Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00632/10.9BECBR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/30/2022
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:ILEGITIMIDADE PROCESSUAL NA OPOSIÇÃO VERSUS
ILEGITIMIDADE SUBSTANTIVA NA EXECUÇÃO FISCAL
Sumário:
I - A sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância – cfr. artigo 608.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.

II - Verificando-se a excepção de ilegitimidade processual na presente oposição judicial, o tribunal deve abster-se de conhecer do pedido e do mérito da causa – cfr. artigo 278.º, n.º 1, alínea d), 576.º, n.º 2 e 577.º, alínea e) do Código de Processo Civil.
Recorrente:A Massa Insolvente de A C..., Lda.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Execução Fiscal - Oposição - 1ª espécie - Recursos jurisdicionais [Desp. 11/2016]
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Foi emitido parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório
A Massa Insolvente de “A C..., Lda.”, contribuinte fiscal n.º 50....602, e aqui representada por AA, Administrador da Insolvência, nomeado nos autos de Insolvência n.º 2...5/...9.5TBTBU por sentença de 16.10.2009, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, proferida em 31/03/2017, que julgou verificada a excepção dilatória de ilegitimidade da Oponente e absolveu a Fazenda Pública da instância de oposição por si deduzida, contra a execução fiscal n.º 08....6924, para cobrança da dívida proveniente de IRC e juros do ano de 2008, no montante global de €244.912,74.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
1. Vem a recorrente notificada da sentença datada de 31.03.2017 que, na parte que interessa ao presente recurso, julga procedente a excepção dilatória de ilegitimidade da opoente, mais declarando como fundamento para tal decisão que «Posto isto, dúvidas não subsistem em como, por um lado, a massa insolvente, aqui opoente, não é parte no processo de execução fiscal e, por isso, não detém legitimidade para deduzir oposição àquela execução e, por outro lado, que o administrador da insolvência representa a sociedade insolvente “para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessam à insolvência”». Ora,

I - Da INUTILIDADE/SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
II. Previamente, deveria a sentença recorrida ter apreciado a invocação da INUTILIDADE dos presentes autos executivos relativamente à Insolvente e/ou Massa Insolvente pois que se referem a obrigações declarativas do ano de 2008, anteriores à data da declaração de insolvência, o que ocorreu apenas em 2009. Assim;
III. A Fazenda Nacional, tal como qualquer outro credor, poderia e deveria ter reclamado tal crédito no Processo de Insolvência, conforme estão obrigados todos os credores da insolvência, nos termos dos art.°s 128.° e 146° do CIRE.
IV. Acresce que, no que concerne ao procedimento executivo para cobrança dos valores ora objecto de oposição, a declaração de insolvência obsta a tal procedimento, razão pela qual a actividade fiscal, nos termos do art.° 88.°, n.° 1 do C.I.R.E., DEVERIA, DEVE e DEVERÁ estar suspensa, porquanto o processo de insolvência ainda se encontra em tramitação.
V. Ou seja, o presente processo executivo deveria e deve estar suspenso;
VI. De tal modo, que a sua suspensão do procedimento executivo, nos termos do art.° 283.° do CPC, ex vi, art° 2.°, alínea e) do CPPT, invalida qualquer acto processual subsequente, já que fica vedada a prática de qualquer acto que não os actos urgentes.
VII. Pelo supra exposto, não poderia prosseguir a execução, nem citação na pessoa do Administrador da Insolvência, pelo que a presente citação é NULA e ILEGAL;
VIII. O que foi devidamente invocado na oposição e, tivesse sido considerado, determinaria a procedência da oposição apresentada, o que, nesta sede, se requer seja declarado.

II - Da NULIDADE DA SENTENÇA
IX. Verifica-se, salvo melhor opinião, que a sentença ora recorrida se acha inquinada de vício de forma, na medida em que os seus fundamentos se encontram em oposição com a decisão, nos termos do disposto no art.° 668.º n.º 1, alínea c) do CPCivil. É que;
X. No segmento da consideração do Tribunal a quo quanto à legitimidade do Administrador da Insolvência estabeleceu que “o administrador da insolvência representa a sociedade insolvente “para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessam à insolvência”.
XI. Para daí inferir que “Posto isto, dúvidas não subsistem em como, por um lado, a massa insolvente, aqui opoente, não é parte no processo de execução fiscal e, por isso, não detém legitimidade para deduzir oposição àquela execução”. Destarte;
XII. Confunde o Tribunal a quo a administração da INSOLVENTE, com a administração da MASSA INSOLVENTE (ou seja, dos bens que a compõem) e consequentemente a representação para efeitos de obrigação tributária e para efeitos patrimoniais. As primeiras não se confundem com as segundas e APENAS ESTAS ÚLTIMAS CABEM AO ADMINISTRADOR DA INSOLVÊNCIA.
