Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00549/23.7BEPRT |
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Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
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Data do Acordão: | 04/19/2024 |
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Tribunal: | TAF do Porto |
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Relator: | ANA PAULA ADÃO MARTINS |
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Descritores: | EMPRESA MUNICIPAL; ENTIDADE PRIVADA; ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO SOCIAL; AUTO-TUTELA EXECUTIVA; |
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Sumário: | I – Em caso de indeferimento liminar da petição inicial, o princípio do contraditório não impõe a audição prévia do autor sobre o motivo do indeferimento. II - No contexto de um contrato de arrendamento destinado a habitação social, não carece a Autora/Recorrente, entidade administrativa de natureza privada, de tutela judicial para a obtenção de título executivo que permita a cobrança das rendas em dívida, dispondo dos poderes de autotutela executiva.* * Sumário elaborado pela relatora (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
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Votação: | Unanimidade |
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Meio Processual: | Acção Administrativa Comum |
Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em Conferência, na Subsecção Administrativa Comum da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I – RELATÓRIO [SCom01...]., melhor identificada nos autos, intentou acção administrativa contra «AA», igualmente melhor identificado nos autos, pedindo a condenação deste no pagamento à Autora da quantia de € 2.353,80, a título de dívidas de rendas vencidas e não pagas e respetiva indemnização contratualmente estipulada e prestações vencidas e não pagas na sequência do acordo de pagamento de dívida, bem como juros de mora vencidos, sendo ainda devidos os juros de mora vincendos, calculados à taxa legal, até efetivo e integral pagamento. * Por decisão liminar, datada de 21.03.2023, o TAF do Porto julgou verificada a excepção dilatória da falta de interesse em agir da autora e, em consequência, indeferiu a petição inicial apresentada. * A Autora, inconformada, vem interpor recurso da sentença, concluindo assim as suas alegações: I. Ao ter julgado verificada a exceção dilatória da falta de interesse em agir, colocando assim termo ao processo, sem ter notificado as partes para se pronunciarem quanto à intenção do tribunal de decidir nesse sentido, o Tribunal a quo proferiu uma decisão surpresa. II. A inobservância do contraditório com a consequente prolação de decisão surpresa é uma clamorosa nulidade processual, estando, assim, a sentença ferida de nulidade, que expressamente se invoca. III. Andou mal o tribunal a quo ao indeferir liminarmente a petição inicial apresentada pela Recorrente por entender que existe falta de interesse em agir desta ao recorrer à ação administrativa comum, sob o argumento de que a Recorrente disporia de um mecanismo de autotutela declarativa e executiva, previsto na Lei 81/2014, de 19 de dezembro e no artigo 179º do CPA que lhe permite declarar o seu direito a receber rendas e, em falta de cumprimento voluntário, proceder à sua cobrança coerciva. IV. No caso dos autos, parte do valor em dívida não corresponde sequer a rendas mas sim a um acordo de pagamento incumprido. V. Decorre do artigo 179.º nº1 do CPA que a cobrança coerciva de obrigações pecuniárias mediante processo de execução fiscal será possível quando se verifiquem cumulativamente os seguintes pressupostos: i) as prestações pecuniárias sejam devidas por força de um ato administrativo; e ii) estas devam ser pagas a uma pessoa coletiva pública, ou por ordem desta. VI. Conforme decorre claramente do artigo 1º dos respetivos Estatutos, bem como do artigo 19º n.º 4 do RJAEL, a [SCom01...] é uma pessoa coletiva de direito privado, possuindo autonomia patrimonial, financeira e administrativa. VII. O facto de uma entidade privada estar habilitada por um ato jurídico público a exercer poderes públicos de autoridade não a transforma numa pessoa coletiva pública. VIII. A distinção entre pessoa coletiva de direito público e pessoa coletiva de direito privado é relevante na medida em que o próprio Código de Procedimento Administrativa continua, em certos casos e disposições legais específicas (como é o caso do artigo 179º CPA), a referir-se expressamente a pessoas coletivas de direito público, mesmo que tal norma se integre numa parte do Código que à partida será aplicável a entes públicos e entes privados, sendo certo que a referida distinção é essencial na definição da titularidade da capacidade de direito público em sentido formal, isto é, a aptidão de uma pessoa para praticar atos administrativos e para celebrar contratos administrativos. IX. As empresas locais apenas podem ser admitidas a exercer poderes públicos de autoridade mediante habilitação legal expressa (diploma legal, estatutos ou contrato de concessão), nos termos do disposto no artigo 22º do Regime Jurídico do Sector Público Empresarial (DL n.