Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00301/24.2BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:09/27/2024
Tribunal:TAF do Porto
Relator:PAULO FERREIRA DE MAGALHÃES
Descritores:PROCESSO CAUTELAR; JUÍZO PERFUNCTÓRIO; PROCESSO DISCIPLINAR;
PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR; PRAZO; TUTELA JURISDICIONAL EFECTIVA;
REQUISITOS DETERMINANTES DO DECRETAMENTO DAS PROVIDÊNCIAS; PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
Sumário:
1 – Nos termos do artigo 120.º, n.º 1 do CPTA, as providências cautelares são adoptadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente, situação em que, como dispõe o n.º 2 deste normativo, mesmo ainda na eventualidade de terem sido julgados verificados esses requisitos determinantes, sempre a adopção das providências pode ser recusada quando em sede da ponderação dos interesses públicos e privados em presença, for julgado que os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências.

2 - A existência de perigosidade [seja na vertente do receio da constituição de uma situação de facto consumado, seja na vertente da produção de prejuízos de difícil reparação], e da aparência do bom direito [enquanto avaliação sumária da probabilidade de existência do direito invocado] para os interesses que os Requerentes visam assegurar no processo principal, constituem requisitos determinantes para efeitos de ser apreciada a providência requerida, recaindo sempre sobre eles o ónus de fazer a prova sumária desses requisitos.

3 - Para o decretamento de uma providência cautelar têm de ser invocados, e recolhidos pelo Tribunal a quo, em termos de matéria de facto, indícios suficientes da verosimilhança do direito a ver suspensa a eficácia de um acto administrativo que aplica uma pena disciplinar, pois só perante a existência de tais elementos de prova e pertinente enquadramento será possível ao julgador formular um juízo positivo a respeito da aparência do direito invocado.

4 - O juízo que cabe levar a cabo no artigo 120.º, n.º 1 do CPTA, não pode o julgador misturá-lo com o juízo que deve ser feito a título principal, visto tratar-se dum juízo perfunctório, sumário, tal como é reclamado pelo legislador em termos cautelares, por constituir um juízo que é formulado sob reserva de se poder chegar a uma conclusão diversa em sede do processo principal.

5 - O princípio da legalidade está necessariamente conexionado com outros princípios, como a igualdade e a justiça, também previstos no artigo 266.º, n.º 2 da CRP, e aponta para o princípio mais abrangente da juridicidade da Administração, sendo que os mesmos só relevam, em princípio, na actividade discricionária da Administração, já que no campo vinculado o que importa ver é se a legalidade foi respeitada.

6 - O tipo de expressões verbais utilizadas pelo arguido, assim como a sua postura física para com as alunas visadas, não é passível de ser subsumido no tipo legal de crime a que se reporta o artigo 170.º do Código Penal, desde logo na sua dimensão objectiva, e tendo-o sido pelo Tribunal a quo, para efeitos da qualificação simultânea dos factos, como integrante de responsabilidade disciplinar e de responsabilidade criminal, e da aplicação do prazo de prescrição do ilícito criminal, sai violado o princípio da intervenção mínima, que determina que quando o bem violado seja irrelevante, o direito penal está impedido de intervir.

7 - Reportando-se os factos ilícitos [que julgamos serem de natureza disciplinar] a um período compreendido entre setembro de 2019 e junho de 2021 [rectius, a 29 de janeiro de 2022] tendo o processo disciplinar sido instaurado ao arguido por despacho do Presidente do IPP, datado de 19 de março de 2023, nesta data já tinha ocorrido a prescrição das infracções disciplinares assacadas ao arguido, por ultrapassagem do prazo de 1 ano a que se reporta o referido artigo 178.º, n.º 1 da LGTFP, e por não se ter interposto qualquer questão que por si fosse determinante da suspensão do prazo prescricional.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I - RELATÓRIO

«AA» [devidamente identificado nos autos] Requerente no processo cautelar que intentou contra o Instituto Politécnico ... [também devidamente identificado nos autos, doravante também identificado como IPP], visando a suspensão de eficácia do despacho do seu Presidente, datado de 28 de dezembro de 2023, por via do qual lhe foi aplicada a sanção disciplinar de despedimento, inconformado com a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, pela qual foi julgada totalmente improcedente a providência cautelar por si requerida, e em consequência, absolveu a Entidade Requerida do pedido, veio interpor recurso de Apelação.

*

No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencou a final as conclusões que ora se reproduzem:

“[…]
CONCLUSÕES:
1. Os fatos imputados ao recorrente não configuram o crime de importunação sexual conforme definido no artigo 170.º do Código Penal, pois não possuem conotação sexual explícita ou intenção de constranger a liberdade sexual das alunas no contexto das aulas de Educação Física. A sentença viola, assim, o art. 170º do Código Penal.
2. As infrações disciplinares imputadas estão prescritas, uma vez que o procedimento criminal não foi iniciado por falta de queixa das ofendidas, não justificando o alargamento do prazo de prescrição conforme estipulado no artigo 178.º, n.º 1 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LGTFP), tendo as putativas infrações ocorrido há mais de 1 ano.
3. A sentença recorrida viola o Artigo 218.º, n.º 2 e 201.º, n.º 2 da LGTFP, pois a inquirição das testemunhas foi realizada de forma indevida, desrespeitando as normas processuais penais, especialmente a falta de juramento das testemunhas, a inclusão de depoimentos indiretos e rumores, e de depoimentos não recolhidos pelos instrutores, comprometendo a validade do procedimento disciplinar.
4. A sanção de despedimento aplicada é desproporcional considerando a longa carreira de 36 anos do recorrente, sua avaliação profissional exemplar e a natureza das ações apuradas. Medidas menos severas poderiam ter sido adotadas para corrigir o comportamento inadequado sem comprometer a sua carreira. Foi assim violado o art. 7º do CPA.
5. As ações do recorrente ocorreram no contexto das aulas de ginástica, onde o contato físico é necessário para correção de posturas e prevenção de lesões. Esse contexto deve ser considerado para evitar interpretações erróneas dos fatos.
6. O indeferimento da inquirição de testemunhas pelo Tribunal “a quo” compromete o direito ao contraditório e à defesa plena do recorrente, conforme garantido pelos artigos 20.º, n.º 4 e 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP). A ausência de produção de prova testemunhal impede a avaliação adequada da veracidade e credibilidade dos depoimentos, afetando a justiça e a equidade da decisão, tendo a sentença recorrida violado o art. 118º do CPTA.
7. A celeridade do procedimento cautelar não pode deixar o recorrente impossibilitado de fazer prova fundamental para a sua defesa num processo sancionatório. Estamos a destruir a vida de um homem com uma existência dedicada ao IPP e ao ensino. O mínimo que lhe podemos conceder, antes de o fazer, é um processo justo e equitativo!
TERMOS EM QUE DEVERÁ O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE, REVOGANDO-SE A SENTENÇA RECORRIDA E SUBSTITUINDO-A POR OUTRA QUE SUSPENDA A EFICÁCIA DO ATO DE DESPEDIMENTO, OU, SUBSIDIARIAMENTE, SEJA O PROCESSO REENVIADO PARA O TRIBUNAL “A
QUO” PARA PRODUÇÃO DA PROVA TESTEMUNHAL REQUERIDA
[…]”

**

O Recorrido Instituto Politécnico ... apresentou Contra alegações, cujas conclusões para aqui se extraem como segue:
“[…]
III - CONCLUSÕES
a. O Recurso interposto pelo recorrente deve ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se na íntegra a sentença proferida pelo Tribunal a quo.
b. Não se verifica qualquer violação do artigo 170º do Código Penal do artigo 178º, n.º 1 da LTFP, porquanto, para que o prazo de prescrição penal seja aplicável o que lei exige é que os factos em causa no processo disciplinar também consubstanciem, em abstrato, a prática de um crime, sendo que esse alargamento não depende do efetivo exercício da ação penal, nem da prévia verificação de qualquer outra condição ou pressuposto, máxime do exercício do direito de queixacrime – Neste sentido, para além de outros, Ac. STJ de 13/01/2010, disponível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/45bdb9dcbd24
2172802576b0005aa672?OpenDocument
c. Também não se verifica a alegada violação do artigo 218º, n.º 2 da LTFP, uma vez que conforme bem referiu a sentença recorrida, “para prova do alegado nos artigos 36.ºa 38.º e 45.º da defesa escrita do Requerente, os Instrutores do processo disciplinar admitiram três testemunhas e não mais, em estrita observância do estatuído no mencionado preceito legal.”
d. Igualmente não se verifica qualquer violação do disposto no artigo 201º, n.º 2 da LTFP, pois a forma como as testemunhas foram inquiridas e o modo como os respetivos autos foram lavrados não são merecedores de qualquer reparo.
e. Também não assiste qualquer razão ao recorrente quando vem invocar uma violação do princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 7º do CPA, pois na aplicação de uma sanção disciplinar de despedimento, aquilo que a lei exige é que o comportamento do trabalhador revista, em si e nas suas consequências, um grau de gravidade que, num juízo de proporcionalidade e/ou de justa medida, torne inexigível para a entidade empregadora a manutenção da relação laboral.
f. No caso dos autos estão em causa atos de agressão sexual perpetrados por um docente contra alunas do sexo feminino, sendo evidente da prova produzida, além do mais, o caráter reiterado, insistente e repetitivo desses comportamentos.
g. Considerando que o IPP (mais concretamente a Escola Superior de Educação) é uma instituição de ensino pública que prossegue fins educativos, nomeadamente no âmbito da formação inicial de professores, e que está sujeito aos princípios gerais que enformam a atuação das entidades administrativas, só podemos concluir que perante os factos em apreço nos autos disciplinares, a sua gravidade e inadmissibilidade seja a que título for, não restava nenhuma alternativa que não fosse a de decidir conforme decidiu.
h. Mais do que isso e conforme bem mencionou a decisão recorrida, ”A determinação da sanção disciplinar a aplicar cabe no âmbito dos poderes discricionários da Administração. Como é sabido, a discricionariedade traduz-se num poder que o legislador deixa aos agentes administrativos de fixar o grau das modificações pretendidas, possibilitando-lhes uma liberdade conformadora.”
i. Finalmente, o recorrente fundamenta o seu recurso no facto de o Tribunal a quo ter indeferido a produção de prova testemunhal em sede cautelar, invocando que ao fazê-lo violou o disposto no artigo 118º do CPTA, sendo que este fundamento também não colhe.
j. Toda a jurisprudência deste TCAN acima alegada tem considerado que a decisão sobre a pertinência ou não da produção de prova testemunhal em sede cautelar está na inteira disposição do Tribunal, daí não resultando qualquer violação do disposto nos artigos 20º, n.º 4 e 32º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, conforme pretende fazer crer o recorrente (a título de exemplo o Acórdão do TCAN de 11-05-2017, proferido no processo 01727/16.0BEBRG).
k. Em conclusão, a sentença recorrida não é merecedora de qualquer reparo, pelo que deve manter-se no ordenamento jurídico em obediência aos princípios da Legalidade e da Justiça.
Termos em que, nos melhores de direito que V. Exa. superiormente decidirá, deve o recurso interposto pelo Recorrente ser julgado totalmente improcedente.