XIII. Aliás a própria terminologia legal (e a própria sentença) refere a “administração da insolvência” e NÃO A ADMINISTRAÇÃO DA INSOLVENTE.
XIV. Neste sentido, esclarece precisamente o art.° 65.° n.° 2 do CIRE de forma taxativa que “As obrigações declarativas a que se refere o número anterior subsistem na esfera do insolvente e dos seus legais representantes os quais se mantêm obrigados ao cumprimento das obrigações fiscais, respondendo pelo seu incumprimento.”.
XV. Nos termos do art.° 668.° n.° 1, alíneas c), d) e e) do CPCiviI, a sentença ora recorrida, por força da contradição que encerra, é NULA - nulidade essa invocável em sede de recurso -, pelo que, deve ser a sentença ora recorrida ser declarada NULA, e em consequência ser determinada a substituição por outra que, nos termos da n.° 3 do art. 493.° do CPCivil, e por força do restante acto recursal infra desenvolvido, determine a improcedência da acção.

III - Da ILEGITIMIDADE DA MASSA INSOLVENTE
XVI A questão que se coloca na sentença ora respondido, suscita-se na dicotomia entre a Massa Insolvente e a insolvente e na representação do Administrador da Insolvência, como infra se adiantará, sendo que num ou noutro caso, sempre conduzirá à procedência da oposição. É que;
XVII. Se é verdade que a execução se encontra intentada contra a sociedade insolvente, não menos verdade é que quem foi citado para a mesma - erradamente - foi o Administrador da Insolvência “na qualidade de legal representante da insolvente”.
XVIII. Assim, de duas uma:
a. Ou se entende que a insolvente e a Massa Insolvente não são a mesma entidade - como entende a ora opoente e parece resultar igualmente no entendimento do despacho agora respondido - e nesse caso, o Administrador da Insolvência apenas poderia representar uma delas: a Massa Insolvente:
b. Ou se entende que a Massa Insolvente seria uma entidade subsequente à insolvente e “substitui-se” a esta última e nesse caso, a referência à insolvente ou à Massa Insolvente seria inócua.
XIX. Ora, neste último caso, não existiria ilegitimidade passiva da Massa Insolvente para os presentes autos.
XX. É nesta óptica traçada pelo art.° 1.° do C.I.R.E., facilmente se constata que, a Massa Insolvente não se confunde com a insolvente em si, já que APÓS A DECLARAÇÃO DA INSOLVÊNCIA, sempre a massa insolvente NÃO TERÁ QUALQUER FIM LUCRATIVO que legitime a liquidação de Impostos sobre o Rendimento.
XXI. Tal dicotomia referente à personalidade judiciária e jurídica, numa clara distinção entre a representação da Massa Insolvente e a representação da insolvente emerge do art.° 146.° do CIRE, ao dispor que “por meio de ação proposta contra a massa insolvente, os credores e o devedor”
XXII. Ou seja, ambas podem existir e coexistir jurídica e judicialmente, sem que se confundam entre si. Deste modo;
XXIII A MASSA INSOLVENTE, representada pelo Administrador da Insolvência limita-se à apreensão e liquidação do património do insolvente, com vista à sua repartição pelos credores do mesmo, nos termos do C.I.R.E..
XXIV. Por sua vez, a representação da INSOLVENTE mantém-se na esfera dos seus legais representantes/gerentes, nos termos do ad.° 65.° n.° 2 do CIRE que prevê que “obrigações declarativas a que se refere o número anterior subsistem na esfera do insolvente e dos seus legais representantes, os quais se mantêm obrigados ao cumprimento das obrigações fiscais, respondendo pelo seu incumprimento.”.
XXV. Assim sendo, tal reconduz-nos à questão de que, nesse caso, o Administrador da Insolvência é claramente parte ilegítima para se encontrar demandado/citado, por outro, são os anteriores sócios-gerentes da insolvente quem, na qualidade de responsáveis subsidiários, deverão ser notificados para exercer o direito de defesa/recurso que lhes aprouver, na certeza de que, na qualidade de Administrador da Insolvência este NÃO É REPRESENTANTE da sociedade insolvente, nos termos e para os efeitos consignados nos CIVA e CIRC;
XXVI. Deste modo, a considerar-se que a Massa Insolvente é parte ilegítima nos presentes autos, também o será o Administrador da Insolvência como destinatário da citação erroneamente efectuada na sua pessoa;
XXVI.I Mais a mais considerando que os montantes pretendidos executar se reportam a momento ANTERIOR à declaração de insolvência;
XXVIII. Já que este representa e é nomeado à MASSA INSOLVENTE e não à própria INSOLVENTE, que mantém os seus legais representantes em funções, nos termos supra referido.
