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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00197/22.9BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/05/2024
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:MARIA FERNANDA ANTUNES APARÍCIO DUARTE BRANDÃO
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA; MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA;
COMPENSAÇÃO ESPECIAL PREVISTA NO DECRETO LEI 113/2005, DE 13 DE JULHO;
EXERCÍCIO DA FUNÇÃO POLICIAL OU DE SEGURANÇA; ACIDENTE DE TRABALHO;
INCAPACIDADE PERMANENTE ABSOLUTA PARA O EXERCÍCIO DAS FUNÇÕES EXERCIDAS;
PROCEDÊNCIA DA ACÇÃO;
NÃO PROVIMENTO DO RECURSO;
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte -Subsecção Social-:

RELATÓRIO
«AA» instaurou Acção Administrativa contra o MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA, ambos melhor identificados nos autos, peticionando a condenação deste a reconhecer-lhe o direito à compensação especial prevista no decreto lei 113/2005, de 13 de julho, seguindo-se os demais trâmites para concretização daquele direito.
Por requerimento de fls. 473 do sitaf o Autor requereu a ampliação da instância com vista a atingir o acto de indeferimento proferido pela Entidade Demandada já na pendência destes autos, formulando a seguinte pretensão:
“Deve a presente ação ser julgada procedente por provada e, em consequência, ser anulado o ato que se impugna, reconhecendo-se ao autor o direito à compensação especial por incapacidade permanente para todo o serviço da PSP.
Mais deve ser aquela entidade condenada no pagamento de juros à taxa legal sobre o capital da compensação especial, a contar da citação e até efetivo e integral pagamento”.
Por despacho de 07.07.2022, foi admitida a alteração da instância, nos termos previstos no art.º 70.º do CPTA, prosseguindo os presentes autos para a apreciação da pretensão do Autor apresentada no seguimento do acto de indeferimento.
Por decisão proferida pelo TAF de Penafiel foi julgada procedente a acção e reconhecido ao Autor o direito à compensação especial prevista no Decreto-lei nº 113/2005, com todas as devidas e legais consequências.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, a Entidade Demandada formulou as seguintes conclusões:

I. A Douta Sentença Recorrida, salvo o devido respeito, padece de erro de julgamento, na medida em que, contrariamente ao que ali se decidiu, o ora Recorrido não reúne os requisitos para que lhe seja atribuída a compensação especial por invalidez permanente ao abrigo do regime previsto no Decreto-Lei n.º 113/2005, de 13 de julho, pois foi-lhe atribuída uma Incapacidade Permanente Parcial de 30%, e não uma incapacidade permanente absoluta;

II. O Tribunal a quo conclui que o conceito de invalidez permanente a que alude o Decreto-Lei n.º 113/2005, de 13 de julho, aplica-se bastando-se com uma situação de incapacidade permanente absoluta para o exercício das funções.

III. Ora, o Ministério não pode concordar com esta posição, sendo que, ao invés, são requisitos da atribuição da compensação especial a morte ou a invalidez permanente, devendo esta ser entendida como incapacidade permanente absoluta de todo e qualquer trabalho;

IV. O Decreto-Lei n.º 113/2005, de 13 de julho, contém um regime de compensação especial por invalidez permanente ou morte diretamente decorrente dos riscos próprios da atividade policial ou de segurança;

V. O Recorrido tem a pretensão de ser abrangido pelo regime especial de compensação por invalidez permanente, sem prejuízo ou diminuição de outros direitos resultantes da aplicação de outras normas legais em vigor, conforme o n.º 4 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 113/2005, de 13 de julho, por ter sido vítima de acidente em 19-09-2023 qualificado como ocorrido em serviço, do qual resultaram lesões que determinaram que fosse considerado incapaz para todo o serviço da PSP, por deliberação da Junta Superior de Saúde da PSP realizada em 12-02-2019, tendo consequentemente sido aposentado;

VI. A Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações (CGA) confirmou uma Incapacidade Permanente Parcial (IPP) de 30%, homologada por despacho da Direção dessa mesma CGA, em 15.02.2019, acrescentando que: e das lesões apresentadas não resultou uma incapacidade permanente absoluta de todo e qualquer trabalho.

