Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01879/10.3BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/03/2022
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Carlos de Castro Fernandes
Descritores:ISV; REVOGAÇÃO; ISENÇÃO; RESIDÊNCIA PERMANENTE
Sumário:I - À data dos factos aqui em questão, o conceito de residência permanente previsto no n.º 2 do art.º 47.º do CISV, deve ser encontrado de acordo com as disposições conjugadas do 19.º da LGT e 10.º e 16.º do CIRS (uma vez que inexistia, então, a ora vigente redação do art.º 13.º do CIRS, máxime dos seus atuais ns.º 12 a 15).

II - O prazo de 12 meses referido na 2.ª parte do n.º 2 do art.º 47.º do CISV, conta-se a partir da data da mudança de residência. Efetivamente, quando nesta norma se usa a expressão «deve manter», a mesma remete-nos para a manutenção da residência que havia sido alterada para território nacional (em consonância, aliás, com o disposto no n.º 1 do art.º 58.º do CISV).*
* Sumário elaborado pelo relator
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I – A Representação da Fazenda Pública - RFP (Recorrente), veio interpor recurso contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, pela qual se julgou procedente a ação administrativa especial intentada por J. (Recorrido) e que havia sido deduzida contra o despacho proferido pelo Sr. Diretor da Alfândega de Leixões e aqui referido e pelo qual se revogou o despacho de deferimento do pedido de isenção de imposto sobre veículos.

