Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01456/13.7BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/17/2024
Tribunal:TAF de Braga
Relator:ROGÉRIO PAULO DA COSTA MARTINS
Descritores:ACÇÃO DE IMPUGNAÇÃO; ACTO ANULÁVEL; PRAZO DE 3 MESES; NOMEAÇÃO DE PATRONO;
SUSPENSÃO DO PRAZO; CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO; PRAZO DE UM ANO; ARTIGO 11.º, N.º 1, ALÍNEA B), DA LEI DO ACESSO AO DIREITO E AOS TRIBUNAIS;
ALÍNEA B) DO N.º1 DO ARTIGO 58º DO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS; ARTIGO 41º E N.º1 DO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS;
N.º 4 DO ARTIGO 33.º, DA LEI DO ACESSO AO DIREITO E AOS TRIBUNAIS; ATRASO IMPUTÁVEL AO REQUERENTE DO APOIO JUDICIÁRIO; MATÉRIA DE EXCEPÇÃO; ÓNUS DA PROVA; ARTIGO 342º, N.ºS 1 E 2, DO CÓDIGO CIVIL; ARTIGOS 264º, 414º E 571º, ESTES DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário:
1. A lógica do processo civil não se pode transpor, sem mais, para o contencioso a administrativo, designadamente no que diz respeito ao prazo de caducidade previsto no artigo 11.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Acesso ao Direito e aos Tribunais, a determinar que a proteção jurídica caduca “pelo decurso do prazo de um ano após a sua concessão sem que tenha sido prestada consulta ou instaurada ação em juízo, por razão imputável ao requerente.

2. O contencioso administrativo tem extenso normativo específico que relega as normas do processo civil para o estatuto de direito apenas subsidiário - artigo 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

3. A começar pela existência de acções que podem ser propostas a todo o tempo. Esta possibilidade não é no contencioso administrativo uma anormalidade: é a regra na acção administrativa e na impugnação de actos nulos – artigo 41º e n.º1 do artigo 58º, ambos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

4. Depois porque não se pode criar um prazo onde o legislador o não criou e em situações substancialmente distintas.

5. O prazo de 3 meses a que alude a alínea b) do n.º1 do artigo 58º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, para impugnar actos anuláveis, como é a aqui o caso, aplica-se à situação geral, normal, de o advogado ser escolhido pela parte. Se a parte escolheu um patrono não diligente que intentou a acção fora de prazo, o facto é imputável à parte porque podia – devia – ter escolhido um patrono mais diligente.

6. Não se pode aplicar esta lógica aos patronos nomeados que resultam de escolha (mais ou menos aleatória) por parte da Ordem dos Advogados a que a parte tem, em princípio, de se sujeitar porque não paga pelos serviços, antes é o Estado que suporta a despesa.

7. Por outro lado, sendo a retribuição do patrono nomeado por regra bastante mais baixa do que a do advogado constituído, é natural que a sua motivação para intentar a acção e defender os interesses do beneficiário do apoio judiciário seja menor.

8. Daí que o legislador tenha criado regras extra processuais e processuais especificas para as situações de apoio judiciário, diferentes das regras gerais. Porque a realidade a regular é distinta e específica.

9. Não se pode, neste contexto, falar em suspensão do prazo a que alude da alínea b) do n.º1 do artigo 58º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos com o pedido de nomeação de patrono, suspensão de prazo que cessa com a nomeação porque não se trata do mesmo prazo. Trata-se de prazos distintos criados em contextos e para regular situações completamente distintas.

10. Por outro lado, não se pode afirmar que no caso do patrono nomeado não existam prazos para intentar as acções e, logo, haja necessidade de aplicar também as regras gerais, em particular o prazo de 3 meses da alínea b) do n.º1 do artigo 58º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

11. Desde logo porque esse prazo se aplica até ser deduzido o pedido de apoio judiciário. Se o pedido de apoio judiciário for deduzido depois de decorrido este prazo, tratando-se de impugnação de acto anulável, caduca o direito de acção - n.º 4 do artigo 33.º, da Lei do Acesso ao Direito e aos Tribunais.

12. Depois porque embora o prazo de 30 dias de que o patrono dispõe para intentar acção seja meramente ordenador não deixa de ter uma dimensão compulsória porque é suposto o patrono nomeado não se quere sujeitar a processo e eventualmente pena disciplinar. Só em casos justificados não intentará a acção no prazo de 30 dias, de acordo com a normalidade.

13. Finalmente se a inércia for devida ao próprio autor, o direito de acção caduca no prazo de um ano - artigo 11.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Acesso ao Direito e aos Tribunais.

14. Da conjugação destas normas - alínea b) do n.º1 do artigo 58º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, artigo 11.º, n.º 1, alínea b),e n.ºs 1,2 e 4 do artigo 33.º, da Lei do Acesso ao Direito e aos Tribunais – resulta que na normalidade dos casos e salvo motivo justificado, por parte do patrono nomeado ou do autor, a acção será proposta no prazo de um ano, prazo que no caso concreto foi respeitado.

15. Prazo que, de resto, é concedido ao Ministério Público para a impugnação de actos anuláveis - alínea b) do n.º1 do artigo 58º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

16. Em todo o caso, ainda que tal prazo de um ano se tivesse por excedido , a eventual falta de prova do motivo a que se ficou a dever esse facto não permite concluir que o atraso na propositura da ação só pode ser imputada à beneficiária de proteção jurídica.

17. Isto equivaleria a estabelecer uma presunção de culpa do beneficiário do apoio judiciário no caso de ser ultrapassado o referido prazo de um ano, presunção que não aparece na lei.