VII. Do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 113/2005 resulta claramente que esta compensação especial apenas diz respeito a uma invalidez permanente, exigência repetida nos artigos 4.º e 5.º deste diploma legal;

VIII. Decerto que este diploma legal não define o que se entende por invalidez permanente, contudo, o Parecer n.º 25/2014 da Procuradoria Geral da República1, homologado por despacho da Ministra da Administração Interna, de 2 de outubro de 2015, cujas conclusões são obrigatoriamente assumidas pela Administração, por força do n.º 1 do artigo 43.º do Estatuto do Ministério Público, procedeu a estudo criterioso do regime legal do direito a compensação especial por invalidez permanente ou morte diretamente decorrente dos riscos próprios da atividade policial ou de segurança e sua conexão com outros regimes, designadamente, do acidente em serviço, concluindo fundamentadamente que “o desiderato da compensação especial prevista no Decreto-Lei n.º 113/2005, é reforçar o apoio ao incapacitado ou à sua família perante a súbita perda de rendimentos do trabalho decorrente dos riscos próprios da atividade policial ou de segurança”, pelo que “são requisitos da atribuição da compensação especial a morte ou a invalidez permanente, devendo esta ser entendida como incapacidade permanente absoluta.”

IX. Os pareceres do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República têm natureza vinculativa para todos os serviços dependentes do Ministério em causa, após a respetiva homologação do membro do governo respetivo.

X. O Ministério entende que a mencionada “Invalidez Permanente” não pode ser sinónimo de Incapacidade Permanente Parcial (IPP), como já referido anteriormente, uma vez que o Decreto-Lei n.º 113/2005 visa e tem por finalidade compensar financeiramente as situações incapacitantes mais gravosas decorrentes da atividade policial.

XI. Quanto ao conceito de “invalidez permanente”, plasmado no regime jurídico aqui em análise, entendemos que o mesmo não poderá ser interpretado como sinónimo de Incapacidade Permanente Parcial (IPP), uma vez que o mencionado regime visa e tem por finalidade compensar financeiramente as situações incapacitantes mais gravosas decorrentes da atividade policial;

XII. Julgamos, salvo melhor opinião, que a ratio legis do legislador não foi proceder à compensação da mesma forma de todas as situações decorrentes de uma atividade policial da qual resulte a atribuição de uma IPP, uma vez que a reparação dessas situações já se encontra prevista e regulada pelo Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro;

XIII. De acordo com o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 113/2005, de 13 de julho, o regime da Compensação Especial por Morte e Invalidez Permanente, substitui, na prática, um seguro;

XIV. A expressão “invalidez permanente”, no contexto do mencionado artigo 1.º do diploma legal em referência, significa, apenas, invalidez permanente absoluta, não abrangendo os casos de incapacidade permanente parcial;

XV. Mais, se atentarmos na forma de cálculo da referida Compensação para os casos de Invalidez Permanente, prevista no artigo 4.º, do sobredito diploma legal, verifica-se que a natureza da Incapacidade não é tida em conta para o apuramento do montante a conceder, ao contrário de outros regimes legais, nos quais as indemnizações destinadas a compensar as vítimas de infortúnio laboral, pela perda ou redução permanente da capacidade de trabalho ou ganho, são graduadas de acordo com a natureza e grau de incapacidade atribuída;

XVI. O facto de lhe ter sido reconhecido acidente ocorrido em serviço e de lhe ter sido atribuído um grau de 30% de IPP não constitui, só por si, razões bastantes que lhe confiram o direito à compensação especial prevista pelo Decreto-Lei n.º 113/2005, de 13 de julho, pois não se poderá confundir uma situação de Incapacidade Permanente Parcial com uma situação de Invalidez Permanente, ou seja, na primeira existe sempre uma capacidade geral de ganho restante, ao contrário da invalidez permanente que reveste o carácter de incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho;

XVII. Por outro lado, acresce salientar que esta compensação especial só é atribuível por invalidez permanente ou morte diretamente decorrente dos riscos próprios da atividade policial ou de segurança;

XVIII. De acordo com o disposto no n.º 4 do seu artigo 7.º, a aplicação do Decreto-Lei n.º 113/2005 não prejudica ou diminui outros direitos resultantes da aplicação de outras normas legais em vigor em tudo o que ali não se encontre especialmente regulado;

XIX. O desiderato da mencionada compensação especial é reforçar o apoio ao incapacitado ou à sua família perante a súbita perda de rendimentos do trabalho decorrente dos riscos próprios da atividade policial ou de segurança;

XX. A compensação especial tem natureza suplementar, substituindo, na prática, um seguro;

XXI. São requisitos da atribuição da compensação especial a morte ou a invalidez permanente, devendo esta ser entendida como incapacidade permanente absoluta;
XXII. Com efeito, no cálculo da compensação especial por invalidez permanente não é considerada a situação de incapacidade parcial;