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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso interposto, fixando os seus efeitos.


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O Ministério Público junto deste Tribunal Superior não emitiu parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional.

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Com dispensa dos vistos legais [mas com envio prévio do projecto de Acórdão], cumpre apreciar e decidir.

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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 639.º e 635.º n.ºs 4 e 5, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], sendo que, de todo o modo, em caso de procedência da pretensão recursiva, o Tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida pois que, ainda que venha a declarar a sua nulidade, sempre tem de decidir [Cfr. artigo 149.º, n.º 1 do CPTA] “… o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito.”, reunidos que estejam os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas.

Assim, as questões suscitadas pelo Recorrente e patenteadas nas conclusões apresentadas consistem, em suma e a final, em apreciar e decidir, sobre se a Sentença recorrida padece de erros de julgamento em matéria de direito.

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III - FUNDAMENTOS
IIIi - DE FACTO
No âmbito da factualidade considerada pelo Tribunal recorrido em sede do Sentença proferida, dele consta o que por facilidade, para aqui se extrai como segue:

“[…]
Consideram-se indiciariamente provados os seguintes factos, relevantes para a decisão da causa:
1. O Requerente é docente na Escola Superior de Educação (ESE) da Entidade Requerida, tendo lecionado nos anos letivos de 2018/2019, 2019/2020, 2020/2021 e 2021/2022, entre outras, a Unidade Curricular de Ginástica e a Unidade Curricular de Antropologia e Animação Desportiva, na licenciatura de Desporto – facto admitido por acordo (artigo 1.º do requerimento inicial e artigo 13.º da oposição);
2. Por despacho n.º P.PORTO/P/i-003/2023, de 19-04-2023, do Presidente da Entidade Requerida foi determinada a instauração de processo disciplinar ao Requerente – facto admitido por acordo (artigo 2.º do requerimento inicial e artigo
13.º da oposição); fls. 253 do PA;
3. Em data não concretamente apurada, mas situada entre 06-07-2023 e 11-072023 foi deduzida acusação contra o Requerente no âmbito do processo disciplinar referido no ponto antecedente, cujo teor se dá por integralmente reproduzido – cfr. fls.
187 a 200 do PA;
4. Em 12-07-2023 foi entregue ao Requerente cópia da acusação referida no ponto antecedente – cfr. fls. 187 do PA;
5. Em 26-07-2023, mediante carta registada com aviso de receção, o Requerente remeteu aos Instrutores do processo disciplinar referido no ponto 2. requerimento de defesa escrita, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e do qual se extrai além do mais:
“(…)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida
(…)” – cfr. fls. 156 a 176 do PA;
6. Por requerimento remetido mediante carta registada com aviso de receção, em 11-092023, aos Instrutores do processo disciplinar referido no ponto 2., o Requerente indicou a matéria de facto vertida no requerimento de defesa referido no ponto antecedente, sobre a qual pretendia que versassem os depoimentos das testemunhas que arrolara naquele requerimento, nos seguintes termos:


[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
” – cfr. fls. 153 a 176 do PA;
7. Em 21-09-2023, foi proferido despacho pelos Instrutores do processo disciplinar, com o seguinte teor:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
” – cfr. fls. 151 do PA;
8. Em 03-10-2023, o Requerente remeteu, mediante carta registada com aviso de receção, aos instrutores do processo disciplinar, requerimento de cujo teor se extrai, além do mais, o seguinte:
“(…)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida


[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
” – cfr. fls. 141 a 145 do PA;
9. Em 13-11-2023, foi proferido despacho pelos instrutores do processo disciplinar, com o seguinte teor:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida][Imagem que aqui se dá por reproduzida]

” – cfr. fls. 112 e 113 do PA;
10. Em 15-12-2023, foi emitido Relatório Final pelos instrutores do processo disciplinar de cujo teor se extrai, além do mais, o seguinte:




