Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00578/10.0BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/15/2025
Tribunal:TAF de Braga
Relator:VITOR SALAZAR UNAS
Descritores:OPOSIÇÃO;
RECURSO MATÉRIA DE FACTO;
INQUISITÓRIO; GERÊNCIA DE FACTO;
Sumário:
I - Se os Recorrentes, não obstante alegarem que o Tribunal não valorou corretamente o que foi referido pelas testemunhas, não cumprirem com o ónus que sobre si recaía de indicarem com exatidão as passagens da gravação que fundamentasse a discordância quanto ao julgamento da matéria de facto realizado pelo tribunal, a consequência é a rejeição do recurso, em obediência ao comando contido no corpo dos n.ºs 1 e 2, do artigo 685.º-B [atual 640.º], do CPC.

II - Do mesmo modo, impõe-se a rejeição do recurso quanto à pretensão de alterar a matéria de facto com base na prova documental, se nesta parte se sinalizar a falta de indicação dos concretos documentos constantes nos autos que permitam a modificação pretendida, ónus decorrente do disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 685.º-B [atual 640.º], do CPC.

III - Se para a descoberta da verdade material não se mostrar necessária a realização de diligência pretendida pelos oponentes e resultar da fundamentação da sentença as razões para essa desnecessidade, não existe violação do princípio do inquisitório.

IV - Resultando da matéria de facto, apenas, que os oponentes constavam como gerentes nominais na certidão da CRC, não existe prova suficientemente segura, como seria exigível, para concluir pelo seu comprometimento com uma gerência de facto, nem por apelo a presunção judicial.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais, do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte:

I – RELATÓRIO:
«AA», contribuinte fiscal n.º ...23 e «BB», contribuinte fiscal n.º ...50, com os demais sinais nos autos, vêm interpor recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou parcialmente procedente a oposição à execução fiscal n.º ...83 e apensos, a correr termos na Secção de Processo do IGFSS, para cobrança de dívidas relativas a contribuições e cotizações dos períodos 2006/12 e 2008/02 a 2009/01, e contribuições relativas aos períodos 2002/12 e 2003/01, no valor global de € 178.097,12, em que é devedora originária «[SCom01...], SA».
Os Recorrentes terminaram as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
«(…).
I. Há erro de julgamento quando não se dão como provados factos que, de acordo com testemunhos produzidos e documentos apresentados, deveriam ter sido dados como provados, concretamente os referidos nos pontos 11, 12 e 13 da PI.
II. Por outro lado, o indeferimento das diligências probatórias requeridas ao tribunal consubstancia uma violação do princípio do inquisitório e da verdade material.
III. E, ao não ser fundamentado, consubstancia um vício de fundamentação da douta sentença recorrida
IV. Os responsáveis subsidiários indicaram a existência e liquidez do crédito ao IGFSS mas este não procedeu à reclamação de créditos nem à sua penhora - logo há culpa do credor na não recuperação do crédito
V. O IGFSS não alegou nem provou o exercício da administração de facto pelo Oponente
VI. é sobre o IGFSS que recai o ónus de demonstrar que o administrador de direito contra quem reverteu a execução fiscal exerceu de facto funções de administração.
VII. Face ao non liquet relativamente à questão da administração de facto, a oposição tem que ser decidida contra o IGFSS.
Pelo exposto deve dar-se provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a douta sentença recorrida. Decidindo nesta conformidade será feita:
JUSTIÇA!»
Não foram apresentadas contra-alegações.
O Digno Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso, do qual se extrata o seguinte:
«A decisão impugnada fez uma correcta apreciação e valoração dos factos e o mesmo sucedendo quanto a interpretação e aplicação dos preceitos legais que a fundamentam. A mesma não padece de nenhum dos vícios apontados nas conclusões das alegações.
A sentença está correcta e é legal.
Não vemos que a mesma enferme de erro de julgamento e de apreciação.
Não vemos que a sentença em causa padeça de qualquer ilegalidade por vicio de fundamentação.
Não havia modo de julgar a presente oposição senão nos precisos termos em que o foi.
Razão pela qual o MP entende que deve negado provimento ao presente recurso com manutenção na ordem jurídica da sentença recorrida.»
*
Com dispensa dos vistos legais, [cfr. 657.º, n.º 4, do Código de Processo Civil], cumpre agora apreciar e decidir o presente recurso.
*
II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR.
Cumpre apreciar se a sentença padece dos indicados erros de julgamento da matéria de facto e de direito.
*
III – FUNDAMENTAÇÃO:
III.1 – DE FACTO
Na sentença foi fixada matéria de factos nos seguintes termos:
«Com interesse para a decisão da causa, de acordo com as diversas soluções plausíveis de direito, julgo provados os seguintes factos, com atinência aos meios de prova respectivos:

1.