XXIII. Na incapacidade permanente absoluta deve considerar-se a situação que se traduz numa desvalorização permanente do agente para o exercício de todo e qualquer trabalho;

XXIV. Ora, neste processo, como repete insistentemente o Recorrido, a Junta Médica da CGA atribuiu-lhe uma Incapacidade Permanente Parcial (IPP) de 30%, e não uma incapacidade permanente absoluta;

XXV. Face ao que antecede, entendemos que o regime de Compensação Especial por Morte ou Invalidez Permanente pretendeu regular e compensar financeiramente, única e exclusivamente, aquelas situações extremas - morte e invalidez permanente - pelo que, o conceito de Invalidez Permanente a que se refere o Decreto-Lei n.º 113/2005, de 13 de julho, se deve reconduzir àquelas situações em que a incapacidade permanente impede o agente policial de exercer toda e qualquer atividade profissional, traduzida na perda efetiva e permanente da capacidade de trabalho e/ou de ganho, em resultado da qual venha a ser declarado, em sede de junta médica, incapaz para todo e qualquer trabalho, na sequência de acidente em serviço, decorrente dos perigos próprios da atividade policial ou de segurança;

XXVI. Contudo, tendo-lhe sido atribuída uma incapacidade permanente parcial (IPP) e não uma incapacidade permanente absoluta (IPA), não estão reunidos os requisitos necessários para que o ora Recorrido possa beneficiar da compensação especial por invalidez permanente;

XXVII. Assim, pese embora o nexo de causalidade estabelecido entre o risco inerente ao exercício da função policial ou de segurança, no acidente de trabalho de que o ora Recorrido foi vítima, mas não lhe tendo sido atribuída uma incapacidade permanente absoluta (IPA), entendemos, salvo entendimento diverso deste Venerando Tribunal, que não se encontra preenchido o conceito de invalidez permanente, ao abrigo do regime previsto no Decreto-Lei n.º 113/2005, de 13 de julho, não conferindo, assim, o direito à Compensação Especial por Invalidez Permanente, conforme peticionado;

XXVIII. Assim, cremos que não se encontram reunidas as condições e quesitos necessários para a atribuição da compensação especial por invalidez permanente, ora peticionada, pois a incapacidade permanente verificada não reveste natureza absoluta para o exercício de todo e qualquer trabalho;
XXIX. Atento o descrito, e contrariamente ao entendido pelo Tribunal a quo, pode concluir-se com segurança que não estão reunidos os requisitos exigidos pelo Decreto-Lei n.º 113/2005, de 13 de julho, para que o ora Recorrido, possa usufruir da compensação especial por invalidez permanente, conforme determinado.

TERMOS EM QUE, NOS MELHORES DE DIREITO E SEMPRE COM O SUPRIMENTO, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE E, EM CONSEQUÊNCIA, DEVERÁ SER REVOGADA A, ALIÁS, DOUTA SENTENÇA, DE 18 DE FEVEREIRO DE 2024, ORA RECORRIDA, QUE PADECE DE ERRO DE JULGAMENTO.
O Autor juntou contra-alegações, concluindo:
1 – Diferentemente do que alega o Recorrente, a junta médica da Caixa Geral de Aposentações (CGA) não se limitou a confirmar uma incapacidade permanente parcial de 30% e a considerar que das lesões apresentadas não resultou uma incapacidade permanente absoluta de todo e qualquer trabalho, pois que também considerou que das lesões apresentadas resultou uma incapacidade permanente absoluta para o exercício das suas funções, cfr. ponto G dos factos provados!

2 - Apesar de o Parecer 25/2014, cujas conclusões são obrigatoriamente assumidas pela Administração, já que vinculativas para todos os serviços dependentes do Ministério em causa, ser claro e inequívoco quanto à interpretação a dar ao conceito de invalidez permanente para efeitos de atribuição da compensação especial prevista no DL 113/2005, a entidade demandada ignora-as e ainda tem a desfaçatez de dizer que se escuda nas mesmas!

3 - Naquele Parecer consta, expressamente, que na situação de incapacidade permanente absoluta se deve considerar a impossibilidade permanente do trabalhador para o exercício das suas funções habituais ou de todo e qualquer trabalho - cfr. ponto VI do Parecer (DR., 2ª série, nº 213, de 30/10/2015, pág. 31377) - e que a incapacidade permanente absoluta deve considerar-se a situação que se traduz numa desvalorização permanente do militar ou agente para o exercício das suas funções habituais ou de todo e qualquer trabalho - ponto VII, pág. 8 do Parecer, (Conclusões), 7º.