[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
” – cfr. fls. 40 a 65 do PA;
11. Em 21-01-2023, o Conselho Geral da Entidade Requerida emitiu parecer favorável à proposta de sanção disciplinar constante do Relatório Final a que se refere o ponto antecedente – cfr. fls. 36 a 37 do PA;
12. Em 28-12-2023, o Presidente da Entidade Requerida exarou sobre a Informação ...23, despacho com o seguinte teor:
“Visto. Considerando o processo disciplinar em apreço, as conclusões do mesmo, a proposta dos Senhores Instrutores e o parecer favorável do Conselho Geral, determino a aplicação da pena proposta. Notifique-se o interessado e a Escola.” – cfr. fls. 34 e 35 do PA;
13. Por carta registada com aviso de receção remetida ao Requerente em 04-012024 e por este rececionada em 05-01-2023, foi o mesmo notificado do despacho referido no ponto antecedente – cfr. fls. 1 e 2 do PA;
14. O Requerente foi admitido como docente da ESE em outubro de 1987, na categoria de Professor provisório, tendo passado à categoria de Assistente, em regime de exclusividade, em dezembro de 1990 e à categoria de Professor Adjunto, em regime de exclusividade, em dezembro de 1996 – cfr. fls. 102 do PA;
15. Em 06-07-2023, nada constava do registo disciplinar do Requerente enquanto docente da ESE – cfr. fls. 200 do PA;
16. As alunas «BB» e «CC» concluíram os seus estudos na ESSE em 2022 – cfr. fls. 206 e 2016 do PA;
17. O Requerente exercia a função de Pró-Presidente da Entidade Requerida, para a área do Desporto, por nomeação do Presidente da Entidade Requerida efetuada por despacho de 27-04-2022 – cfr. fls. 253 do PA;
18. O Requerente tem 57 anos de idade – cfr. p. 15 do documento com a ref.ª Sitaf 008789588 (fls. 513 a 562 do Sitaf);
19. O agregado familiar do Requerente é constituído pelo mesmo e pela sua companheira, «DD» – cfr. pp. 16 e 60 do documento com a ref.ª Sitaf 008789589 (fls. 563 a 643 do Sitaf);
20. O Requerente suporta metade das despesas com o seu filho menor, sendo que este integra um outro agregado familiar – cfr. pp. 16 e 60 do documento com a ref.ª Sitaf 008789589 (fls. 563 a 643 do Sitaf);
21. O Requerente suporta, mensalmente, despesas com créditos bancários, num total aproximado de 1.343,00 € – cfr. pp. 6, 9, 74 e 75 do documento com a ref.ª Sitaf 008789589 (fls. 563 a 643 do Sitaf);
22. O Requerente suporta, em média, mensalmente, despesas com eletricidade e água, no montante de 127,00 € – cfr. pp. 4, 9, 22, 24 e 26 do documento com a ref.ª Sitaf 008789588 (fls. 513 a 562 do Sitaf) e pp. 17 do documento com a ref.ª Sitaf 008789589 (fls. 563 a 643 do Sitaf);
23. No ano de 2023, o Requerente e o seu agregado familiar auferiram os seguintes rendimentos ilíquidos: 55.124,06 €, a título de rendimentos de trabalho dependente; 10.430,00 €, a título de rendimentos empresariais e profissionais; 1.138,69 €, a título de rendimentos de capitais – cfr. pp. 60 a 73 do documento com a ref.ª Sitaf 008789589 (fls. 563 a 643 do Sitaf);
24. Em 10-01-2024, foi publicada notícia no jornal on-line “Novo Semanário”, intitulada de “Politécnico ... despede docente e suspende outros dois após denúncias de assédio”, com o seguinte teor:
“O Instituto Politécnico ... (IPP) revelou em comunicado, esta quarta-feira, que um docente vai ser despedido e outros dois suspensos, por 200 e 90 dias, respetivamente, devido a processos disciplinares instaurados após denúncias de assédio.
“Após parecer favorável do Conselho Geral do Politécnico, o presidente [«EE»] determinou aplicação das referidas penas aos três docentes da Escola Superior de Educação”, explicou o IPP, em comunicado divulgado esta quartafeira.
Segundo o Público, a denúncia mais grave refere-se a «AA», professor de Desporto no IPP desde 1987 e pró-presidente desde abril de 2022, exatamente um ano antes do surgimento das queixas. De acordo com as denúncias, que partiram de três estudantes, o professor aproveitava as aulas de ginástica para tocar de forma desnecessária nas alunas. Além disso, comentava frequentemente sobre os seus corpos e vestimentas, chegando a dizer “esta aluna vai ter mais um valor por me abrir as pernas”.
Os factos foram dados como provados e os instrutores do processo disciplinar, consultado pelo Público, concluíram que «AA» “agiu com culpa grave, de modo livre e consciente, estando ciente da natureza e conotação sexual do seu ato e bem sabendo que a sua conduta não era lícita e era apta a importunar as alunas e a ofender a sua liberdade e dignidade sexual”.
Aos outros dois docentes coube a pena de suspensão de funções, visto que os instrutores não consideraram como provados o mesmo nível de gravidade dos factos, apesar de as acusações serem semelhantes.
As queixas foram recebidas a 18 de abril do ano passado e os três docentes foram imediatamente suspensos preventivamente, por um período de três meses. O tempo de suspensão não será contabilizado para as penas agora aplicadas, que serão inteiramente cumpridas.
As denúncias deram-se através do Núcleo contra o Assédio da Escola Superior de Educação, formado por alunos. «FF», na altura provedor do Estudante, revelou ao Público que, depois dos primeiros testemunhos, mais estudantes mostraram interesse em depor.
A instituição garante que os factos dados como provados foram comunicados ao Ministério Público, “tendo em vista a devida e legal análise por parte das entidades judiciárias”. O IPP sublinha que “mantém o seu posicionamento muito assertivo sobre matérias desta natureza, designadamente não tolerar qualquer tipo de comportamentos que envolvam assédio”, promovendo diversos mecanismos de denúncia e combate ao mesmo.” – cfr. resolução fundamentada, constante do documento com a ref.ª Sitaf 008693557 (fls. 53 a 60 do Sitaf) e https://onovo.sapo.pt/noticias/...-despede-docente-esuspendeoutros-dois-apos-denuncias-de-assedio/.
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Factos Não Provados
Atentos os elementos probatórios presentes nos autos, não se provou indiciariamente que:
A) O Requerente tem como fonte exclusiva de rendimentos o seu vencimento como Professor Adjunto da ESE;
B) O Requerente suporta despesas com sala de estudo e atividades de complemento curricular do seu filho;
C) O Requerente teve sempre excelente nas suas avaliações de desempenho; D) A aluna «GG» já concluiu os seus estudos na ESE, especificamente, em 2023;
E) O Requerente exerceu diversos cargos e funções na ESE, para além dos referidos nos pontos 1., 14. e 17., tais como o de Presidente do Conselho Pedagógico, Coordenador de Curso, Coordenador do Centro Desportivo da Entidade Requerida e é atualmente membro do Conselho Científico;
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Motivação da Decisão de Facto
A convicção do Tribunal quanto aos factos considerados provados resultou do exame crítico do processo administrativo (cuja veracidade não foi colocada em crise), dos documentos juntos aos autos pelo Requerente em 04-06-2024, não impugnados, do teor da notícia de jornal cuja hiperligação consta da resolução fundamentada apresentada pela Entidade Requerida em 23-02-2024 (fls. 53 a 60 do Sitaf), bem como da posição assumida pelas partes nos seus articulados, na parte em que foi possível obter a sua expressa admissão, tal como especificado nos vários pontos do probatório.
Relativamente aos pontos 19. a 22., importa ainda explicitar o seguinte:
Não obstante o Requerente alegar que o seu agregado familiar integra o seu filho menor e tal circunstância parecer refletida no documento da p. 16 que integra o documento com a ref.ª Sitaf 008789589 (fls. 563 a 643 do Sitaf), o certo é que da declaração de rendimentos do Requerente relativa a 2023 e entregue em 02-05-2024 (constante da pp. 60 e ss. do documento com a ref.ª Sitaf 008789589 (fls. 563 a 643 do Sitaf)), resulta que o seu filho, «HH», NIF ...89, não integra o agregado familiar do Requerente mas sim o do sujeito passivo com o NIF ...79 e que o referido dependente não tem residência alternada, muito embora o Requerente contribua para as respetivas despesas na proporção de 50%. Pelo facto de este último documento ser mais recente do que o primeiro (datado de 2901-2024), concluiu-se que reflete a informação mais atual relativa à composição do agregado familiar do Requerente e despesas que este suporta com o filho, o que permitiu dar como provados os pontos 19. e 20. do probatório.
O ponto 21. dos factos indiciariamente provados resultou da soma dos valores das mensalidades do crédito à habitação e dos créditos automóveis constantes dos documentos de pp. 6, 9, 74 e 75 do documento com a ref.ª Sitaf 008789589 (fls. 563 a 643 do Sitaf).
O ponto 22. dos factos indiciariamente provados resultou da média dos valores mensais das faturas de eletricidade constantes de pp. 4 e 9 do documento com a ref.ª Sitaf 008789588 (fls. 513 a 562 do Sitaf) e da p. 17 do documento com a ref.ª Sitaf 008789589 (fls. 563 a 643 do Sitaf), a que se somou a média dos valores mensais das faturas de água constantes de pp. 22, 24 e 26 do documento com a ref.ª Sitaf 008789588 (fls. 513 a 562 do Sitaf).
O facto A) indiciariamente dado como não provado resultou do teor das declarações de IRS do Requerente relativas aos anos de 2021, 2022 e 2023, constantes de pp. 20 a 73 do documento com a ref.ª Sitaf 008789589 (fls. 563 a 643 do Sitaf), das quais é possível extrair que nos referidos anos, o Requerente auferiu outros rendimentos para além do seu vencimento como trabalhador por contra de outrem (professor na ESE), tais como rendimentos empresariais e profissionais e rendimentos de capitais.
Os restantes factos indiciariamente dados como não provados, emergem da circunstância de a parte onerada com a sua demonstração – o Requerente – não ter logrado dotar os autos de elementos suficientes à sua prova indiciária, sendo que a prova idónea à comprovação da factualidade em causa seria a prova documental. Na verdade, cabe ao Requerente o ónus do oferecimento de prova sumária dos requisitos de que depende a suspensão da eficácia do ato pretendida. E cabe ao Requerido fazer a prova sumária, dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do Requerente bem como a matéria de impugnação – artigo 342.º n.ºs 1 e 2 do Código Civil e artigo 571.º do CPC.
Refira-se que, de entre os diversos documentos juntos pelo Requerente em 04-062024, não se logrou estabelecer, com o grau de certeza mínima que se impõe, a conexão de algum deles com as alegadas despesas com sala de estudo e atividades de complemento curricular do filho do Requerente referidas no ponto B) dos factos indiciariamente dados como não provados. […]”

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Tendo subjacente o disposto no artigo 662.º, n.º 1 do CPC, aditamos ao probatório, seguindo a temporalidade dele constante, os factos a seguir enunciados:

1a – No ano lectivo 2021-2022, as actividades lectivas do 1.º semestre na Escola Superior ..., tiveram o seu início no dia 04 de outubro de 2021 e o seu termo no dia 29 de janeiro de 2022 – Cfr. calendário escolar homologado pela Presidente do IPP, em 23 de julho de 2021, acessível no link https://www..../CalendarioEscolar2122V1.1__signed.pdf%20

19a – O Requerente está inscrito no Centro de Emprego ..., na situação de desempregado à procura de novo emprego desde o dia 29 de maio de 2024 – Cfr. declaração emitida pelo Centro de Emprego, constante a fls. 60 a 73 do documento com a ref.ª Sitaf 008789589 (fls. 563 a 643 do Sitaf);

*

Tendo subjacente o disposto no artigo 662.º, n.º 1 do CPC, procedemos à densificação do ponto 23 do probatório constante da Sentença recorrida, com a fixação do facto a seguir enunciado:

23a - O rendimento de €55.124,06 foi obtido pelo Requerente, o rendimento de €10.430,00 foi obtido pela sua companheira, e o rendimento de €1.138,69, foi obtido por ambos – cfr. pp. 60 a 73 do documento com a ref.ª Sitaf 008789589 (fls. 563 a 643 do Sitaf);

**

IIIii - DE DIREITO

Está em causa a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal ... que com referência ao pedido de adopção de providência cautelar requerida pelo Requerente ora Recorrente, julgou pela negação de provimento com fundamento na não verificação do requisito atinente à aparência do direito.

Constituindo os recursos jurisdicionais os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, por via dos quais os recorrentes pretendem alterar as sentenças recorridas, nas concretas matérias que os afectem e que sejam alvo da sua sindicância, é necessário e imprescindível que no âmbito das alegações de recurso os recorrentes prossigam de forma clara e objectiva as premissas do silogismo judiciário em que se apoiou a decisão recorrida, por forma a evidenciar os erros em que a mesma incorreu.

Cotejadas as conclusões das Alegações de recurso apresentadas pelo Recorrente delas de extrai, em suma, que as infracções disciplinares que lhe são imputadas estão prescritas, que os factos dados como provados tiveram por base, designadamente, a inclusão de depoimentos indiretos e rumores, e de depoimentos não recolhidos pelos instrutores, que é desproporcionada a sanção de despedimento aplicada, e que errou o Tribunal a quo ao indeferir a produção de prova testemunhal por si requerida.

Por sua vez, em sede das conclusões patenteadas nas suas Contra alegações, o Recorrido pugna pela negação de provimento à pretensão recursiva do Recorrente, e a final, que deve ser mantida a Sentença proferida pelo Tribunal a quo.


Neste patamar, cumpre para já apreciar da invocada prescrição das infracções disciplinares como assim empreendido pelo Tribunal em torno do requisito do fumus iuris, e neste sentido, para aqui extraímos a essencialidade da fundamentação aportada pelo Tribunal a quo nesse conspecto, como segue:

Início da transcrição
“[…]
Do fumus boni iuris
Cumpre, agora, verificar, em termos sumários e provisórios, face aos factos e alegações do Requerente, se é provável o êxito da ação principal.
[…]
i) Prescrição das infrações disciplinares
Sob a título “Violação dos arts. 170º do Código Penal e 178º nº1 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas”, alega o Requerente que os atos que lhe foram imputados não contêm conotação sexual, não sendo passíveis de enquadramento no crime de importunação sexual, previsto no artigo 170.º do Código Penal (CP), conforme o fazem a acusação e a decisão final do processo disciplinar instaurado contra o Requerente, assim como os factos provados não contêm os elementos constitutivos do referido tipo legal de crime, em especial a referência a quaisquer atos de “carácter exibicionista”, “formulação de propostas de teor sexual” ou “constrangimento a contacto de natureza sexual”, pelo que não opera o alargamento do prazo de prescrição previsto no artigo 178.º n.º 1, parte final, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LGTFP), estando, assim, prescritas as infrações disciplinares imputadas ao Requerente, situadas temporalmente entre setembro de 2019 e junho de 2021.
Adita que também não se aplica o referido alargamento do prazo de prescrição uma vez que, quando decorreu o prazo de prescrição disciplinar relativamente às infrações disciplinares em causa, estava extinto o procedimento criminal relativamente aos alegados correspondentes crimes de importunação sexual, pois que já tinha decorrido o prazo de seis meses para apresentação de queixa, sem que esta tivesse sido apresentada.
Refere ainda que as condutas que lhe vêm assacadas nunca poderiam ser subsumidas na forma agravada do crime de importunação sexual, prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 177.º do CP, uma vez que a relação professor - aluno não se enquadra em nenhuma das situações elencadas no artigo 177.º do CP.
Por fim defende que as palavras alegadamente dirigidas pelo Requerente a uma aluna, quando esta fazia o exercício da espargata, não podem subsumir-se no tipo legal de difamação agravada, porquanto com tais palavras o Requerente estava a referir-se “claramente e sem ambiguidade” a tal exercício e não “a comunicar à turma que a aluna lhe abria as pernas em contexto intimo e sexual em troca de melhores avaliações”.
A Entidade Requerida defende não se verificar a violação do artigo 170.º do CP, contrariamente ao alegado pelo Requerente e, bem assim, a violação do artigo 178.º da LGTFP, uma vez que os factos que resultaram demonstrados no processo disciplinar instaurado ao Requerente foram subsumidos ao tipo legal de crime de importunação sexual, para efeitos exclusivos de aproveitamento do prazo de prescrição aplicável à infração penal e que até poderiam ter sido subsumidos a tipo legal mais gravoso, tal como o de abuso sexual.
Mais sustenta que para a aplicação do prazo de prescrição de uma infração penal em sede disciplinar não é necessário o “exercício do direito de queixa-crime” ou a existência de “um processo crime, uma acusação ou pronúncia e muito menos uma condenação”, bastando que os factos em causa no processo disciplinar também consubstanciem, em abstrato, a prática de um crime.
Vejamos.
Dispõe o artigo 178.º n.º 1 da LGTFP: “A infração disciplinar prescreve no prazo de um ano sobre a respetiva prática, salvo quando consubstancie também infração penal, caso em que se sujeita aos prazos de prescrição estabelecidos na lei penal à data da prática dos factos”.
Os prazos de prescrição estabelecidos na lei penal a que se refere o citado preceito legal são os constantes do artigo 118.º do CP, o qual prevê um prazo de prescrição do procedimento criminal de 5 anos “quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a um ano, mas inferior a cinco anos” (cfr. alínea c) do n.º 1), como é o caso do crime de importunação sexual, previsto no artigo
170.º do CP, o qual prevê: “Quem importunar outra pessoa, praticando perante ela atos de carácter exibicionista, formulando propostas de teor sexual ou constrangendo-a a contacto de natureza sexual, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.”
A propósito do alargamento do prazo de prescrição da infração disciplinar aos prazos de prescrição estabelecidos na lei penal, consagrado no artigo 178.º n. 1 da LGTFP, pronunciou-se o STJ, no seu acórdão de 30-06-2020, processo n.º 62/19.7YFLSB
(disponível em https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2020:62.19.7YFLSB ), nos seguintes termos:
“(…) V - Nos termos do n.º 1 do art. 178.º da LGTFP, a infração disciplinar prescreve no prazo de um ano sobre a respetiva prática, salvo quando consubstancie também infração penal, caso em que se sujeita aos prazos de prescrição estabelecidos na lei penal à data da prática dos factos.
VI - Não só a “letra da lei” não admite a interpretação defendida pelo autor – segundo a qual o segmento final do n.º 1 do art. 178.º da LGTFP não é aplicável ao caso dos autos – como os demais princípios hermenêuticos conduzem igualmente à sua rejeição.
VII - Na verdade, importa ter em conta o elemento sistemático da interpretação, que indica que, formando a ordem jurídica um sistema unitário, cada norma deve ser tomada como parte de um todo, como parte desse sistema. Ora, a aplicação dos prazos prescricionais previstos no próprio CP também não está dependente da efetiva condenação do arguido pela prática do crime de que é acusado. Por conseguinte, o sentido apontado pelo autor consubstanciaria uma violação do princípio da unidade do ordenamento jurídico.
VIII - Por outro lado, cumpre convocar o elemento teleológico da interpretação, de acordo com o qual importa apurar a finalidade prosseguida pelo legislador quando estabeleceu tal alargamento do prazo prescricional. Ora, o escopo do alargamento contido na parte final do n.º 1 do art. 178.º da LGTFP é simples: perante «faltas disciplinares graves que são também criminalmente punidas, (…) não faria sentido que ao aplicar-se a um funcionário a sanção penal já não pudesse incidir sobre ele a sanção disciplinar».
IX - Perante a objeção de que a tal orientação implicaria, de certo modo, um juízo (administrativo ou da entidade patronal) quanto à qualificação de crime imputável a um agente quando ainda não há condenação e pode nunca vir a existir, o que poderia, inclusive e no limite, pôr em crise o princípio da presunção de inocência, tem o STJ reiteradamente afirmado, a propósito do exercício do poder disciplinar, que, para que o prazo da prescrição penal seja aplicável, embora se exija que os factos também consubstanciem, em abstrato, a prática de um crime, não é, contudo, exigível que tal alargamento dependa do efetivo exercício da ação penal, ou sequer da prévia verificação de qualquer outra condição ou pressuposto, maxime do exercício do direito de queixa-crime, quando o exercício daquela esteja dependente desta.
X - Mais tem o STJ decidido que tal entendimento não viola o princípio constitucional de presunção de inocência do arguido, contido no art. 32.º, n.º 2, da CRP, ou o princípio da legalidade, uma vez que o alargamento em causa não tem quaisquer implicações de natureza penal para o trabalhador, nem tem subjacente qualquer juízo de natureza criminal que lhe seja desfavorável, ainda que em termos meramente presuntivos. XI - Conclui-se assim que o alargamento do prazo prescricional previsto para o ilícito penal, nos termos estabelecidos na parte final do n.º 1 do art. 178.º da LGTFP, não depende do efetivo exercício da ação penal, nem da prévia verificação de qualquer outra condição ou pressuposto. A aplicação do prazo da prescrição estabelecido pela lei penal basta-se com a verificação de que os factos consubstanciem também, em abstrato, a prática de um crime, sendo este o único requisito exigível. (…)” (sublinhado nosso).
Em sentido semelhante, vide os acórdãos do STJ de 13-01-2010, processo n.º 1321/06.4TTLSB.L1.S1 (disponível em www.dgsi.pt) e de 05-03-2013, processo n.º 627/10.2TTVIS (disponível em www.colectaneadejurisprudencia.com).
Decorre da jurisprudência supracitada à qual aderimos por qual ela inteiramente concordarmos que, diversamente do propugnado pelo Requerente, o alargamento do prazo prescricional da infração disciplinar, previsto no artigo 178.º n.º 1, parte inicial, da LGTFP aos prazos de prescrição previstos no artigo 118.º do CP, não depende do efetivo exercício da ação penal, ou sequer do exercício do direito de queixa-crime, quando se trate de um crime particular ou semipúblico, bastando que os factos qualificados como infração disciplinar consubstanciem, em abstrato, a prática de um crime e sem que se mostre necessário que o “decisor do processo disciplinar qualifique juridicamente os factos como ilícitos criminais” (cfr. acórdão do STJ de 04-07-2023, processo n.º 21/21.0YFLSB, disponível em www.dgsi.pt).
Ora, revertendo ao caso dos autos temos que, atento o relatório final para o qual remete a decisão punitiva em sindicância (cfr. pontos 10. e 12. do probatório), os factos qualificados como infração disciplinar – a saber, sumariamente, dar sapatadas nas nádegas de alunas ou segurá-las pelas nádegas, quando subiam paralelas, no decurso de aula de Ginástica; referir, perante uma turma de alunos, que: “esta aluna vai ter mais um ponto por me abrir as pernas”, aquando da execução por uma aluna de um exercício de espargata ou dizer a uma aluna que um top tinha as medidas certas para ela e que seria um prazer que esta participasse nas aulas com o peito à mostra, levando a que as alunas visadas se sentissem importunadas, constrangidas, desconfortáveis – são passíveis de integrar, em abstrato, o crime de importunação sexual, previsto no artigo 170.º do CP, porquanto configuram contactos não desejados de natureza sexual, insinuações sexuais ou formulação de propostas de cariz sexual. Do relatório final produzido no procedimento disciplinar em que o Requerente foi arguido resulta ainda (não obstante tal não ser necessário para efeitos de alargamento do prazo prescricional, conforme supra explicitado) a imputação ao mesmo do elemento subjetivo do tipo criminal, atenta a seguinte referência: “29. O Arguido agiu com culpa grave, de modo livre e consciente, estando ciente da natureza e conotação sexual dos seus atos e bem sabendo que a sua conduta não era lícita e era apta a importunar as alunas «BB» e «GG», e ofender dignidade e liberdade sexual”.
Destarte, independente de os factos imputados ao Requerente serem ou não enquadráveis na forma agravada do crime de importunação sexual, nos termos previstos no artigo 177.º n.º 1 do CP (o que, aliás, nos parece verificar-se, pois que entendemos que a relação professor - aluno equivale a uma relação de dependência hierárquica, a que é feita menção na alínea b) do referido normativo, atenta a posição de autoridade de um professor sobre um aluno e a dependência em termos avaliativos deste em relação àquele, no âmbito do seu percurso académico), temos como certo que se subsumem, pelo menos, à forma simples do referido tipo legal, sendo-lhes, nessa medida, aplicável o prazo de prescrição alargado de 5 anos, previsto no artigo 118.º n.º 1 alínea c) do CP, pelo que, reportando-se tais factos ao período de setembro de 2019 a junho de 2021 (cfr. ponto 10. do probatório), não se afigura que ocorra a prescrição das infrações disciplinares em questão nos presentes autos.
Em face do exposto, conclui-se, numa análise perfunctória, que não é provável o êxito da ação principal estribado nesta causa de invalidade assacada à decisão final punitiva, pelo que, nesta parte, não está verificado o requisito da aparência do bom direito.
[...]“
Fim da transcrição

A matéria em causa requer uma análise factual e jurídica aprofundada, que não cabe levar a cabo num processo cautelar, dada a sumariedade da sua tramitação, principalmente quando no julgamento prosseguido por este TCA Norte, o que importa apreciar e decidir é se ocorre fundamento, como sustentado pelo Recorrente, para dar como verificado, desde logo, o fumus iuris, sem que para tanto seja relevante e/ou se imponha a quantidade de erros de julgamento que nesse domínio e para esse efeito, possam vir sindicados pelo Recorrente.

