Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01542/23.5BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/15/2024
Tribunal:TAF do Porto
Relator:RICARDO DE OLIVEIRA E SOUSA
Descritores:ASSINATURA ELETRÓNICA QUALIFICADA;
GERÊNCIA;
PRESUNÇÃO DE TITULARIDADE DE PODERES DE REPRESENTAÇÃO;
Sumário:

I. A aposição de uma assinatura eletrónica qualificada válida a um documento eletrónico equivale à assinatura autógrafa dos documentos com forma escrita sobre suporte de papel e cria a presunção de que a pessoa que apôs a assinatura eletrónica qualificada é o titular desta ou é representante, com poderes bastantes, da pessoa coletiva em causa.

II. Na salvaguarda da presunção da titularidade dos poderes representativos da pessoa que apôs a assinatura eletrónica qualificada, somos a considerar que tal facto presumido só poderá ser afastado mediante a aquisição, a partir do contrato social da pessoa coletiva em apreço, de realidade antagónica que sobreleve à mesma..

III. Apresentando-se distintivo que a Autora obriga-se com a assinatura de dois agentes, deve entender-se que a invocação [na assinatura eletrónica qualificada] da qualidade de “representante da sociedade” de apenas de um dos seus gerentes, reclama de demonstração complementar, só atingível com a apresentação de uma declaração societária a atestar tal qualidade para efeitos concursais.

IV. À mingua da apresentação de tal declaração societária, fica ilidido o facto presumido da titularidade de poderes de representação por parte do gerente que assinou eletronicamente os documentos da proposta da sociedade, ficando o júri concursal colocado perante a evidência de que a proposta foi apresentada e assinada com assinatura digital qualificada por alguém que não revelava atribuir poderes para o efeito.

V. O que conduz à exclusão da proposta face ao incumprimento do disposto no nº 4 do artigo 57.º e do artigo 62º do CCP, nos termos expressos no artigo 146.º, nº 2, als. d) e l) do mesmo diploma.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Urgente - Contencioso pré-contratual (arts. 100º e segs. CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte - Secção de Contencioso Administrativo, subsecção de Contratos Públicos:
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I – RELATÓRIO

1. O MUNICÍPIO ..., Réu nos presentes autos de AÇÃO ADMINISTRATIVA DE CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL em que é Autora a sociedade comercial [SCom01...], LDA., vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença promanada nos autos, que julgou procedente a presente ação e, em consequência, (i) anulou o ato de exclusão de todas as propostas do Concurso objeto desta ação e de revogação da decisão de contratar e (ii) condenou o Réu a admitir ao procedimento pré-contratual a proposta apresentada pela Autora e a retomar o procedimento pré-contratual, admitindo-a, e classificando-a, adjudicando o contrato à sua proposta.

2. Alegando, o Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…)

III- CONCLUSÕES

i. Viola o princípio da legalidade a recorrida ao apresentar a concurso documentos que tinham de estar assinados pelo concorrente ou pelos seus representantes com poderes para a obrigar e os poderes do representante do concorrente para proceder à assinatura digital qualificada da proposta.

ii. A autora obriga-se com a assinatura de dois gerentes, o que significa ser necessária a assinatura digital qualificada de ambos ou, em alternativa, que o gerente “não outorgante” delegue poderes para o ato, em concreto, ao submeter e ao assinar propostas em procedimentos de contratação pública no “gerente outorgante” através de documento autêntico ou documento particular autenticado.

iii. O que não ocorreu.

iv. A recorrida não pode desconhecer ter violado os pressupostos legais a que se encontrava adstrita porquanto remeteu numa fase posterior do concurso documentação assinada digitalmente com as alterações elencadas pela recorrente.

v. Na fase pré-contratual, o rigor exigido na verificação dos poderes e da legitimidade de representação não se condoem com dúvidas ou o incumprimento de formalismos legais, como por exemplo, a junção de procuração sem termo.

vi. Nos termos do previsto no n.º 4 do artigo 57.º [artigo 146.º, n.º 2, alínea e)], artigo 62.º [artigo 146.º, n.º 2, alínea l)], por força da não observância das formalidades relativas ao seu modo de apresentação fixadas no CCP, a proposta da recorrida, por violação do princípio da legalidade, tem de ser excluída.

vii. Em face do que vem de ser exposto, o recorrente deveria ter sido absolvido dos pedidos contra si peticionados, in casu, o pedido de anulação do ato que simultaneamente determinou a exclusão de todas as propostas e a revogação da decisão de contratar a recorrida (…)”.