4 - Como acaba de demonstrar-se, o próprio Parecer da Procuradoria-Geral da República, ao qual a entidade demandada assume estar vinculada, considera que a incapacidade permanente absoluta é aquela que se traduz numa desvalorização permanente do agente para o exercício das suas funções habituais, ou de todo e qualquer trabalho.

5 - Pelo que os pressupostos do direito à compensação especial previsto no DL 113/2005, estão preenchidos, na medida em que: o acidente resultou de um risco próprio da atividade policial ou de segurança, e o agente/sinistrado ficou a padecer de uma incapacidade permanente para o exercício das suas funções habituais.

TERMOS EM QUE DEVE NEGAR-SE PROVIMENTO AO RECURSO.
O Senhor Procurador Geral Adjunto notificado, nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.

Cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
A. O Autor foi agente da PSP, encontrando-se actualmente aposentado – facto não controvertido.
B. O Autor prestava serviço no Comando Metropolitano da PSP do Porto – facto não controvertido.
C. No âmbito das suas funções policias, pelas 21H50 do dia 19.09.2013, na Rua ..., ..., foi vítima de agressão por um doente do foro psiquiátrico quando auxiliava os Bombeiros, no seu transporte para o Hospital ... - facto não controvertido.
D. No dia 19 de setembro de 2013, pelas 21H50, na Rua ..., em ..., quando se encontrava de serviço de patrulha à área da esquadra, foi-lhe comunicado pela central rádio para contactar os Bombeiros Voluntários ..., para auxílio na abordagem de um cidadão suspeito de ser portador de anomalia psíquica grave - cfr. PA.
E. No decurso da referida abordagem, o cidadão «BB» agrediu o requerente com dois socos na mão direita e na região frontoparietal, tendo sido assistido no Hospital ..., no ... sob o episódio clínico n.º ...20 - cfr. PA.
F. Foi-lhe organizado o respetivo processo de sanidade e o acidente foi qualificado como acidente em serviço, por despacho de 27.11.2013, do Exmo. Comandante Metropolitano de Polícia do Porto - cfr. PA.
G. Em consequência desse mesmo acidente de serviço, a Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações, de 12.02.2019 e homologada em 15.02.2019, deliberou:
- que das lesões apresentadas resulta uma incapacidade permanente absoluta para o exercício das suas funções;
- que das lesões apresentadas não resulta uma incapacidade permanente absoluta de todo e qualquer trabalho;
- que das lesões apresentadas resulta uma incapacidade permanente parcial, de 30%. - cfr. doc. n.º 1 da p.i.
H. Por ofício datado de 19.02.2019, remetido pela Caixa Geral de Aposentações, foi comunicado aos serviços da PSP o seguinte que ora se transcreve na parte que releva:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
- cfr. PA.
I. Por decisão proferida pelo Ministro da Administração Interna, de 04.06.2021, foi determinada a instauração do processo de inquérito NUP2021PRT00024DIV, para atribuição da compensação especial por invalidez permanente requerida nos termos do Decreto-Lei n.º 113/2005, de 13 de julho – cfr. PA.
J. Por despacho exarado em 19.04.2022, do Ministro da Administração Interna, foi indeferido o pedido formulado pelo Autor para atribuição da compensação especial por invalidez permanente requerida nos termos do Decreto-Lei n.º 113/2005, de 13 de julho, com o seguinte teor que ora se transcreve na parte que releva:
“Agente Principal da Polícia de Segurança Pública (PSP), aposentado, ...57, «AA» peticionou a atribuição de compensação especial por invalidez permanente, com fundamento na incapacidade parcial que lhe foi fixada, em resultado da agressão de que foi objeto, em serviço, no dia 19/09/2013.
Conforme resulta do teor do Parecer N.° 89-PM/2022, apresentado pela Direção de Serviços de Assessoria Jurídica, Contencioso e Política Legislativa (DSAJCPL) da Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna (SGMAI), para o qual seremete por uma questão de economia do presente Despacho, a atribuição de compensação especial por invalidez permanente encontra-se regulada no Decreto-Lei n.° 113/2005, de 13 de junho, cujo artigo 1.° estabelece que "Os militares da Guarda Nacional Republicana, o pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública, o pessoal militarizado da Polícia Marítima, o pessoal da carreira de investigação e fiscalização do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, o pessoal do Corpo da Guarda Prisional e o pessoal do Corpo Nacional da Guarda Florestal têm direito a uma compensação especial por invalidez permanente ou morte directamente decorrente dos riscos próprios da actividade policial ou de segurança".