Em 15 de Janeiro de 2007, foi efectuado o pagamento relativo à taxa social única de Dezembro de 2006, devida pelo contribuinte ...11 ([SCom01...], SA) - cfr. fls. 45 e 50 dos autos.
2.
No dia 20 de Julho de 2008, [SCom01...], SA, foi citada no Processo de Execução Fiscal n.° ...83 e apensos, para cobrança de € 59.º98,25 - cfr. fls. 3 do processo administrativo.
3.
Em 16 de Dezembro de 2008, a Coordenadora da Secção de Processo Executivo ... do instituto de Gestão Financeira da Segurança Social constatou que a dívida exequenda foi parcialmente anulada, tendo sido excluídos os valores referentes aos meses de Fevereiro e Março de 2008 - cfr. fls. 14 do processo administrativo.
4.
No mesmo dia, a [SCom01...], SA, foi notificada do deferimento do pedido de pagamento em prestações da dívida exequenda - cfr. fls. 13 do processo administrativo.
5.
No dia 24 de Março de 2009, foi solicitado à [SCom01...], SA, uma declaração dos créditos que esta sociedade detinha sobre a sociedade SARL [SCom02...], para efeito da liquidação judicial desta sociedade - cfr. fls. 69 do processo administrativo.
6.
Em 12 de Maio de 2009, foi exarado o despacho "Ao DOC/Contabilidade para pagamento das custas bancárias. Arquive-se." sobre um oficio do Banco 1..., SA, que, com o assunto "Penhora de saldo bancário 1 Proc. n.° ...83 e outros -execução fiscal 1 [SCom01...], SA", informou que a conta bancária titulada pela executada apresenta saldo de € 0,00 desde Março de 2009 - cfr. fis. 16 do processo administrativo.
7.
Em 10 de Agosto de 2009, a insolvência da sociedade [SCom01...], SA, foi qualificada como fortuita - cfr. fls. 71 do processo administrativo.
8.
No dia 11 de Janeiro de 2010, a Segurança Social notificou à MASSA INSOLVENTE DA [SCom01...], SA, que o valor em dívida era de € 178.097,12 - cfr. fis. 58 do processo administrativo.
9.
Em 13 de Janeiro de 2010, «BB» foi citado no Processo de Execução Fiscal n.° ...83 e apensos, por reversão - cfr. fls. 199 do processo administrativo.
10.
No dia 27 de Janeiro de 2010, «AA» foi citado no Processo de Execução Fiscal n.° ...83 e apensos, por reversão - cfr. fis. 212 do processo administrativo.
11.
Após o exercício do direito de audição prévia dos Oponentes, o Exequente elaborou informação em que, além do mais, afirmou que "para operar o instituto da reversão basta a fundada insuficiência de bens penhoráveis que não se confundem com direitos de crédito sobre terceiros por não se configurarem bens" e que basta a fundada insuficiência dos bens do devedor originário para fazer reverter a execução - cfr. fls. 122-123 e 153.
12.
Os Processos de Execução Fiscal são titulados por certidões de dívida relativas a cotizações e contribuições relativas aos períodos 2006/12 e 2008/02 a 2009/01, e contribuições de 2002/12 e 2003/01 - cfr. tis. 18 a 25 dos autos.
FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provou:
A.
Que a sociedade [SCom01...], SA, detivesse um crédito de € 1.120.645,00 sobre a sociedade SARL [SCom02...].
B.
Que a sociedade [SCom01...], SA, tenha reclamado créditos no processo de insolvência da sociedade SARL [SCom02...].
C.
Que o incumprimento da [SCom01...], SA, perante a Segurança Social se tenha devido unicamente ao incumprimento da SARL [SCom02...] perante a sociedade portuguesa.
FUNDAMENTAÇÃO
Os factos A. e B. não se deram por provados por se considerar que deveriam ser provados por documentos da contabilidade da devedora originária e do próprio processo.
Por outro lado, as testemunhas «CC» e «DD» depuseram sobre eles de forma genérica e inconclusiva, sem concretizar, por exemplo, como e por que meio a [SCom01...], SA, reclamou créditos no processo de insolvência da sociedade francesa ou tentou alcançar novos mercados, sendo que, quanto à intervenção da sociedade portuguesa no processo de insolvência da sociedade francesa não consta dos autos qualquer suporte documental além do referido no ponto 5 do probatório, que não foi emitido, mas destinado, à devedora originária.
Assim, não formou o tribunal convicção bastante sobre o montante concreto do crédito; nem sobre a existência de uma resposta à solicitação do administrador de insolvência francês e, consequentemente, quanto à reclamação dos créditos no processo judicial francês.