º 133/2013, de 03 de outubro), que elenca taxativamente quis os poderes que as empresas públicas podem exercer, referindo no seu n.º 2 refere que os poderes especiais são atribuídos por diploma legal, em situações excecionais e na medida do estritamente necessário à prossecução do interesse público, ou constam do contrato de concessão. X. A [SCom01...] está legal e expressamente habilitada a celebrar contratos de arrendamento sob o regime de renda apoiada, a receber as respetivas rendas, bem como a proceder ao despejo administrativo em caso de incumprimento da obrigação de desocupação e entrega da habitação à entidade detentora da mesma. XI. A [SCom01...] não está expressamente habilitada a recorrer à execução fiscal para cobrança de valores em dívida, uma vez que inexiste norma legal ou estatutária que a invista nesse poder, que o legislador reservou para as entidades públicas. XII. O artigo 28º da Lei 32/2016 de 24 de agosto, apenas determina genericamente que “a decisão de promoção da correspondente execução deve ser tomada em simultâneo com a decisão do despejo” sem se referir, em parte alguma, à possibilidade de execução coerciva – a qual sempre estaria afastada em concreto, face ao teor do artigo 179º do CPA. XIII. A interpretação extensiva não pode ser utilizada para sustentar interpretações que não tenham um mínimo de correspondência verbal na letra da lei, conforme decorre do artigo 9º n.º 2 do Código Civil e, muito menos, para sustentar interpretações contra legem, como é o caso da propalada pelo tribunal a quo, que contraria totalmente a letra do artigo 179º CPA. XIV. Se o legislador pretendesse conceder às empresas locais a possibilidade de execução coerciva de obrigações pecuniárias, tê-lo-ia feito, retirando a expressão “pessoa coletiva pública” da norma inserta no artigo 179.º do CPA, o que não fez porque quis intencionalmente reservar a possibilidade de recurso à execução fiscal às pessoas coletivas públicas. XV. A Recorrente não está a atuar por ordem de uma pessoa coletiva pública ou como sua “delegada”, uma vez que as empresas locais, como é a [SCom01...], gozam de autonomia administrativa, financeira e patrimonial e não atuam sob as ordens diretas dos seus acionistas. XVI. O artigo 179.º do CPA configura uma norma geral e abstrata, não se tratando de um diploma legal ou contrato de concessão e jamais poderia ser esta norma a atribuir um novo poder público (o da remessa para processo de execução fiscal): o exercício do poder público é o pressuposto e não o resultado da aplicação do Código. Sem prescindir, XVII. O artigo 17º n.º 2 da Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro, com as alterações introduzidas pela Lei no 32/2016 (regime do arrendamento apoiado para habitação) determina que o contrato de arrendamento apoiado tem a natureza de contrato administrativo (e não ato administrativo). XVIII. O artigo 179.º nº1 do CPA, quando consagra o recurso ao processo de execução fiscal, tal como regulado na legislação do processo tributário, faz depender tal possibilidade de as prestações pecuniárias devidas a uma pessoa coletiva pública o serem “por força de um ato administrativo”. XIX. As prestações pecuniárias em dívida não são devidas em função de um ato administrativo, mas sim em virtude de um contrato, (o contrato de arrendamento celebrado entre a Recorrente e o respetivo inquilino, onde as partes convencionaram direitos e obrigações reciporcas), mais concretamente, do incumprimento do contrato (pagamento das rendas) por parte do inquilino e do incumprimento de um acordo de pagamento também aceite pelo inquilino. XX. Deixando uma das partes de cumprir os deveres a que contratualmente se obrigou, in casu o dever de pagar pontualmente a renda, verifica-se uma situação de incumprimento contratual que carece de tutela jurisdicional. XXI. O legislador consagrou expressamente na lei determinadas prorrogativas da entidade – como modelar o conteúdo do contrato, resolvê-lo, proceder ao despejo administrativo, – e se esse fosse o seu intento, teria também consagrado expressamente a possibilidade de recorrer à execução fiscal para a cobrança dos valores em dívida, o que não sucedeu. XXII. Decorrendo a obrigação do pagamento das rendas da celebração do contrato de arrendamento e não de um ato administrativo e não sendo a Empresa Municipal em causa uma pessoa coletiva pública nem estando a agir por ordem de uma, não estão – duplamente – preenchidos os pressupostos exigidos pelo artigo 179.º do CPA, que não atribuiu às empresas locais o poder de emitir certidões com o valor de título executivo, com vista instauração dos processos de cobrança coerciva das dívidas. XXIII. De acordo com as regras de interpretação estabelecidas pelo artigo 9º do Código Civil, na fixação do alcance do artigo 179.º do CPA, presume-se que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, pelo que ao usar as expressões “pessoa coletiva pública” e “ato administrativo”, pretendeu restringir o âmbito de aplicação do artigo 179.