No presente recurso, a Recorrente (RFP) formula as seguintes conclusões:
I. o objeto do presente recurso é a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, de 13.07.2017, proferida nos autos em epígrafe, a qual julga procedente a ação administrativa especial apresentada por J.;
II. A douta sentença recorrida padece de vício de violação da lei ao considerar que não ocorreu violação do ónus de manutenção da residência em território nacional, previsto no nº 2 do art. 47º do CISV;
III. O conceito de "residência permanente" utilizado pela lei não pode, a nosso ver, ser entendido, como na douta sentença recorrida, ou seja, como um conceito desligado da norma fiscal que estabelece determinados condicionalismos, sobretudo quando, como é o caso, está em causa a concessão de um benefício fiscal.
IV. Acontece que, em sede fiscal, ao nível dos requisitos legais para a concessão da isenção do ISV por ocasião da transferência de residência, o legislador do CISV consagrou determinadas condições, uma dessas condições é a obrigatoriedade do beneficiário manter a sua residência permanente em território nacional por um período mínimo de 12 meses, a contar da data da transferência da residência.
V. Em matéria de benefícios fiscais vigora o princípio da legalidade (art. 8° da LGT), na dupla vertente de que apenas podem ser concedidos os benefícios fiscais que se encontrem expressamente previstos por lei formal e, nos termos e condições em que se encontram definidos na norma de isenção, como é o caso da obrigatoriedade de manter a residência permanente em território nacional por um período mínimo de 12 meses, previsto no n° 2 do artº 47° do CISV, estabelecendo expressamente este normativo que o referido prazo legal é contado desde a data em que ocorreu a transferência de residência.
VI. Assim, a douta sentença recorrida, nos seus fundamentos, fez errada interpretação do conceito de residência permanente para efeitos do disposto no n° 2 do art. 47° do CISV, pelo que padece de vício de violação de lei;
VII. Contrariamente à fundamentação da douta sentença recorrida, a Administração Fiscal cumpriu o ónus da prova dos pressupostos do seu direito à revogação do benefício e consequente reposição do sistema de reposição regra;
VIII. E, assim, o ato administrativo de revogação do benefício fiscal não revela qualquer falha que mereça censura;
IX. A douta sentença recorrida, ao ter decidido dar provimento à ação pelas razões apontadas, violou o disposto no art. 47º, n° 2 do CISV e no art. 8° da LGT.
Finaliza a Recorrente pedindo que seja revogada a sentença recorrida.
O Recorrido apresentou contra-alegações, nestas concluindo que:
1.ª – O conceito fiscal de residência habitual constante do art.º 19.º da LGT e aplicável a todos os sujeitos passivos singulares nas suas relações com a Administração Tributária coexiste com a expressão “residência permanente” nas mais diversas situações e para os mais diversos tipos de tributação, sendo portanto de lhes atribuir idêntico significado e alcance.
2.ª - Também no CISV o legislador com a expressão residência permanente usada no art.º 47.º, n.º 2 daquele diploma mais não pretendeu do que exigir ao sujeito passivo que fixasse a sua residência efetiva em Portugal em condições que demonstrem a intenção de a manter e ocupar como residência habitual.
3.ª – Aliás, o conceito de residência permanente tal como vem sendo elaborado pela jurisprudência comporta situações como a que está em causa nos presentes autos e corresponde precisamente ao entendimento expresso pelo douto Juiz a quo na fundamentação da sentença recorrida.
4.ª – Na verdade, numa ausência temporária justificável não existe propósito de desvinculação da residência não sendo afetada, por isso, a realidade traduzida no conceito de residência permanente sendo que a jurisprudência admite até a sua coexistência e adequação a situações de residências alternadas.
5.ª É, pois, esta aceção de residência permanente elaborada pela jurisprudência e que no essencial corresponde à realidade também contemplada no conceito fiscal de “residência habitual” que deve estar presente na justa interpretação e aplicação da lei ao caso dos autos.
6.ª - À luz do conceito de residência permanente assim elaborado as ausências do país do Autor, provocadas por razões prementes de saúde, não põem em causa o seu estatuto de residente permanente em Portugal.
7.º - As situações de aparente e meramente formal transferência de residência para o país para obtenção indevida do benefício fiscal que o legislador pretendeu combater com a introdução do ónus da “residência permanente” constante do art.º 47.º, n.º 2 do CISV nada têm a ver e não se confundem com a realidade em causa nos presentes autos.
8.ª - Não sofre dúvidas, face a toda a prova produzida, a intenção do Autor de estabelecer a sua residência principal e permanente em Portugal, ou seja, de se fixar com caracter estável no nosso país, aqui estabelecendo o centro dos seus interesses.
9.º – Sendo que tendo fixado a sua morada real e efetiva em Portugal só por imperiosas razões de saúde e comprovada necessidade de tratamentos e exames médicos o autor se viu obrigado a deslocações e ausências mais ou menos prolongadas nos EUA, onde nesses períodos se instala em casa dos filhos.
10.ª - Não têm assim o mínimo cabimento as suspeições e dúvidas da representante da Fazenda Pública sobre a genuinidade do regresso a Portugal e o propósito do autor manter, como mantém, a sua residência permanente no país.
11.ª - Sendo certo que tais ausências, nas circunstâncias e pelas razões prementes que as ditaram não ferem o escopo da lei nem a realidade que a mesma visa alcançar com a disposição normativa do art.º 47.º, n.º 2 do CISV – uma efectiva e genuína transferência de residência do país terceiro para o território nacional.
12.ª - É justo e correto no plano dos factos e da aplicação do direito o julgamento do meritíssimo Juiz a quo sobre a questão controvertida nos autos, não merecendo a sentença proferida qualquer censura e devendo, por isso, ser confirmada na íntegra com todas as legais consequências.

Termina o Recorrido pedindo que seja negado provimento ao presente recurso, sendo confirmada a sentença recorrida.
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Os autos foram com vista ao distinto magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal (cf. fls. 305 dos autos – paginação do SITAF).
*
Com a concordância dos MMs. Juízes Desembargadores Adjuntos, dispensam-se os vistos nos termos do art.º 657.º, n. º 4, do Código de Processo Civil ex vi art.º 281.º do CPPT, sendo o processo submetido à Conferência para julgamento.
-/-


II - Matéria de facto indicada em 1.ª instância:
1) O autor sofreu um acidente em serviço nos EUA em abril de 2005, estando aí a ser acompanhado clinicamente ao abrigo de um seguro de trabalho;
Docs. 11 a 17 juntos com a p.i.
Depoimento de L. e H.