Já o depoimento da testemunha «EE» centrou-se essencialmente no relatório que elaborou no âmbito do processo de insolvência referido no ponto 7 do probatório. Todavia, o facto de a insolvência da devedora originária ter sido qualificada como fortuita não é premissa idónea para que se conclua, sem mais, que a existência do crédito crie uma relação de causa-efeito na falta de pagamento dos tributos à Segurança Social - facto C. -, tanto mais que esta testemunha afirmou que as dificuldades financeiras começaram a sentir-se com maior intensidade em Outubro/Novembro de 2008 e a maioria das dívidas exequendas se reportam a períodos anteriores.»

*
Aditamento oficioso à matéria de facto .
13. A 26.11.2009, o oponente «AA» exerceu o direito de audição por escrito, alegando, para além do mais, o seguinte:
«4. Apenas se funda a reversão na existência de gestão de direito (i.e. menção da qualidade de administradora na certidão da Conservatória do Registo Comercial), desde Fevereiro de 2008 a Janeiro de 2009.» [cfr. págs. 93 da execução fiscal];
14. A26.11.2009, o oponente «BB» exerceu o direito de audição por escrito, alegando, para além do mais, o seguinte:
«4. Apenas se funda a reversão na existência de gestão de direito (i.e. menção da qualidade de administradora na certidão da Conservatória do Registo Comercial), desde Fevereiro de 2008 a Janeiro de 2009.» [cfr. págs. 129 da execução fiscal];
15. No despacho de reversão, quanto ao oponente «AA», ficou plasmado o seguinte:
«(…).
Alega o Revertido que não vem provada a culpa e ainda que, a reversão, apenas se funda, na existência de direito.
3.1 – A nomeação de gerência encontra-se registada e esse registo constitui presunção legal de que essa situação jurídica existe, nos precisos termos em que aí é definida (art. 3º, alínea m) e art. 11º do C. Registo Comercial).
Logo, como tem vindo a ser entendido pelos tribunais superiores, de forma unânime e pacífica uma vez feita a prova da gerência de direito, desta se presume (presunção judicial) a gerência de direito (…).» [cfr. págs. 122 da execução fiscal];
16. No despacho de reversão, quanto ao oponente «BB», ficou plasmado o seguinte:
«(…).
Tendo sido citado em sede de Reversão, (…), veio exercer o direito de audiência prévia alegando para o efeito a falta de prova na culpa do executado/revertido na insuficiência do património da devedora originária e a existência de bens no património do responsável
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[cfr. págs. 153 e 154 da execução fiscal].
*
IV –DE DIREITO:
Os Recorrentes manifestam, desde logo, a sua discordância em relação ao julgamento da matéria de facto realizado na sentença.


Erro de julgamento da matéria de facto?
Para o efeito, sustentam a sua pretensão na alegação de que «[h]á erro de julgamento quando não se dão como provados factos que, de acordo com testemunhos produzidos e documentos apresentados, deveriam ter sido dados como provados, concretamente os referidos nos pontos 11, 12 e 13 da PI.» [conclusão I)].
No que concerne à análise critica da prova gravada sublinhe-se que, não obstante os Recorrentes alegarem que o Tribunal a quo não apreciou corretamente a prova testemunhal produzida e documental, não impugnaram tal decisão, nos termos exigidos pelo art.º 640.º do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT.
Com efeito, considerando o disposto no, vigente à data, art. 685.º-B [atual 640.º] do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto caracteriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo dos Recorrentes que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão.
Assim, o regime vigente atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe aos Recorrentes o ónus de especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados [cfr. art. 685.º-B., n.º 1, al. a), do CPC];
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nela realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida - [cfr., al. b)], sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo preceito.
Especificamente, quanto à prova testemunhal dispõe o n.º 2:
«No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522.º-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição
Irradia, pois, do quadro legal apresentado que não basta aos Recorrentes manifestarem de forma não concretizada a sua discordância com a decisão da matéria de facto efetuada pelo Tribunal a quo, impondo­-se-lhe os ónus já mencionados.
Ora, in casu, os ónus que se impõem aos Recorrentes não foram cumpridos, uma vez que não indicaram com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso quanto à matéria de facto sustentada na prova testemunhal.
Na verdade, suportando-nos, em complemento às conclusões de recurso, na leitura das alegações conclui-se que os Recorrente bastaram-se pela mera afirmação de que deviam se considerados «concretamente os factos alegados nos pontos 11, 12 e 13 da petição de oposição» [alegação 2.ª]; e de que tal matéria resultaria efectivamente, do depoimento das testemunhas «CC», «DD» e «EE» (gravados respectivamente na cassete n.º 1, referida na acta, respectivamente no lado A, das rotações 11 a 830 e 833 a 1536 e 1539-1838) e dos documentos juntos aos autos[alegação 4.ª]; ou seja, sem indicarem com exatidão as passagens da gravação que sustentem a sua alegação e que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. Não cumprindo, pois, tal desiderato a remição genérica para as rotações da gravação do depoimento das testemunhas. É que, se assim fosse, o legislador teria dito isso mesmo e não teria sido tão exigente nessa especificação, diga-se, que se manteve após a revisão do CPC, operada pela Lei n.º 41/2013, de 26.06, como ressalta do atual art. 640.º, n.º 2, alínea a).