18. E, por outro lado, seria desrespeitar as regras processuais de repartição do ónus da prova pois tratando-se de matéria de excepção, caberia ao Réu prová-la, ou seja, que a Autora não agiu com a diligência exigível, designadamente por não fornecer dados solicitados pelo patrono. Não cabia à Autora provar o contrário. Como resulta das disposições combinadas do artigo 342º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil, e dos artigos 264º, 414º e 571º, estes do Código de Processo Civil.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

«AA» veio interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga-1, de 05.12.2023, pela qual foi julgada procedente a excepção de caducidade do direito de acção, com a consequente absolvição da instância, na acção administrativa especial que intentou contra o Instituto da Segurança Social de Braga, I.P. para anulação das decisões que declararam a ilegalidade e ordenaram a retenção das prestações não pagas e a restituição de valores pagos à Autora a título de subsídio de parentalidade e de abono de família dos menores «BB» e «CC», e a condenação do Réu a reconhecer do direito da Autora receber os referidos subsídios de parentalidade e de abono de família, e, consequentemente a pagar os valores retidos e não pagos relativos a tais subsídios.

Invocou para tanto, em síntese, que a decisão recorrida violou as disposições legais constantes do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa e o artigo 33º n.º 4 da Lei n.º 34/2004 de 29 de Julho.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público neste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, embora por diferentes fundamentos dos declarados na sentença recorrida.

A Recorrente, notificada neste parecer, veio reiterar a sua posição no recurso, defendendo que deve ser revogada a decisão recorrida.


*
Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
*

I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

1º - A Recorrente não se conforma com a douta sentença, que absolveu a Ré por entender que se verifica nos autos a excepção de caducidade, e por isso, o motivo da recorribilidade do presente recurso visa a inexistência da excepção de caducidade do direito de acção a que a recorrente lançou mão.

2º - Conforme foi dado como provado – facto n.º 23 - a 17 de Agosto de 2012, a Recorrente apresentou o apoio judiciário com nomeação de patrono, pois pretendia impugnar o ato administrativo proferido a 16 de Maio de 2012, sendo que o prazo dos 3 meses para impugnar contenciosamente o acto terminava nessa data.

3º - O douto tribunal recorrido considerou que, com a apresentação do apoio jurídico indicado na conclusão anterior, interrompeu-se os prazos que estavam em curso, nomeadamente o prazo de caducidade e que se reiniciaram, com a nomeação do patrono, em Outubro de 2012.

4º - E por isso, tinha o prazo de 3 meses para intentar a acção a partir de Outubro de 2012, e que quando a mesma foi instaurada, já esse prazo havia sido excedido e por isso, existe a excepção de caducidade alegada.

5º - Ora, é neste ponto que discordamos da posição vertida na douta sentença que agora se coloca em crise.

6º - Na verdade, a Recorrente, tendo conhecimento do teor da notificação, do seu alcance e consequências, dos prazos de impugnação contenciosa e a possibilidade de ter ganho de causa no tribunal administrativo, deu entrada a 17 de Agosto de 2012, nos serviços Segurança Social, de pedido de apoio judiciário para interposição da competente acção de impugnação contenciosa da decisão e nomeação de patrono.

7º - Ora, a a data de 17 de Agosto 2012 corresponde ao último dia do prazo para intentar a acção competente, decorridos os três meses previstos na al. b) do n.º 2 do artigo 58º do C.P.T.A., mas o pedido de apoio judiciário apresentado fez interromper todos os prazos, e sendo deferido, o que sucedeu, concede o efeito de cominar que a presente acção considera-se intentada a 17 de Agosto de 2012, por força do disposto no artigo 33º, n.º 4 da LAJ.

8º - Por isso, 17 de Agosto de 2012 é a data da entrada da acção, pois é a data do pedido de nomeação do aqui patrono em virtude do pedido de apoio judiciário, pelo que, a questão do patrono nomeado não ter intentado a acção no prazo dos 3 meses, após a sua nomeação – Outubro de 2012 - não pode ter o efeito cominatório atribuído – a caducidade da acção.

9º - De facto, o não cumprimento do prazo dos 30 dias constante da notificação ao patrono nomeado tem apenas relevância disciplinar e não anulando o benefício concedido pela lei, no artigo 33º, n.º 4 da Lei n.º 34/2004 de 29/07.

10º - Este entendimento encontra acolhimento na nossa jurisprudência, sendo a posição dominante, como é expresso no acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 405/19.3T8VLG.P1, datado de 08-03-2021, in www.dgsi.pt/ :

“I – A caducidade é impedida pela prática, dentro do prazo legal ou convencional, do acto a que a lei ou a convenção atribuam o efeito impeditivo, que no caso é a propositura da acção;

II – Tendo a autora requerido apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, a acção considera-se proposta na data em que esse pedido for apresentado à autoridade administrativa competente (n.º 4 do artigo 33.º do RADT);

III - O não cumprimento do prazo de 30 dias para a propositura da acção, previsto no artigo 33.º, n.º 1, do RADT, imputável ao patrono nomeado, tem, apenas, relevância disciplinar, não anulando o benefício, previsto no n.º 4 do mesmo artigo, de considerar a acção proposta na data em que foi apresentado o pedido de nomeação de patrono.”

11º - Pelo que, de acordo com os argumentos supra expostos, verificamos que o direito à acção por parte da Autora não caducou e o entendimento vertido na sentença agora colocada em crise viola, na nossa humilde opinião, o direito da recorrente de acesso ao direito e aos tribunais, previsto no artigo 20º da C.R.P.

12º - Inconstitucionalidade que aqui se alega para todos os efeitos legais.

13º - Assim, foram violadas as disposições legais constantes do artigo 20º da CRP e artigo 33º n.º 4 da Lei n.º 34/2004 de 29 de Julho.


*

II –Matéria de facto.

A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:

1. Em 18.02.2011, a Autora apresentou requerimentos de subsídio social no âmbito da parentalidade e subsídio parental – cfr. fls. 6 a 11 do processo administrativo no SITAF.