2) O autor recebe uma pensão permanente desde 01.03.2006, a qual é depositada no Banco Espírito Santo em Newark, New Jersey;
Doc. 19 junto com a p.i
.
3) O autor solicitou a 06.01.2009 isenção de ISV por transferência de residência ao abrigo do artigo 58.º do CISV para importação do veículo a que foi atribuída a matrícula XX-XX-XX;
P.A., parte não numerada

4) Por despacho de 06.02.2009 foi deferido o pedido de isenção;
P.A., parte não numerada

5) O autor regressou aos EUA a 09.04.2009 para se submeter a tratamentos/exames médicos, tendo regressado ao território nacional a 22.06.2009;
Docs. 5 a 17 juntos com a p.i.
Depoimento das testemunhas L. e H.

6) O autor regressou novamente aos EUA a 20.08.2009 para se submeter a tratamentos/exames médicos, tendo regressado ao território nacional a 12.01.2010;
Docs. 6 a 10 e 17 juntos com a p.i.; P.A., fls. 0193

7) O autor foi notificado da decisão de 02.02.2010 de revogar o benefício concedido de isenção de Imposto sobre Veículos, sendo convidado a informar o que se lhe oferecesse sobre o assunto;
Docs. 1 e 3 juntos com a p.i.
.
8) A decisão referida recaiu sobre a informação 95/2010 de 28.01.2010 da qual consta o seguinte:
Doc. 1 junto com a p.i.
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)
9) O autor exerceu o direito de audição;
Doc. 4 junto com a p.i.

10) A 12.03.2010 foi elaborada informação n.º 249/2010, da qual consta, entre o mais, o seguinte:
Doc. 18 junto com a p.i.
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…)

11) Sobre a informação supra recaiu despacho de concordância de 18.03.2010.
Doc. 18 junto com a p.i.
*
Na sentença recorrida e relativamente aos factos não provados, considerou-se que:
«Inexistem factos com interesse para a decisão da causa que importe dar como não provados.»
*
Relativamente à motivação da decisão da matéria de facto, decidiu-se na sentença apelada que:
A convicção do Tribunal baseou-se na análise dos documentos que constituem o P.A. Os documentos em causa não foram impugnados e são especificados em cada um dos pontos.
Teve-se também em consideração o depoimento das testemunhas L. e H..
Embora os depoimentos em causa não sejam assertivos quanto aos motivos que levaram o autor a ir aos EUA (as testemunhas não têm conhecimento direto dos factos), a proximidade dos autores com as testemunhas (são vizinhos) permite tomar em consideração o seu depoimento, até porque têm conhecimento direto de factos que possibilitam suportar os motivos apresentados, sendo certo, de qualquer modo, que a sujeição do autor a exames e tratamentos médicos estão devidamente documentados nos autos.
*
Ao abrigo do disposto no n.º 1 do art.º 662.º do CPC, adita-se à factualidade provada o seguinte:
12) Em 16.10.2008, os serviços do Consulado Geral de Portugal em Nova Iorque, emitiram em nome do Autor (Recorrido) um «certificado de cancelamento de residência», onde consta que aquele se encontrava “[…] inscrito neste Consulado-Geral sob o nº 36194, em 09-01-1991, residiu em (…), Estados Unidos da América, entre 27-10-1986 e 04-12-2008, data esta em que lhe será cancelada a sua residência neste país, onde trabalhou durante um período superior a 24 meses, conforme documento que apresentou/depositou neste Consulado-Geral […]” – cf. doc. inserto no PA;
13) O Autor (Recorrido) transferiu a sua residência para Portugal, em 04.12.2008, tendo como domicílio fiscal a morada na Rua ……, n.º …, Sanfins do Douro – facto admitido por acordo (cf. artigo 1.º da contestação e artigo 18.º da petição inicial).
-/-

III – Questões a decidir.