Todavia, e bem vistas as alegações e conclusões do recurso, afigura-se a este Tribunal que os Recorrentes apenas não se conformam com a apreciação da prova que foi feita pelo Tribunal a quo no que se refere aos depoimentos prestados, ignorando a motivação que resulta da sentença em relação aos mesmos, concretamente para fixação dos factos não provados.
Assim sendo, em jeito de conclusão, afirma-se que, pese embora os Recorrentes aleguem que o Tribunal não valorou corretamente o que foi referido pelas testemunhas, não cumpriram com o ónus que sobre si recaía de indicarem com exatidão as passagens da gravação que fundamentasse a discordância quanto ao julgamento da matéria de facto realizado pelo tribunal.
Destarte, importa rejeitar o recurso nesta parte, em obediência ao comando contido no corpo dos n.ºs 1 e 2, do artigo 685.º-B, do CPC.
Do mesmo modo, impõe-se a rejeição do recurso quanto à pretensão de alterar a matéria de facto com base na prova documental, por nesta parte se sinalizar a falta de indicação dos concretos documentos constantes nos autos que permitam a modificação pretendida, ónus decorrente do disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 685.º-B, do CPC.

*
Violação do princípio do inquisitório?
Neste capítulo, reclamam os Recorrentes que o tribunal incorreu na violação do princípio do inquisitório e da descoberta da verdade, posto que «requereram diligências probatórias que não foram efectuadas pelo tribunal», sem que tivesse justificado a decisão, pelo que a sentença padece de falta de fundamentação [conclusões II) e II)].
Como resulta do corpo das alegações, em conjugação com o oportunamente requerido na petição inicial [art. 17.º], os Oponentes requereram a notificação do administrador de insolvência da sociedade SARL [SCom02...], «para saber do estado do processo e das possibilidades da sua recuperação total ou parcial.»
Para responder a esta questão torna-se imperioso evidenciar a fundamentação da sentença, pois, só através dela será possível formar um juízo concludente sobre a verificação ou não da alegada violação do princípio do inquisitório e, consequente, falta de fundamentação da sentença nos termos apresentados pelos Recorrentes.
«QUANTO À ILEGALIDADE DO DESPACHO DE REVERSÃO:
Sob o título "A. Da Falta de Excussão Prévia do Património do Devedor Principal - 204°, 1.B) CPPT", alegam os Oponentes - artigos 10.º a 17.° da Petição - que "Ainda que se entenda dever prosseguir a reversão [...] sempre se dirá que a sociedade/revertida detém um crédito avultado [...] sobre a sociedade SARL [SCom02...]", sendo que "a reversão contra os responsáveis subsidiários depende da excussão dos bens do devedor principal [...] e a dita excussão pressupõe que o IGFSS se inteire do estado do crédito da devedora sobre a empresa francesa", pois "caso esse crédito tenha perspectivas de cobrabilidade deve a reversão ficar suspensa" e, para o efeito "desde já se requer a notificação do administrador de insolvência da sociedade SARL [SCom02...] [...] para saber do estado do processo e das possibilidades da sua recuperação total ou parcial".
Ora, à primeira vista tal alegação não parece pretender pôr em crise o despacho de reversão, designadamente a apreciação que nele fez a Administração sobre a fundada insuficiência dos bens da devedora originária.
Todavia, os Oponentes pedem, expressamente, a declaração da ilegalidade da reversão, por falta da excussão prévia do património do devedor principal.
Assim, a alegação deve ser interpretada no sentido de se verificar a existência de causas de pedir idóneas para obter aquele efeito jurídico que é, manifestamente, pretendido pelos Oponentes.
Compulsados os autos, verifica-se que tais alegações - designadamente a relativa a que o IGFSS se inteire do estado do crédito através do contacto com o administrador da insolvência francês, o que surge de fora de contexto neste meio processual - são uma repetição do que os Oponentes alegaram em sede de exercício do direito de audição prévia.
Pelo que, adaptando as alegações do procedimento à natureza do presente processo e ao dito efeito jurídico pretendido pelos Oponentes, há que conhecer da eventual ilegalidade do despacho de reversão por falta da excussão prévia do património do devedor principal, desde logo o crédito sobre a sociedade francesa.
Vejamos, pois:
Dispõe o artigo 23.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária, que "a reversão contra o responsável subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão".
Pretendeu o legislador, ao contrário do-que sucedia no domínio do Código de Processo Tributário, que, sem prejuízo do benefício da excussão, fosse possível reverter a execução contra o responsável subsidiário no caso da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários.
Assim, antes da excussão dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, no caso desta ser fundadamente insuficiente para o pagamento da quantia exequenda e acrescidos, o Processo de Execução Fiscal pode reverter contra o devedor subsidiário que, então, nesse momento processual, pode gozar daquele benefício, não avançando a execução contra os seus bens enquanto o devedor originário tiver património, apesar da sua qualidade de revertido.