Conforme apreciou e decidiu o Tribunal a quo, foi por estar em causa factualidade subsumível no crime de importunação sexual previsto no artigo 170.º do Código Penal, por terem sido protagonizados pelo arguido ora Recorrente contactos não desejados de natureza sexual, insinuações sexuais ou formulação de propostas de cariz sexual, que nessa medida, julgou ser aplicável o prazo de prescrição alargado de 5 anos, previsto no artigo 118.º n.º 1 alínea c) do CP, e assim, reportando-se esses factos ao período de setembro de 2019 a junho de 2021 (cfr. ponto 10. do probatório), que não se afigurava a ocorrência da prescrição das infrações disciplinares em questão nos presentes autos, e dessa forma, julgou não ser provável o êxito da ação principal estribado nesta causa de invalidade assacada à decisão final punitiva, e que por aí estava inverificado o requisito da aparência do direito.

Vejamos.

Para efeitos do disposto no artigo 112.º, n.º 2 do CPTA, o pedido de providências cautelares e a sua adopção regem-se pela tramitação e segundo os critérios enunciados no Título IV do CPTA, que compreende os artigos 112.º a 134.º deste Código, sendo que sob o artigo 120.º vêm dispostos os critérios para a concessão de tutela cautelar.

E aí se dispõe sob o n.º 1 desse normativo, que as providências cautelares são adoptadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente, situação em que, como dispõe o n.º 2 do mesmo normativo, mesmo ainda na eventualidade de terem sido julgados verificados esses requisitos determinantes, sempre a adopção da providência ou das providências pode ser recusada quando em sede da ponderação dos interesses públicos e privados em presença, for julgado que os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências.

É fundamento para a concessão de tutela cautelar, por via da adopção da/s providência/s requerida/s, que o Tribunal aprecie da ocorrência de periculum in mora [numa das suas duas vertentes], e que indague da aparência do bom direito invocado pelo Requerido, no sentido de aferir sobre se é provável que a pretensão por si formulada, que é causa/fundamento do processo principal, venha a ser julgada procedente, requisitos estes que são de verificação cumulativa, e neste sentido, sendo julgado não verificado um deles, fica prejudicado o conhecimento do outro.

O Tribunal a quo veio a julgar inverificado o fumus iuris e a julgar por isso prejudicado o conhecimento dos demais requisitos determinantes do decretamento das providências requeridas.

Atenta a natureza das providências cautelares requeridas, e por regra, o Tribunal deve levar a cabo uma apreciação sumária da prova apresentada, sendo que esta tem de ter relevância para a questão decidenda, considerando a violação das normas invocadas e a posição do Requerente, assim como o confronto entre os seus interesses e os interesses públicos, avaliada em função das circunstâncias de facto concretas alegadas de parte a parte, e dos factos provados, ainda que indiciariamente, e desde que não sobrevenha nenhuma razão para que em sede da ponderação dos interesses em presença, o acto deva continuar válido na sua eficácia.

Aqui chegados.

Para efeitos de formação de convicção em torno da não ocorrência da prescrição das infracções disciplinares, apreciou e decidiu o Tribunal a quo que sendo a factualidade imputada ao arguido ora Recorrente, passível de ser subsumida nos seus elementos objectos e subjectivos no crime de importunação sexual a que se reporta o artigo 170.º do Código Penal, cuja pena abstractamente considerada se fixa na prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, que em face do disposto no artigo 178.º n.º 1 da LGTFP as infrações disciplinares se têm por prescritas, não no prazo de um ano sobre a respetiva prática, antes no prazo de 5 anos, por ser esse o prazo de prescrição do procedimento criminal, em consonância com o disposto no artigo 118.º, n.º 1, alínea c) também do Código Penal.

Ou seja, apreciou e decidiu o Tribunal a quo, tendo por pressuposto que os factos integradores das infracções disciplinares também eram eles integrantes de um tipo legal de crime, e assim, que para além de a actuação do arguido ora Recorrente ser punida disciplinarmente, que também era passível de ser punida criminalmente.

Atentemos no probatório fixado pelo Tribunal a quo, como assim constante da Sentença recorrida.

Conforme assim constante dos ponto 2 e 10 do probatório, foi no dia 19 de abril de 2023 que o Presidente do IPP determinou a instauração do processo disciplinar instaurado ao ora Recorrente [Cfr. ponto 2], envolvendo factualidade reportada a setembro de 2019 e junho de 2021, sendo que no dia 15 de dezembro de 2023 foi emitido o relatório final devido na instrução do procedimento disciplinar, [Cfr. ponto 10 do probatório], sobre o qual, e precedendo parecer do Conselho Geral do IPP, foi determinada a aplicação da pena de despedimento ao arguido ora Recorrente, por despacho do Presidente do IPP, datado de 28 de dezembro de 2023 [Cfr. ponto 11 do probatório].

Cotejado aquele relatório final [e como assim resulta patenteado na Resolução fundamentada], dele resulta que foi com base nas imputações de facto constantes dos respectivos pontos 3 a 26, e que são atinentes a factos dados como provados, que foi apreciado e decidido pelo Requerido ora Recorrido que o arguido ora Recorrente cometeu seis infracções, tidas como violadoras dos deveres contidos nas alíneas b), c) e d) do artigo 4.º e nas alíneas a), c) e d) do artigo 3.º e alíneas a), l), m), e n) do artigo 2.º, todos do Código de Conduta, bem como os deveres vertidos nas alíneas a), e) e h), do artigo 72.º da LGTP, assim como do artigo 29.º do Código de Trabalho, reportandose aqueles pontos 3 a 26 a factualidade ocorrida entre o 1.º semestre do ano lectivo 2019/2020 e o ano lectivo de 2021/2022.

Percorrida a matéria de facto a que se reportam aqueles pontos 3 a 26 vertidos no relatório final, deles se extrai, que a factualidade que resultou provada e que foi tido como configuradora de ilícito disciplinar, e que veio a ser determinante da aplicação da sanção de despedimento, assenta, essencialmente, no seguinte:

- que durante uma aula da UC de Ginástica do primeiro semestre do ano letivo de 2019/2020, o Requerente aproximou-se da aluna «BB», durante a realização de um exercício no qual tinha solicitado a execução de um pino, e deu-lhe duas sapatadas nas nádegas enquanto afirmou “tens que os ter mais contraídos”; repetiu este comportamento por duas vezes;
- que durante uma aula da UC de Ginástica do primeiro semestre do ano letivo de 2019/2020, o Requerente solicitou à aluna «CC» que realizasse o pino, sendo que na primeira tentativa da aluna, o Requerente lhe disse para fazer força abdominal enquanto lhe deu duas sapatadas no rabo e lhe disse “rabo duro, rabo duro”;
- que durante uma aula da UC de Ginástica do ano letivo 2019/2020, enquanto a aluna «CC» realizava uma espargata em contexto de avaliação, o Requerente afirmou em voz alta e perante toda a turma: “esta aluna vai ter mais um valor por me abrir as pernas”;
- que durante uma aula da UC de Ginástica do ano letivo 2020/2021, enquanto a aluna «GG» efetuava o pino a pedido do Requerente, este desferiulhe várias palmadas nas nádegas em frente dos restantes colegas da turma;
- que pelo menos nos anos letivos 2019/2020, 2020/2021 e 2021/2022, e nas aulas ministradas à turma da aluna «BB», e à turma da aluna «GG», era muito frequente o Requerente dar sapatadas nas nádegas das alunas.
- que pelo menos nos anos letivos 2019/2020, 2020/2021 e 2021/2022, nas aulas ministradas à turma da aluna «BB», era muito frequente o Requerente auxiliar as alunas a subir para as barras paralelas segurando-lhes as nádegas, isto apenas às alunas do sexo feminino;
- que nesses anos, era frequente o Requerente tecer comentários sobre o corpo e a indumentária das alunas;
- que em data não apurada mas situada entre os anos de 2019 e 2021, o Requerente dirigiu-se à aluna «BB» enquanto esta organizava os equipamentos do ginásio da ESE, e colocou à frente da aluna um top decotado e curto que havia encontrado no ginásio, enquanto afirmou que seria um prazer se a aluna participasse nas suas aulas com o peito à mostra.

Os crimes de coacção sexual e de importunação sexual, estão enquadrados no Código Penal no seu Título I, atinente aos “crimes contra as pessoas”, no seu capítulo V relativo aos “crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual”, estando esses dois tipos de ilícito concretamente enquadrados na respectiva secção I relativa a “crimes contra a liberdade sexual”.

Por ter interesse para a decisão a proferir, para aqui extraímos os artigos 163.º e 170.º do Código Penal, como segue:

“Crimes contra a liberdade sexual
Artigo 163.º
Coacção sexual
1 - Quem, sozinho ou acompanhado por outrem, constranger outra pessoa a praticar ato sexual de relevo é punido com pena de prisão até cinco anos.
2 - Quem, por meio de violência, ameaça grave, ou depois de, para esse fim, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir, constranger outra pessoa a sofrer ou a praticar, consigo ou com outrem, acto sexual de relevo é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.
3 - Para efeitos do disposto no n.º 1, entende-se como constrangimento qualquer meio, não previsto no número anterior, empregue para a prática de ato sexual de relevo contra a vontade cognoscível da vítima.”

“Artigo 170.º
Importunação sexual
Quem importunar outra pessoa, praticando perante ela atos de carácter exibicionista, formulando propostas de teor sexual ou constrangendo-a a contacto de natureza sexual, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.”

Atenta a natureza da factualidade assacada ao arguido, Requerente ora Recorrente, por parte do Requerido ora Recorrido, julgamos que a mesma não é susceptível de integrar quer os elementos do tipo objectivo quer do tipo subjectivo a que se reportam aqueles normativos, ou seja, o crime de coação sexual ou o crime de importunação sexual.