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3. Notificada que foi para o efeito, a Recorrida contra-alegou, defendendo a manutenção do decidido quanto à procedência da presente ação.

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4. O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.
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5. O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior silenciou quanto ao propósito vertido no nº.1 do artigo 146º do C.P.T.A.

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6. Cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.

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II– DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR

7. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.

8. Neste pressuposto, a questão essencial a dirimir resume-se a saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito, por errada interpretação e aplicação da normação prevista no n.º 4 dos artigo 57º, 62º, e 146º, n.º 2, alíneas e) e l) do CCP.

9. É na resolução de tal questão que se consubstancia a matéria que a este Tribunal Superior cumpre solucionar.


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IV – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

10. A matéria de facto pertinente é a dada como provada na sentença «sub censura», a qual aqui damos por integralmente reproduzida, como decorre do art.º 663º, n.º 6, do CPC.


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V- DO MÉRITO DA INSTÂNCIA DE RECURSO

11. A Autora, aqui Recorrida, intentou a presente ação de contencioso pré-contratual, peticionando o provimento do presente meio processual por forma a ser “(…) anulado o ato que simultaneamente determinou a exclusão de todas as propostas (incluindo a da Autora) e a revogação da decisão de contratar, proferido e notificado no dia 22-06-2023, nos termos expendidos na presente sede [bem como o Réu ser] condenado a admitir a proposta apresentada pela A. no presente procedimento e, consequentemente, proferir decisão de adjudicação a seu favor (considerando a exclusão das demais propostas (…)”.

12. Substanciou tais pretensões, brevitatis causae, no entendimento de que o ato impugnado enfermava de vício de violação de lei, por ofensa do disposto nos arts. 3.º, n.º 2 e 3 do DL 12/2021, de 11 de fevereiro e 54.º, n.º 1, 2 e 7 do a contrario da Lei 96/2015.

13. O T.A.F. do Porto, como sabemos, validou este entendimento, tendo julgado procedente a presente ação.

14. A ponderação de direito convocada para arrimar o juízo de procedência da presente ação foi, sobretudo, a seguinte: “(…)

O cerne deste litigio prende-se, pois, com as exigências atinentes à assinatura digital qualificada dos documentos que compõem as propostas, nos termos definidos pela Lei n.º 96/2015, de 17 de agosto (Lei n.º 96/2015).

Importa começar por traçar o quadro normativo invocado e que se reputa aplicável para conseguirmos alcançar a solução a dar a esta questão.

Sobre o modo de apresentação das propostas diz o CCP que «os documentos que constituem a proposta são apresentados diretamente na plataforma eletrónica utilizada pela entidade adjudicante» [artigo 62.º, n. º1], e que «os termos a que deve obedecer a apresentação e a receção da proposta, conforme o disposto no n.º 1, são definidos em diploma próprio» [artigo 62.º, n.º 4]. Por seu lado, no artigo 57.º, n.º 4 do CCP, sobre os documentos que integram a proposta, determina-se que os mesmos “devem ser assinados pelo concorrente ou por representante que tenha poderes para o obrigar”.

O CCP sanciona com a exclusão da proposta o não cumprimento do disposto no n.º 4 do artigo 57.º [artigo 146.º, n.º 2, alínea e)]; e a não observância das formalidades relativas ao seu modo de apresentação fixadas no citado artigo 62.º [artigo 146.º, n.º 2, alínea l)].