XXIX Tal circunstância, enquanto verdadeiro fundamento de oposição que encontra a sua sustentação formal no disposto nas alíneas b), h) e i) do n.° 1 do art.° 204.° do CPPTributário, deverá determinar a procedência da oposição e a extinção dos autos executivos, o que se requer seja declarado. De facto;
IV - Da ILEGITIMIDADE DO ADMINISTRADOR DA INSOLVÊNCIA
XXX. Ainda que se considerasse que a manutenção da obrigação declarativa se encontrava em vigor, verifica-se que o Tribunal julgou improcedente a oposição quanto às dívidas de IVA. Destarte;
XXXI Não pode a opoente/recorrente concordar com tal segmento decisório, na medida em que a oposição formulada encontra a sua sustentação formal no disposto nas alíneas b), h) e i) do n.° 1 do art. 204.° do CPPTributário. De facto;
XXXII. Com a declaração de insolvência e não com o encerramento da liquidação, opera-se a “morte” da sociedade, pois que a mesma não pode ser prefigurada nos mesmos moldes que a dissolução de sociedade, como pretende a Administração Tributária.
XXXIII Esta posição veio a ser confirmada pela recente a redacção dada ao art.° 65.° n.° 3 do C.I.R.E. [1], com a redacção introduzida pela Lei n.° 16/2012, de 20 de Abril, que determina como consequência oficiosa da decisão de encerramento do estabelecimento comercial, a cessação de actividade, seja em IVA, sela em IR.
XXXIV. Aliás, com a declaração de insolvência, opera-se a “morte” da sociedade, pois que a mesma não pode ser prefigurada nos mesmos moldes que a dissolução de sociedade, e como pretende a Administração Tributária;
XXXV. Assim, no âmbito do Processo de Insolvência e sua liquidação, salvo melhor opinião, NÃO HÁ ACTOS SUBMETIDOS A IVA que possam ser tributáveis, pelo que a pretensão executiva em sede de IVA ora recorrida, por se reportar a data posterior à declaração de insolvência, é legalmente inadmissível e fundamentalmente errónea, o que legitima a impugnação da legalidade da liquidação em sede de oposição à execução, nos termos das alíneas b), h) e i) do n.° 1 do art.° 204.° do CPPTributário. É que;
XXXVI. Ao contrário do sufragado, à Massa Insolvente e o Administrador da Insolvência não estão obrigados a proceder à entrega de quaisquer declarações periódicas.
XXXVII. O Administrador da Insolvência NÃO É REPRESENTANTE da sociedade insolvente. Mais,
XXXVIII da mesma forma, não pode a Administração Fiscal pretender assacar à actividade e processualismo de um processo de insolvência que corre subordinado ao diploma ESPECIAL CONSUBSTANCIADO NO C.I.R.E. a factualidade processual que decorre da figura da «liquidação de sociedades» imposta pelo CIRC e pelo CPPT. De facto,
XXXIX. a declaração da insolvência NÃO INICIA O PROCESSO DE LIQUIDAÇÃO, já que o instituto processual da «liquidação» do C.I.R.E. apenas é fiscalizável pelo Tribunal e pela Comissão de Credores;
XL. Por outro lado e em primeiro lugar, a declaração de insolvência opera a DISSOLUÇÃO IMEDIATA DA SOCIEDADE - cfr. art.° 141.°, alínea e) do CSComerciais -, embora se mantenha a personalidade jurídica e
XLI. em segundo lugar, seria muito estranho que a Massa Insolvente apresentasse actividade sujeita a tributação.
XLII. Da mesma forma, as contas da agora Massa insolvente NÃO PODEM SER FISCALIZADAS PELA ADMINISTRAÇÃO FISCAL, designadamente, ao nível da apresentação ou não das declarações tributárias,
XLIII. Ora tal processo reversivo e, até, o próprio processo contra-ordenacional, são actos ABSURDOS e ILEGAIS como infra se demonstra; a actividade tributária agora dirigida contra a recorrente constitui, ainda, uma violação de princípios fundamentais da relação tributária, designadamente, O PRINCIPIO DO PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO, PRINCIPIO DA DECISÃO, PRINCIPIO DA COLABORAÇÃO e da BOA FÉ, previstos nos art.°s 55°, 56.º e 59.°, n.°s 1 a 3 da LGTributária.
