Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00779/14.2BEBRG |
![]() | ![]() |
Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Data do Acordão: | 06/21/2024 |
![]() | ![]() |
Tribunal: | TAF de Braga |
![]() | ![]() |
Relator: | ANA PAULA ADÃO MARTINS |
![]() | ![]() |
Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL; RESPONSABILIDADE MÉDICA; DEVER DE INFORMAÇÃO; LEGES ARTIS; ILICITUDE; |
![]() | ![]() |
Sumário: | I – Os requisitos da responsabilidade civil extracontratual da Administração pela prática de acto ilícito são idênticos aos do regime da responsabilidade civil extracontratual prevista na lei civil: a existência de um facto voluntário praticado pelo agente lesante, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano. II – No âmbito de uma acção de responsabilidade civil extracontratual, é ao autor que incumbe o ónus de alegar e provar factos integradores dos pressupostos enunciados. III – Não logrando os Autores demonstrar os factos alegados passíveis de integrar as actuações ilícitas imputadas à Entidade Demandada – in casu, a violação do dever de informação e a violação das leges artis – improcede necessariamente a peticionada responsabilização desta.* * Sumário elaborado pela relatora (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Votação: | Unanimidade |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Meio Processual: | Acção Administrativa Comum |
Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | ![]() |
1 | ![]() |
Decisão Texto Integral: | * Acordam, em Conferência, na Subsecção Administrativa Comum da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I – RELATÓRIO «AA» e «BB», por si e na qualidade de representantes de «CC», todos melhor identificados nos autos, intentaram acção administrativa comum contra o HOSPITAL DE ..., E.P.E., com os demais sinais nos autos, pedindo a condenação do Réu a pagar: a) À menor «CC», a quantia de €70.000,00 a título de danos morais sofridos até à data da propositura da acção; b) A cada um dos Autores, a título de danos morais próprios, a quantia de €20.000,00€. Pede ainda a condenação do Réu em indemnização a atribuir à menor «CC» a liquidar em incidente de execução de sentença, relativamente aos danos morais e patrimoniais que eventualmente venham a ser apurados e que estejam directamente relacionados com as lesões sofridas pela menor em virtude do diagnóstico incorreto feito pelos clínicos ao serviço do Réu. * Por sentença proferida a 29.10.2021, a acção foi julgada totalmente improcedente e, em consequência, absolvido o Réu do pedido. * Inconformados com a referida decisão, dela vêm os Autores interpor o presente recurso, concluindo assim as suas alegações: 1. Por decisão datada de 29.10.2021, foram julgados improcedentes os pedidos formulados pelos Autores contra a Ré a título de danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes da violação do dever de informação pelos clínicos ao serviço da Ré, mas também por violação das legis artis na prestação dos cuidados médicos à menor «CC» filha de ambos 2. A expressão utilizada pela clínica que acompanhou a menor «CC», a Dr.a «DD», após ter obtido a confirmação de diagnóstico de adenovírus a que o Tribunal recorrido alude no ponto 9 da lista de factos assentes da decisão ora em crise, não cumpre minimamente os critérios definidos pelo art. 44º do Código Deontológico dos Médicos que devem ser observados nos esclarecimentos a prestar aos pacientes nem observa o disposto da Base XIV, nº 1, al e) da Lei de Bases da Saúde 3. A expressão utilizada pela referida clínica, não encerra em si qualquer explicação sobre o tipo de vírus ou bactéria causador da doença de que foi acometida a menor «CC», nem sobre a terapêutica a adotar, a perigosidade do mesmo para com terceiros e cuidados a ter. 4. A redação dada ao ponto 9 da lista de factos assente impõe que que sejam dados como provados os únicos factos que integram a lista de factos não assentes, a saber: a) “Os Autores «AA» e «BB» não foram informados sobre o vírus ou bactéria que a filha «CC» havia contraído, qual a terapêutica que iam adotar, se o vírus ou bactéria era contagioso e quais os cuidados a ter; b) Os clínicos do Réu ocultaram dos autores que a Autora «CC» tinha contraído pneumonia devido a adenovírus. 