Por seu lado, e sobre o carregamento das propostas diz-nos a Lei n.º 96/2015 - que aprova a Lei das Plataformas Eletrónicas - que os documentos que constituem a proposta são «encriptados sendo-lhes aposta assinatura eletrónica qualificada» [artigo 69.º, n.º 1]; que os documentos submetidos na plataforma eletrónica devem ser assinados com recurso a «assinatura eletrónica qualificada» [artigo 54.º, n.º 1], sendo certo que os elaborados por entidades adjudicantes e operadores económicos devem ser assinados com recurso a «certificados qualificados de assinatura eletrónica» próprios ou dos seus representantes legais [artigo 54.º, n.º 2].

E especificamente sobre o carregamento das propostas diz o referido diploma, no seu artigo 68.º, que as plataformas devem permitir o seu carregamento progressivo pelo interessado até à data e hora prevista para a submissão das mesmas [n.º 1], devem disponibilizar ao interessado aplicações informáticas que permitam, automaticamente, no ato de carregamento, encriptar e apor assinatura eletrónica nos ficheiros da proposta, localmente, no seu próprio computador [n.º 3]; diz ainda que, por regra, quando o interessado realizar o carregamento, na plataforma eletrónica, de um ficheiro de uma proposta, este deve estar já encriptado e assinado, com recurso a assinatura eletrónica qualificada [n.º4 ].

Cumpre salientar que o conceito de «assinatura eletrónica qualificada», à luz do quadro jurídico atual, é-nos fornecido pelo Decreto-Lei n.º 12/2021, de 09 de fevereiro, sendo que, segundo o seu artigo 3.º:

“1 - O documento eletrónico satisfaz o requisito legal de forma escrita quando o seu conteúdo seja suscetível de representação como declaração escrita.

2 - A aposição de uma assinatura eletrónica qualificada a um documento eletrónico equivale à assinatura autógrafa dos documentos com forma escrita sobre suporte de papel e cria a presunção de que:

a) A pessoa que apôs a assinatura eletrónica qualificada é o titular desta ou é representante, com poderes bastantes, da pessoa coletiva em causa;

b) A assinatura eletrónica qualificada foi aposta com a intenção de assinar o documento eletrónico;

c) O documento eletrónico não sofreu alteração desde que lhe foi aposta a assinatura eletrónica qualificada.

3 - A assinatura eletrónica qualificada deve referir-se inequivocamente a uma só pessoa singular ou representante da pessoa coletiva e ao documento ao qual é aposta”.

No presente caso, o que se verifica é que a [SCom01...], LDA., ora Autora, instruiu a sua proposta na plataforma eletrónica, com os seguintes documentos, em pdf:

i. Proposta de preço;

ii. Declaração de Aceitação do Conteúdo do Caderno de Encargos;

iii. Certidão permanente;

iv. Portfolio da Empresa;

v. Fichas Técnicas.

4 Mais ficou provado nesta ação que os documentos que integram a proposta da Autora, a saber, i. Proposta de preço; ii. Declaração de Aceitação do Conteúdo do Caderno de Encargos; e iv. Portfolio da Empresa, foram assinados manualmente por dois sócios gerentes «AA» e «BB», sendo que consta do documento relativo à certidão permanente da Autora que integra a sua proposta que a forma de obrigar a empresa é com a intervenção de dois gerentes.

O que sucedeu é que previamente à submissão dos documentos que constituem a proposta da Autora, em todos os mencionados documentos foi aposta a assinatura eletrónica qualificada da seguinte forma [cf. alíneas G) a I) dos Factos Provados]:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
O júri num primeiro momento entendeu solicitar esclarecimentos à proposta da Autora, pedindo o seguinte, no que ora releva: “junção de declaração de ratificação devidamente assinada e limitada aos documentos já submetidos de acordo com a alínea c) do n.º 3 do artigo 72.º do Código dos Contratos Públicos” [segundo o qual 3 - O júri deve solicitar aos candidatos e concorrentes que, no prazo máximo de cinco dias, procedam ao suprimento de irregularidades formais das suas candidaturas e propostas que careçam de ser supridas, desde que tal suprimento não seja suscetível de modificar o respetivo conteúdo e não desrespeite os princípios da igualdade de tratamento e da concorrência, incluindo, designadamente: // c) A falta ou insuficiência da assinatura, incluindo a assinatura eletrónica, de quaisquer documentos que constituam a candidatura ou a proposta, as quais podem ser supridas através da junção de declaração de ratificação devidamente assinada e limitada aos documentos já submetidos].