POR OUTRO LADO;
V - Da ILEGITIMIDADE DO ADMINISTRADOR DA INSOLVÊNCIA
XLIV. À Massa Insolvente e ao Administrador da Insolvência não pode ser imputada qualquer obrigação adveniente dos actos próprios do exercício de qualquer actividade de GERÊNCIA da sociedade. Na verdade;
XLV. Aliás, com a declaração de insolvência, opera-se a “morte” da sociedade, pois que a mesma não pode ser prefigurada nos mesmos moldes que a dissolução de sociedade, como pretende a Administração Tributária;
XLVI. Neste sentido, o Administrador da Insolvência cumpriu as suas obrigações. mormente através da notificação às Finanças para reclamarem o seu crédito.
XLVII. Dito de outra forma, o escopo do Administrador de Insolvência é, exclusivamente, a atribuição de valor aos credores, por via da liquidação do património da massa falida, não podendo assumir os deveres funcionais do T.O.C.;
XLVIII a responsabilidade pelo eventual incumprimento de declarações fiscais ou outras deve ser assacada ao devedor principal (insolvente) e, se for o caso, ao RO.C. ou T.O.C. em cuja actuação se subsume o incumprimento das declarações fiscais ou outras infracções, por incumprimento dos deveres de fiscalização e regularização técnica nas áreas contabilística e fiscal ou de assinatura de declarações fiscais, demonstrações financeiras e seus anexos;
XLIX. Sendo que, após a declaração de insolvência, os únicos responsáveis pelos cumprimentos das declarações de imposto são quem tem competência legal para tal, designadamente, em regra, os T.O.C. que, deixam de existir, na prática, na massa insolvente, não sendo substituídos na sua função por qualquer outro profissional. Assim sendo,
L. Por seu lado, a empresa, declarada insolvente, não deixa de ser representada neste processo, para efeitos tributários, pelo seu legal representante E NÃO o AI;
LI. É este o princípio que releva claramente do disposto no art.° 82°, n.° 1 do CIRE;
LII. Aliás, a propósito da representação da sociedade declarada insolvente no processo crime, vem a jurisprudência decidindo que, OBVIAMENTE, é aos legais representantes da insolvente que cabe tal representação.
LIII. Tal conclusão veio a ser clarificada para o ordenamento jurídico através da redacção dada ao art.° 65.° do C.I.R.E., introduzida pela Lei n.° 16/2012, de 20 de Abril. Na realidade,
LIV. O art.° 65.° n.° 2 do CIRE de forma taxativa veio dispor que “As obrigações declarativas a que se refere o número anterior subsistem na esfera do insolvente e dos seus legais representantes, os quais se mantêm obrigados ao cumprimento das obrigações fiscais, respondendo pelo seu incumprimento.”.
LV. Conforme o entendimento que vem sendo maioritário na jurisprudência, não subsiste qualquer obrigação declarativa na esfera da Massa Insolvente e/ou do Administrador da Insolvência, na medida em que como consequência oficiosa da decisão de encerramento do estabelecimento comercial, verifica-se a cessação de actividade, seja em IVA, seja em IR, nos termos do art.° 65.º n.° 3 do CIRE.
LVI. Aliás, este entendimento tem encontrado sufrágio e ratificação nas diversas instâncias, no sentido de ver reconhecida a especificidade da prática enquanto Administrador da Insolvência e a correlação com as suas obrigações fiscais.
LVII. Ou seja, resumindo o entendimento maioritário da jurisprudência, temos;
POR UM LADO;
c. De que a declaração de falência determina a extinção/morte da sociedade, cessando, consequentemente, as respectivas obrigações declarativas e
POR OUTRO LADO;
d. Que, a manterem-se quaisquer obrigações declarativas, as mesmas são da responsabilidade dos legais representantes da insolvente e nunca do Administrador da Insolvência
LVIII De facto, a decisão ora recorrida encontra-se em oposição com a maioria da jurisprudência,
LIX Neste contexto, com o devido respeito, no entendimento da recorrente, mal andou a sentença recorrida na interpretação que fez da lei, in casu, o CIRE, tal significando que uma sociedade declarada insolvente entra numa fase de liquidação judicial e não administrativa ou fiscal, razão pela qual não pode a Administração Fiscal exigir o que o CIRE não exige, ou levantar obstáculos ao adequado desempenho das funções do Administrador da Insolvência;
LX Nomeadamente impondo-lhe que entregue declarações às quais não se encontra obrigado
POR TUDO ISTO;
LXI. Em caso de declaração de insolvência, as normas fiscais cedem perante a prevalência das normas que regulam o processo de insolvência!
LXII. Não existe nesta linha de entendimento qualquer divergência ou incompatibilidade entre as normas do CIRE e as normas da Lei Geral Tributária/LGT e do Código de Procedimento e de Processo Tributário/CPPT, já que o carácter indisponível destas normas, encontrando o seu fundamento no princípio da legalidade da administração tributária nas suas relações com os devedores, terá de se reduzir à concepção de que, atenta a especificidade do processo de insolvência e a tendencial igualdade dos credores do insolvente, NÃO devem ser invocadas de modo a postergar a auto-regulação dos credores. Isto é,
LXIII os citados normativos têm o seu campo de aplicação na relação tributária, em sentido estrito, não encontrando apoio no contexto do processo especial como é o processo de insolvência, onde o Estado deve intervir também com o fito de contribuir para uma solução, se essa for a vontade dos credores, numa perspectiva ampla de auto-regulação e de desjudicialização.