De outro modo: só com a efectivação da responsabilidade subsidiária - que nos termos do n.º 1 do artigo 23.º da LGT se verifica com a reversão do processo executivo - pode o responsável subsidiário, no caso de fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, gozar do privilégio de excussão prévia, sendo que, para este efeito, "o processo de execução fiscal fica suspenso, já com a reversão efectuada, em relação ao revertido, pois, obviamente, quanto ao devedor originário o processo prossegue para concretizar a excussão de que depende o prosseguimento contra o revertido" - cfr. JORGE DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, vol. II, Áreas Editora, 2007, p. 49.
Em complemento deste artigo da LGT, estatui o n.º 2 do artigo 153.° do CPPT que "o chamamento à execução dos responsáveis subsidiários depende da verificação de qualquer das seguintes circunstâncias:
- Inexistência de bens penhoráveis do devedor e seus sucessores;
- Fundada insuficiência, de acordo com os elementos constantes do auto de penhora e outros de que o órgão da execução fiscal disponha, do património do devedor para a satisfação da dívida exequenda e acrescido".
Esta última norma vem dar indicações quanto aos parâmetros relevantes para a conclusão pela fundada insuficiência dos bens penhoráveis, avançando com os "valores constantes do auto de penhora e outros que a administração tributária disponha e a sua relação com o valor da dívida exequenda e do acrescido (juros de mora e custas).
No entanto, para a insuficiência se poder considerar demonstrada, é necessário que os elementos em que assenta o juízo sobre ela permitam, em termos lógicos, retirar essa conclusão, o que, normalmente, exigirá que seja feita uma averiguação (por exemplo, não bastará para concluir pela insuficiência o simples facto de o devedor originário não ser encontrado ou estar encerrado o seu estabelecimento, no momento em que se procura realizar a penhora)".
Cfr. JORGE DE SOUSA, ob. cit., anotação 5 ao artigo 153.°.
No caso dos autos, resultou provado que o Exequente indagou sobre a existência de saldo bancário da devedora originária, estando a conta averiguada a zero desde Março 2009 - cfr. ponto 6 do probatório.
Todavia, quando confrontado com a alegação da existência de um crédito superior a um milhão de euros, no âmbito do direito de audição prévia dos Oponentes, o Exequente limitou-se a afirmar que tal crédito não era um bem penhorável, motivo pelo qual não procedeu à averiguação da sua existência.
No entanto, não só é admissível a penhora de créditos, como, face à quantia exequenda (€ 178.097,12), a eventual existência do crédito alegado levaria a concluir pela suficiência de bens, já que o montante seria necessário para cobrir o valor da dívida exequenda e do acrescido.
E, assim sendo, há que concluir que o Exequente deveria ter averiguado a existência do crédito e, com atinência à sua existência ou inexistência, deveria ter apreciado a insuficiência dos bens antes da reversão da execução.
Importa, pois, determinar qual a consequência desta ilegalidade.
Por regra, o despacho de reversão que não é precedido de averiguação sobre a insuficiência dos bens é anulável.
Tal vício não impede a renovação do acto: após a dita averiguação e conclusão sobre a insuficiência dos bens da devedora originária, pode ser proferido novo despacho de reversão.
Contudo, os Oponentes não lograram fazer prova da existência do crédito alegado - cfr. ponto A do probatório.
Como o Processo de Execução Fiscal tem natureza judicial, sem prejuízo da participação dos órgãos da administração tributária nos actos que não tenham natureza jurisdicional (artigo 103.º, n.° 1, da LGT), a prova produzida em sede judicial deve ser utilizada para aferir da utilidade de uma decisão anulatória meramente formal do despacho de reversão, pois que tal decisão teria como consequência a prática de novo despacho que concluísse pela fundada insuficiência dos bens penhoráveis, atenta a inexistência do crédito alegado, como aliás resulta provado.
Pelo que, ao abrigo do princípio pro actione, há que aproveitar o despacho de reversão e, desde já, decidir quanto ao fundo.»
Da extratada fundamentação da sentença resulta que o tribunal conhecendo da questão da “Ilegalidade do despacho de reversão”, deixou claro que os Oponentes, sob a capa da “Falta de excussão prévia do património do devedor principal”, alegaram, nos artigos 10.º a 17.º da PI, que detinham um crédito avultado (€1.120.645,00) sobre a sociedade «SARL, [SCom02...]» e que excussão prévia pressupunha que o IGFSS se inteirasse do estado do crédito da devedora sobre a empresa francesa. Mais requerendo, «a notificação do administrador de insolvência da sociedade SARL [SCom02...] [...] para saber do estado do processo e das possibilidades da sua recuperação total ou parcial.»