Mas não explica o júri qual a concreta irregularidade da proposta da Autora no que concerne à assinatura dos documentos. E também o Tribunal não sabe exatamente qual a concreta resposta que foi fornecida pela Autora, nem isso é possível retirar da documentação junta ao PA, incluindo aqui a fundamentação dos relatórios de análise e de apreciação das propostas. Nada de concreto, de factualizado, foi alegado sobre este ponto e, ainda que instada pelo Tribunal, e por mais do que uma vez, a Entidade Demandada a juntar o PA completo (v. despacho de 27-11-2023), como é o seu ónus, a mesma, nesta parte, voltou a não juntar esta documentação, tal como havia sucedido com a junção do PA via plataforma eletrónica Sitaf (não sendo sequer possível ao Tribunal compreender o alcance do alegado pela ED nos artigos 11.º e seguintes, designadamente o alegado envio de “documentação assinada digitalmente já com alterações” e quanto à “procuração assinada sem o cumprimento dos requisitos legais”).

O certo é que o júri, em sede de relatório preliminar, propõe a exclusão da proposta Autora, dizendo singelamente o seguinte:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

Portanto, de acordo com o relatório preliminar, a Autora foi excluída deste Concurso com fundamento na “alínea e) do n.º 2 do artigo 146.º do CCP e do n.º 4 do artigo 62.º do CCP conjugado com os artigos 54.º e 68.º da Lei n.º 96/2025, (…) uma vez que os documentos apresentados não estão assinados com assinatura digital qualificada por dois gerentes, tal como a certidão permanente do concorrente, 6502-2886-7786, obriga” - sublinhado nosso.

De seguida, a Autora apresentou pronúncia escrita em sede de audiência prévia, pugnando pela admissão da sua proposta, à qual anexou um documento intitulado “declaração”, com data de 01-06-2022, emitida pela [SCom02...] LDA., detentora da Plataforma Prestadora de Serviços de Confiança GTS – GLOBAL TRUSTED SIGN, com o seguinte teor:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

O júri elaborou o relatório final, manteve a exclusão da proposta da Autora, e sobre isto o que o júri referiu foi o seguinte:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

Ou seja, no entender do júri, que a ED replica na sua contestação, a concorrente ora Autora obriga-se com a assinatura de dois gerentes, pelo que “seria necessária a assinatura digital qualificada dos dois gerentes da sociedade comercial ou, em alternativa, que o gerente “não outorgante” delegasse poderes para o ato (designadamente submeter e assinar propostas em procedimentos contratação pública) no “gerente outorgante” (através de documento autêntico ou particular autenticado - procuração ou delegação de poderes)”.

A proposta de adjudicação do Concurso que resultou do Relatório Final foi aprovada e a CM deliberou adjudicar o Concurso.

A Autora deduziu impugnação administrativa onde voltou a pugnar pela admissão da sua proposta e pediu a exclusão das propostas das concorrentes e [SCom03...], [SCom04...] e [SCom05...]. Com esta impugnação a Autora juntou um novo documento intitulado “declaração”, agora com data de 05-06-2023, emitida pela [SCom02...] LDA., detentora da Plataforma Prestadora de Serviços de Confiança GTS – GLOBAL TRUSTED SIGN, com o seguinte teor:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

Foi nessa decorrência que, após proposta do júri, foi deliberado pela CM a exclusão de todas as propostas do Concurso e a revogação da decisão de contratar, ato ora impugnado.

Limitando-se a fundamentação do ato ao seguinte:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

Portanto, esta fundamentação é por reporte aos relatórios de apreciação das propostas - que pouco dizem - “uma vez que, em seu entender, os argumentos invocados para a não exclusão não merecem provimento”.

Mas trata-se de uma decisão que não se pode manter.