5. Os pontos 18, 21, 22, 23, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 33, 34, 36, 38, 39, 41 e 43 que integram a lista de factos assentes torna-se por demais evidente que os mesmos não encerram em si matéria de facto decorrente da prova testemunhal, documental e pericial produzida no âmbito dos presentes autos, antes são conclusões extraídas pelo Tribunal, uns porque são conclusivos e integram os thema decidendum outros porque não são uma consequência lógica de factos simples e apreensíveis outros porque deverão igualmente ser excluídos da seleção da matéria de facto; 6. O ponto 30 da lista de factos deu como provado que a existência de um derrame pleural pode ser detectado através da realização de uma radiografia pulmonar, sendo que o exame de eleição é a ecografia pulmonar, afirmação que tem por base esclarecimentos prestados pela Sr.a Perita Médica, deve ser expurgado da mesma porquanto, dos e trabalhos citados não se pode inferir que exista um meio diagnóstico de eleição, uma vez que os meios de diagnostico realizados são muitas das vezes complementares entre si, e depende, obviamente, da maior ou menor dificuldade do clínico em realizar um correto diagnóstico. 7. O ponto 31 da lista de factos assentes deve igualmente ser expurgado da mesma porque contraditado por esclarecimento prestados pela mesma médica perita, devendo, por isso e face a tais esclarecimentos, contar da lista de factos assentes os seguintes factos: - Na radiografia efectuada com o doente em pé, o derrame deve ser superior a 100 ml para ser detectado e segundo alguns autores tem de ter cerca de 175 ml para mostrar obliteração dos ângulos cardio e costo-frénicos. - Na radiografia efetuada com o doente deitado o derrame deve ser superior a 500ml para ser detectado; - Na radiografia efectuada com o doente em decúbito lateral, deitado para o lado em que existe derrame pleural, o volume de derrame deve ser de 5 a 10 ml para poder ser detetado. 8. Da análise comparativa dos resultados das análises realizadas a pedido dos clínicos ao serviço do Réu com as análises realizadas a pedido dos clínicos do Hospital ... é manifesta a discrepância entre uns e outros, pelo que face à sua relevância como meio de diagnóstico impõe que se deem como provados os seguintes factos: - No dia 27 de Fevereiro de 2011, a menor «CC» realizou um um PCR sendo o valor obtido de 4,77 e um hemograma com os seguintes resultados: (…) - No dia 2 de Março de 2011, a menor «CC» realizou nas instalações do Réu um PCR sendo o valor obtido de 2.75 e um hemograma com os seguintes resultados: (…) - No dia 4 de Março de 2011, a menor «CC» realizou nas instalações do Réu um PCR sendo o valor obtido de 8.82 e um hemograma com os seguintes resultados: (…) - No dia 4 de Março de 2011, pelas 23h13 m, 23h 30m e 23h32, a menor «CC» realizou nas instalações do Hospital ... análises sanguíneas, bacteriológicas, química geral e de virologia com os seguintes resultados: (…) 9 . Os registos clínicos da menor «CC» revelam que, no curto espaço temporal em que a mesma esteve internada nas instalações da Ré, existem registos feitos por 4 clínicos diferentes, sendo que, alguns desses registos são até contraditórios entre si. 10. No dia 1 de março a Médica Pediatra «EE» fez constar do registo clínico da menor a seguinte observação: “mãe acha que a «CC» se queixa ao urinar. Já terá manifestado essa sua preocupação de manhã” 11. Nos dias 2 e 3, a médica pediatra Dr.a «DD» fez constar a informação contrária dos relatórios clínicos da menor: “esta criança nunca teve queixas urinárias nem há registos nos diários de enfermagem a essas queixas”. 12. Os relatórios clínicos juntos aos presentes autos, a par das declarações da clinica «EE» supra transcritas impõe que se dê como provado que: - Nos dias 27 de Fevereiro/11 a 4 de março/2011, a menor «CC» foi assistida pelos clínicos ao serviço do Réu «DD», «FF», «EE» e «GG». 13. Ao omitirem aos Autores informações sobre diagnostico, terapêutica e prognostico da menor «CC», os clínicos ora em causa violaram o dever de informação que sobre os mesmos impendia de informar os ora Autores quer por força dos deveres deontológicos a que os mesmos estão adstritos (art. 44º do Código Deontológico dos Médicos) quer por força da Lei de Bases da Saúde, Base XIV da Lei 48/90 de 24.08, constituindo-se assim, na obrigação de indemnizar os Autores. 