2. Entre 02.02.2011 e 01.07.2011, a Autora recebeu subsídio parental inicial – cfr. fls. 13 do processo administrativo no SITAF.

3. Em 29.09.2011 a Directora da Segurança Social proferiu o seguinte Despacho:

“Concordo, incidindo sobre a proposta de indeferimento do subsídio parental inicial da mãe com base nos fundamentos previstos no Decreto – Lei n.º 91/2009, de 9 de Abril , com termos seguintes : “ Foi revogado o acto de concessão de subsídio, por despacho superior de 2011 - 05 - 24 por não estar enquadrado enquanto trabalhador por conta de outrem, trabalhador independente e SSV, nem em situação equiparada : protegido por concessão de subsídio de desemprego em curso ao momento de início da licença, Artigos 4.º e 8.º do Decreto - lei n.º 91/2009 de 9 de Abril.
Nos termos do art.º 15.º do Dec.-Lei 133/8 8, os valores recebidos indevidamente são devidos à segurança social (...)
- cfr. fls. 15 do processo administrativo no SITAF.

4. A Autora, através de ofício datado de 22.11.2011, foi notificada para restituir as prestações indevidamente pagas – cfr. fls. 18 do processo administrativo no SITAF:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida][Imagem que aqui se dá por reproduzida][Imagem que aqui se dá por reproduzida][Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)”

5. A Autora apresentou, em 30.11.2011, no Centro Distrital de Braga da Segurança Social exposição do seguinte teor:

“Em virtude da vossa carta relativa à restituição de prestações indevidas que me foi enviada por V. Exas informo que tenho direito ao mesmo assim como tive em gravidez de risco e actualmente subsídio de desemprego solicito que o processo seja deferido.
cfr. fls. 19 do processo administrativo no SITAF.

6. Em 13.01.2012, a Autora apresentou requerimento para atribuição de subsídio social no âmbito da parentalidade – cfr. fls. 25 do processo administrativo no SITAF.

7. Em 13.01.2012, a Autora apresentou requerimento no sentido de ter direito aos “valores de maternidade”, cuja devolução lhe estava a ser pedida - cfr. fls. 26 e 27 do processo administrativo no SITAF.

8. Por ofício datado de 16.01.2012, com data de expedição a 17.01.2012, foi a Autora notificada do seguinte – cfr. fls. 28 do processo administrativo no SITAF:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida][Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

9. Em 30.01.2012, foi elaborada a seguinte informação – cfr. fls. 32 do processo administrativo no SITAF:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida][Imagem que aqui se dá por reproduzida]

10. Em 31.01.2012, quanto à informação constante do ponto anterior, foi elaborado o seguinte parecer – cfr. fls. 34 do processo administrativo no SITAF.

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

11. Sobre o mesmo, recaiu despacho de indeferimento da reclamação, em 07.02.2012 – cfr. fls. 34 do processo administrativo no SITAF.

12. Em 16.05.2012, foi proferido despacho de indeferimento do subsídio social parental da Autora – cfr. fls. 35 do processo administrativo no SITAF.

13. Por ofício de 16.05.2012, com data de expedição a 17.05.2012, foi a Autora notificada do seguinte – cfr. fls. 36 do processo administrativo no SITAF:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

14. Por ofício da mesma data, foi a Autora notificada do seguinte – cfr. fls. 37 do processo administrativo no SITAF.

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…).

15. Em 13.06.2012, a Autora apresentou pedido de esclarecimento quanto aos valores considerados para efeitos de cálculo e para a decisão do subsídio social parental – cfr. fls. 39 do processo administrativo no SITAF.

16. Em 15.06.2012, foi elaborada a seguinte informação – cfr. fls. 40 do processo administrativo no SITAF:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

17. Em 06.07.2012, foi elaborado parecer com o seguinte teor – cfr. fls. 40 do processo administrativo no SITAF:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]


18. Em 20.07.2012, foi proferido despacho de concordância improcedendo a reclamação – cfr. fls. 40 do processo administrativo no SITAF.

19. Por ofício de 24.07.2012, foi a Autora notificada da decisão de improcedência da reclamação de 13.06.2012 – cfr. fls. 42 do processo administrativo no SITAF.

20. Em 17.08.2012, a Autora apresentou reclamação no livro de reclamações – cfr. fls. 43 a 45 do processo administrativo no SITAF.

21. Em 27.08.2012, foi elaborada a seguinte informação – cfr. fls. 48 do processo administrativo no SITAF:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida][Imagem que aqui se dá por reproduzida][Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

22. Na mesma data, foi proferido o seguinte despacho – cfr. fls. 50 do processo administrativo no SITAF:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

23. Em 17.08.2012, a Autora apresentou pedido de protecção jurídica, nas modalidades de dispensa de pagamento da taxa de justiça e nomeação de pagamento da compensação do patrono, cujo deferimento foi notificado à Autora por ofício de 07.09.2012 – cfr. doc. junto com a petição inicial.

24. Em 12.10.2012, foi nomeado o patrono subscritor da petição inicial que motiva esta acção, à Autora – cfr. doc. junto com a petição inicial.

25. A petição inicial, que motiva os presentes autos, foi remetida a este Tribunal, em 10.09.2013 – cfr. registo SITAF.

*
III - Enquadramento jurídico.

A sentença recorrida fundou-se no entendimento exposto no trecho que se segue:

“(…)
Da caducidade do direito de ação.

Na presente ação, a Autora pretendia sindicar três situações diferentes: decisão de reposição do subsídio parental, a alteração do abono de família e o indeferimento do subsídio social de parentalidade. Quanto ao abono, tal ficou resolvido, na pendência da presente ação, por via da prática de novo ato, que satisfez a pretensão da Autora, levando à inutilidade superveniente da lide, a título parcial.