Resulta, assim, do citado preceito normativo a exigência de um nexo de causalidade entre o evento que originou o grau de invalidez permanente e os riscos inerentes ou específicos da função policial.
Tal como explicitado no sobredito Parecer da DSAJCPL, no caso em apreço, tal nexo de causalidade encontra-se inequivocamente demonstrado, porquanto o ora requerente, no dia 19/09/20, no decurso de uma ação policial, foi agredido por um suspeito de anomalia psíquica grave, tendo tal evento sido qualificado como acidente de trabalho.
Todavia, para efeitos de atribuição da compensação especial prevista no Decreto-Lei n.° 113/2015, para além do nexo de causalidade, importa que tenha sido fixada uma invalidez permanente, o que não se verificou relativamente ao ora requerente, porquanto ao mesmo foi atribuída uma incapacidade parcial permanente.
Com efeito, quero preâmbulo do Decreto-Lei n.° 113/2005, de 13 de julho, quer os artigos 1.°, 4.° e 5.° do referido diploma legal, explicitam que a compensação especial prevista no mesmo, apenas poderá ser devida nos casos de invalidez permanente.
Não obstante o sobredito preceito normativo não concretizar o conceito de invalidez permanente, o mesmo resulta do Parecer n.° 25/2014, do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da Republica, segundo o qual "(...) a invalidez permanente não pode ser sinónimo de incapacidade parcial permanente, uma vez que o Decreto-Lei n. ° 113/2005, visa e tem por finalidade compensar financeiramente as situações mais gravosas decorrentes da atividade policial e não as situações decorrentes de atividade policial, da qual resulte a atribuição de uma IPP (...)".
Tal como advoga a DSAJCPL, resulta que não se encontram reunidos os requisitos, legalmente tipificados, para a atribuição de compensação especial por invalidez permanente, ao abrigo do Decreto-Lei n.° 113/2005, de 13 de julho, ao Agente Principal (aposentado) «AA», pelo que, nos termos e com os fundamentos supra enunciados, e ainda os aduzidos no Parecer N.° 89-PM/2022, da DSAJCPL, que se dão aqui por reproduzidos, indefiro o pedido em análise.
Oficie-se a PSP para atuação em conformidade, nomeadamente notificação do ora requerente e do respetivo mandatário” – cfr. PA
DE DIREITO
É pelas conclusões do recurso que se delimita o conhecimento do mesmo.
Assim,
O Recorrente entende que a atribuição da compensação especial prevista no DL 113/2005, de 13 de julho, é devida apenas em caso de incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, ou morte.
Alega que a junta médica da Caixa Geral de Aposentações (CGA) confirmou uma incapacidade permanente parcial de 30% e considerou que das lesões apresentadas não resultou uma incapacidade permanente absoluta de todo e qualquer trabalho.
O probatório não vem posto em causa.
Ora, aquela mesma junta médica considerou que das lesões apresentadas resultou uma incapacidade permanente absoluta para o exercício das suas funções - cfr. ponto G dos factos provados.
Aliás, a própria Junta Superior de Saúde da PSP, órgão administrativo sob a alçada do MAI e ao serviço do qual o Recorrido sofreu o acidente, considerou-o incapaz para todo o serviço da PSP.
Alega o Recorrente que a interpretação do DL 113/2005, nomeadamente no que concerne ao conceito de invalidez permanente, terá de ser a do Parecer da Procuradoria-Geral da República n.º 25/2014, que foi homologado pela então Ministra da Administração Interna em 02/10/2015, que veio esclarecer a natureza e os requisitos da referida compensação, uma vez que as suas conclusões são obrigatoriamente assumidas pela Administração, já que são vinculativas para todos os serviços dependentes do Ministério em causa.
Vejamos,
Pág. 8, ponto VI do Parecer (DR., 2ª série, nº 213, de 30/10/2015, pág. 31377)
“No que concerne à compensação especial prevista no Decreto-Lei n.º 113/2005, a interpretação sistemática - teleológica implica que a sua atribuição deverá ter lugar em caso de morte ou de invalidez permanente absoluta do beneficiário.
Importará, ainda, frisar que nesta situação - incapacidade permanente absoluta - se deve considerar a impossibilidade permanente do trabalhador para o exercício das suas funções habituais ou de todo e qualquer trabalho. Atende-se, aqui, ao conceito operativo de incapacidade permanente absoluta fixado no Decreto-Lei n.º 503/99 [cf. alínea m) do n.º 1 do artigo 3.º supra reproduzido].