No presente recurso, cabe analisar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, no que tange aos erros de julgamento imputados à sentença recorrida, por alegada infração ao disposto no n.º 2 do art.º 47.º do CISV e 8.º da LGT.
-/-

IV – Do direito
Constitui objeto do presente recurso a sentença proferida nestes autos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, na qual se concedeu provimento à ação administrativa especial na qual o ora Recorrido peticionou a anulação do ato administrativo proferido em matéria tributária e consubstanciado no despacho do Sr. Diretor da Alfândega de Leixões, datado de 18.03.2010, e pelo qual se revogou o benefício fiscal concedido ao abrigo do disposto no art.º 58.º CISV (Código de Imposto sobre Veículos) e que se encontra mencionado no n.º 11 da matéria de facto assente.
A referida decisão administrativa assentou em informação dos serviços alfandegários e na qual estes concluiriam, em síntese, que o ora Recorrido não havia cumprido o disposto no n.º 2 do art.º 47.º do CISV, norma que então dispunha que:
Artigo 47.º
Ónus de intransmissibilidade
1 - …
2 - No caso previsto no artigo 58.º, o sujeito passivo deve manter a sua residência permanente em território nacional por um período mínimo de 12 meses.
3 – …
4 - …
Assim, o cerne do presente recurso gira em torno de se saber se a sentença aqui sob escrutínio padece de erro de julgamento no que se refere à interpretação do disposto no preceito supra citado, este lido à luz do princípio da legalidade previsto no art.º 8.º da LGT.
Sobre a referida questão exarou-se na sentença recorrida que:
“[…] O artigo 58.º, n.º 1 do Código do Imposto sobre Veículos (CISV), aprovado pela Lei n.º 22-A/2007, de 29 de junho, prevê que “estão isentos de imposto os veículos da propriedade de pessoas, maiores de 18 anos, habilitadas a conduzir durante o período mínimo de residência, que transfiram a sua residência de um Estado membro da União Europeia ou de país terceiro para território nacional, desde que estejam reunidas as condições estabelecidas nos artigos 59.º e 60.º.
E o artigo 47.º, n.º 2 do mesmo Código refere que “no caso previsto no artigo 58.º, o sujeito passivo deve manter a sua residência permanente em território nacional por um período mínimo de 12 meses.
Portanto, a isenção de ISV atribuída a pessoas que transfiram a sua residência para território nacional está condicionada, de modo resolutivo, à manutenção da residência permanente em território nacional pelo período mínimo de 12 meses. A isenção apenas é atribuída a quem, preenchendo os respetivos pressupostos legais, que não são colocados em causa, e que a Administração Tributária expressamente admite na contestação estarem preenchidos, mantenha a sua residência durante o período mínimo de 12 meses. A não manutenção da residência permanente durante este período de tempo importa a perda da isenção e, consequentemente, a necessidade de liquidar o ISV devido.
Conforme resulta dos autos, o autor solicitou a isenção do ISV em 06.01.2009, tendo justificado o pedido com a transferência da sua residência dos EUA para Portugal. O pedido de isenção de ISV foi deferido por despacho de 09.02.2009.
A questão controvertida é saber se o autor manteve ou não durante 12 meses a sua residência permanente em Portugal.
Na ausência de qualquer definição específica do que deve entender-se por “residência permanente” afigura-se que este conceito deve ser preenchido por apelo aos artigos 19.º da LGT e 16.º do CIRS: residência permanente será, portanto, o que fiscalmente se denomina por “residência habitual”. Assim, deverá entender-se como residente permanente quem tenha permanecido em território nacional mais de 183 dias seguidos ou interpolados em determinado ano civil, bem como quem, tendo permanecido menos tempo, aí disponha de condições que façam supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual.