LXIV. A Massa Insolvente/Administrador da Insolvência cumpriu as suas obrigações legais e requereu atempadamente a citação pessoal dos dirigentes dos serviços centrais da administração fiscal, assim como a do Ex.mo Chefe do Serviço de Finanças da área de actividade comercial da insolvente, o que permitiu ao credor Fazenda Nacional a remessa de certidões de divida para reclamação, através do representante do Ministério Público.
LXV. Pelo que, por tudo quanto resulta supra exposto, deverá ser julgado procedente o presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, assim se realizando JUSTIÇA!”

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Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.
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Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; submete-se o processo à Conferência para julgamento.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida enferma de nulidade, por contradição entre os fundamentos e a decisão, e se incorreu em erro de julgamento, ao absolver a Fazenda Pública da instância, por se verificar a falta do pressuposto processual da legitimidade da Oponente para deduzir esta oposição.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto
Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
i) A sociedade comercial “A C..., Lda.” foi declarada insolvente por sentença proferida em 16.10.2009 no âmbito do processo n.º 2...5/...9.5TBTBU, que correu termos no Tribunal Judicial de ..., pela qual foi nomeado Administrador da Insolvência o Sr. Dr. AA – cfr. sentença de fls. 24 a 38.
ii) Com base na certidão de dívida n.º 20...5054, em 15.09.2010 foi instaurada contra “A C..., Lda.” a execução fiscal n.º 06...6924 para cobrança da dívida proveniente de IRC e juros do ano de 2008, cujo prazo de pagamento voluntário expirou em 25.08.2010 – cfr. certidão de dívida de fls. 83 e capa do processo executivo, de fls. 82.
iii) No dia 29.09.2010 foi assinado o aviso de receção que acompanhou a carta destinada à citação da sociedade executada, a qual foi dirigida a «A C..., Lda. – NA PESSOA DO ADMINISTRADOR DA INSOLVENCIA, AA – (…)» - cfr. carta de citação e aviso de receção de fls. 84 e 86.
iv) Em 24.09.2010 foi apresentada a presente oposição pela “Massa Insolvente de A C..., Lda., representada por AA, administrador da insolvência”- cfr. carimbo aposto a fls. 1 da p.i.
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A convicção do tribunal baseou-se no teor dos documentos identificados em cada uma das alíneas antecedentes.
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Com interesse para a decisão, não existem factos que importe registar como não provados.”

2. O Direito
Alega a Recorrente existir contradição entre os fundamentos e a decisão proferida.
Com efeito, considera-se haver oposição entre os fundamentos e a decisão quando os fundamentos da sentença devam conduzir, num processo lógico, a uma decisão oposta ou, pelo menos, diferente da que foi adoptada (cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 30/04/2014, proferido no âmbito do processo n.º 07435/14), ou, como escreve Jorge Lopes de Sousa in CPPT anotado, Vol. II, Áreas Editora, 2011, pp. 361, oposição entre os fundamentos e a decisão «(…) ocorre quando os fundamentos invocados na decisão deveriam conduzir, num processo lógico, à solução oposta da que foi adoptada na decisão».
A sentença/decisão pode padecer de vícios de duas ordens:
1-Por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e, então, a consequência é a sua revogação;
2-Por outro lado, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artigo 615.º, do Código de Processo Civil.
Nos termos do preceituado no citado artigo 615.º, nº. 1, alínea c), do Código de Processo Civil, é nula a sentença quando os seus fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
Encontramo-nos perante um corolário lógico da exigência legal de fundamentação das decisões judiciais em geral consagrado no artigo 154, n.º 1 do Código de Processo Civil. O vício em análise, o qual tem como premissa a eventual violação do necessário silogismo judiciário que deve existir em qualquer decisão judicial, terá lugar, como referimos, somente quando os fundamentos da sentença devam conduzir, num processo lógico, a uma decisão oposta ou, pelo menos, diferente da que foi adoptada.