E acrescente-se que não se vê fundamento para se entender de forma diferente.
Aliás, também no artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 503/99 se considera a incapacidade permanente absoluta, não se diferenciando a incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (41)”.
Ponto VII, pág. 8 do Parecer, (Conclusões)
“(...)
4.º A compensação especial tem natureza suplementar, substituindo, na prática, um seguro;
5.º - São requisitos da atribuição da compensação especial a morte ou invalidez permanente, devendo esta ser entendida como incapacidade permanente absoluta;
(...)7.º Na incapacidade permanente absoluta deve considerar-se a situação que se traduz numa desvalorização permanente do militar ou agente para o exercício das suas funções habituais ou de todo e qualquer trabalho;
(...)”.
Assim, o próprio Parecer da Procuradoria-Geral da República, ao qual a Entidade Demandada assume estar vinculada, considera que a incapacidade permanente absoluta é aquela que se traduz numa desvalorização permanente do agente para o exercício das suas funções habituais, ou de todo e qualquer trabalho.
Pelo que os pressupostos do direito à compensação especial previsto no DL 113/2005, estão preenchidos, na medida em que: o acidente resultou de um risco próprio da atividade policial ou de segurança, e o agente/sinistrado ficou a padecer de uma incapacidade permanente para o exercício das suas funções habituais.
Em suma,
Como referido na sentença:
Nos presentes autos, não está em causa saber se existe efectivamente nexo de causalidade entre o risco da função prestada pelo Autor e o acidente de que foi vítima, mas antes o preenchimento do requisito de incapacidade permanente, visto que o nexo de causalidade foi reconhecido no âmbito do despacho de indeferimento, dando-se como assente que se verifica esse requisito, o que torna supérfluo formular adicionais considerações quanto a esse pressuposto.
A questão que importa apreciar e decidir passar por saber se o Autor padece de invalidez permanente, à luz do Decreto-lei nº 113/2005, de 13 de julho, importando deslindar o seu significado.
Tal como as partes chamam à colação tal parecer para sustentar as suas posições, também o Tribunal se socorre e subscreve a posição sufragada no parecer consultivo da procuradoria geral da república, de 05.03.2015,
https://www.dgsi.pt/pgrp.nsf/f1cdb56ced3fdd9f802568c0004061b6/c9dcf5d635db9b4180257d1d0034ec15?OpenDocument, que, de forma judiciosa, aborda o significado da expressão invalidez permanente conforme vem expresso no Decreto-lei nº 113/2005.
No referido parecer sumariou-se o seguinte:
“1.ª ‒ O Decreto-Lei n.º 113/2005, de 13 de julho, contém um regime de compensação especial por invalidez permanente ou morte diretamente decorrente dos riscos próprios da atividade policial ou de segurança;
2.ª - De acordo com o disposto no n.° 4 do seu artigo 7.º, a aplicação do Decreto-Lei n.º 113/2005 não prejudica ou diminui outros direitos resultantes da aplicação de outras normas legais em vigor em tudo o que ali não se encontre especialmente regulado;
3.ª - O desiderato da compensação especial prevista no Decreto-Lei n.º 113/2005 é reforçar o apoio ao incapacitado ou à sua família perante a súbita perda de rendimentos do trabalho decorrente dos riscos próprios da atividade policial ou de segurança;
4.ª - A compensação especial tem natureza suplementar, substituindo, na prática, um seguro;
5.ª - São requisitos da atribuição da compensação especial a morte ou a invalidez permanente, devendo esta ser entendida como incapacidade permanente absoluta;
6.ª - Com efeito, no cálculo da compensação por invalidez permanente não é considerada a situação de incapacidade parcial;
7.ª - Na incapacidade permanente absoluta deve considerar--se a situação que se traduz numa desvalorização permanente do militar ou agente para o exercício das suas funções habituais ou de todo e qualquer trabalho;
8.ª - O normativo atinente à compensação especial é de aplicação cumulativa com o regime estabelecido no Decreto-Lei n.° 503/99, de 20 de novembro - que aprovou o novo regime jurídico dos acidentes em serviço e das doenças profissionais no âmbito da Administração Pública;
9.ª - Assim, os elementos das forças policiais ou de segurança, em situação de incapacidade permanente absoluta diretamente decorrente dos riscos próprios da sua atividade, têm direito à compensação especial prevista no Decreto-Lei n.º 113/2005 e bem assim às pensões e outras prestações previstas no Decreto-Lei n.º 503/99, incluindo o subsídio por incapacidade permanente absoluta contido no artigo 37.°” – realce nosso.