Analisados os fundamentos invocados pela Administração Tributária no âmbito da fundamentação constante das informações sobre as quais recaíram os despachos de concordância seja aquando do projeto de decisão seja aquando da decisão, e vista a matéria de facto dada como provada, afigura-se que assiste razão ao autor.
Em primeiro lugar, porque, como alegado pelo autor na p.i., a Administração Tributária baseia a sua fundamentação essencialmente num auto de declarações tomadas a um sobrinho do autor, tomando em consideração declarações referentes ao ano de 2008. Ora, o pedido de isenção e o seu deferimento apenas se reportam ao ano de 2009, pelo que é irrelevante saber se o autor em 2008 permaneceu mais ou menos tempo em território nacional.
Repare-se que o artigo 47.º, n.º 2 do CISV não determina com precisão o início do prazo para contagem dos 12 meses: se é desde a transferência da residência, desde o pedido de isenção ou desde a sua atribuição. No entanto, face aos elementos verbais da norma “deve manter”, afigura-se que a exigência se reporta ao momento a partir do qual de considera a isenção, ou seja, desde o momento em que o requerente solicita essa isenção, já que o deferimento posterior mais não faz que reconhecer o preenchimento de determinados pressupostos legais no momento em que é apresentado o requerimento.
Em segundo lugar, conforme resulta da matéria de facto dada como provada, a ausência do autor do território nacional deveu-se, como está suficientemente documentado, à necessidade de se deslocar aos EUA para se submeter a tratamentos médicos. Consequentemente, tal não contende com a sua “residência permanente”. O facto de o autor se ter deslocado aos EUA para esses fins deriva de uma necessidade de se submeter a tratamentos médicos, em nada alterando a intenção de permanecer habitualmente em Portugal.
Afigura-se que não é o mero facto de alguém se ausentar do território nacional que permite concluir que não é aqui residente, já que tal depende de essa ausência ter natureza mais permanente ou estável ou ter natureza fortuita ou temporária.
No caso em apreço, resulta da matéria de facto que efetivamente o autor se ausentou do território nacional por longos períodos de tempo: entre 09.04.2009 a 22.06.2009 e desde 20.08.2009 até 12.01.2010.
A questão que se coloca é saber se deixou de se poder considerar como residente em Portugal durante esses períodos de tempo.
Afigura-se que a resposta é negativa.
Na verdade, o autor ausentou-se para se submeter a tratamentos/exames médicos. Repare-se que o autor sofreu um acidente em serviço em abril de 2005, estando a ser acompanhado e tratado nos EUA.
Portanto, as ausências para que o autor se submeta a tratamentos/exames médicos não constituem indícios de que este não tenha intenção de habitualmente permanecer em Portugal.
É importante frisar que não resulta dos factos provados, e nada é alegado na contestação quanto a este aspeto, não tendo sido apresentado qualquer elemento de prova de onde se possa intuir, que o autor tenha uma residência nos EUA com caraterísticas e em condições que permitam concluir que aí permanece de forma habitual apenas se deslocando ao território nacional ocasionalmente.
As saídas do autor do território nacional são motivadas por uma situação de doença, estando os seus tratamentos e exames médicos a coberto de seguro de trabalho nos EUA. Trata-se de uma necessidade e não de uma vontade intencional de ir aos EUA para aí permanecer.
A ausência do autor do território nacional, ainda que por vários meses, é, portanto, motivada por circunstâncias que, por si só, não permitem afirmar que o autor tenha vontade de não permanecer em território nacional, já que a situação de doença do autor e os tratamentos médicos e exames a que tem que se submeter nos EUA não permitem concluir, por si só, que o autor tenha intenção de residir habitualmente nos EUA ou que pretenda transferir a sua residência do território nacional para aquele país.
E não deixa de ser indiciador da intenção do autor fazer a sua residência habitual em Portugal o facto de a sua pensão permanente ser depositada em agência de um banco português nos EUA.