Como assim julgamos, a factualidade que foi dada como provada no procedimento disciplinar [e assim também na Sentença recorrida] não é apta a integrar, ainda que de forma indiciária, que a conduta do arguido e durante todos os anos em referência tenha subjacente a prática de acto sexual de relevo, ou de importunação sexual.

Como assim refere Figueiredo Dias, In Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, página 447, acto sexual de relevo é “[…] todo o comportamento activo (só muito excepcionalmente omissivo) que, de um ponto de vista predominantemente objectivo assume uma natureza, um conteúdo ou um significado directamente relacionados com a esfera da sexualidade e por aqui, com a liberdade de determinação sexual de quem o sofre ou pratica.”

Como assim tem julgado o Supremo Tribunal de Justiça e de forma reiterada, o Código Penal não fornece uma densificação do conceito de acto sexual de relevo, tendo de ser na avaliação casuística levada aos Tribunais que têm de ser ponderados os termos e contextos em que o mesmo assim pode ser dado como verificado.

Por julgarmos com interesse para a decisão a proferir, para aqui extraímos parte do Acórdão do STJ, datado de 12 de julho de 2005, proferido no Processo n.º 05P2442, como segue:

Início da transcrição
“[...]
A expressão «acto sexual de relevo» é usada no mesmo diploma, com o mesmo sentido, também nos art.ºs 163.º (coacção sexual), 166.º (abuso sexual de pessoa internada), 167.º (fraude sexual).
[...]
Acto sexual é, neste domínio, essencialmente aquele que assume uma natureza, um conteúdo ou um significado directamente relacionados com a esfera da sexualidade e que contende com a liberdade de determinação sexual de quem o sofre ou o pratica.
Mas a corporização deste tipo legal exige ainda que o acto seja de relevo.
Referem Simas Santos e Leal-Henriques (Código Penal, II, pág. 368-9), a propósito: «Quer isto dizer que não é qualquer acto de natureza, conteúdo ou significado sexual que serve ao espírito do artigo, mas apenas aqueles actos que constituam uma ofensa séria e grave à intimidade e liberdade sexual do sujeito passivo e invadam, de uma maneira objectivamente significativa, aquilo que constitui a reserva pessoal, o património íntimo, que no domínio da sexualidade, é apanágio de todo o ser humano. Estão nesta situação, por exemplo, os actos de masturbação, os beijos procurados nas zonas erógenas do corpo, como os seios, a púbis, o sexo, etc., parecendo-nos que também se deve incluir no conceito de acto sexual de relevo a desnudação de uma mulher e o constrangimento a manter-se despida para satisfação dos apetites sexuais do agente.
Fiqueiredo Dias acentua, assim, que é de excluir do acto sexual de relevo não apenas os actos «insignificantes ou bagatelares», mas também aqueles que não representem «entrave com importância para a liberdade de determinação sexual da vítima» (v.g. «actos que, embora “pesados” ou em si “significantes” por impróprios, desonestos, de mau gosto ou despudorados, todavia, pela sua pequena quantidade, ocasionalidade ou instantaneidade, não entravem de forma importante a livre determinação sexual da vítima») – Comentário, I, 449.
Pondera a propósito Sénio Alves (Crimes Sexuais, 8 e ss.):
«Em bom rigor, a dificuldade começa logo na definição de acto sexual (para efeitos penais, entenda-se). Um beijo é um acto sexual? O acariciar dos seios é um acto sexual? E se sim, é de relevo? E ainda em caso afirmativo será razoável punir do mesmo modo quem por meio de violência constrange a vítima a praticar consigo coito... (inter femural ou inter-axilar, que me parecem poder integrar, sem grandes objecções, o conceito de acto sexual de relevo) e aquele que, também por meio de violência, consegue acariciar os seios da sua vítima?
Numa noção pouco rigorosa (diria sociológica) de acto sexual têm cabimento actos como os supra referidas (o acariciar dos seios e de outras partes do corpo, que não só dos órgãos genitais). São aquilo que vulgarmente se designa como “preliminares da cópula” e, por isso, são actos de natureza sexual ou, se se preferir, actos com fim sexual».
E conclui:
«O acto sexual de relevo é, assim, todo o comportamento destinado à libertação e satisfação dos impulsos sexuais (ainda que não comporte o envolvimento dos órgãos genitais de qualquer dos intervenientes) que ofende, em grau elevado, o sentimento de timidez e vergonha comum à generalidade das pessoas», sendo certo, assim, que «a relevância ou irrelevância de um acto sexual só lhe pode ser atribuída pelo sentir geral da comunidade”, a qual «considerará relevante ou irrelevante um determinado acto sexual consoante ofenda com gravidades ou não, o sentimento de vergonha e timidez (relacionado com o instinto sexual) da generalidade das pessoas».
Este Supremo Tribunal de Justiça não se tem afastado muito deste entendimento, ponderando que o acto sexual de relevo é um conceito indeterminado, que confere alguma margem de apreciação aos julgadores, em função das realidades sociais, das concepções reinantes e da própria evolução dos costumes, mas não deixa de cobrir as hipóteses de actos graves, nomeadamente aqueles que atentam com os normais sentimentos de pudor dos ofendidos, intoleráveis numa sociedade civilizada. O que, no entanto, não exclui a relatividade da gravidade, o que explica a grande amplitude da moldura penal (prisão de 1 a 8 anos) ou mesmo a irrelevância de um beliscão passageiro. (cfr. neste sentido o Ac. de 31.10.1995, proc. n.º 48119)
Considerou que acto sexual de relevo terá de ser entendido como o acto que tendo relação com o sexo (relação objectiva), se reveste de certa gravidade e em que, além disso, há da parte do seu autor a intenção de satisfazer apetites sexuais (cfr. Acs. de 24.10.96, proc. n.º 606/96 e de 12/03/1998, proc. n.º 1429/97)
E tem acentuado que a relevância do acto sexual tem fundamentalmente a ver com a necessidade de proteger a liberdade sexual da vítima (cfr. neste sentido o Ac. de 31.10.1995, proc. n.º 48119), que o bem jurídico a proteger, quer no crime de coacção sexual (art.º 163.º, do CP), quer no de abuso sexual de crianças (art.º 172.º, do CP), é a liberdade: a liberdade de se relacionar sexualmente ou não e com quem, para os adultos; a liberdade de crescer na relativa inocência até se atingir a idade da razão para então e aí se poder exercer plenamente aquela liberdade (Ac. de 30.11.2000, proc. n.º 2761/00-5).
Para justificar a expressão "de relevo" terá a conduta de assumir gravidade, intensidade objectiva e concretizar intuitos e desígnios sexuais visivelmente atentatórios da auto-determinação sexual; de todo o modo, será perante o caso concreto de que se trate que o "relevo" tem de recortar-se. Em sede de abuso sexual de crianças, o "relevo" como que está imanente a qualquer actuação libidinosa por mais simples que ela seja ou pareça ser; o tipo penal do art.º 172, do Código Penal nos vários cambiantes nele previstos (designadamente no do seu n.º 1) traduz isso mesmo, tanto mais que nele se visa a protecção de pessoas que presumível ou manifestamente não dispõem do discernimento necessário para, no que ao sexo respeita, se exprimirem ou se comportarem com liberdade, com presciência ou com autenticidade (Ac. de 15.6.00, Acs STJ VIII, 2, 226)
[...]“
Fim da transcrição

Ora, em face do que deixamos extraído supra, e tendo presentes as concretas factualidades imputadas ao arguido ora Recorrente e da compaginação que a partir delas foi prosseguida para efeitos de a indexar não apenas no plano do ilícito disciplinar mas também sob o foco do ilícito criminal, tendo em vista o propósito, o objectivo de dispor a entidade requerida de um maior prazo de prescrição da infracção disciplinar, ou seja, aquele que fosse devido para o respectivo tipo legal de crime, julgamos que foi erradamente prosseguido o julgamento de que a conduta [activa] assacada ao arguido é passível de integrar ilícito criminal, quando na realidade não tem esse pendor significante, desde logo por não se enquadrar, de forma clara no tipo objectivo das normas a que se reportam quer os artigos 163.º, quer do 170.º, ambos do Código Penal.

Em conformidade com o que ensina Figueiredo Dias, e como acima foi tratado no Acórdão do STJ, o que julgamos é que, não se retirando que as pessoas [alunas da ESE] se tenham sentido invadidas pelas “sapatadas no rabo“, ou pelas palavras proferidas pelo arguido, no quanto possa ser a universalidade dos seus direitos de afirmação pessoal e da sua autodeterminação física, emocional e sexual, os presentes autos tratam apenas de actos que podendo ser tidos como graves, grosseiros e de muito mau gosto, foram prosseguidos por docente que, durante os seus 36 anos de carreira docente, sempre achou [ou deve ter achado ou disso ficado ele próprio convencido] que essa a forma correcta e adequada de estabelecer relação empática, na base da relação professor/aluna, obnubilando o arguido que entretanto foi suplantado pela evolução dos tempos sociais, em que já não são toleradas certas atitudes e comportamentos do tipo e natureza de que tratam os autos, e que enquanto docente e do ensino superior, não devia desconhecer os princípios mínimos de distanciamento físico e verbal que deve usar nas suas relações com as suas alunas.

Ou seja, os presentes autos, e com referência à factualidade imputada ao arguido ora Recorrente comportam gravidade suficiente para serem tratados sob uma égide disciplinar, mas já porém, em nada contendem com actos passíveis de serem subsumidos nos tipos de ilícito criminal aventados pelo Requerido ora Recorrido, em ordem a fazer estender o prazo prescricional das infracções.

Conforme assim foi apreciado e decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, pelo seu
Acórdão datado de 20 de outubro de 2010, proferido no Processo n.º
150/07.2JAPDL, para efeitos do preenchimento do elemento típico em torno do artigo 163.º, n.º 1 do CP, não basta a mera constatação de que a pessoa ofendida não deu o seu consentimento, antes se devendo interpor uma qualquer via coactiva, não necessariamente física, mas que a final coaja, force ou obrigue outra pessoa a sofrer um acto sexual de relevo.