Em particular, nesse parecer ponderou-se, com pertinência, o seguinte:
“4.2. No caso vertente, parece, justamente, que é de proceder a uma interpretação restritiva.
Senão vejamos.
O Decreto-Lei n.º 113/2005, como se realçou, não distingue entre incapacidade absoluta e incapacidade parcial.
Aliás, o uso da expressão invalidez permanente poderia até sugerir tratar-se de situações de incapacidade geral, entendida esta como aquela que «por razões físicas, intelectuais ou mentais desligadas da função exercida, impede o subscritor de continuar a dar o seu contributo ao serviço público que por profissão abraçou»[38] [39].
Todavia, por um lado, o termo invalidez não é unívoco.
E, por outro lado, a conexão que aquele diploma estabelece com os riscos próprios da atividade policial ou de segurança remete--nos antes para a situação de incapacidade específica resultante de acidente de trabalho ou de doença profissional.
Mas, assim sendo, para efeitos de atribuição da compensação especial, deverão ser consideradas as situações de incapacidade absoluta ou todas as situações de incapacidade, ou seja também as situações de incapacidade parcial?
Ora, apesar de a expressão invalidez permanente não ter a significação a que acima aludimos de incapacidade geral, a utilização do termo invalidez poderá querer inculcar uma situação de incapacidade absoluta.
Acresce, a nosso ver, decisivamente, que na fórmula de cálculo da compensação por invalidez permanente não é considerado como fator de ponderação o grau de incapacidade.
Ao invés, diga-se, do que acontece, por exemplo, relativamente ao subsídio previsto no artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 503/99.
Com efeito, na compensação especial por invalidez permanente, o limite máximo, que, como já se frisou, é igual ao valor da compensação por morte, é alcançado, adicionando ao valor mínimo, por cada ano de serviço que o agente ou militar ainda pudesse prestar, o produto do índice 2,8 pelo valor da retribuição mínima mensal garantida.
Não se vislumbra, pois, que uma incapacidade parcial, ainda que elevada, possa fundamentar a atribuição da compensação especial por invalidez permanente.
Aliás, a natureza e a razão de ser da compensação especial, procurando-se, em conexão com outros benefícios, reforçar o apoio ao incapacitado, ou à sua família, face à súbita perda de rendimentos do trabalho decorrente dos riscos próprios da atividade policial ou de segurança, conduzem-nos a situações de perda total da capacidade de ganho ou de morte.
Recorde-se que no quadro jurídico especial constante do Decreto-Lei n.º 466/99, conquanto aqui se trate de um regime de pensões, constitui fundamento de atribuição o falecimento e, no caso de n.º 3 do artigo 2.º, também a incapacidade absoluta e permanente [40]. Neste regime especial, considera-se, assim, que a morte confere direito à atribuição da pensão de preço de sangue e relativamente a alguns beneficiários também a incapacidade absoluta e permanente para o trabalho.
No que concerne à compensação especial prevista no Decreto-Lei n.º 113/2005, a interpretação sistemático-teleológica implica que a sua atribuição deverá ter lugar em caso de morte ou de invalidez permanente absoluta do beneficiário.
Importará, ainda, frisar que nesta situação - incapacidade permanente absoluta - se deve considerar a impossibilidade permanente do trabalhador para o exercício das suas funções habituais ou de todo e qualquer trabalho.
Atende-se, aqui, ao conceito operativo de incapacidade permanente absoluta fixado no Decreto-Lei n.º 503/99 [cfr. alínea m) do n.º 1 do artigo 3.º supra reproduzido].
E acrescente-se que não se vê fundamento para se entender de forma diferente.
Aliás, também no artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 503/99 se considera a incapacidade permanente absoluta, não se diferenciando a incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual [41].
O que está em causa na compensação especial é a incapacidade absoluta para o serviço que o agente ou militar prestava. É isso que se pretende compensar.”
Desta feita, três conclusões se impõem formular/extrair.
Em primeiro lugar, para efeitos do preenchimento do conceito de invalidez permanente contida no Decreto-lei nº 113/2005, de 13 de julho, deve atender-se ao conceito de incapacidade permanente absoluta, e para tanto deve ponderar-se à definição contida no Decreto-Lei n.º 503/99, o qual no seu art. 3.º, al. m) define incapacidade permanente absoluta como “a situação que se traduz na impossibilidade permanente do trabalhador para o exercício das suas funções habituais ou de todo e qualquer trabalho”.