Ficou, então, por apreciar a decisão de restituição do subsídio parental e, a título subsidiário, o indeferimento do subsídio social parental. Ora, quanto a estes dois aspetos, a Autora pretende, quanto ao primeiro, a anulação do referido ato por falta de fundamentação (a Autora invoca que nunca foi esclarecida dos motivos do pedido de restituição); quanto à segunda situação, a Autora pretende a condenação do Réu à atribuição do subsídio social parental.

Conheça-se, antes de mais, da matéria de exceção, quanto ao subsídio parental inicial.

A caducidade do direito de ação é uma exceção dilatória expressamente prevista no artigo 89º, n.º 1, alínea h) do C.P.T.A., vigente à data, que, a ser procedente, determinará a absolvição da instância do Réu.

O prazo de impugnação contenciosa encontra-se previsto no artigo 58º, n.º 2, alínea b) do C.P.T.A., na redação à data, e é de três 3 meses desde a notificação do ato, o qual se conta nos termos previstos no C.P.C. (artigo 58º, n.º 3 do C.P.T.A.), nomeadamente suspendendo-se em férias judiciais.

Da matéria de facto assente supra, resulta que a cada notificação que a Autora recebia, sucedia-se uma reclamação ou pedido de esclarecimentos; nesta ambiência, muito embora a Autora tivesse sido notificada em 22.11.2011, em 17.01.2012 e em 17.05.2012, da manutenção da dívida, por obrigação de restituição do subsídio parental inicial, e se pudesse considerar que o prazo para impugnação judicial teria começado a correr, logo, em novembro de 2011, é inegável que, pelo ofício de 17.05.2012, foi transmitido à Autora que a partir daquela data tinha início o prazo de três meses para recorrer a Tribunal.

Deste modo, com facilidade se conclui ser de aplicar o regime previsto no artigo 58º, n.º 4, al. a) que determina que:

Desde que ainda não tenha expirado o prazo de um ano, a impugnação será admitida, para além do prazo de três meses da alínea b) do n.º 2, caso se demonstre, com respeito pelo princípio do contraditório, que, no caso concreto, a tempestiva apresentação da petição não era exigível a um cidadão normalmente diligente, por:

a) A conduta da Administração ter induzido o interessado em erro;

Ora, tendo o Réu informado a Autora de que o prazo teria início com a notificação do ofício datado de 17.05.2012, é forçoso concluir que, só, nesta data, teve início tal prazo.

Nesta sequência, a Autora apresentou, em 17.08.2012, pedido de proteção judiciária, com nomeação de patrono, vindo o mesmo a ser nomeado em 12.10.2012 e a ser intentada ação em 10.09.2013. Cabe saber se, não obstante o tempo decorrido entre o pedido de nomeação de patrono e a instauração da ação, esta foi tempestivamente apresentada, face ao que dispõe o artigo 33º, n.º 4 da Lei 34/2004, alterada pela Lei 47/2007:

4 - A acção considera-se proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono.

Do acórdão do TCA Norte de 22.10.2015, proferido no processo 00767/15.1BEBPRT, resulta que:

[…]

O artigo 33.º, n.º 4 da Lei do Acesso ao Direito e aos Tribunais estabelece que a acção se considera proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono. Sendo que, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do mesmo artigo, o patrono nomeado para a propositura da acção deve intentá-la nos trinta dias seguintes à notificação da nomeação, apresentando justificação no caso de não instauração da acção naquele prazo e sujeitando-se a apreciação de eventual responsabilidade disciplinar no caso de injustificada inércia bem como à designação de novo patrono ao requerente nos termos previstos nos artigos 32.º e 33.º.

Ora, este prazo de 30 dias é meramente ordenatório ou disciplinar, não influindo no prazo de propositura da acção – assim, entre outros, Acórdãos do STA n.º 0136/04, de 02.03.2004, n.º 431/04, de 20.05.2004, n.º 135/04, de 04.03.2004, n.º 1654/03, de 04.12.2003, do TCAS n.º 9183/12 e do TCAN n.º 01231/09.3BEBRG, de 18.02.2011, in www.dgsi.pt.; Salvador da Costa, in O Apoio Judiciário, 4.ª edição, p. 164, e 6.ª Edição Actualizada e Ampliada, 2007, Almedina, Março de 2007, pp 206 e 207]:“

Pedida a nomeação de patrono, antes do decurso do prazo de caducidade do direito de acção cautelar em causa, relevante para apreciar a tempestividade da acção ou acções abrangidas pelo patrocínio judiciário, à luz do benefício concedido pelo artigo 33.º em causa, é assim, e desde logo, o prazo que decorra desde a data em que a requerente teve conhecimento do acto lesivo até à data em que apresentou o pedido de nomeação de patrono. E isto porque, tal pedido deve, naturalmente, ser efectuado dentro do prazo legal previsto para o uso do meio processual em causa – no caso, a acção administrativa especial de anulação do acto a suspender (considerando os vícios invocados, tidos como geradores da anulabilidade: “erro nos pressupostos” e “violação de lei”), sujeita a prazo de 3 meses conforme o artigo 58.º n.º 2, alínea b) do CPTA. Relevando igualmente (ou tendo de relevar) para apreciação da tempestividade da acção reportada à data ficcionada na lei (nomeação/notificação do patrono requerido) a propositura da real acção, no prazo legal – no caso, de 3 meses – o qual, interrompido com o pedido de nomeação do patrono, se inicia de novo desde aquela data, ou melhor, desde a data de notificação ao patrono nomeado da respectiva nomeação. Com efeito, só a partir do conhecimento da nomeação pelo patrono nomeado (e que deve propor a correspondente acção ou acções) o interessado – no caso, a Requerente ora Recorrente – estava em condições para exercer cabalmente seu direito de acção.