É que, como resulta do probatório, tendo presente o cotejo da factualidade provada nas alíneas G) a I), O) e S), todos os documentos que integram a proposta da Autora foram assinados por «AA» - sócio gerente da Autora - e o certificado digital qualificado que se mostra aposto nesses mesmos documentos é da titularidade de «AA» e foi emitido com o perfil de assinatura digital qualificada de representação coletiva, onde consta os dados do titular e os dados da entidade que representa, sendo que o certificado de qualidade se encontra atribuído à respetiva empresa.

Portanto, é caso para aplicar o artigo 3.º, n.ºs 2 e 3 do Decreto-Lei n.º 12/2021, de 09 de fevereiro, e para fazer funcionar a presunção de que:

a) A pessoa que apôs a assinatura eletrónica qualificada é o titular desta ou é representante, com poderes bastantes, da pessoa coletiva em causa;

b) A assinatura eletrónica qualificada foi aposta com a intenção de assinar o documento eletrónico;

c) O documento eletrónico não sofreu alteração desde que lhe foi aposta a assinatura eletrónica qualificada”.

No caso sub iudice o certificado de qualidade encontra-se atribuído à respetiva empresa ([SCom01...]), constituindo uma assinatura digital qualificada com perfil de representação coletiva, em que o certificado digital utilizado permite relacionar o assinante («AA») com a sua função, pois, do mesmo consta os dados do titular («AA») e os dados da entidade que representa ([SCom01...]), o que lhe confere poderes para assinar os documentos que integram a proposta, obrigando-a.

Pelo que, como decorre do artigo 57.º, n.º 4 do CCP, os documentos que instruem a proposta foram devidamente assinados pela Autora, tendo sido cumpridas as formalidades a que se reporta o artigo 62.º do CCP.

Neste sentido decidiu-se, também (com as devidas adaptações, por aplicação da presunção estabelecida no artigo 7.º, do DL 290-D/99, mas cujos considerandos e doutrina que daí dimana se mantêm no citado DL n.º 12/2021) nos Acórdãos do TCAS, de 12-09-2019, processo n.º 418/18.2BELSB e de 10-10-2029, processo n.º 398/18.4BELSB, e mais recentemente no Acórdão do TCAN, de 18-12-2020, processo 02481/19.0BELSB, todos consultáveis em www.dgsi.pt.

Não se verificam, pois, as causas de exclusão da proposta da Autora previstas no artigo 146.º, n.º 2 alíneas d) e e) do CCP, conjugado com os artigos 62.º e 57.º, n.º 4 do CCP e artigos 54.º e 68.º da Lei n.º 96/2015.

A Autora, na alínea b) do petitório pede a condenação da ED a “admitir a proposta apresentada pela A. no presente procedimento e, consequentemente, proferir decisão de adjudicação a seu favor (considerando a exclusão das demais propostas)”.

No caso em análise, conforme se estabeleceu no artigo 10.º, n.º 1 do PP “a adjudicação será efetuada segundo o critério da proposta economicamente mais vantajosa na modalidade multifator”, com um conjunto de fatores densificados de acordo a metodologia de avaliação de propostas que consta desse mesmo artigo 10.º, n.º 2.

O que sucede no caso é que todas as propostas apresentadas foram excluídas deste procedimento concursal, o que ditou a prática do ato ora impugnado de exclusão de todas as propostas e de revogação da decisão de contratar, ao abrigo ao abrigo do artigo 79.º, n.º 1, alínea b) do CCP, conforme se extrai das alíneas T) e U) do probatório, não tendo este Tribunal qualquer notícia (nem isso foi alegado por qualquer das partes) de que tal decisão de exclusão das demais propostas tenha sido questionada ou revertida.

Portanto, na situação vertente, considerando a informação de que este Tribunal dispõe nesta data (de que as restantes propostas foram excluídas deste Concurso) pese embora o critério de adjudicação seja o da “proposta economicamente mais vantajosa para a entidade adjudicante”, determinada pela modalidade do “multifator” [cf. artigo 10º do Programa do Procedimento], a adjudicação à Autora revela-se como a única atuação legalmente possível.

