pronúncia, como é consabido, consubstancia uma nulidade de sentença, nos termos da alínea d) do nº.1 do artigo 615.º do CPC. 27. Apurada a existência da nulidade desta sentença, cumpriria a este Tribunal de Recurso, em substituição, apreciar o invocado “afastamento do efeito anulatório nos termos do n.º 4 do artigo 283º do CCP” não fora a circunstância de nos depararmos com a dificuldade inultrapassável relacionada com a falta de aquisição processual do tecido fáctico no qual a CI estriba a invocação da questão em análise. 28. Na verdade, deteta-se na decisão judicial recorrida uma total desconsideração de tecido fáctico alegado pela Recorrente [SCom01...], Lda. no particular conspecto em análise, e que se prende com a invocação (i) da situação de adjudicação e contratação da empreitada à CI; (ii) do estado adiantado ou finalizado da execução da mesma; e (iii) dos prejuízos públicos e privados advindos da atribuição de eficácia invalidante ao vício patenteado na decisão judicial recorrida. 29. De facto, é o seguinte o teor dos artigos 110º, 116º, 117º, 118º, 119º, 121º da contestação inserta a fls. 176 e seguintes dos autos: “(…) 110° 116° 117° A decisão a proferir no sentido de exclusão da proposta da C. I. acarretará um dano irreparável para o interesse público, com gravosas consequências para o Município e para os respectivos munícipes, atento que o equipamento desportivo, será para utilizar, por todos os munícipes daquelas localidades, entre eles crianças e jovens, na sua atividade desportiva.118° Também os interesses privados em presença deverão ser ponderados, face às inevitáveis consequências decorrentes da anulação do contrato administrativo já celebrado.119° Os trabalhos contratados exigiram e estão a ser executados, com a aquisição e aluguer de uma série de equipamentos e infraestruturas, com a contratação e o pagamento a diversos fornecedores e com garantias de pagamento já estabelecidos em montante financeiro avultado e sujeito a sanções pelo seu incumprimento contratual,120° assim como obrigaram a ter alocada/contratação de uma carga de mão-de-obra especializada e permanente, tudo naturalmente pensado e dimensionado na medida necessária para assegurar o cumprimento integral do contrato e implicando um grande investimento inicial.121° Todos esses meios, em devido tempo mobilizados por forma a assegurar a continuidade sem falhas da prestação contratual, não poderão ser simplesmente “descontinuados” ou “dispensados” sem que tal se traduza em elevados custos com impacto financeiro gravíssimo para a contratante, acarretando igualmente a frustração das suas legítimas expectativas, de forma manifestamente desproporcionada e contrária às mais elementares regras da boa-fé (…)”.
31. Esta matéria [na parte expurgada de interjeições e/ou conclusões e/ou considerações e/ou juízos] não se mostra documentalmente fixada, nem processualmente adquirida. 32. Assim, permanece da decisão judicial sob recurso, em total penumbra, os seguintes pontos factuais de crucial importância para o desfecho da questão omissa: (i) A obra está [ou não] a ser executada, encontrando-se [ou não] em estado adiantado de finalização? (ii) Quais são os equipamentos desportivos atualmente existentes no MUNICÍPIO ... e o estado de conservação dos mesmos? (iii) O Contratante socorreu-se [ou não] da aquisição e aluguer de uma série de equipamentos e, bem assim, da alocação de mão obra especializada e permanente, tudo para assegurar a execução da empreitada contratada? (iv) Em caso afirmativo, quais foram os custos em que o mesmo incorreu em tais propósitos? (v) Quais são as consequências da descontinuação dos mesmos fora do plano estabelecido para a execução da empreitada? 33. “Deficit” factual este que inviabiliza a decisão jurídica no particular conspecto do “afastamento do efeito anulatório nos termos do n.º 4 do artigo 283º do CCP”. 34. De facto, trata-se de tecido fáctico fundamental para aferir da necessidade ou exigibilidade e proporcionalidade da atribuição de eventual eficácia invalidante ao vício patenteado nos autos, sem o qual não é possível apreciar a questão omissa. 35. Estamos, portanto, perante um caso inequívoco de insuficiência da matéria factual, cuja solução passa, no caso em apreço, pela anulação da sentença, de modo a permitir a ampliação da matéria de facto. 36. Esta solução encontra respaldo no artigo 662º, n.º, 2, alínea c) do Código de Processo Civil, que estipula: "(…) 2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente: c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta (…) ". 37. E recolhe apoio de Abrantes Geraldes: [in Recursos em Processo Civil, 6.ª edição atualizada, Almedina, Coimbra, 2020, p. 381]: «(…) a anulação da decisão (v.g. por contradição de fundamentos ou por omissão de pronúncia) não tem como efeito invariável a remessa imediata do processo para o tribunal a quo, devendo a Relação proceder à apreciação do objeto do recurso, salvo se não dispuser dos elementos necessários. Só nesta eventualidade se justifica a devolução do processo para o tribunal a quo (…)” 38. Assim, com base na normação contida no artigo 662º, n.º, 2, alínea c) do Código de Processo Civil, há que anular da decisão recorrida e fazer baixar os autos ao tribunal a quo para que aí, e, após a ampliação da decisão de facto de harmonia com os parâmetros acima mencionados, a causa seja novamente julgada de direito, com o que fica prejudicado o conhecimento dos demais fundamentos do recurso jurisdicional em análise, bem como do recurso interposto pelo Município .... 39. Realmente, impondo-se a emanação de juízo unitário e final sobre as todas as questões trazidas a pleito recursivo, é de manifesta evidência que a apreciação dos demais fundamentos de recurso[s] mostra-se desprovida do sentido de necessidade, coerência, racionalidade e propósito que deve presidir a apreciação dos litígios por parte dos Tribunais Superiores, o que atinge tal apreciação de inevitável prejudicialidade nos termos e com o alcance preconizados na normação contida no artigo 95.º, n.º 1, in fine do C.P.T.A. e 608º, nº. 2 do CPC. * * V – DISPOSITIVO Nestes termos, acordam em conferência os Juízes da Subsecção de Contratos Públicos da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em ANULAR a decisão judicial recorrida e fazer baixar os autos ao tribunal a quo para que aí, e, após a ampliação da decisão de facto de harmonia com os parâmetros acima mencionados, a causa seja novamente julgada de direito, com o que fica prejudicado o conhecimento dos demais fundamentos do recurso jurisdicional em análise, bem como do recurso interposto pelo Município .... Sem custas. Registe e Notifique-se. * * Ricardo de Oliveira e Sousa Tiago Afonso Lopes de Miranda Clara Ambrósio |