Neste sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 06/11/2008, Proc.399/07.8TTLRA.C1, cujo sumário se transcreve em parte:

“VI – O prazo que decorra entre a data de nomeação de patrono (data da proposição da acção – artº 33º, nº 4, da Lei 34/2004, de 29/07) e a data em que esse patrono foi notificado da sua nomeação e para apresentar petição inicial em juízo não deve contar para efeitos de caducidade – artº 332º, nº 2, C. Civ.”.

“Relevando igualmente (ou tendo de relevar) para apreciação da tempestividade da acção reportada à data ficcionada na lei (nomeação/notificação do patrono requerido) a propositura da real acção no prazo legal” constitui a interpretação mais adequada à teleologia, racionalidade e compatibilização do mecanismo de protecção do direito em causa na ordem jurídica (sobretudo com as regras civilísticas inerentes à caducidade de direitos, e com outros valores jurídicos, como o da segurança jurídica), já que, sendo justificada a pretensão do legislador de conceder todas as garantias de acesso ao direito àqueles que, por falta de meios económicos, recorreram a um patrono nomeado (especificamente pelo congelamento/interrupção do tempo do prazo de propositura), não pode ter estado na sua mente a total irrelevância entre o tempo decorrido desde a nomeação do patrono até à propositura da acção.

Na verdade, não se mostra razoável que o legislador tenha previsto a possibilidade da tutela jurisdicional do patrocinado estar dependente da inércia do patrono, o qual, sabendo que pode propor a acção, sem tempo – caso se considerasse irrelevante o tempo que decorre da ficção legal até à propositura da acção –, poderia contribuir para o agravamento dos interesses a tutelar, para além de, na nossa ordem jurídica, os prazos de caducidade e de prescrição visarem a rápida estabilização da relação jurídica em causa e, no caso da prescrição, a proximidade do evento danoso com a decisão da acção. A tal não obstando a previsão legal de um prazo de 30 dias que, como se viu, pode ser prorrogado e só relevar em sede disciplinar.

Seria, pois, incongruente que a acção (sujeita a prazo) pudesse ser interposta em qualquer altura, após a nomeação do patrono.
[…]
[sublinhado próprio].

Em igual sentido, o recente acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 07.06.2016, proferido no processo 3582/13.3TJCBR-F.C1:

I – Tendo sido solicitado apoio judiciário pelo demandante para propor ação cível, esta considera-se proposta na data em que este requereu o benefício do apoio judiciário.

II - Se o patrono nomeado não propuser a ação no prazo de 30 dias que lhe determina o art. 33º, nº 1 do DL 34/2004 ou tendo este pedido escusa do patrocínio, se o novo patrono nomeado não propuser a ação no prazo de trinta dias a contar da notificação da sua nomeação deve considerar-se que a ação não foi proposta, perdendo-se o benefício de considerar como proposta a ação na data do requerimento do apoio judiciário.

III - Assim, quando o pedido de apoio judiciário foi requerido antes de decorrido o prazo para propor a ação (prazo de caducidade) e a petição inicial respectiva tenha sido apresentada fora desse prazo, deve considerar-se tempestivamente proposta se o patrono nomeado (ou aquele outro que o substituiu depois de deferido pedido de escusa) realizou essa apresentação dentro do prazo de 30 dias a que alude o art. 33º, nº 1 do DL 34/2004.

IV - No entanto, quando o pedido de apoio judiciário tenha sido requerido antes de decorrido o prazo para propor a acção (prazo de caducidade) e a petição inicial respectiva tenha sido apresentada depois de decorrido esse prazo, deve considerar-se a caducidade da propositura da ação se o patrono nomeado (ou aquele outro que o substituiu depois de deferido pedido de escusa) realizou essa apresentação fora do prazo de 30 dias a que alude o art. 33º, nº 1 do DL 34/2004. [sublinhado próprio]

Daqui resulta que, muito embora a lei preveja que a data de propositura da ação seja a data do pedido de nomeação de patrono, não pode desconsiderar-se, por completo, o prazo legal para intentar a ação administrativa. Ou seja, com a nomeação do patrono tem (re)início o prazo do artigo 58º, n.º 2, al b) do C.P.T.A., vigente à data, o qual terá que ser cumprido – 3 meses, contados nos termos do C.P.C., desde a nomeação.

Tendo o patrono sido nomeado em outubro de 2012 e a presente ação sido intentada em setembro de 2013, nada havendo que justifique tal lapso temporal, é forçoso concluir que a ação não foi tempestivamente apresentada.

Igual raciocínio vale para o pedido subsidiário, porquanto a última notificação, mediante a qual, o Réu informou a Autora que teria início o prazo de reação contenciosa, foi a de 17.05.2012. Não obstante o pedido de informação apresentado, o mesmo não teve a virtualidade de suspender o prazo para intentar a ação (nos termos do artigo 59º, n.º 4 do C.P.T.A.), pelo que foi nesta data que teve início tal prazo. Com o pedido de proteção jurídica, na vertente de nomeação de patrono, em agosto de 2012, interrompeu-se o prazo em curso, o qual se reiniciou em outubro de 2012, com a nomeação do patrono. Entre esta data e a instauração da presente ação, em setembro de 2013, decorreu, sem sombra de dúvida, o prazo de impugnação judicial, de três meses, sendo, também, quanto a este pedido, a presente ação intempestiva.

Destarte, procede a exceção de caducidade do direito de ação, o que impede o conhecimento do mérito e determina a absolvição do Réu da instância”.

Sobre este recurso o Ministério Público neste Tribunal emitiu o seguinte parecer:

“(…)
O objeto do presente recurso incide sobre determinar se quando a ação foi proposta já havia decorrido o prazo de impugnação contenciosa.

O prazo de impugnação contenciosa encontra-se previsto no artigo 58º, n.º 2, alínea b) do C.P.T.A., na redação à data, e é de três 3 meses desde a notificação do ato, o qual se conta nos termos previstos no C.P.C. (artigo 58º, n.º 3 do C.P.T.A.), nomeadamente suspendendo-se em férias judiciais.