Como é natural, tendo o autor sofrido nos EUA acidente em serviço, e estando os tratamentos garantidos por seguro, o autor terá que aí se deslocar sempre que for necessário para se submeter a tratamentos ou a exames médicos.
Na ausência de qualquer outro elemento, que incumbia à Administração Tributária recolher, as ausências mais ou menos prolongadas do autor não alteram o seu centro de interesses fixado em Portugal.
Deste modo, é de concluir pela ilegalidade do ato impugnado, que se anula.[…]”
Na presente situação está em causa a importação de um veículo proveniente dos Estados Unidos da América, ou seja, de um veículo oriundo de um país terceiro à União Europeia, o que afastará a eventual consideração e aplicação da legislação comunitária que regula as situações de importação de veículos entre Estados-membros. Quanto à importação de um veículo proveniente de um outro Estado-membro veja-se, entre outros, o Ac. deste TCA, datado de 17.12.2020, e proferido no processo n.º 00304/07.1BEPNF (in www.dgsi.pt).
Posto isto, a questão fulcral passa por tentar interpretar e subsumir a estatuição inserta no n.º 2 do art.º 47.º do CISV.
Ora, não há dúvida que aqui se preenche o primeiro requisito da aludida norma, isto é, que o ora Recorrido tinha obtido a isenção de imposto sobre o veículo aqui em questão. Assim, a verdadeira questão interpretativa aqui em apreço surge quanto do segundo requisito da apontada norma, quando nesta se estatui que: “[…] o sujeito passivo deve manter a sua residência permanente em território nacional por um período mínimo de 12 meses.”
Assim, de acordo com o n.º 1 do art.º 11.º da LGT, impõe-se aqui ao intérprete o recurso às regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis, designadamente aqueles que vão vertidos no art.º 9.º do CC.
Ora, como escreve P. Soares Martinez in «Direito Fiscal»: “Também o interprete das normas fiscais, como o de quaisquer outras normas jurídicas, tem de fixar o respectivo sentido, conjugando o «elemento gramatical» com o «elemento lógico», ou «teleológico», incluindo os aspectos racional, sistemático e histórico, e acabando por concluir umas vezes pela coincidência entre a letra e o espírito da norma (interpretação declarativa), outras vezes pela preferência em relação a um sentido restritivo, outras ainda pelo predomínio de um sentido extensivo”.
Também a este propósito se cita Leite de Campos, Benjamim S. Rodrigues e Jorge L. de Sousa, in «Lei Geral Tributária Anotada e Comentada», 4.ª Ed., 2012, pag. 120: “[…] Hoje parece assente, na generalidade dos Direitos europeus, que as normas tributárias se interpretam de acordo com os princípios gerais de hermenêutica jurídica . Isto significa que: perante os brocados "in dubio pro fisco" ou "in dubio contra fisco"; contra correntes que afirmam uma interpretação restritiva ou exclusivamente literal das normas tributárias; contra aqueles que entendem que as isenções devem ser aplicadas de modo literal sem "interpretação”, ou serem extensiva ou restritiva - prevalece a aplicação dos critérios reconhecidos pelo artigo 9.° do Código Civil, no âmbito tributário .
Daqui resulta que, sem afastar a letra da lei, que tem de ser a principal referência e ponto de partida do intérprete, se exclui a sua aplicação automática, supondo que nas leis há uma racionalidade operante que o intérprete se deve esforçar por reconstruir.
Embora seja certo que, em termos gerais, a única realidade objectiva é constituída pelas normas legais representadas no tecido lógico-textual, exteriorizadas na formulação feita.
Assim, não se pode, na interpretação, transcender a linguagem, a construção linguística (sintáctico-formal) para afirmar um significado que não resulte expresso.
Verifica-se, pois, uma conexão essencial entre linguagem expressiva e conteúdo expresso. Seja qual for o objecto que se pretenda atribuir à norma, quando não resultar expresso no contexto lógico-literal ou quando não apareça suficientemente definível com base no próprio contexto, o objecto deve considerar-se não significado.