º do CPA àquelas específicas circunstâncias. XXIV. Sendo a entidade demandante uma Empresa Municipal, é inequívoco o seu interesse em agir, sendo a ação nos Tribunais Administrativos o meio idóneo para tal fim; XXV. A procedência da exceção dilatória inominada da falta de interesse em agir determina que a Recorrente veja ser-lhe absolutamente negada a possibilidade de cobrar os valores em dívida! XXVI. A decisão ora em crise que julgou verificada a exceção dilatória inominada da falta de interesse em agir, indeferindo liminarmente a petição inicial, viola o disposto no artigo 179º do CPA, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que a admita, com todas as legais consequências. * Citado para os termos do recurso e da causa, o Réu não apresentou contra-alegações. * Com dispensa de vistos, mas com prévia divulgação do projecto de acórdão pelos Senhores Juízes Desembargadores Adjuntos, o processo vem submetido à Conferência. * II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO Atentas as conclusões das alegações do recurso interposto, que delimitam o seu objecto, nos termos dos arts 635º, nºs 4 e 5 e 639º, nºs 1 e 2 do CPC, ex vi art 140º, nº 3 do CPTA, importa saber se o Tribunal a quo: - incorreu em nulidade por violação do princípio do contraditório e prolação de decisão surpresa; - errou ao decidir que a autora carece de interesse em agir na interposição da presente acção por dispor de mecanismo de autotutela. * III – FUNDAMENTAÇÃO Da Nulidade Vem a Recorrente invocar a nulidade da sentença, por entender que a mesma constitui uma viola o princípio do contraditório, configurando uma decisão-surpresa. Para tando, alega que o Tribunal a quo, ao ter julgado verificada a exceção dilatória da falta de interesse em agir, colocando assim termo ao processo, sem ter notificado as partes para se pronunciarem quanto à intenção do tribunal de decidir nesse sentido, proferiu uma decisão surpresa; e que a inobservância do contraditório com a consequente prolação de decisão surpresa é uma clamorosa nulidade processual, estando, assim, a sentença ferida de nulidade. Não lhe assiste razão. Como decidiu já o STA, “no caso de indeferimento liminar da petição inicial, o princípio do contraditório não impõe a audição prévia do autor sobre o motivo do indeferimento (mediante a prolação de um despacho preliminar), quer porque tal despacho seria contrário à teleologia do indeferimento liminar, quer porque o contraditório é assegurado, ainda que diferidamente, pela admissibilidade legal de recurso, independentemente do valor [cfr. art. 629.º, n.º 3, alínea c), do CPC]” – cfr. acórdão de 14.08.2019 (proc. 997/19.7BEBRG), publicado em www.dgsi.pt, bem como os demais infra citados. Neste mesmo sentido, decidiu o TRL, em acórdão de 21.02.2019 (proc. 5568/17.0), onde se afirma que o “processamento desenhado pela lei processual civil não prevê um despacho pré liminar ao indeferimento liminar com vista à parte (no caso ao exequente) se pronunciar sobre uma excepção dilatória de conhecimento oficioso que no despacho liminar o tribunal venha a considerar verificada”. Ainda, o Tribunal da Relação de Évora (ac. de 11.04.2019, proc. 1501/17.7), afirmando que: “Não faz sentido a prolação de um despacho prévio ao despacho de indeferimento liminar, nomeadamente com vista a conceder, ao autor ou ao exequente, a possibilidade de se pronunciar acerca de uma questão, a indicar nesse despacho prévio, como podendo vir a constituir fundamento de um projectado indeferimento liminar. Pela sua própria natureza e tal como a sua designação inculca, o despacho de indeferimento liminar não é precedido por qualquer outro despacho, nomeadamente com a função acima referida, sob pena de deixar de merecer o qualificativo de liminar. Não faria sentido e constituiria uma verdadeira contradição nos termos a prolação de despacho liminar depois de outro despacho. Já não estaríamos, obviamente, perante um despacho liminar. Ora, se é a própria lei a admitir a prolação de despacho de indeferimento liminar em determinadas situações, nomeadamente quando ocorram excepções dilatórias, não supríveis, de conhecimento oficioso, é seguro que, nessas situações, não há lugar a contraditório prévio. Se fosse outra a intenção do legislador, certamente este teria cuidado de deixar de designar tal despacho de indeferimento como liminar. Por outro lado, não pode considerar-se que o despacho de indeferimento liminar proferido neste processo constitua uma decisão surpresa, a menos que assim se considerassem todos os despachos de indeferimento liminar. É evidente que, ao propor a acção, o autor ou o exequente tem a expectativa de que a mesma tenha melhor sorte que um indeferimento liminar, pelo que este último será, senão sempre, pelo menos na generalidade dos casos, inesperado. Ainda assim, a nossa lei processual continua a prever o indeferimento liminar, sinal evidente de que se trata de uma figura processual compatível com o disposto no n.º 3 do artigo 3.º do CPC. Note-se, finalmente, que a lei compensa esta ausência de audição do autor ou do exequente antes da prolação do despacho de indeferimento liminar através da admissibilidade de recurso deste último independentemente do valor da causa e da sucumbência, nos termos dos artigos 629.º, n.º 3, al. c), e 853.º, n.