No processo judicial tributário o vício de oposição entre os fundamentos e a decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artigo 125.º, nº. 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
No caso sub judice, não se detecta, de forma evidente, a presença na sentença recorrida de tal nulidade em análise. Mas, vejamos a fundamentação da mesma, para melhor compreensão:
“(…) É sabido que a legitimidade se afere pelo critério fixado no artigo 30.º do CPC, aqui aplicável por força do artigo 2.º, alínea e) do CPPT, sendo essencialmente um problema que concerne à posição das partes em relação à lide. Efetivamente, daquela norma decorre que a legitimidade passiva se afere pelo interesse em contradizer (exprimindo-se este pelo prejuízo advindo ao demandado com a procedência da ação), relevando em tal plano, à míngua da indicação da lei em contrário, os termos em que o autor configura o seu direito e a correlativa obrigação do Réu, devendo o julgador afastar-se, na respetiva apreciação, de fazer um julgamento antecipado da questão substancial que lhe é submetida.
Por seu turno, a oposição à execução fiscal é, estruturalmente, uma contestação à pretensão executiva do credor, pelo que apenas tem legitimidade para a deduzir quem na execução figure como executado, pois que só este tem interesse em contradizer por apenas para ele poder advir prejuízo da procedência da pretensão do exequente.
No caso vertente, a execução fiscal foi instaurada contra a sociedade comercial “A C..., Lda.” e a oposição à execução fiscal foi deduzida pela “Massa Insolvente de A C..., Lda.”.
De acordo com o disposto no artigo 46.º, n.º 1, do CIRE «A massa insolvente destina-se à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas, e, salvo disposição em contrário, abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo.». A massa insolvente constituiu, portanto, um património autónomo que inclui «os direitos patrimoniais privados penhoráveis do falido» (cfr. Menezes Cordeiro, Manual de Direito Comercial, pág. 435.) e, por isso, tem personalidade jurídica, nos termos do artigo 12.º, alínea a) do CPC, bem como capacidade judiciária, por força do disposto no artigo 11.º, n.º 2 do CPC. Assim, a sociedade insolvente e a respetiva massa insolvente são entidades juridicamente distintas, ambas com personalidade e capacidade judiciária e representadas pelo administrador da insolvência, exceto no que espeita à intervenção do devedor/insolvente no próprio processo de insolvência e nas ações em que estejam em causa questões patrimoniais que não interessem à insolvência, como decorre dos n.ºs 5 e 4 do artigo 81.º do CIRE.
(…)
Posto isto, dúvidas não subsistem em como, por um lado, a massa insolvente, aqui Oponente, não é parte no processo de execução fiscal e, por isso, não detém legitimidade para deduzir oposição àquela execução e, por outro lado, que o administrador da insolvência representa a sociedade insolvente «para todos os efeitos de caracter patrimonial que interessam à insolvência».
(…)
Face ao que vem considerado, deve ser julgada procedente a exceção dilatória oficiosamente suscitada (cfr. artigos 576.º e 577.º, alínea e) do CPC), absolvendo-se a Fazenda Pública da presente instância, em conformidade com o disposto no artigo 278.º, n.º 1, alínea d), do CPC, aqui aplicável ex vi do artigo 2.º, al. e) do CPPT. (…)”
O que se retira da sentença recorrida é a constatação de que a execução fiscal foi instaurada contra a sociedade comercial “A C..., Lda.” e a oposição à execução fiscal foi deduzida pela “Massa Insolvente de A C..., Lda.”, como são entidades juridicamente distintas, teria que ser a sociedade “A C..., Lda.” a deduzir a presente oposição judicial, independentemente de ambas serem representadas pelo Administrador da Insolvência.
Apesar de o tribunal recorrido ter fundado a sua decisão no conceito de legitimidade previsto no artigo 30.º do CPC e existirem disposições especiais sobre execuções no mesmo Código (cfr. artigos 53.º e seguintes), acabou por chegar à mesma conclusão: como a execução tem que ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor (e foi o que aconteceu na situação concreta, pois na certidão de dívida consta indicado como devedora a sociedade “A C..., Lda.”), impõe-se que a contestação/oposição ao processo de execução fiscal seja realizada por esse mesmo devedor, pois é ele, como acentua a sentença recorrida, que tem interesse em contradizer, em suspender a execução fiscal ou em que se extinga a mesma quanto si. Tendo sido uma entidade juridicamente distinta que o realizou (a Massa Insolvente da C..., Lda.), o tribunal recorrido considerou que esta não tinha legitimidade para deduzir a presente oposição judicial a essa execução fiscal, tal como foi instaurada. Não se vislumbrando, por isso, qualquer oposição entre os fundamentos e a decisão de absolver a Fazenda Pública da instância de oposição judicial.
Alerta a Recorrente que o tribunal “a quo” confunde administração da insolvente, com administração da massa insolvente (ou seja, dos bens que a compõem) e, consequentemente, a representação para efeitos de obrigação tributária e para efeitos patrimoniais. Afirmando que as primeiras não se confundem com as segundas e apenas estas últimas cabem ao administrador da insolvência.