Assim, partindo daqui, sopesando que a decisão de revogação da decisão de contratar ora impugnada encontra o seu fundamento na exclusão de todas as propostas apresentadas a este Concurso, o que não deveria ter sucedido no caso da proposta da Autora; que a decisão de adjudicação é um dever do órgão competente para contratar (cf. artigos 36.º e 76.º do CCP), salvo as exceções previstas no artigo 79.º do CCP, no âmbito da reconstituição da situação jurídica que advém desta sentença anulatória (do ato de exclusão de todas as proposta do Concurso e de revogação da decisão de contratar) e de condenação da Entidade Demandada a admitir a proposta da Autora, impõe-se ao júri retomar o procedimento, no ponto em que propôs a exclusão da proposta da Autora, admitindo-a, e classificando-a, adjudicando o contrato à sua proposta, seguindo-se os demais termos legais. Nesta conformidade, a presente ação terá de proceder totalmente (…)”.

15. Discordando desta decisão judicial, o Recorrente impetra-lhe erro de julgamento de direito, como sabemos, por violação da normação prevista no n.º 4 dos artigo 57º, 62º, e 146º, n.º 2, alíneas e) e l) do CCP.

16. Estriba tal convicção no entendimento de que “(…) A autora obriga-se com a assinatura de dois gerentes, o que significa ser necessária a assinatura digital qualificada de ambos ou, em alternativa, que o gerente “não outorgante” delegue poderes para o ato, em concreto, ao submeter e ao assinar propostas em procedimentos de contratação pública no “gerente outorgante” através de documento autêntico ou documento particular autenticado (…), o que não ocorreu (…)”, pelo que “(…) Nos termos do previsto no n.º 4 do artigo 57.º [artigo 146.º, n.º 2, alínea e)], artigo 62.º [artigo 146.º, n.º 2, alínea l)], por força da não observância das formalidades relativas ao seu modo de apresentação fixadas no CCP, a proposta da recorrida, por violação do princípio da legalidade, tem de ser excluída (…)”.

17. Adiante-se, desde já, que a razão está do seu lado.

18. Na verdade, no que para o que aqui releva, cabe notar que o artigo 3º do DL n.º 12/2021, de 09 de fevereiro - que assegura a execução na ordem jurídica interna do Regulamento (UE) 910/2014, relativo à identificação eletrónica e aos serviços de confiança para as transações eletrónicas no mercado interno -, preceitua o seguinte: “(…)

CAPÍTULO II

Documentos eletrónicos

Artigo 3.º

Forma e força probatória

1 - O documento eletrónico satisfaz o requisito legal de forma escrita quando o seu conteúdo seja suscetível de representação como declaração escrita.

2 - A aposição de uma assinatura eletrónica qualificada a um documento eletrónico equivale à assinatura autógrafa dos documentos com forma escrita sobre suporte de papel e cria a presunção de que:

a) A pessoa que apôs a assinatura eletrónica qualificada é o titular desta ou é representante, com poderes bastantes, da pessoa coletiva em causa;

b) A assinatura eletrónica qualificada foi aposta com a intenção de assinar o documento eletrónico;

c) O documento eletrónico não sofreu alteração desde que lhe foi aposta a assinatura eletrónica qualificada.

3 - A assinatura eletrónica qualificada deve referir-se inequivocamente a uma só pessoa singular ou representante da pessoa coletiva e ao documento ao qual é aposta.

4 - A aposição de assinatura eletrónica qualificada que conste de certificado que esteja revogado, caduco ou suspenso na data da aposição, ou não respeite as condições dele constantes, equivale à falta de assinatura, sendo o documento apreciado nos termos do n.º 10.

5 - Quando lhe seja aposta uma assinatura eletrónica qualificada, o documento eletrónico com o conteúdo referido no n.º 1 tem a força probatória de documento particular assinado, nos termos do artigo 376.º do Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47 344, de 25 de novembro de 1966, na sua redação atual.

6 - Quando lhe seja aposta uma assinatura eletrónica qualificada, o documento eletrónico cujo conteúdo não seja suscetível de representação como declaração escrita tem a força probatória prevista no artigo 368.º do Código Civil e no artigo 167.º do Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de fevereiro, na sua redação atual.