Como se refere na douta sentença recorrida «…tendo o Réu informado a Autora de que o prazo teria início com a notificação do ofício datado de 17.05.2012, é forçoso concluir que, só, nesta data, teve início tal prazo. Nesta sequência, a Autora apresentou, em 17.08.2012, pedido de proteção judiciária, com nomeação de patrono, vindo o mesmo a ser nomeado em 12.10.2012 e a ser intentada ação em 10.09.2013.

Cabe saber se, não obstante o tempo decorrido entre o pedido de nomeação de patrono e a instauração da ação, esta foi tempestivamente apresentada, face ao que dispõe o artigo 33º, n.º 4 da Lei 34/2004, alterada pela Lei 47/2007: 4 - A acção considera-se proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono.» E considerou a douta sentença, citando alguma jurisprudência concordante, que «Daqui resulta que, muito embora a lei preveja que a data de propositura da ação seja a data do pedido de nomeação de patrono, não pode desconsiderar-se, por completo, o prazo legal para intentar a ação administrativa. Ou seja, com a nomeação do patrono tem (re)início o prazo do artigo 58º, n.º 2, al b) do C.P.T.A., vigente à data, o qual terá que ser cumprido – 3 meses, contados nos termos do C.P.C., desde a nomeação. Tendo o patrono sido nomeado em outubro de 2012 e a presente ação sido intentada em setembro de 2013, nada havendo que justifique tal lapso temporal, é forçoso concluir que a ação não foi tempestivamente apresentada. ».

Ou seja, na douta sentença recorrida sufragou-se o entendimento de que a solução jurídica da questão deve buscar-se numa ficção de que o prazo de caducidade de três meses previsto no citado artº 58º se re(inicia) com a nomeação do patrono. Tendo o patrono sido nomeado em 12-10-2012 o novo e ficcionado prazo de caducidade de três meses para intentar efectivamente a ação ter-se-ia (re)iniciado no dia 13-10-2012 quando a lei ficciona que a ação se considera intentada em 17-08-2012.

Com esta nova construção jurídica descura-se a questão de saber qual a natureza do prazo de 30 dias previsto no artigo 33º do DL. 34/2004 para o patrono nomeado intentar efetivamente a ação e das consequências jurídicas da omissão desse dever considerando que a lei não prevê o número possível de prorrogações desse prazo nem o prazo a considerar nos casos de substituição de patrono nomeado, estando apenas prevista a interrupção do prazo no caso de pedido de escusa do patrono.

E por entendermos que a fundamentação de direito encontrada não é de sufragar por, além do mais, não ter qualquer suporte legal, entendemos que a fundamentação de direito para a solução do objeto do recurso deve ser encontrada na conjugação dos prazos de caducidade com os efeitos do decurso do tempo no benefício de proteção jurídica concedido e com aquela outra disposição que fixa a data da propositura da ação fazendo-a coincidir com a do requerimento de apoio judiciário.

De uma forma mais simples e impressiva, podemos pensar que a situação que se coloca ao juízo do tribunal neste recurso não é diferente e não deverá ter diferente solução daquela outra que se colocaria se, nas mesmas condições e contexto de facto, tendo sido requerido o apoio judiciário numa determinada data, a petição inicial só viesse a entrar em juízo um ou mais anos depois de o patrono haver sido nomeado, sendo o prazo de caducidade de três meses.

Numa primeira abordagem aos termos da ação, verificamos que na aplicação do preceituado no artº 58º, n.º 2, al b) do C.P.T.A., vigente à data, o prazo de três meses estabelecido no citado normativo terminaria em 17 de agosto de 2012 (sem considerar a suspensão do prazo durante o período das férias judiciais).

Acontece que nesse mesmo dia a Autora solicitou a concessão de benefício de apoio judiciário, razão pela qual teremos de questionar qual a relevância dessa solicitação relativamente à propositura da ação a que se destinava tal apoio.

Neste sentido o artigo 33.º do DL. 34/2004 determina que ‘1 – o patrono nomeado para a propositura da ação deve intentá-la nos 30 dias seguintes à notificação da nomeação, apresentando justificação à Ordem dos Advogados ou à Camara dos solicitadores se não instaurar a ação naquele prazo (…) 4 - A ação considera-se proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono’.

Assim sendo, julgamos ser de concluir que, estando provado que a autora solicitou o apoio judiciário em 17 de agosto de 2012, é nessa data que, em princípio, se deve considerar proposta a ação, verificando-se desse modo que o foi antes do termo do prazo de caducidade que ocorreria nesse dia.

Não obstante esta aparente simplicidade da aplicação da lei, a circunstância de ela atribuir a data de propositura da ação ao momento em que haja sido solicitado pela autora o beneficio do apoio judiciário para a propor, não ilude a realidade segundo a qual, embora se deva ficcionar que a data da propositura da ação é essa, na realidade, nesse momento, a petição inicial ainda não entrou em juízo, tendo de saber-se até quando deve e pode essa petição inicial entrar em juízo e quais as consequências se ela não der entrada no prazo devido.

Neste domínio o artigo 33.º do DL 34/2004 estabelece que: ‘1 – O patrono nomeado para a propositura da ação deve intentá-la nos 30 dias seguintes à notificação da nomeação, apresentando justificação à Ordem dos Advogados ou à Câmara dos Solicitadores se não instaurar a ação naquele prazo. 2 – O patrono nomeado pode requerer à Ordem dos Advogados ou à Câmara dos Solicitadores a prorrogação do prazo previsto no número anterior, fundamentando o pedido. 3 – Quando não for apresentada justificação, ou esta não for considerada satisfatória, a Ordem dos Advogados ou a Câmara dos Solicitadores deve proceder à apreciação de eventual responsabilidade disciplinar, sendo nomeado novo patrono ao requerente.