Mais se extrai do teor da sentença que, face à alegação dos oponentes acerca da existência de um crédito superior a um milhão de euros, que já havia acontecido em sede de audição prévia, o tribunal concluiu que «o Exequente deveria ter averiguado a existência do crédito e, com atinência à sua existência ou inexistência, deveria ter apreciado a insuficiência dos bens antes da reversão da execução». E, perante aquilo que considerou uma ilegalidade [a não realização de diligências para aquilatar da existência do alegado crédito], o tribunal considerou que, «por regra, o despacho de reversão que não é precedido de averiguação sobre a insuficiência dos bens é anulável», todavia, no caso concreto, na medida em que «os Oponentes não lograram fazer prova da existência do crédito alegado - cfr. ponto A do probatório.», concluiu que «ao abrigo do princípio pro actione, há que aproveitar o despacho de reversão e, desde já, decidir quanto ao fundo.»
Do exposto, indefetivelmente, conclui-se que o tribunal considerou não ser necessário apurar sobre o estado do processo de insolvência da sociedade “SARL”, desde logo, por via da notificação do indicado administrador da insolvência, por não ter ficado provada nos autos a existência do alegado crédito. Daí que, por aplicação do princípio do pro actione, tenha aproveitado o despacho de reversão, com fundamentação que por não se mostrar impugnada estabilizou-se no ordenamento jurídico [art. 619.º, n.º 1, do CPC – Valor da sentença transitada em julgado].
Neste conspecto, e em suma, para a descoberta da verdade material, no caso objeto, (i) não se mostrou, como não se mostra, necessária a realização da diligência pretendida pelos oponentes e (ii) resulta da fundamentação da sentença as razões para essa desnecessidade.
Motivos suficientes para não conceder provimento ao recurso quanto a este segmento.
Sem prejuízo da conclusão extraída, no sentido de somente pacificar as partes, dizemos que a lei não faz depender a reversão da prévia excussão dos bens do devedor originário [vide, por todos, acórdãos do STA de 22.06.2011, proc. n.º 167/11, 12.10.2016, in recurso n.º 0287/16 e deste TCA de 22.06.2023, proc. n.º 183/13.0BEVIS]; e que resulta hoje pacífico na jurisprudência de que a declaração de insolvência da sociedade originária devedora, como se verificou no caso, constitui fundamento bastante para que se considere haver fundada insuficiência do património daquela e para justificar a reversão contra os responsáveis subsidiários pela dívida exequenda. [cfr, acórdão do pleno da secção de contencioso tributário de 08.07.2020, proc. n.º 0484/15.2BESNT].

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Mora do credor?
Os Recorrentes continuam a sua peça recursiva afirmando que «[o] responsáveis subsidiários indicaram a existência e liquidez do crédito ao IGFSS mas este não procedeu à reclamação de créditos nem à sua penhora – logo há culpa do credor na não recuperação do crédito[conclusão IV]; e que o «IGFSS não alegou nem provou o exercício da administração de facto pelo Oponente», sendo sobre aquele que incumbia essa demonstração, concluindo que «[f] ace ao non liquet relativamente à questão da administração de facto, a oposição tem que ser decidida contra o IGFSS.» [conclusões V a VII].
Quanto a esta temática assentamos, desde já, que a mora do credor não foi alegada na petição inicial, local próprio para o efeito, não constituindo, também, questão de conhecimento oficioso. E, assim sendo, na medida em que apenas foi invocada perante esta instância de recurso, não pode este tribunal ad quem emitir pronúncia sobre a mesma, por constituir questão nova.
Na verdade, como decorre do artigo 627.º, n.º 1 do CPC., aplicável ex vi art. 281.º, do CPPT, os recursos jurisdicionais são um meio processual específico de impugnação de decisões judiciais e como tal, o tribunal de recurso está impedido de apreciar questões novas, com exceção daquelas que sejam de conhecimento oficioso ou suscitadas pela própria decisão recorrida sob pena de se produzirem decisões em primeiro grau de jurisdição sobre matérias não conhecidas pelas decisões recorridas. Neste preciso sentido vejam-se Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, pág. 147, Cardona Ferreira, Guia dos Recursos em Processo Civil, pág. 187, Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, Reforma de 2007, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, págs.80-81.
Também a jurisprudência é pacífica nesse entendimento. Vejam-se, entre outros, os seguintes Acórdãos: do Supremo Tribunal Administrativo, de 13.03.2013, proc n.º 0836/12; de 28.11.2012, proc. n.º 598/12, de 27.06.2012, proc. n.º 218/12, de 25.01.2012, proc. n.º 12/12, de 23.02.2012, proc. n.º 1153/11, de 11.05.2011, proc. n.º 4/11, de 1.07.2009, proc. n.º 590/09, 04.12.2008, proc. n.º 840/08, de 30.10.08, proc. n.º 112/07, todos disponíveis em www.dgsi.pt..