7 - A aposição de um selo eletrónico qualificado faz presumir, nos termos do n.º 2 do artigo 35.º do Regulamento, a origem e a integridade do documento eletrónico.

8 - A aposição de um selo temporal qualificado faz presumir, nos termos do n.º 2 do artigo 41.º do Regulamento, a exatidão da data e hora por ele indicados e a integridade do documento eletrónico.

9 - O disposto nos números anteriores não obsta à utilização de outro meio de identificação eletrónica, de comprovação da integridade, de correção da origem dos dados ou ainda de atestação temporal de documentos eletrónicos, incluindo outras modalidades de assinatura eletrónica, desde que tal meio seja adotado pelas partes ao abrigo de válida convenção sobre prova ou seja aceite pela pessoa a quem for oposto o documento.

10 - Salvo disposição especial, o valor probatório dos documentos eletrónicos não associados a serviços de confiança qualificados é apreciado nos termos gerais do direito.

11 - As cópias de documentos eletrónicos, sobre idêntico ou diferente tipo de suporte que não permita a verificação e validação das assinaturas eletrónicas ou dos selos eletrónicos, são válidas e eficazes nos termos gerais de direito e têm a força probatória atribuída às cópias fotográficas pelo n.º 2 do artigo 387.º do Código Civil e pelo artigo 168.º do Código de Processo Penal, caso sejam observados os requisitos aí previstos.

19. A leitura do preceito de lei ordinária ora transcrito revela-nos, para o que ora nos interessa, que a aposição de uma assinatura eletrónica qualificada válida a um documento eletrónico equivale à assinatura autógrafa dos documentos com forma escrita sobre suporte de papel e cria a presunção de que a pessoa que apôs a assinatura eletrónica qualificada é o titular desta ou é representante, com poderes bastantes, da pessoa coletiva em causa.

20. As presunções, como nos ensinam P. Lima e A. Varela, in C.C. Anotado, vol. I, 3ª edição, página 310, “(…) são meios de prova por sua natureza falíveis, precários, cuja força persuasiva pode, por isso mesmo, ser afastada por simples contra prova (…)”.

21. Entendemos que, na salvaguarda da presunção da titularidade dos poderes representativos da pessoa que apôs a assinatura eletrónica qualificada, que tal facto presumido só poderá ser afastado mediante a aquisição, a partir do contrato social da pessoa coletiva em apreço, de realidade antagónica que sobreleve à mesma.

22. Cientes destas premissas fundamentais, avancemos agora para uma análise meticulosa das especificidades deste caso em particular, as quais podem ser resumidas, para o que ora nos interessa, da seguinte maneira:

(i) A Autora apresentou proposta a concurso, que instruiu com os seguintes documentos: (i.1) Proposta de preço; (i.2) Declaração de Aceitação do Conteúdo do Caderno de Encargos; (i.3) Certidão permanente; (i.4) Portfolio da Empresa; e (i.5) Fichas Técnicas.

(ii) Nos mencionados documentos (i.1) a (i.5) foi aposta a seguinte assinatura eletrónica qualificada:


[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(iii) A gerência da sociedade Comercial [SCom01...]. Lda., é composta pelos seguintes gerentes: (iii.1) «BB»; (iii.2) «AA» e (iii.3) «CC».

(iv) A dita [SCom01...], Lda. obriga-se mediante a assinatura de dois gerentes.

23. Perante estes dados de facto, é nosso entendimento que o facto presumido da titularidade dos poderes de representação por parte de «AA» fica fortemente abalado.

24. Na verdade, a certidão permanente, sendo um documento público emitido pela Conservatória do Registo Comercial, faz prova plena dos factos nela constantes, nomeadamente da exigência de intervenção conjunta de dois gerentes para vincular a sociedade.

25. Assim, mesmo que um gerente tenha aposto assinatura eletrónica qualificada, se a certidão permanente exigir a intervenção de outro gerente, essa assinatura não vinculará a sociedade, por falta de poderes representativos bastantes daquele gerente.