Reportada ao direito de propor a ação de impugnação parece indiscutível que o ato a que tem de atribuir-se o efeito impeditivo dessa mesma caducidade é o da propositura dessa mesma ação, como resulta claro da letra do artigo 332.º do Código Civil, onde se fala na ação ‘…tempestivamente proposta (n. 1); e…prazo decorrido entre a propositura da ação e…’.
Por isso, não se pode descurar que nos termos do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Acesso ao Direito e aos Tribunais, a proteção jurídica caduca “pelo decurso do prazo de um ano após a sua concessão sem que tenha sido prestada consulta ou instaurada ação em juízo, por razão imputável ao requerente” (leia-se, ao beneficiário de proteção jurídica). Assim, não tendo sido instaurada a ação que motivou o pedido de proteção jurídica dentro do prazo de um ano após a sua concessão, a caducidade do benefício de proteção jurídica pelo decurso do prazo só ocorre se o atraso na propositura da ação for da responsabilidade do beneficiário de proteção jurídica, ou seja, se a inércia se dever a negligência censurável do requerente de proteção jurídica.

Por contraponto, não ocorre a caducidade do benefício da proteção jurídica se tal inércia for da responsabilidade do patrono nomeado.

No caso os elementos disponíveis do processo levam a concluir que após a nomeação de patrono não ocorreu nenhum pedido de escusa deste nem a requerente do apoio, a aqui autora, requereu a sua substituição ou diligenciou no sentido de ação ser efetivamente intentada, não existindo qualquer justificação para o facto de a petição só ter sido apresentada em juízo cerca de onze meses após a nomeação de patrono. A inexistência de elementos esclarecedores levam a concluir que o atraso na propositura da ação só pode ser imputada à beneficiária de proteção jurídica que por inércia negligenciou o efetivo exercício do direito à tutela jurisdicional efetiva consagrado no artigo 20.º da CRP.

A caducidade, neste caso, é de conhecimento oficioso - art.º 333.º, n.º 1 do Código Civil.

Considerando que o benefício de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono para intentar uma ação judicial foi concedido em 17.08.2012 e que a ação para a qual foi concedido apenas foi intentada em 10.09.2013 é de concluir que a proteção jurídica caducou em 18.8.2013, ou seja, caducou antes de ter sido apresentada a petição em juízo. Tendo ocorrido a caducidade do benefício da proteção jurídica antes de intentada a ação este deixou de produzir qualquer efeito legal no processo, nomeadamente a nomeação de patrono e a presunção legal de que a ação se considera proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono, contando-se o prazo de impugnação contenciosa previsto no artigo 58º, n.º 2, alínea b) do C.P.T.A., na redação à data, que é de três 3 meses desde a notificação do ato, nos termos previstos no C.P.C. (artigo 58º, n.º 3 do C.P.T.A.), suspendendo-se em férias judiciais. No caso o prazo de três meses para impugnação contenciosa iniciou-se em 17.05.2012 e o seu termo ocorreu em 03.9.2012, tendo nesta data, em consequência da caducidade da proteção jurídica, ocorrido o termo do prazo de prazo de impugnação contenciosa previsto no artigo 58º, n.º 2, alínea b) do C.P.T.A., o que impede o conhecimento do mérito e determina a absolvição do Réu da instância.

Em face do exposto somos de parecer que o recurso deve ser julgado improcedente embora com fundamento diverso do invocado na douta sentença recorrida.

(….)”

Vejamos.

No que diz respeito à jurisprudência dos Tribunais Superiores Administrativos, invocada na sentença recorrida, concordamos com a mesma, de resto, pacífica: o prazo de 30 dias para propor a acção por parte do patrono nomeado, previsto no artigo 33.º, n.ºs 1 e 2, da Lei do Acesso ao Direito e aos Tribunais, é meramente ordenador.

Já nos afastamos da interpretação das normas aqui em causa feita pelos Tribunais Superiores Comuns.

Em particular da ideia, sufragada no o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 06/11/2008, Proc.399/07.8TTLRA.C1:

“Na verdade, não se mostra razoável que o legislador tenha previsto a possibilidade da tutela jurisdicional do patrocinado estar dependente da inércia do patrono, o qual, sabendo que pode propor a acção, sem tempo – caso se considerasse irrelevante o tempo que decorre da ficção legal até à propositura da acção –, poderia contribuir para o agravamento dos interesses a tutelar, para além de, na nossa ordem jurídica, os prazos de caducidade e de prescrição visarem a rápida estabilização da relação jurídica em causa e, no caso da prescrição, a proximidade do evento danoso com a decisão da acção. A tal não obstando a previsão legal de um prazo de 30 dias que, como se viu, pode ser prorrogado e só relevar em sede disciplinar.”

Desde logo porque a lógica do processo civil não se pode transpor, sem mais, para o contencioso a administrativo.

O contencioso administrativo tem extenso normativo específico que relega as normas do processo civil para o estatuto de direito apenas subsidiário - artigo 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

A começar pela existência de acções que podem ser propostas a todo o tempo. Esta possibilidade não é no contencioso administrativo uma anormalidade: é a regra na acção administrativa e na impugnação de actos nulos – artigo 41º e n.º1 do artigo 58º, ambos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Depois porque não se pode criar um prazo onde o legislador o não criou e em situações substancialmente distintas.

O prazo de 3 meses a que alude a alínea b) do n.º1 do artigo 58º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, para impugnar actos anuláveis, como é a aqui o caso, aplica-se à situação geral, normal, de o advogado ser escolhido pela parte. Se a parte escolheu um patrono não diligente que intentou a acção fora de prazo, o facto é imputável à parte porque podia – devia – ter escolhido um patrono mais diligente.