Mas, para além destas afirmações, que estão presentes em qualquer hermenêutica jurídica, vigoram "também" todas as outras regras da hermenêutica jurídica […]”.
Retrocedendo um pouco, o primeiro dilema interpretativo com que nos confrontamos diz respeito a saber a partir de que momento se deve considerar como sendo o termo inicial a partir do qual se contam os 12 meses de residência permanente em território nacional. Na visão da sentença recorrida e que supra citamos, tal momento deve ser computado a partir do momento em que é administrativamente pedido pelo sujeito passivo o direito à isenção aqui referida. Já na ótica da ora Recorrente, tal momento, deve ser computado a partir da data em que se operou a mudança de residência para o território nacional (cf. conclusões IV e V do presente recurso).
Ora, quanto ao apontado ponto recursivo e distanciando-nos da sentença recorrida, entendemos que o prazo de 12 meses referido na 2.ª parte do n.º 2 do art.º 47.º do CISV, se conta a partir da data da mudança de residência, tal como refere a Recorrente. Efetivamente, quando nesta norma se usa a expressão «deve manter» a mesma remete-nos para a subsistência em contínuo da residência que havia sido alterada para território nacional (em consonância, aliás, com o disposto no n.º 1 do art.º 58.º do CISV).
Por isso, nesta parte apartamo-nos do que foi decidido na sentença apelada.
Falta agora tentar perscrutar o que o legislador pretendeu com a fórmula legal que usou no n.º 2 do art.º 47.º do CISV, quando neste inciso normativo se exige que o sujeito passivo deva manter a sua residência permanente em território nacional. Ora, aqui a questão fulcral é a de saber o que constitui a «residência permanente», tendo por pressuposto que o próprio CISV não nos dá uma definição concreta deste conceito.
Assim, na tarefa interpretativa que ora se nos depara, deparamo-nos primeiramente com o conceito de domicílio fiscal previsto no art.º 19.º da LGT (e não no art.º 18.º da LGT como se refere, por potencial lapso de escrita, na sentença recorrida). Deste modo, este conceito e no que tange às pessoas singulares, remete-nos para uma equiparação entre o domicílio fiscal e o local de residência habitual (cf. n.º 1, alínea a) do 1 e n.º 4 do citado artigo 19.º da LGT). Contudo, este conceito geral não é exatamente o mesmo que o conceito de residência permanente, embora seja coadjutor e complementar deste último.
Logo, há que procurar ainda dentro do domínio legislativo em matéria fiscal, o sobredito conceito de «residência permanente». Neste ponto, dispunha-se, à data dos factos no CIRS e na parte que nos interessa que:
Artigo 16.º
Residência
1 - São residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos:
a) Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados;
b) Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, em 31 de Dezembro desse ano, de habitação em condições que façam supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual;
c) Em 31 de Dezembro, sejam tripulantes de navios ou aeronaves, desde que aqueles estejam ao serviço de entidades com residência, sede ou direcção efectiva nesse território;
d) Desempenhem no estrangeiro funções ou comissões de carácter público, ao serviço do Estado Português.
2 - São sempre havidas como residentes em território português as pessoas que constituem o agregado familiar, desde que naquele resida qualquer das pessoas a quem incumbe a direcção do mesmo.
3 - …
4 - …
5 - …
6 - …
7 - …
8 - …
9 - …
Por outro lado e já em matéria de mais valias, o então art.º 10 do CIRS fazia também apelo ao conceito de habitação própria e permanente, como sendo o local da sua habitação ou do seu agregado familiar (embora esta norma englobe o conceito de «própria» e não só a noção de permanência, isto para efeitos de caraterização do destino da habitação).
Contudo, há que salientar que à data dos factos inexistia a hodierna e ora vigente redação do art.º 13.º do CIRS, máxime dos seus atuais ns.º 12 a 15 (onde designadamente se estabelece uma presunção que o registo do domicílio fiscal faz presumir a habitação própria e permanente no local nele indicado).