26. É certo que a assinatura eletrónica qualificada de «AA» contém a menção de “Representante da sociedade da [SCom01...]”.

27. Contudo, à luz do contrato social da pessoa coletiva em apreço em menção, é de manifesta evidência que tal menção, por si só, é manifestamente insuficiente para atestar a qualidade do apontado gerente como detentor de poderes de representação da [SCom01...] em procedimentos concursais.

28. De facto, impunha-se a comprovação complementar da menção aposta na assinatura eletrónica qualificada, só atingível com a apresentação de uma declaração societária a atestar tal qualidade para efeitos concursais.

29. Este também foi o entendimento do júri concursal quando entendeu solicitar esclarecimentos à proposta da Autora no sentido da “ (…) junção de declaração de ratificação devidamente assinada e limitada aos documentos já submetidos de acordo com a alínea c) do n.º 3 do artigo 72.º do Código dos Contratos Públicos (…)”.

30. Como a Autora não apresentou tal declaração societária, e não sendo esta substituível por uma qualquer declaração da entidade certificadora a atestar a existência de poderes delegados, deve entender-se que aquela presunção foi ilidida, ficando o júri concursal colocado perante a evidência de que a proposta foi apresentada e assinada com assinatura digital qualificada por alguém que não revelava atribuir poderes para o efeito.

31. O que conduz à exclusão da proposta face ao incumprimento do disposto no nº 4 do artigo 57.º e do artigo 62º do CCP, nos termos expressos no artigo 146.º, nº 2, als. d) e l) do mesmo diploma.

32. Refira-se que nada disto bule com a aquisição processual de que “Os documentos que integram a proposta da Autora, Proposta de preço; Declaração de Aceitação do Conteúdo do Caderno de Encargos; e Portfolio da Empresa foram assinados manualmente por dois sócios gerentes, «AA» e «BB»” [cfr. alínea j) do probatório].

33. Na verdade, dispõe o artigo 54º da Lei n.º 96/2015, de 17 de agosto, sob a epígrafe “Assinaturas eletrónicas”, que: “(…) 1 - Os documentos submetidos na plataforma eletrónica, pelas entidades adjudicantes e pelos operadores económicos, devem ser assinados com recurso a assinatura eletrónica qualificada, nos termos dos nºs. 2 a 6.

34. Pese embora seja admissível a assinatura manuscrita nos documentos que instruem a proposta, exige-se que os mesmos sejam digitalmente assinados por pessoa com poderes para submeter eletronicamente a proposta na plataforma eletrónica [vide, neste sentido, Vera Eiró, Quem não sabe assinar não pode participar? Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (1ª Secção) de 9.4.2014, P. 40/14, in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 108, Nov.-Dez. 2014, pág. 40].

35. Neste diapasão, e face à evidência supra patenteada, não é admitir a regularidade da assinatura manuscrita dos documentos que instruem a proposta, sob pena de fraude à lei e subversão do regime legal instituído.

36. Aqui chegados, é tempo de concluir que não se antolham quaisquer fundamentos válidos para desintegrar juridicamente a decisão da Administração de exclusão da proposta da Autora, aqui Recorrida, visado nos autos nos termos e com o alcance que se mostram explicitados no ato impugnado.

37. A sentença recorrida, ao assim não o entender, interpretou mal e violou o regime jurídico aplicável, não podendo, por isso, manter-se.

38. Assim deriva, naturalmente, que se conceder provimento ao presente recurso, devendo-se revogar a decisão judicial recorrida, e julgar improcedente a presente ação.

39. Ao que se provirá no dispositivo.

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V – DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam em conferência os Juízes da Subsecção de Contratos Públicos da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em CONCEDER PROVIMENTO ao recurso jurisdicional, revogar a sentença recorrida e julgar a presente ação improcedente.

Custas do recurso e da ação pela Autora, aqui Recorrida.

Registe e Notifique-se.


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Porto, 15 de março de 2024,

Ricardo de Oliveira e Sousa

Helena Maria Mesquita Ribeiro


Clara Ambrósio