Em segundo lugar, importa considerar que a invalidez permanente, prevista no Decreto-lei nº 113/2005, de 13 de julho, entendida e interpretada como incapacidade permanente absoluta, engloba duas espécies: a incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho e incapacidade permanente absoluta para o trabalho/funções habitual(ais).
Em terceiro lugar, e como é consabido, pese embora a Entidade Demandada pareça olvidar, é possível cumular-se - o mesmo sujeito - a incapacidade permanente para o exercício da profissão habitual, com a incapacidade permanente parcial para as restantes profissões – Cfr. Ac. do Tribunal da Relação do Porto, proferido no proc. 0316323, datado de 26.01.2004; e Ac. do Tribunal da Relação de Évora, proferido no proc. 340/12.6TTSTB.E1, datado de 22.12.2017.
No caso de cumulação da incapacidade absoluta permanente para o trabalho habitual com a incapacidade permanente parcial para o trabalho em geral, como é o caso dos autos, a incapacidade decorrente do dano na saúde provocado pelo acidente de trabalho tem natureza mista.
Ora, no caso dos autos, verifica-se que o Autor padece de incapacidade permanente absoluta para o exercício das suas funções e, associado a tal, igualmente padece de incapacidade permanente parcial, de 30%, bem como se constata que das lesões não resulta uma incapacidade permanente absoluta de todo e qualquer trabalho.
Por isso, o facto de o Autor apresentar, também, uma incapacidade permanente parcial não apaga nem oblitera que possui igualmente incapacidade permanente absoluta para o exercício das suas funções.
Nos termos do regime exposto, e conforme emana do parecer consultivo citado, “Na incapacidade permanente absoluta deve considerar-se a situação que se traduz numa desvalorização permanente do militar ou agente para o exercício das suas funções habituais ou de todo e qualquer trabalho”
Assim, contrariamente ao sustentado pela Entidade Demandada, que faz, salvo o devido respeito, uma leitura errada e enviesada do parecer em causa, para efeitos do preenchimento do conceito de invalidade/incapacidade permanente absoluta, em virtude da expressão disjuntiva em causa, não se exige (unicamente) a incapacidade permanente absoluta de todo e qualquer trabalho, bastando-se com uma situação de incapacidade permanente absoluta para o exercício das suas funções.
Por isso, padecendo o Autor de incapacidade permanente absoluta para o exercício das suas funções, conforme consta e foi reconhecido no auto de Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações, de 12.02.2019 e homologada em 15.02.2019, em consequência do acidente de serviço, apresenta o Autor efectivamente uma incapacidade permanente absoluta e, como tal de invalidez permanente, mostrando-se preenchido tal pressuposto.
(…)
Os pareceres do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República têm natureza vinculativa para todos os serviços dependentes do Ministério em causa, após a respetiva homologação do membro do governo respetivo.
O desiderato da mencionada compensação especial é reforçar o apoio ao incapacitado ou à sua família perante a súbita perda de rendimentos do trabalho decorrente dos riscos próprios da atividade policial ou de segurança.
Verificado o nexo de causalidade estabelecido entre o risco inerente ao exercício da função policial ou de segurança, no acidente de trabalho de que o ora Recorrido foi vítima, e tendo a junta médica considerado que das lesões apresentadas resultou uma incapacidade permanente absoluta para o exercício das suas funções - cfr. ponto G dos factos provados -, aliás, a própria Junta Superior de Saúde da PSP, órgão administrativo sob a alçada do MAI e ao serviço do qual o Recorrido sofreu o acidente, considerou-o incapaz para todo o serviço da PSP, temos por verificados os requisitos exigidos pelo Decreto-Lei n.º 113/2005, de 13 de julho, para que o aqui Recorrido, possa usufruir da compensação especial por invalidez permanente, conforme determinado.
A sentença recorrida interpretou, pois, convenientemente o Direito, designadamente o DL 113/2005, de 13 de julho pelo que será mantida no ordenamento jurídico.
Improcedem as Conclusões das alegações.

DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pelo Recorrente.
Notifique e DN.

Porto, 05/7/2024

Fernanda Brandão
Paulo Ferreira de Magalhães
Rogério Martins