Neste conspecto, para aqui extraímos parte desse Acórdão, como segue:

Início da transcrição
“[...]
O excerto «por meio de violência, ameaça grave, ou depois de, para esse fim, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir...», que integra o normativo que se transcreveu, constava já, com diferenças de pormenor na redacção, do n.º 1 do artigo 205.º, da versão originária do Código [1982], que previa e punia o atentado ao pudor com violência.
Aliás, este vocábulo [violência] constituía um elemento caracterizador do tipo do artigo 391.º (atentado ao pudor) do velho Código de 1886, posto que a pessoa ofendida fosse menor de dezasseis anos.
Ora, ainda na vigência deste último diploma não era pacífico o entendimento sobre o conceito de violência. Com efeito, defendiam alguns, escorados ao que parece na lição do Professor Beleza dos Santos, que tal conceito deveria ser visto num sentido amplo, ou seja, num sentido segundo o qual ocorreria violência sempre que não existisse consentimento por parte da pessoa ofendida; entendiam outros que a verificação do conceito exigiria que houvesse o emprego de força física[7].
O entendimento de que existe violência sempre que o acto for praticado contra ou sem a vontade da ofendida foi seguido por alguma jurisprudência[8], a propósito do crime de violação.
O Professor Figueiredo Dias, ao tratar a violência como “meio típico de coacção”, afirma que deve «ser considerado, no contexto do artigo 163.º, apenas o uso da força física (como vis absoluta ou como vis compulsiva) destinada a vencer uma resistência oferecida ou esperada (...).».
E, de seguida, escreve o ilustre Professor: «Não é necessário que a força usada deva qualificar-se de pesada ou grave, mas será em todo o caso indispensável que ela se considere idónea, segundo as circunstâncias do caso nos termos conhecidos da doutrina da adequação, a vencer a resistência efectiva ou esperada da vítima (...).».
Depois, ainda segundo o mesmo autor, «Sob certas circunstâncias concretas, nomeadamente em função da debilidade, física ou psíquica, do carácter temeroso ou assustadiço da vítima pode bastar, v. g., uma bofetada, o fechá-la contra a sua vontade num quarto ou mesmo num automóvel, o transportá-la de um lugar para outro: é aqui decisiva em princípio a perspectiva da vítima (...).».[9]
Pois bem. Abreviando, diremos, também nós em dissonância com alguma da jurisprudência referida, que no preenchimento do elemento típico violência não bastará apenas a constatação da ausência de consentimento por parte da pessoa ofendida. Ao invés, e de novo com o ensinamento de Figueiredo Dias quando recorre à expressão utilizada por um outro autor, «à violência tem de assistir uma qualquer corporalidade do meio de coacção».[10]
E, se bem alcançamos o sentido desta forma de dizer, ela não significa que, necessariamente, para que possa ocorrer violência, tenha de existir um qualquer contacto físico entre a vítima e o autor.
Essencial é a aptidão do acto, ou dos actos, para constranger (coagir, forçar, obrigar, compelir) a outra pessoa a sofrer ou a praticar o acto sexual de relevo.
[…]”
Fim da transcrição

Enfatizando, a factualidade imputada ao arguido ora Recorrente não tem subsunção dentro deste tipo legal de crime.

E assim também julgamos não ter em torno do crime de importunação sexual, a que se reporta o artigo 170.º do CP.

Sendo certo que as atitudes e comportamentos do arguido ora Recorrente poderão não ser as adequadas em torno do ensinamento na UC de Ginástica, ainda que já ministradas para jovens adultos, e que são por isso merecedoras de censura que podemos posicionar a vários níveis [escolar, social, ético, moral, deontológico, e jurídico], e que podem atingir uma significativa carga ofensiva para as alunas visadas, de todo o modo, seja pelo posicionamento adoptado pelo arguido genericamente levado a cabo num contexto de aula, seja pelo tipo de linguagem que terá usado, essas atitudes e comportamentos [para o que não pode deixar de ser apreciado o concreto contexto em que foram levadas a cabo], não assomam uma tal evidência que por si tenham o pendor de poder ser elevadas a um patamar de tipicidade criminal que justifique que o direito penal sobre elas se debruce.

Não é indiferente para a avaliação do que sejam as fronteiras típicas do crime de importunação sexual face ao que sejam as fronteiras do decoro e brio profissional, não levar em conta a natureza do contexto comunicacional em que foram produzidas as expressões verbais imputadas ao arguido, assim como as suas atitudes corporais em face do que é/estava a ser, genéricamente considerando, apreciado o desempenho das alunas visadas nos autos.

Por reporte aos anos lectivos em causa, julgamos que o arguido utilizou na sua relação enquanto professor com as alunas, de uma linha comunicacional baseada numa linguagem de calão, e com a utilização de expressões verbais que, tomadas no que possa ser o mero conjunto de palavras, podem ser tidas e entendidas com uma diferente conotação ou significado, e que possam ser melindrosas ou emocionalmente confrangedoras para as alunas.

Uma actuação desse tipo, pode/poderia levar a que o arguido pudesse ser avaliado num contexto de academia, seja pelos seus pares, seja pelos órgãos de governo do Requerido, na base de uma prestação medíocre, por poder nessa medida ser censurável, mas já não ao ponto de à sua actuação, à sua prestação como tratada nos autos dever ser dada/reconhecida uma relevância penal.

Em suma, e como assim julgamos, o tipo de expressões verbais utilizadas pelo arguido, assim como a sua postura física para com as alunas visadas, não é passível de ser subsumido no tipo legal de crime a que se reporta o artigo 170.º do Código Penal, desde logo na sua dimensão objectiva, e tendo-o sido pelo Tribunal a quo, para efeitos da qualificação simultânea dos factos, como integrante de responsabilidade disciplinar e responsabilidade criminal, e da aplicação do prazo de prescrição do ilícito criminal, sai violado o princípio da intervenção mínima, que determina que quando o bem violado seja irrelevante, o direito penal está impedido de intervir.

Aqui chegados.

Para aqui extraímos o artigo 178.º da LGTFP, como segue:

“Artigo 178.º
Prescrição da infração disciplinar e do procedimento disciplinar
1 - A infração disciplinar prescreve no prazo de um ano sobre a respetiva prática, salvo quando consubstancie também infração penal, caso em que se sujeita aos prazos de prescrição estabelecidos na lei penal à data da prática dos factos. [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
2 - O direito de instaurar o procedimento disciplinar prescreve no prazo de 60 dias sobre o conhecimento da infração por qualquer superior hierárquico.
3 - Suspendem os prazos prescricionais referidos nos números anteriores, por um período até seis meses, a instauração de processo de sindicância aos órgãos ou serviços, ou de processo de inquérito ou disciplinar, mesmo que não dirigidos contra o trabalhador a quem a prescrição aproveite, quando em qualquer deles venham a apurar-se infrações por que seja responsável.
4 - A suspensão do prazo prescricional da infração disciplinar opera quando, cumulativamente:
a) Os processos referidos no número anterior tenham sido instaurados nos 30 dias seguintes à suspeita da prática de factos disciplinarmente puníveis;
b) O procedimento disciplinar subsequente tenha sido instaurado nos 30 dias seguintes à receção daqueles processos, para decisão, pela entidade competente;
c) À data da instauração dos processos e procedimento referidos nas alíneas anteriores, não se encontre já prescrito o direito de instaurar procedimento disciplinar.
5 - O procedimento disciplinar prescreve decorridos 18 meses, a contar da data em que foi instaurado quando, nesse prazo, o trabalhador não tenha sido notificado da decisão final.



6 - A prescrição do procedimento disciplinar referida no número anterior suspende-se durante o tempo em que, por força de decisão ou de apreciação judicial de qualquer questão, a marcha do correspondente processo não possa começar ou continuar a ter lugar.
7 - A prescrição volta a correr a partir do dia em que cesse a causa da suspensão.”

Em conformidade com o disto no artigo 178.º da LGTFP, e tendo presente que como assim vem patenteado na Sentença recorrida, de que os factos ilícitos [que julgamos serem de natureza disciplinar] se reportam a um período compreendido entre setembro de 2019 e junho de 2021 – Cfr. 1.º parágrafo da página 42 -, mas mesmo considerando o período temporal a que se reportam os pontos 17, 19 e 21, que são relativos aos factos dados como provados no relatório final, ou seja, o ano lectivo 2021-2022, e nesse sentido, que a actividade lectiva do 1.º semestre na ESE/IPP em torno da UC de Ginástica, apenas teve o seu termo em 29 de janeiro de 2022 [Cfr. o facto constante do ponto 1a) do probatório, por nós fixado] tendo o processo disciplinar sido instaurado ao arguido por despacho do Presidente do IPP, datado de 19 de março de 2023, julgamos ser manifesto que nesta data já tinha ocorrido a prescrição das infracções disciplinares assacadas ao arguido, por ultrapassagem do prazo de 1 ano a que se reporta o referido artigo 178.º e por não se ter interposto qualquer questão que por si fosse determinante da suspensão do prazo prescricional.

Como refere M. Leal-Henriques, in Procedimento Disciplinar, 5.ª edição, páginas 62 e 63 [com referência ao artigo 4.º, n.ºs 4 e 5 do ED aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de janeiro, já revogado, mas que para aqui é convocável esse seu ensinamento], uma vez iniciado o prazo prescricional, suspende-se “[…] quando, antes de decorrido o prazo prescricional, e sem que o respectivo procedimento tenha sido desencadeado, vier a Administração instaurar, v.g., processo de sindicância, de meras averiguações, inquérito ou processo disciplinar.” sendo que, “O prazo prescricional só não se suspende se a Administração, desnecessariamente, mandar instaurar qualquer dos procedimentos pré-disciplinares referidos no n.º 5, quando já há falta jurídico-disciplinarmente definida, quer quanto à sua materialidade, quer quanto ao seu autor, caso em que se impõe, imediatamente, a instauração de processo disciplinar. Nessa hipótese a Administração é «castigada» por ter optado por expedientes de sentido dilatório quando dispunha já de todos os dados indispensáveis para poder instaurar desde logo procedimento disciplinar, não beneficiando assim da suspensão do prazo prescricional.”