Assim, conjugando as disposições supra citadas da LGT e dos artigos 6.º e 10.º do CIRS, teremos que concluir que o conceito de residência permanente a considerar para efeitos do n.º 2 do art.º 47.º do CISV implica, grosso modo, a existência de uma residência em território nacional e que corresponda ao local da habitação do sujeito passivo ou do seu agregado familiar (sem prejuízo da eventual consideração das demais exigências constantes do art.º 16.º do CIRS).
Deste modo, não bastaria à AT demonstrar as referidas ausências do Recorrido do território nacional, aliás devidamente justificadas, sem se ter apurado se aquele dispunha ou de habitação em condições que fizessem supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual e/ou do seu agregado familiar. Ora, sobre esta fundamental circunstância nada se diz no ato aqui em causa.
Por isso, entendemos que se verifica o apontado vício de violação de lei, embora com fundamentação algo distinta da referida na sentença recorrida.
Há ainda que referir que as ausências do Recorrido do território nacional foram consideradas no ato impugnado como tendo acontecido entre o natal de 2008 até 23.06.2009 e de 20.08.2009 em diante. Contudo, a factualidade apurada em sede de julgamento apurou datas bem diversas em relação às que consubstanciam o fundamento factual do ato recorrido, conforme se pode constatar pelo que vai descrito nos pontos n.ºs 12, 13, 5 e 6 da matéria de facto da sentença recorrida, esta complementada com os factos agora oficiosamente adicionados.
Assim, na sentença recorrida e dando-se conta da disparidade factual entre o ato recorrido e a factualidade demonstrada em sede judicial, o Tribunal recorrido apenas concluiu de forma genérica e agregada pela ilegalidade do ato impugnado, não fazendo, tão somente, menção expressa à consubstanciação de erros sobre os pressupostos de facto e de direito (cf. o primeiro parágrafo de fls. 9 da sentença recorrida). Ora, pese embora esta imperfeição fundamentadora da sentença recorrida, quanto ao apontado julgamento de ilegalidade, nada há de desacertado a apontar, apenas cabendo explicitar a aqui consumação da existência de erros sobre os pressupostos de facto e de direito.
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Assim, embora com fundamentos algo distintos dos exarados na sentença recorrida, ter-se-á que concluir que terá que improceder o presente recurso deduzido pela Recorrente.
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Assim, nos termos do n.º 7 do art.º 663.º do CPC, formula-se o seguinte sumário:
I - À data dos factos aqui em questão, o conceito de residência permanente previsto no n.º 2 do art.º 47.º do CISV, deve ser encontrado de acordo com as disposições conjugadas do 19.º da LGT e 10.º e 16.º do CIRS (uma vez que inexistia, então, a ora vigente redação do art.º 13.º do CIRS, máxime dos seus atuais ns.º 12 a 15).

II - O prazo de 12 meses referido na 2.ª parte do n.º 2 do art.º 47.º do CISV, conta-se a partir da data da mudança de residência. Efetivamente, quando nesta norma se usa a expressão «deve manter», a mesma remete-nos para a manutenção da residência que havia sido alterada para território nacional (em consonância, aliás, com o disposto no n.º 1 do art.º 58.º do CISV).

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V – Dispositivo

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em negar provimento ao recurso apresentado pela Recorrente, confirmando-se o sentido decisório da sentença recorrida, com os presentes fundamentos.

Custas pela Recorrente (por vencida).


Porto, 03 de fevereiro de 2022

Carlos A. M. de Castro Fernandes
Vítor Salazar Unas
Ana Patrocínio
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i) Quanto à importação de um veículo proveniente de um outro Estado-membro veja-se, entre outros, o Ac. deste TCA, datado de 17.12.2020, e proferido no processo n.º 00304/07.1BEPNF (in www.dgsi.pt).