A verdade é que parece ser a Recorrente que confunde parte legítima na execução com parte legítima para deduzir a presente oposição. Aliás, o tribunal recorrido, bem, alerta para a necessidade de o julgador se afastar, na apreciação dos pressupostos processuais, de fazer um julgamento antecipado da questão substancial que lhe é submetida. Efectivamente, a Meritíssima Juíza “ a quo” somente realizou uma análise do pressuposto processual “legitimidade” na oposição e não uma apreciação substantiva da legitimidade de o administrador da insolvência ter sido chamado, por via da citação, para o processo de execução fiscal, tanto mais que esse é um dos fundamentos invocados pela oponente na presente oposição, nos termos do disposto no artigo 204.º, n.º 1, alínea b) do CPPT, ou seja, o tribunal recorrido não chegou a entrar no mérito da causa, por ter observado verificar-se a excepção dilatória de ilegitimidade da Oponente (parte ilegítima para deduzir a presente oposição).
Por outro lado, a Recorrente parece não se conformar que o administrador da insolvência possa representar a sociedade insolvente, pugnando que somente possa representar a respectiva massa insolvente, cabendo a representação da sociedade insolvente aos respectivos representantes legais, na medida em que o tribunal recorrido declara que o administrador da insolvência representa a sociedade insolvente «para todos os efeitos de caracter patrimonial que interessam à insolvência»; porém, tal argumentação já não contende com as regras próprias da elaboração da sentença, podendo, quando muito, configurar erro de julgamento.
De todo o modo, em abstracto, sem ponderar qualquer facto concreto inerente à situação do processo de execução fiscal (dado que tão-pouco foi apurada qualquer factualidade pertinente), sempre se dirá que não encontramos qualquer erro de julgamento nessa abordagem, meramente genérica, constante da sentença recorrida.
Com efeito, como decorre do artigo 81.º, nºs.1 e 4, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (C.I.R.E.), a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores/gerentes, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência. Tal significa que o administrador de insolvência fica investido nas vestes de administrador de facto, assumindo a gestão da massa insolvente, tarefa que exerce pessoalmente (cfr. artigo 55.º, n.º 2, do C.I.R.E.), arcando ainda com a representação do devedor em todos os assuntos com carácter patrimonial que importem à insolvência, designadamente a cobrança dos créditos do insolvente sobre terceiros, vencidos e vincendos (excepcionando-se a intervenção do devedor no próprio processo de insolvência, nos termos do artigo 223.º e seg. do C.I.R.E.).
Na verdade, perante a amplitude de poderes e funções que o administrador de insolvência passa a assumir, contrai também a responsabilidade sobre as dívidas tributárias vencidas após a declaração de insolvência (cfr. artigo 172.º, n.º 3, C.I.R.E.), que por ele não sejam pagas na data dos respectivos vencimentos – cfr. Acórdão do TCA Sul, de 27/09/2018, proferido no âmbito do processo n.º 1592/14.2BESNT.
Pelo exposto, é nossa firme convicção não enfermar a sentença recorrida de nulidade, não se verificando oposição entre os seus fundamentos e a decisão.

Decorre dos artigos 627.º, n.º 1 e 635.º, ambos do CPC, que os recursos têm como objecto decisões judiciais.
Significa isto que o âmbito do recurso é, quanto ao seu objecto, delimitado pelo âmbito da decisão recorrida.
No caso, a Recorrente anunciou pretender recorrer da sentença do tribunal de 1.ª instância mas, analisadas as alegações e as respectivas conclusões, verifica-se que em nenhum momento atacou os fundamentos da decisão recorrida ou sequer pretendeu discuti-los, jamais pondo em causa verificar-se a excepção dilatória de ilegitimidade para deduzir a presente oposição judicial.
A Recorrente, em vez de afrontar a decisão recorrida e os respectivos fundamentos, limita-se a concluir que o administrador da insolvência não pode representar a sociedade insolvente e a pretender que o tribunal de recurso aprecie os fundamentos da oposição, sem que sequer discorde da existência de entidades juridicamente distintas, antes assumindo concordar com tal julgamento realizado pelo tribunal “a quo”, afirmando, mesmo, que, unicamente se considerássemos ser inócua a distinção entre a massa insolvente e sociedade insolvente, é que não se verificaria a excepção de ilegitimidade – cfr. conclusões XVIII, XIX e XX das alegações do recurso.