º 3, do CPC, assim permitindo um contraditório diferido.” Nestes termos, improcede a nulidade arguida. * Do erro de julgamento de direito A Autora demandou o Réu com vista a obter a sua condenação no pagamento da quantia de €2.353,80 (dois mil trezentos e cinquenta e três euros e oitenta cêntimos), a título de rendas vencidas e não pagas e respectiva indemnização contratualmente estipulada e prestações vencidas e não pagas na sequência do acordo de pagamento de dívida, bem como juros de mora vencidos, sendo ainda devidos os juros de mora vincendos, calculados à taxa legal, até efectivo e integral pagamento. Alegou, para tanto e em síntese, que: - É uma pessoa colectiva de direito privado, de natureza municipal, dotada de personalidade jurídica e de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, que está sujeita à tutela e superintendência da Câmara Municipal ... e tem por objecto o ordenamento do território e gestão urbanística, a reabilitação urbana, o desenvolvimento da habitação e a promoção do desenvolvimento local no concelho ...; - Celebrou com «AA», em 12/10/2010, um contrato de arrendamento com o número ...10..., sujeito ao regime previsto nos DL nº 163/93 e nº 166/93, de 7 de Maio e demais legislação aplicável aos objectivos sociais de alojamento de agregados familiares carecidos de habitação e subsidiariamente o regime de arrendamento urbano; - Em 01/12/2014, verificando-se a existência de valores em dívida, por parte do réu, que ascendiam, naquela data, a 2.295,90 €, referentes a rendas não pagas, as partes assinaram um acordo de pagamento, mediante o qual o réu se comprometeu a proceder ao pagamento do referido montante de modo faseado, em prestações mensais, iguais e sucessivas, de 5,00 € cada uma, sem prejuízo do tempestivo pagamento das rendas vincendas; - O réu não cumpriu o acordado, ficando em dívida, relativamente ao acordo incumprido, o valor de 1.980,03 €, ao qual acrescem juros de mora vencidos e vincendos, que ascendem, nesta data a 121,51 €; - O réu deixou igualmente de cumprir a sua obrigação de pagamento da renda, tendo ficado em dívida as rendas referentes aos meses de Outubro de 2018, Outubro de 2019, Agosto, Setembro e Dezembro de 2020, Janeiro a Dezembro de 2021 e Janeiro a Outubro de 2022, data em que foi efectuado o despejo coercivo, num total de 202,29 €, valor ao qual acrescem os juros de mora vencidos e vincendos, que ascendem, nesta data, a 12,62 €, e a indemnização relativa ao atraso no pagamento das rendas, prevista no contrato de arrendamento e que ascende ao valor de 36,65 €. O Tribunal a quo, em sede liminar, decidiu-se pela falta de interesse em agir da Autora e, em consequência, indeferiu a petição inicial. Foi esta a fundamentação gizada pelo tribunal a quo: “(…) Compulsado o teor da petição inicial verifica-se que, em 12/10/2010 a autora celebrou com «AA» um contrato de arrendamento, nos termos do qual aquela lhe deu de arrendamento a fracção autónoma correspondente ao SCAVE, ES, Entrada 0, bloco 0 do Empreendimento..., em regime de propriedade horizontal, de tipologia T2, sito na Rua ..., freguesia .... Tal contrato foi submetido, nos termos da suacláusula1ª, ao regime previsto nos Decretos-lei nº 163/93 e nº 166/93, ambos de 7 de Maio. Mais resulta da sua cláusula 11ª que o arrendatário se obriga a respeitar o Regulamento Municipal para o Arrendamento de Habitações Sociais, aprovado pela Assembleia Municipal em 14/10/2004. Estamos, portanto, no âmbito de uma relação jurídica de arrendamento social, sujeita ao regime jurídico do arrendamento apoiado para habitação, constante da Lei nº 81/2014, de 19 de Dezembro, que revogou o Decreto-Lei nº 166/93, de 7 de Maio. Determina o artigo 2º, nº 1 da indicada Lei nº 81/2014 que: “O arrendamento apoiado é o regime aplicável às habitações detidas, a qualquer título, por entidades das administrações directa e indirecta do Estado, das regiões autónomas, das autarquias locais, do sector público empresarial e dos sectores empresariais regionais, intermunicipais e municipais, que por elas sejam arrendadas ou subarrendadas com rendas calculadas em função dos rendimentos dos agregados familiares a que se destinam.”. No caso dos autos vem peticionado o pagamento de rendas devidas à autora ao abrigo do contrato de arrendamento, pretensão que se situa no domínio da referida “relação jurídica de arrendamento social”, pelo que é aplicável o regime jurídico da referida Lei nº 81/2014. E, pese embora o contrato de arrendamento em causa nos autos tenha sido celebrado em 2010, é a Lei nº 81/2014, de 19 de Dezembro a aplicável por força da regra de aplicação da lei no tempo que determina que: “Aos contratos existentes à data da sua entrada em vigor ao abrigo de regimes de arrendamento de fim social, nomeadamente de renda apoiada e de renda social.”– cfr. artigo 39º, nº 2, alínea a) da Lei nº 81/2014. Determina o artigo 28º, nº 3 da Lei nº 81/2014 que: “Caso não seja cumprida voluntariamente a obrigação de desocupação e entrega da habitação a uma das entidades referidas no nº 1 do artigo 2º, cabe a essas entidades levar a cabo os procedimentos subsequentes, nos termos da lei.”, acrescentando o nº 3 que: “Quando o despejo tenha por fundamento a falta de pagamento de rendas, encargos ou despesas, a decisão de promoção da correspondente execução deve ser tomada em simultâneo com a decisão do despejo.”. De tais normas resulta que compete às entidades que detêm habitações em regime de arrendamento apoiado, como é o caso da autora: i) proceder ao despejo, caso não seja cumprida voluntariamente a obrigação de desocupação e entrega da habitação (cfr. n.