Razão pela qual, neste segmento, tratando-se de questão nova, a qual não é de conhecimento oficioso ou suscitada pela própria decisão recorrida, não se conhece do recurso, nesta parte.
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Falta de alegação e prova da gerência de facto por parte do exequente?
Quanto a esta questão diremos que, não obstante a falta de clareza da alegação inserida na petição inicial no capítulo «B. (…), DA INEXISTÊNCIA DE CULPA DOS OPONENTES», daí certamente o julgamento da primeira instância, a verdade é que, ao contrário do afirmado na sentença, os oponentes ainda assim invocaram, quanto à falta da invocação e demonstração da gerência de facto por parte do exequente, que «[a]penas se funda a reversão na existência de gestão de direito (i.é menção da qualidade de Administradores na certidão da Conservatória do Registo Comercial, desde Fevereiro a Janeiro de 2009» [art. 19.º], alegação que replicam no presente recurso, diga-se, no seguimento do que já tinham alegado em sede de audição prévia [cfr. factos elencados nos pontos 13 e 14 aditados].
Está assente, não sendo controvertido, que os oponentes/Recorrentes constam como gerentes de direito da devedora originária e que a reversão tem como fundamento o disposto na alínea b), do n.º 1, do art. 24.º da LGT, por a exequente imputar a gerência de facto aos oponentes no tempo em que terminou o prazo legal de pagamento e entrega dos tributos.
Todavia, analisados os respetivos despachos de reversão e os elementos constantes no processo de execução fiscal, conclui-se que a imputação da gerência de facto resulta somente do facto de os oponentes constarem na certidão da CRC como gerentes nominais da devedora originária, sem mais. E a verdade é que, não obstante essa alegação ter sido fundamento do exercício do direito de audição prévia, a exequente não logrou ultrapassar essa deficiência, tendo afirmado expressamente, relativamente à decisão de reversão de «AA», que a gerência de facto se presumia da nominal.
Ora, há muito que a doutrina e a jurisprudência consensualizaram que da gerência de direito não se presume, sem mais, a gerência de facto. Ou seja, a lei exige para a responsabilização ao abrigo do artigo 24.º da LGT a gerência efetiva ou de facto, o concreto exercício de funções de gerência, não se bastando com a mera titularidade do cargo, a gerência nominal ou de direito, sendo certo que a prova do efetivo exercício da gerência constitui ónus da ATA, enquanto facto constitutivo do direito de que se arroga de proceder à reversão.
Como refere o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, “Se o administrador ou gerente de direito não exercia quaisquer funções de gerência de facto, não se justificava que fosse formulado em relação a ele um juízo de culpa susceptível de basear a responsabilidade subsidiária, já que não era possível a existência de nexo de causalidade entre a sua actuação e a situação de insuficiência patrimonial da sociedade, nem se podia falar em relação a ele de possibilidade de pagar as dívidas fiscais e não o fazer, dívidas essas de que, sem um exercício ao menos parcial da gerência, não poderia ter sequer conhecimento” – cfr. Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, in CPPT, anotado e comentado, 6.ª edição” Áreas Editora , II volume, página 349.
Constitui, ainda, jurisprudência constante dos nossos Tribunais Superiores que para integrar o conceito de tal administração de facto ou efetiva à Administração Tributária cabe provar, para além dessa gerência/administração de direito assente na nomeação para o cargo, de que o mesmo gerente/administrador tenha praticado, em nome e por conta da pessoa coletiva, concretos atos dos que normalmente por eles são praticados, vinculando-a com essa sua intervenção, sendo de julgar a oposição procedente quando nenhuns são provados - cfr. acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 28/02/2007, processo n.º 1132/06, publicado em www.dgsi.pt.
Vale isto para dizer que a gerência/administração de facto não se presume, sem mais, da gerência/administração de direito, embora o exercício dos poderes de facto, se possa inferir do global conjunto da prova que venha a ser recolhida, mediante o recurso às regras da experiência, recaindo sobre a Administração Tributária o ónus de demonstrar que o gerente/administrador de direito, contra quem pretende reverter a execução fiscal, exerceu, de facto, tais funções - cf. artigo 342.º, n.º 1, do CC e artigo 74.º, n.º 1, da LGT.
Como se refere no acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 11/03/2010, de forma exemplar e ainda atual, proferido no âmbito do processo n.º 00349/05.6BEBRG «(…), não há presunção legal que faça decorrer da qualidade de gerente de direito o efectivo exercício da função (() A única presunção consagrada no art. 24.º, n.º 1, da LGT, é a presunção de culpa dos gestores pela falta de pagamento das dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, que consta da alínea b).). Ora, só quem tem a seu favor uma presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz (artigo 350.º, n.º 1, do CC).» – acórdão publicado em www.dgsi.pt.
De facto, não há qualquer norma legal que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente que ela se presume a partir da gerência de direito.