Ora, à data em que foi instaurado o processo disciplinar ao arguido ora Recorrente, e não podendo falar-se da ocorrência de qualquer facto determinante de suspensão, já estava prescrito o direito de o Requerido instaurar procedimento disciplinar, que atentos os termos como assim foram fixados os factos constantes da acusação e os que foram dados como provados no relatório final, não se tendo fixado por referência a concretos dias, semanas ou meses de calendário, mas antes e apenas à aula/Unidade Curricular de Ginástica que o arguido ora Recorrente ministrava no 1.º semestre da licenciatura em Desporto da ESE/IPP [Cfr. pontos 2, 3, 8, 11, 14, 17, 19, 21, 22 e 30], teve o seu termo, quanto a factos que fossem reportáveis ao 1.º semestre do ano lectivo 2021-2022 [que é o período mais próximo da actualidade], em 29 de janeiro de 2022 [Cfr. ponto 1a) do probatório por nós fixado], pelo que neste limite temporal possível de assim ser especificado, o prazo de prescrição de infracções praticadas nesta data, ocorreu no dia 29 de janeiro de 2023, pelo que, à data de 19 de abril de 2023, há 89 dias que se tinha verificado a prescrição dos ilícitos disciplinares.

Aqui chegados.

Tendo o Tribunal a quo quedado o seu julgamento que conduziu à negação de provimento à providência cautelar peticionada pelo Requerente apenas pela apreciação do requisito atinente à aparência do direito, e julgando pela sua inverificação, e nessa medida, porque as condições de procedência das providências cautelares definidas no artigo 120.º n.ºs 1 e 2 do CPTA são de verificação cumulativa, bastando a não verificação de qualquer delas para que a providência seja julgada improcedente, não devendo ser conhecidos os demais requisitos de que ela dependeria, tendo assim dado por prejudicado o respetivo conhecimento, em face do julgamento deixado expendido supra por este Tribunal de recurso, sendo manifesta a invalidade do acto impugnado, por violação do disposto no artigo 178.º, n.º 1 da LGTFP, mais concretamente, por prescrição das infracções disciplinares que lhe foram imputadas pelo Requerido, tal aporta a máxima conclusão de que não poderia o Requerente ter sido incurso no procedimento disciplinar que lhe foi instaurado, e muito menos ser-lhe aplicada qualquer pena disciplinar, pelo que por aqui julgamos assim preenchido o requisito do fumus iuris.

Não tendo o Tribunal a quo apreciado a verificação dos demais requisitos [perigosidade e ponderação dos interesses em presença], a que se reporta o artigo 120.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA, cumpre agora prosseguir nesse julgamento por parte deste Tribunal de recurso, em substituição, tendo subjacente o disposto no artigo 149.º, n.º 2 do CPTA.

Neste conspecto, tendo por referência os factos dados como provados, ainda que por interposição deste Tribunal de recurso, estando em presença de um cidadão que sendo docente de uma instituição de ensino superior, e de onde o seu agregado familiar retirava a parte significativa do seu rendimento, resulta claro que a impossibilidade de poder dispor desse rendimento para fazer sequer face às despesas mensais [Cfr. pontos 20, 21 e 22 do probatório], e tendo presente um juízo sumário, tal é passível de vir a gerar prejuízos de difícil reparação.

Julgamos assim verificado o requisito do periculum in mora.

Cumpre agora ponderar os interesses públicos e privados em presença.

Conforme refere Ana Gouveia Martins, in A Tutela Cautelar no Contencioso Administrativo, página 505: ”Será necessário mas suficiente que a produção dos danos seja credível e razoavelmente fundada, com base num juízo de séria probabilidade. Ao tribunal compete proceder a um juízo de “dupla prognose, fáctica e normativa: factos prováveis de que a execução seja causa adequada”.

Por seu lado, José Carlos Vieira de Andrade, in A Justiça Administrativa (Lições), pág. 303, sustenta que “[...] não se trata aqui de ponderar o interesse público com o interesse privado, mesmo que muitas vezes o interesse do requerido seja o interesse público e o interesse do requerente seja o interesse privado: o que está aqui em conflito são os resultados ou os prejuízos que podem resultar para os interesses, da concessão ou a recusa da concessão, para todos os interesses envolvidos, sejam públicos, sejam privados. [...] o que está em causa não é ponderar valores ou interesses entre si, mas danos ou prejuízos e, portanto, os prejuízos reais, que numa prognose relativa ao tempo previsível de duração da medida, e tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, resultariam da recusa ou da concessão (plena ou limitada) da providência cautelar.”

Para efeitos da ponderação dos interesses a que se reporta o artigo 120.º, n.º 2 do
CPTA, por julgarmos ser manifesto que na concreta situação dos autos, ao direito do Requerente a ver suspensa a eficácia do acto impugnado não se pode sobrepor qualquer interesse, designadamente de ordem pública, também por aqui julgamos ser de julgar preponderante a posição do Requerente, e assim, de julgar verificado este terceiro requisito.

De maneira que, neste conspecto, porque o acto sob impugnação, da autoria do Presidente do IPP, datado de 28 de dezembro de 2023, que aplicou a pena disciplinar de despedimento ao Requerente ora Recorrente não está conforme com o bloco de legalidade, numa avaliação sumária, julgamos assim que é provável que a pretensão formulada pelo Requerente, em sede da acção principal, venha a ser julgada procedente, estando assim verificado quer o periculum in mora quer o fumus iuris, e como assim ainda julgamos, efectuada a ponderação de interesses em presença, também o requisito a que se reporta o artigo 120.º, n.º 2 do CPTA.

Por julgarmos estar em causa uma evidente predominância do interesse do Requerente, do seu direito a uma tutela jurisdicional efectiva, deve assim ser julgado procedente o pedido de tutela cautelar requerido pelo Requerente ora Recorrente, devendo suspender-se a eficácia do acto punitivo em apreço nos autos, até que seja conhecido do mérito da causa que cabe levar a cabo na acção principal [Cfr. artigo 113.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA].

Termos em que, face ao que deixamos expendido supra, a pretensão recursiva do Recorrente tem assim de proceder.

***

E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO:

Descritores: Processo cautelar; Juízo perfunctório; Processo disciplinar; Prescrição do procedimento disciplinar; Prazo; Tutela jurisdicional efectiva; Requisitos determinantes do decretamento das providências; Princípio da legalidade.

1 – Nos termos do artigo 120.º, n.º 1 do CPTA, as providências cautelares são adoptadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente, situação em que, como dispõe o n.º 2 deste normativo, mesmo ainda na eventualidade de terem sido julgados verificados esses requisitos determinantes, sempre a adopção das providências pode ser recusada quando em sede da ponderação dos interesses públicos e privados em presença, for julgado que os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências.

2 - A existência de perigosidade [seja na vertente do receio da constituição de uma situação de facto consumado, seja na vertente da produção de prejuízos de difícil reparação], e da aparência do bom direito [enquanto avaliação sumária da probabilidade de existência do direito invocado] para os interesses que os Requerentes visam assegurar no processo principal, constituem requisitos determinantes para efeitos de ser apreciada a providência requerida, recaindo sempre sobre eles o ónus de fazer a prova sumária desses requisitos.

3 - Para o decretamento de uma providência cautelar têm de ser invocados, e recolhidos pelo Tribunal a quo, em termos de matéria de facto, indícios suficientes da verosimilhança do direito a ver suspensa a eficácia de um acto administrativo que aplica uma pena disciplinar, pois só perante a existência de tais elementos de prova e pertinente enquadramento será possível ao julgador formular um juízo positivo a respeito da aparência do direito invocado.

4 - O juízo que cabe levar a cabo no artigo 120.º, n.º 1 do CPTA, não pode o julgador misturá-lo com o juízo que deve ser feito a título principal, visto tratar-se dum juízo perfunctório, sumário, tal como é reclamado pelo legislador em termos cautelares, por constituir um juízo que é formulado sob reserva de se poder chegar a uma conclusão diversa em sede do processo principal.

5 - O princípio da legalidade está necessariamente conexionado com outros princípios, como a igualdade e a justiça, também previstos no artigo 266.º, n.º 2 da CRP, e aponta para o princípio mais abrangente da juridicidade da Administração, sendo que os mesmos só relevam, em princípio, na actividade discricionária da Administração, já que no campo vinculado o que importa ver é se a legalidade foi respeitada.

6 - O tipo de expressões verbais utilizadas pelo arguido, assim como a sua postura física para com as alunas visadas, não é passível de ser subsumido no tipo legal de crime a que se reporta o artigo 170.º do Código Penal, desde logo na sua dimensão objectiva, e tendo-o sido pelo Tribunal a quo, para efeitos da qualificação simultânea dos factos, como integrante de responsabilidade disciplinar e de responsabilidade criminal, e da aplicação do prazo de prescrição do ilícito criminal, sai violado o princípio da intervenção mínima, que determina que quando o bem violado seja irrelevante, o direito penal está impedido de intervir.

7 - Reportando-se os factos ilícitos [que julgamos serem de natureza disciplinar] a um período compreendido entre setembro de 2019 e junho de 2021 [rectius, a 29 de janeiro de 2022] tendo o processo disciplinar sido instaurado ao arguido por despacho do Presidente do IPP, datado de 19 de março de 2023, nesta data já tinha ocorrido a prescrição das infracções disciplinares assacadas ao arguido, por ultrapassagem do prazo de 1 ano a que se reporta o referido artigo 178.º, n.º 1 da LGTFP, e por não se ter interposto qualquer questão que por si fosse determinante da suspensão do prazo prescricional.

***

IV – DECISÃO

Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Subsecção Administrativa Social da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, Acordam em conferência:
A) em CONCEDER PROVIMENTO ao recurso interposto pelo Recorrente António
«HH»;
B) em revogar a Sentença recorrida;
C) em julgar procedente o pedido de adopção de providência cautelar atinente à suspensão de eficácia do acto administrativo proferido pelo Presidente do IPP, datado de 28 de dezembro de 2023, pelo qual aplicou ao Requerente ora Recorrente a pena disciplinar de despedimento.

*

Custas a cargo do Recorrido – Cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.

**

Notifique.
*

Porto, 27 de setembro de 2024.

Paulo Ferreira de Magalhães, relator
Rogério Martins
Isabel Costa