º 1); e ii) promover a execução das rendas, encargos ou despesas em dívida (cfr. n.º 2). Acresce que, quando o despejo tenha por fundamento a falta de pagamento de rendas, encargos ou despesas, as decisões de promover a execução das rendas, encargos ou despesas em dívida e de proceder ao despejo devem ser tomadas por tais entidades em simultâneo, o que faz todo o sentido dado tratar-se de medidas de execução administrativas intimamente relacionadas. Por conseguinte, é possível extrair das normas citadas os poderes de autotutela declarativa e executiva das entidades que detêm habitações em regime de arrendamento apoiado para promover quer a execução do despejo do arrendatário, quer a do valor devido pelo mesmo a título de rendas, encargos ou despesas. Tal conclusão se extrai também do teor do artigo 17º, nº 3 da Lei nº 81/2014, de 19 de Dezembro que preceitua que: “Compete aos tribunais administrativos conhecer das matérias relativas à invalidade ou cessação dos contratos de arrendamento apoiado.”, do que resulta que, em matéria de contratos de arrendamento apoiado, os tribunais apenas são convocados para conhecer da sua invalidade ou cessação. Ora, o despejo assente na falta de pagamento de rendas e a execução das rendas devidas têm a ver com a execução do contrato e assentam em título executivo consubstanciado em certidão negativa que ateste a falta de pagamento, a qual é emitida pela própria entidade que detém a habitação em regime de arrendamento apoiado. Finalmente, no que especificamente concerne à execução das rendas em dívida, e ainda que não resultasse das normas acima enunciadas esse poder de autotutela executiva por parte das entidades que detêm habitações em regime de arrendamento apoiado, sempre o mesmo se retiraria da aplicação do disposto no artigo 179º do CPA, nº 1 e 2, relativamente à “Execução de obrigações pecuniárias”, o qual prescreve que: “1- Quando, por força de um acto administrativo, devam ser pagas prestações pecuniárias a uma pessoa colectiva pública, ou por ordem desta, segue-se, na falta de pagamento voluntário no prazo fixado, o processo de execução fiscal, tal como regulado na legislação do processo tributário. 2- Para efeitos do disposto no número anterior, o órgão competente emite, nos termos legais, uma certidão com valor de título executivo, que remete ao competente serviço da Administração tributária, juntamente com o processo administrativo.” Em primeiro lugar, embora o dever de pagamento das rendas, a cargo do arrendatário, não resulte directamente de um acto administrativo, o contrato de arrendamento apoiado– que é um contrato administrativo, nos termos do artigo 17º, nº 2 da Lei nº 81/2014, de 19 de Dezembro- tem objecto passível de acto administrativo. Efectivamente, a atribuição das habitações em regime de arrendamento apoiado ocorre mediante concurso e o contrato assenta em decisão de atribuição da habitação (que consubstancia um acto administrativo), proferida subsequentemente ao concurso e na sequência de requerimento do arrendatário nesse sentido. Porém, a entidade que detém a habitação em regime de arrendamento apoiado, em vez de atribuir a habitação exclusivamente através de acto administrativo, celebra um contrato com o arrendatário, por meio do qual ambos acordam os termos em que se conciliam os seus interesses recíprocos no caso concreto, servindo o contrato esse fim. Tendo o contrato de arrendamento apoiado objecto passível de acto administrativo, é aplicável o disposto no artigo 179º do CPA quando o arrendatário não proceda ao pagamento das rendas devidas, caso em que está a entidade que detém a habitação em regime de arrendamento apoiado legitimada a recorrer ao processo de execução fiscal para cobrança das quantias devidas a esse título. Em segundo lugar, apesar de, no caso em apreço, a entidade que detém a habitação em regime de arrendamento apoiado não ser uma pessoa colectiva pública– sendo a autora, diferentemente, uma empresa municipal de natureza privada-, é-lhe aplicável a norma do artigo 179º do CPA uma vez que a mesma se mostra sistematicamente inserida na parte IV do CPA, relativa à actividade administrativa, e, por força do artigo 2º, nº1 do CPA, as disposições do CPA respeitantes à actividade administrativa são aplicáveis à conduta de quaisquer entidades, independentemente da sua natureza, adoptada no exercício de poderes públicos ou regulada de modo específico por disposições de direito administrativo, sendo indubitável que a entidade que detém a habitação em regime de arrendamento apoiado exerce poderes públicos na execução do contrato de arrendamento apoiado, nos termos acima já explanados. Assim, fazendo aplicação do disposto no artigo 179º do CPA, na falta de pagamento das rendas devidas, a entidade que detém a habitação em regime de arrendamento apoiado tem o poder de recorrer à execução fiscal com vista à concretização do pagamento da dívida. (…)”. Em síntese, considerou o Tribunal a quo que, dispondo a autora de mecanismos de autotutela executiva (execução do despejo e a execução fiscal) aptos a assegurar a tutela que vem requerer na presente acção (pagamento de rendas em dívida), não tem necessidade da tutela