Não se pode aplicar esta lógica aos patronos nomeados que resultam de escolha (mais ou menos aleatória) por parte da Ordem dos Advogados a que a parte tem, em princípio, de se sujeitar porque não paga pelos serviços, antes é o Estado que suporta a despesa.

Por outro lado, sendo a retribuição do patrono nomeado por regra bastante mais baixa do que a do advogado constituído, é natural que a sua motivação para intentar a acção e defender os interesses do beneficiário do apoio judiciário seja menor.

Dai que o legislador tenha criado regras extra processuais e processuais especificas para as situações de apoio judiciário, diferentes das regras gerais.

Porque a realidade a regular é distinta e específica.

Não se pode, neste contexto, falar em suspensão do prazo a que alude da alínea b) do n.º1 do artigo 58º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos com o pedido de nomeação de patrono, suspensão de prazo que cessa com a nomeação porque não se trata do mesmo prazo. Trata-se de prazos distintos criados em contextos e para regular situações completamente distintas.

Suspensão e retoma deste prazo poderá falar-se desde o pedido de nomeação de patrono e até à caducidade da nomeação porque, aí sim, renasce o mesmo prazo, com a mesma natureza e lógica.

Por outro lado, não se pode afirmar que no caso do patrono nomeado não existam prazos para intentar as acções e, logo, haja necessidade de aplicar também as regras gerais, em particular o prazo de 3 meses da alínea b) do n.º1 do artigo 58º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Desde logo porque esse prazo se aplica até ser deduzido o pedido de apoio judiciário. Se o pedido de apoio judiciário for deduzido depois de decorrido este prazo, tratando-se de impugnação de acto anulável, caduca o direito de acção - n.º 4 do artigo 33.º, da Lei do Acesso ao Direito e aos Tribunais.

Depois porque embora o prazo de 30 dias de que o patrono dispõe para intentar acção seja meramente ordenador não deixa de ter uma dimensão compulsória porque é suposto o patrono nomeado não se quere sujeitar a processo e eventualmente pena disciplinar. Só em casos justificados não intentará a acção no prazo de 30 dias, de acordo com a normalidade.

Finalmente se a inércia for devida ao próprio autor, o direito de acção caduca no prazo de um ano - artigo 11.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Acesso ao Direito e aos Tribunais.

Da conjugação destas normas - alínea b) do n.º1 do artigo 58º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, artigo 11.º, n.º 1, alínea b),e n.ºs 1,2 e 4 do artigo 33.º, da Lei do Acesso ao Direito e aos Tribunais – resulta que na normalidade dos casos e salvo motivo justificado, por parte do patrono nomeado ou do autor, a acção será proposta no prazo de um ano.

Prazo que, de resto, é concedido ao Ministério Público para a impugnação de actos anuláveis - alínea b) do n.º1 do artigo 58º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Prazo de um ano que foi aqui respeitado.

Ao contrário do que refere no Ministério Público neste Tribunal – pressuposto errado que determina o erro na conclusão - o benefício de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono para intentar a presente acção judicial não foi concedido em 17.08.2012.

Esta data, 17.08.2012, é a data em que foi pedido o apoio judiciário – ver ponto 23 dos factos provados, não impugnado.

O benefício do apoio judiciário foi concedido em 12.10.2012 – ponto 24 dos factos provados.

Data em que se deve ter por intentada a acção - n.º 4 do artigo 33.º, da Lei do Acesso ao Direito e aos Tribunais - e, portanto, em tempo, por ser, indiscutivelmente, o último dia do prazo de 3 meses a que alude - alínea b) do n.º1 do artigo 58º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

E dentro do prazo de um ano a que alude o artigo 11.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Acesso ao Direito e aos Tribunais – pois que, tal como, de resto, o Ministério Púbico neste Tribunal reconhece, apenas decorreram desde a concessão do apoio judiciário até à interposição da acção, em 10.09.2013, onze meses e não um ano.

Carece também de razão o Ministério Público neste Tribunal quando afirma que a “inexistência de elementos esclarecedores levam a concluir que o atraso na propositura da ação só pode ser imputada à beneficiária de proteção jurídica que por inércia negligenciou o efetivo exercício do direito à tutela jurisdicional efetiva consagrado no artigo 20.º da CRP.”.

Isto equivaleria a estabelecer uma presunção de culpa do beneficiário do apoio judiciário no caso de ser ultrapassado o referido prazo de um ano, presunção que não aparece na lei.

E, por outro lado, seria desrespeitar as regras processuais de repartição do ónus da prova pois tratando-se de matéria de excepção, caberia ao Réu prová-la, ou seja, que a Autora não agiu com a diligência exigível, designadamente por não fornecer dados solicitados pelo patrono. Não cabia à Autora provar o contrário.

Como resulta das disposições combinadas do artigo 342º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil, e dos artigos 264º, 414º e 571º, estes do Código de Processo Civil

Termos em que se impõe concluir pela procedência do recurso, dado não se verificar a excepção de caducidade, ao contrário do decidido.

O que implica determinar a baixa dos autos ao Tribunal recorrido para prosseguirem os seus normais termos com vista ao conhecimento de mérito da acção se nada mais a tal obstar.

*

IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO, pelo que:

1. Revogam a decisão recorrida.

2. Ordenam a baixa dos autos ao Tribunal recorrido para conhecimento de mérito da acção se nada mais a tal obstar.

Custas pelo Recorrido.


*


Porto, 17.05.2024

Rogério Martins
Fernanda Brandão
Paulo Ferreira de Magalhães, com a declaração de voto que se segue:

Declaração de voto:

Voto a decisão, revendo posição anterior.

Não acompanho porém a fundamentação aportada no Acórdão quando refere que “...Por outro lado, sendo a retribuição do patrono nomeado por regra bastante mais baixa do que a do advogado constituído, é natural que a sua motivação para intentar a acção e defender os interesses do beneficiário do apoio judiciário seja menor.”

Paulo Ferreira de Magalhães