Isto posto, a primeira conclusão a extrair é que a ilação do Exequente de que os oponentes exerceram a gerência de facto por constarem como gerentes nomeados na certidão da Conservatória do Registo Comercial, sem mais, é ineficaz para a demonstração do pressuposto em exegese.
Assim sendo, tendo os oponentes alegados em sede de oposição de que a reversão só se fundava na gerência de direito [relembra-se, art. 19], incumbia ao Exequente a verificação deste pressuposto de facto para que pudesse operar a reversão, ónus que lhe incumbia, enquanto facto constitutivo do direito de que se arroga para operar a reversão, por si incumprido [art. 74.º, n.º 1 da LGT e art. 342.º, n.º 1 do Código Civil].
Na verdade, o Exequente em sede de contestação denegou essa mesma responsabilidade probatória, sendo disso impressivo, a título de exemplo, as afirmações de que «[r]esulta da Certidão da Conservatória do Registo Comercial que os ora oponentes eram administradores da devedora originária no período objecto da presente execução, sendo necessária as suas assinaturas para obrigar a sociedade perante terceiros.» [art. 6.º]; «Ora, em sede dos factos supra expostos, conclui-se que os executados/revertidos exerciam as funções de gerência da devedora originária, nomeadamente no período a que diz respeito a divida» [art. 7.º]. que são um sofisma.
Como paradigmático do ónus probatório, deixamos uma última nota extraída do sumário do acórdão deste TCA de 15.05.2014, proc. n.º 00273/07.8BEMDl, segundo o qual: «I) A fundamentação formal do despacho de reversão basta-se com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada (nº 4 do art. 23º da LGT) não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido.
II) Tal significa que, no caso de reacção do visado, a AT terá então (na contestação à oposição) de avançar com esses elementos no sentido de se desembaraçar do ónus que a lei lhe comete da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, estando aqui em destaque o efectivo exercício da gerência, sendo que tal situação não se estende para lá do momento acima apontado, ou seja, em sede de contestação, a AT tem de enumerar os tais factos concretos que evidenciam o apontado exercício de funções de gerente por parte do ora Recorrente.»
Em suma, no caso objeto, não existe factualidade ou prova suficientemente segura, como seria exigível, para concluir pelo comprometimento dos opoentes com uma gerência de facto, nem por apelo a presunção judicial, sobretudo, numa situação como a presente em que existem mais gerentes que podiam vincular a sociedade.
Destarte, soçobrando a demonstração de um dos pressupostos cumulativos para operar a reversão [no caso, a gerência de facto], verifica-se a ilegalidade da reversão da execução contra quem, não figurando no título executivo e não sendo responsável pelo pagamento da dívida em cobrança coerciva, surgem, no caso os Recorrentes, como partes ilegítimas na execução, fundamento da oposição, nos termos do disposto no art.º 204.º, n.º 1, alínea b) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ao contrário do decidido pela primeira instância, que por este motivo não se pode manter no ordenamento na parte analisada.

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Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e Recursos de Contraordenacionais, do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso e, nessa sequência, revogar a sentença e julgar a oposição totalmente procedente.
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Nos termos do n.º 7 do art.º 663.º do CPC., formula-se o seguinte SUMÁRIO:
I - Se os Recorrentes, não obstante alegarem que o Tribunal não valorou corretamente o que foi referido pelas testemunhas, não cumprirem com o ónus que sobre si recaía de indicarem com exatidão as passagens da gravação que fundamentasse a discordância quanto ao julgamento da matéria de facto realizado pelo tribunal, a consequência é a rejeição do recurso, em obediência ao comando contido no corpo dos n.ºs 1 e 2, do artigo 685.º-B [atual 640.º], do CPC.
II - Do mesmo modo, impõe-se a rejeição do recurso quanto à pretensão de alterar a matéria de facto com base na prova documental, se nesta parte se sinalizar a falta de indicação dos concretos documentos constantes nos autos que permitam a modificação pretendida, ónus decorrente do disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 685.º-B [atual 640.º], do CPC.
III - Se para a descoberta da verdade material não se mostrar necessária a realização de diligência pretendida pelos oponentes e resultar da fundamentação da sentença as razões para essa desnecessidade, não existe violação do princípio do inquisitório.
IV - Resultando da matéria de facto, apenas, que os oponentes constavam como gerentes nominais na certidão da CRC, não existe prova suficientemente segura, como seria exigível, para concluir pelo seu comprometimento com uma gerência de facto, nem por apelo a presunção judicial.
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V – DECISÃO:
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e Recursos de Contraordenacionais, do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso e, nessa sequência, revogar a sentença e julgar a oposição totalmente procedente.



Custas pelo Recorrido, as quais nesta instância não incluem taxa de justiça por não ter contra alegado.


Porto, 15 de maio de 2025


Vítor Salazar Unas
Ana Paula Santos
Cláudia Almeida