que requer. A Recorrente não se conforma com o decidido, argumentando, em síntese, que: - sendo uma pessoa coletiva de direito privado, não está expressamente habilitada a recorrer à execução fiscal para cobrança de valores em dívida, uma vez que inexiste norma legal ou estatutária que a invista nesse poder, que o legislador reservou para as entidades públicas; - a obrigação do pagamento das rendas decorre da celebração do contrato de arrendamento e não de um acto administrativo. Adiante-se que não lhe assiste razão. A exacta questão que aqui se coloca foi recentemente conhecida e tratada pelo Supremo Tribunal Administrativo e, de forma reiterada, decidida no sentido que agora se coloca em crise. Vejamos. No âmbito do processo nº 2143/21.8.BEPRT, que correu termos no TAF do Porto, a autora [SCom01...]., interpôs recurso de revista do acórdão do TCAN, de 23.06.2022, que negou provimento à sua apelação e confirmou o decidido na 1ª instância, por sentença de 04.11.2021, no sentido da procedência da excepção dilatória da «falta de interesse em agir». Imputou ao acórdão erro de julgamento de direito, por fazer uma interpretação e aplicação errada - mormente - do artigo 179º do CPA pois, pela sua natureza e forma social, não é uma pessoa colectiva pública, nem praticou - ou poderá praticar - qualquer acto administrativo impositivo do dever de pagamento das quantias em dívida. Ademais, alegou que o artigo 28º da Lei 81/2014, de 19.12, não atribui às empresas locais poderes de autotutela executiva, e do mesmo não é possível - de acordo com o artigo 9º, nº2, do CC - fazer uma interpretação extensiva de forma a abrangê-las. Por acórdão de 15.12.2022, foi a revista admitida nos seguintes termos: “Efectivamente, a questão nuclear submetida à apreciação do tribunal de revista é a de saber se a recorrente - como pessoa colectiva de direito privado - poderá recorrer à execução fiscal para a cobrança coerciva das rendas em dívida, no contexto de um contrato de arrendamento destinado a habitação social. Ou seja, se a recorrente - enquanto empresa municipal - poderá lançar mão do mecanismo de autotutela executiva da mesma forma que as entidades públicas. Ora, atentas as divergências constatáveis na jurisprudência sobretudo da 2ª instância - para a qual a recorrente chama a atenção nas suas alegações - patenteiam-se não só «dúvidas sérias» sobre o acerto das decisão - embora unânime - dos tribunais de instância, como ainda a «importância fundamental» da submissão da questão ao tribunal de revista, já que o seu veredicto servirá de exemplo jurisprudencial para decisões futuras.” A 19.10.2023, o STA proferiu acórdão, publicado em www.dgsi.pt e assim sumariado: “I - A A., ora Recorrente, é, nos termos do artigo 1.º dos seus Estatutos, uma empresa local, «constituída sob a forma de pessoa coletiva de direito privado, de natureza municipal, dotada de personalidade jurídica e de autonomia administrativa, financeira e patrimonial» (n.º 1); II - A A., ora Recorrente, foi criada e é totalmente participada pelo Município ..., entidade que, por esse motivo, sobre aquela tem controle ou domínio com uma influência dominante – cfr. artigo 19.º. n.º 1, da Lei n.º 50/2012, de 31 de agosto (Regime Jurídico do Setor Empresarial Local e das Participações Locais); III - As vestes privadas da A., ora Recorrente, adquirem, neste contexto, um relevo exclusivamente formal, que não impede nem colide com o exercício das competências jurídico-públicas que lhe foram atribuídas, enquanto entidade administrativa privada. IV - E nem colide, face ao disposto no artigo 2.º, n.º 1, no CPA, com a aplicação, das disposições do CPA respeitantes aos princípios gerais, ao procedimento e à atividade administrativa, às condutas dotadas por quaisquer entidades, independentemente da sua natureza, «no exercício de poderes públicos ou regulada de modo específico por disposições de direito administrativo». V - A decisão de exigir o pagamento de rendas em atraso, no âmbito de um contrato de arrendamento apoiado, ao qual é aplicável o NRAAH é, sem dúvida, uma conduta regulada de modo específico por disposições de direito administrativo, praticada que foi no âmbito dos poderes que lhe foram transferidos pelo Município ... e ao abrigo do NRAAH. VI - Os contratos de arrendamento apoiado regem-se pelo disposto no NRAAH, pelos regulamentos nele previstos e pelo Código Civil – cf. n.º 1 do artigo 17.º do NRAAH – sem prejuízo de se tratar de um contrato administrativo por força de lei - cf. n.º 2 do artigo 17.º do NRAAH. VII - No âmbito dos poderes que lhe são conferidos no artigo 28.º, n.º 3, do NRAAH, as entidades referidas no seu artigo 2.º e nas quais se inclui a A., ora Recorrente, estão habilitadas a, por força de lei, praticar um ato administrativo que determine o despejo, este, com poderes de autotutela declarativa e executiva e um outro, que determine a promoção da execução por rendas em atraso, este, apenas com autotutela declarativa, pois que, nos termos dos artigo 179.º, do CPA, a execução para pagamento de quantia certa a corre termos nos tribunais tributários - cf. artigo 28.º, n.º 1, do NRAAH e regime previsto no Código Civil, ex vi artigo 17.º n.