A Recorrente identifica a questão que se coloca na sentença recorrida, indicando (e defendendo) a dicotomia entre a Massa Insolvente e a Insolvente e a representação do Administrador da Insolvência, mas remata dizendo, como infra se adiantará, sendo que num ou noutro caso, sempre conduzirá à procedência da oposição. Ou seja, não afasta o óbice processual julgado na primeira instância, declarando que, quer seja oponente a “Massa Insolvente” quer seja oponente a “Sociedade Insolvente”, o resultado sempre se reconduzirá à procedência da oposição, esquecendo a inviabilidade de o tribunal apreciar o objecto da oposição quando existe circunstância que obsta ao seu conhecimento (ilegitimidade processual da oponente).
Ora, não tendo a Recorrente afrontado, por via do presente recurso, a falta do pressuposto processual “legitimidade da oponente”, não sendo objecto do mesmo, resta concluir que a sentença recorrida transitou em julgado, não sendo, por isso, possível apreciar o mérito da oposição judicial, em substituição ao tribunal recorrido.
A total concentração da Recorrente na questão da ilegitimidade do administrador da insolvência na execução fiscal acabou por gerar um recurso totalmente ineficaz da sentença recorrida.
Por outro lado, não é perceptível a argumentação vertida nas conclusões XXX e seguintes, já que não tem respaldo no julgamento efectuado pelo tribunal recorrido, que se limitou a absolver a Fazenda Pública da instância – Ainda que se considerasse que a manutenção da obrigação declarativa se encontrava em vigor, verifica-se que o Tribunal julgou improcedente a oposição quanto às dívidas de IVA”.
Importa, assim, sublinhar que resulta do artigo 608.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, que «sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 278.º, a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica». E só depois conhece das questões que se prendam com o mérito da causa.
Relembramos, ainda, que devem ser conhecidas e resolvidas todas as questões que as partes tenham submetido à apreciação do juiz, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não podendo o juiz ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras - cfr. n.º 2 do artigo 608.º do Código de Processo Civil.
Sustenta a Recorrente, logo no início das suas alegações de recurso, que, previamente, deveria a sentença recorrida ter apreciado a invocação da inutilidade dos presentes autos executivos relativamente à Insolvente e/ou Massa Insolvente, pois que se referem a obrigações declarativas do ano de 2008, anteriores à data da declaração de insolvência, o que ocorreu apenas em 2009. Afirmando que a Fazenda Pública, tal como qualquer outro credor, poderia e deveria ter reclamado tal crédito no Processo de Insolvência, conforme estão obrigados todos os credores da insolvência, nos termos dos art.°s 128.° e 146° do CIRE. Acrescentando que, no que concerne ao procedimento executivo para cobrança dos valores ora objecto de oposição, a declaração de insolvência obsta a tal procedimento, razão pela qual a actividade fiscal, nos termos do art.° 88.°, n.° 1 do C.I.R.E., deveria estar suspensa, porquanto o processo de insolvência ainda se encontra em tramitação, ou seja, o presente processo executivo deveria e deve estar suspenso.
Porém, como facilmente se compreende, a Recorrente não invocou a inutilidade da lide, isto é, do presente processo de oposição judicial, mas sim a inutilidade de o administrador da insolvência ser chamado à execução fiscal, porque esta deveria estar suspensa, na medida em que as dívidas em cobrança coerciva se reportam a liquidações de IRC do ano de 2008, portanto, anteriores à declaração de insolvência da sociedade executada.
No entanto, este consubstancia mais um fundamento de oposição ao processo de execução fiscal, tendo em vista a suspensão do mesmo, pelo que tal questão contende com o mérito da causa (oposição judicial). Logo, a Meritíssima Juíza não deveria ter conhecido previamente a alegada inutilidade dos autos executivos, uma vez que, nos termos do artigo 608.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, como é o caso a ilegitimidade processual verificada na oposição e julgada pelo tribunal recorrido, devendo abster-se de conhecer do pedido e do mérito da causa – cfr. artigo 278.º, n.º 1, alínea d), 576.º, n.º 2 e 577.º, alínea e) do Código de Processo Civil.
Pelo exposto, urge negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida na ordem jurídica.

Conclusões/Sumário
I - A sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância – cfr. artigo 608.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
II - Verificando-se a excepção de ilegitimidade processual na presente oposição judicial, o tribunal deve abster-se de conhecer do pedido e do mérito da causa – cfr. artigo 278.º, n.º 1, alínea d), 576.º, n.º 2 e 577.º, alínea e) do Código de Processo Civil.

IV. Decisão
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo da Recorrente, sem prejuízo de benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido.

Porto, 30 de Novembro de 2022
Ana Patrocínio
Paula Moura Teixeira
Conceição Soares
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[1] “Com a deliberação de encerramento da atividade do estabelecimento, nos termos do n° 2 do art.° 156°, extinguem-se necessariamente todas as obrigações declarativas e fiscais, o que deve ser comunicado oficiosamente pelo tribunal à administração fiscal para efeitos de cessação de atividade.”