º 1. VIII - Na situação em apreço, não está em causa qualquer decisão relativa ao despejo do R., pois que resulta dos autos que este procedeu à entrega da habitação de livre vontade e por sua iniciativa. IX - Não havendo dúvidas que a A., ora Recorrente, pode promover a execução para pagamento das rendas em atraso, quando estas são a causa da decisão de despejo e resolução do contrato, também é certo que não deixa de o poder fazer quando o não são. X - O artigo 28.º, n.º 3, do NRAAH pressupõe essa autotutela declarativa referente ao pagamento de rendas em atraso, impondo apenas, nos casos em que seja este o fundamento do despejo, que as duas decisões sejam proferidas em simultâneo. XI - A decisão de promoção da execução por rendas em atraso, enquadrada como está no NRAAH, de entre os demais poderes de autotutela declarativa, consubstancia, assim, um título executivo complexo, à semelhança do que hoje sucede no regime do contrato de arrendamento civil, ex vi artigos 25.º, n.º 1 e 17.º n.º 1, do NRAAH. XII - O que é exemplo e se mostra coerente, aliás, em ambos os regimes, com a ambiência de desjudicialização dos litígios e cobranças inerentes a assuntos de arrendamento. XIII - E justifica que o sentido da expressão usada no n.º 3 do artigo 28.º, do NRAAH, de «decisão de promoção da correspondente execução», seja atributivo de uma autotutela declarativa, por maioria de razão, quando esta decisão seja desacompanhada de uma decisão de despejo. XIV - Nestes termos e por todos os fundamentos expostos, considera-se que a A., ora Recorrente, ao abrigo do disposto no artigo 28.º, n.º 3 do NRAAH, beneficia de poderes de autotutela administrativa declarativa que lhe permitem o recurso imediato ao regime para execução do pagamento de quantias pecuniárias, por força de ato administrativo, junto dos tribunais tributários, tal como previsto no artigo 179.º do CPA. XV - Sem necessidade de recorrer previamente aos tribunais administrativos para obter uma sentença declarativa que possa valer, em caso de incumprimento voluntário desta, como título executivo. XVI - Pois que, também à luz do princípio da irrenunciabilidade da competência, não pode a A. deixar de exercer os seus poderes de autotutela declarativa, sempre que os respetivos pressupostos estejam definidos na lei, tal como se demonstra estarem no caso em apreço – cf. artigo 36.º, n.º 1, do CPA. Situações idênticas conduziram à apresentação e admissão de revistas, no âmbito dos processos nºs 2386/18.7BEPRT (15.12.2022), 2181/21.0BEPRT (12.01.2023) e 2953/17.0BEBRT (28.09.2023) - todos publicados em www.dgsi.pt -, vindo todos os recursos a ser julgados improcedentes. No processo 2953/17.0BEPRT, a 16.11.2023, foi proferido acórdão, pela mesma relatora do tirado no processo n.º 2143/21.8BEPRT, que aplicou inteiramente a fundamentação ali exarada (ac. publicado em www.dgsi., com idêntico sumário). Seguiram-se, pela mão de uma mesma relatora, os acórdãos de 07.12.2023 e 20.12.2023, respectivamente proferidos nos processos nºs 2386/18.7BEPRT e 2181/21.0BEPRT, ambos publicados em www.dgsi.pt e assim sumariados: “I - A Autora, criada e totalmente participada pelo Município ..., entidade que, por esse motivo, sobre aquela tem controle ou domínio com uma influência dominante, nos termos do n.º 1 do artigo 19.º da Lei n.º 50/2012, de 31/08 (Regime Jurídico do Setor Empresarial Local e das Participações Locais) e "constituída sob a forma de pessoa coletiva de direito privado, de natureza municipal, dotada de personalidade jurídica e de autonomia administrativa, financeira e patrimonial" (n.º 1 do artigo 1.º dos Estatutos), é uma empresa local, pertencente à Administração Pública Local Autárquica, enquanto fenómeno da Administração Pública sob forma privada. II - A Autora, sendo uma entidade administrativa de natureza privada, tem participação exclusivamente pública, integrando a Administração Pública, não sendo a sua natureza jurídica formalmente privada obstáculo a prosseguir o exercício das competências jurídico-públicas atribuídas pelo Município .... III - Prosseguindo e realizando competências jurídico-públicas, a natureza jurídica privada da Autora não afasta a aplicação das normas previstas no Código do Procedimento Administrativo (CPA), antes convoca a sua aplicação nos termos do n.º 1, do seu artigo 2.º. IV - Têm aplicação à atividade administrativa desenvolvida pela Autora, de exigir o pagamento de rendas em atraso, no âmbito de um contrato de arrendamento apoiado, nos termos dos artigos 38.º e 39.º, n.º 2, alínea a), do Novo Regime do Arrendamento Apoiado para a Habitação, aprovado pela Lei n.º 81/2014, de 19/12, enquanto conduta adotada no exercício de poderes públicos ou regulada de modo específico por disposições de direito administrativo, em consequência dos poderes transferidos pelo Município ..., as disposições do CPA respeitantes aos princípios gerais, ao procedimento e à atividade administrativa. V - As normas referentes à “Execução do ato”, previstas no artigo 175.º e 183.º do CPA, a que se refere a Secção V, integram o Capítulo II, “Do ato administrativo”, pertencem à Parte IV, “Da atividade administrativa”, do CPA. VI - O que traduz que sejam aplicáveis à Autora as normas dos artigos 175.º e seguintes do CPA, em especial, o disposto no n.º 2, do artigo 176.º do CPA, que permite a execução coerciva de obrigações pecuniárias, nos termos do artigo 179.º do CPA. VII - O artigo 179.º do CPA remete a falta de pagamento voluntário de prestações pecuniárias para o processo de execução fiscal, tal como regulado na legislação do processo tributário, a saber, o Código do Procedimento e Processo Tributário (CPPT), aprovado pelo D.L. n.º 433/99, de 26/10. VIII - Não tem acolhimento a interpretação estritamente literal do n.º 1 do artigo 179.º do CPA, ao referir-se a “pessoa coletiva pública”, pois além do que decorre do regime normativo aplicável, em especial, quanto à natureza jurídica, atividade prosseguida e poderes conferidos à Recorrente, que determinam que apenas formalmente seja uma pessoa coletiva privada, afigura-se também relevante o segmento da norma do n.º 1, do artigo 179.º do CPA, “ou por ordem desta”, que prevê que outra entidade, agindo por conta da pessoa coletiva pública, possa lançar mão da execução de obrigações pecuniárias. IX - Assim, em face do disposto no n.º 1 do artigo 179.º do CPA, não é forçoso que o ente jurídico em causa tenha de ser uma pessoa coletiva pública, admitindo-se que possa ser uma outra entidade, agindo sob ordem da pessoa coletiva pública, o que se configura ser o caso. X - Quando o despejo tenha por fundamento a falta de pagamento de rendas, encargos ou despesas, a decisão de promoção da correspondente execução deve ser tomada, em simultâneo, com a decisão do despejo, conferindo-se a competência legal administrativa para determinar o despejo e a sua execução a um órgão administrativo. XI - Quanto à cobrança da dívida por falta de pagamento de rendas que fundamenta o despejo, no âmbito dos poderes que conferidos pelo n.º 3, do artigo 28.º da Lei n.º 81/2014, de 19/12, sendo a Recorrente uma das entidades referidas no artigo 2.º da referida lei, está legalmente habilitada a praticar um ato administrativo que determine o despejo, no exercício de poderes de autotutela declarativa, assim como, a promoção da execução por rendas em atraso, com base no título executivo que constitui a certidão de dívida, nos termos do artigo 179.º, do CPA, seguindo o processo de execução. XII - Quando o despejo tenha por fundamento a falta de pagamento de rendas a Recorrente não dispõe apenas da competência legal para tomar a decisão de ordenar o despejo, pois segundo o n.º 3 do artigo 28.º da Lei n.º 81/2014, de 19/12, deve, em simultâneo, promover a execução da dívida por falta de pagamento das rendas, não necessitando de recorrer a tribunal para obter o título executivo, podendo lançar mão dos seus poderes de autotutela declarativa e também executiva, para cobrar coercivamente as dívidas provenientes de falta de pagamento das rendas devidas ao abrigo do contrato administrativo de renda apoiada para habitação, nos termos da Lei n.º 81/2014, de 19/12 e do regime previsto para a execução de obrigações pecuniárias, dos artigos 176.º, n.º 2 e 179.º, do CPA. XIII - Para a execução de obrigações pecuniárias basta à Recorrente promover a emissão da certidão de dívida, com valor de título executivo e remetê-la ao competente serviço da Administração Tributária para o respetivo procedimento de cobrança coerciva. XIV - Não carece a Recorrente de tutela judicial para a obtenção de título executivo que permita a cobrança das rendas em dívida, dispondo dos poderes de autotutela executiva. Aqui chegados, é forçoso concluir que o Supremo Tribunal Administrativo, em arestos muitos recentes, se pronunciou já sobre a mesmíssima questão aqui em causa, em recursos interpostos pela aqui Autora/recorrente, tendo decidido, de forma uniforme, que a recorrente [SCom01...] não carece de tutela judicial para a obtenção de título executivo que permita a cobrança das rendas em dívida, dispondo dos poderes de autotutela executiva. Esta posição firmada no STA serviu, ao menos em parte, para este Tribunal Superior negar as revistas interpostas no âmbito dos processos n.ºs 214/23.5BEPRT e 216/23.1BEPRT, com contornos fácticos e jurídicos similares ao presente, em que é Autor/Recorrente o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, IP (cfr. acórdãos de 14.03.2024, publicados em www.dgsi.pt). Seguindo a jurisprudência reiterada vinda de referir, quer porque a Recorrente nada traz de novo quer porque não se vislumbram razões para dela divergir, impõe-se concluir que a sentença recorrida andou bem ao decidir que a Autora não tem necessidade da tutela judicial que requer nos presentes autos, por dispor de meios legais de autotutela para a devida actuação, tendo em vista os contratos de arrendamento por si outorgados. Aduz ainda a Recorrente (mormente na conclusão IV) que, no caso dos autos, parte do valor em dívida não corresponde a rendas mas sim a um acordo de pagamento incumprido. Ora, reconhecendo a Autora que a dívida teve origem na falta de pagamento de rendas, um eventual acordo quanto à forma de pagamento da dívida não altera a natureza e origem da mesma. Termos em que improcede o recurso interposto, devendo manter-se a sentença recorrida na ordem jurídica. * IV - DECISÃO Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida. * Custas a cago da Recorrente. * Registe e notifique. *** Porto, 19 de Abril de 2024 Ana Paula Martins Conceição Silvestre Celestina Caeiro Castanheira |