14 Tendo a menor «CC» foi diagnosticada com pneumonia causada por adenovírus, vírus esse que se transmite “através de contacto pessoa-a-pessoa, principalmente por inalação de gotículas de secreções respiratórias emitidas por um indivíduo infectado (por exemplo, quando tosse ou espirra), por contacto com objectos contaminados e, em menor grau, por transmissão fecal-oral” e de acordo com a informação prestada pela DGS, em caso de infecção grave implica internamento e tratamento de suporte especifico incluindo cuidados intensivos e ventilação assistida, os ora Autores correram sérios riscos de contraírem o referido vírus uma vez que nem sequer foram alertados para a necessidade de usarem equipamentos de proteção individual durante o período em que a Autora acompanhou a menor e as visitas quo Autor marido fez à mesma. 15. A omissão da informação relativa ao vírus causador da pneumonia de que foi acometida à menor «CC» expôs não só os Autores, as restantes filhas e até a mãe da Autora, ao risco de contágio do mesmo. 16. Assiste aos ora Autores o direito a serem compensados pelo facto de terem estado expostos ao perigo de terem contraído o vírus ora em causa, assim como de serem compensados pela angústia e temor pela perda da sua filha, por si vivida durante o período de internamento da menor «CC», em particular nos primeiros tempos que a mesma esteve internada no Hospital ... com prognóstico reservado. 16. Da análise do processo clínico da menor «CC» e inscrições nela insertas, em alguns casos contraditórias entre si, das declarações prestadas pelos clínicos que assistiram a mesma no âmbito dos presentes autos, é manifesta a atitude de autodesresponsabilização, e que os referidos clínicos não partilharam informações sobre o estado da menor, os resultados por si obtidos com os exames complementares de diagnósticos cuja realização foi pelos mesmos ordena 17. Os estudos clínicos nacionais que existem, e que se apoiam em parâmetros utilizados universalmente, permitem concluir que, ao contrário do que, resulta da prova pericial, o derrame pleural evolui por estágios, e que, a realização dos correctos exames de diagnósticos, que não se subsumem apenas aos exames de imagiologia, permitem evitar que a doença evolua para estágios mais avançados como sucedeu in casu. 18 Tendo por referencia a literatura nacional e estrangeira, até os esclarecimentos prestados pela Sr.a Perita, bastava que os clínicos que observaram a menor «CC» tivessem solicitado a realização de um RX em decúbito lateral para que a quantidade de líquido que a mesma apresentava nos pulmões (150ml) fosse visível numa simples radiografia. 19. A menor «CC» nunca fez qualquer radiografia na posição de decúbito lateral. 20. O facto de nenhum dos clínicos ao serviço da Ré que ordenaram a realização de RX à menor ter solicitado a realização das mesmas na posição de decúbito lateral, atrasou o diagnóstico da mesma, a ponto de, na ultima inscrição feita Dra «DD», nos registos clínicos da menor a mesma ter colocado a hipótese de a mesma ter um abcesso pulmonar o estágio mais grave da doença. 21. Ainda que o Réu estivesse desprovido de meios técnicos e humanos que permitissem realizar atempada e corretamente o diagnóstico da doença de que padecia a menor «CC», o que não sucedia in casu porque o Réu tinha um RX e laboratório onde poderia fazer as mesmas análises que a menor realizou assim que chegou ao Hospital ..., incumbia aos clínicos do Réu reencaminhar a menor para uma unidade hospitalar que possuísse tais valências. 22. A decisão de não efectuar o RX à menor na posição de decúbito lateral que permitiria detectar um derrame pleural com apenas 5ml de liquido no pulmão, a decisão de não efectuar exames bacteriológicos, a decisão de não realizar exame ao líquido pleural ainda que o Réu não estivesse dotado de meios técnicos e humanos para o efeito, apenas pode ser imputada aos clínicos ao serviço do Réu, que assim violaram as guidelines para tratamento de um derrame pleural 23. A não realização de tais exames complementares de diagnóstico atrasaram o diagnóstico da situação clinica da menor, o que potenciou o agravamento da mesma, com as consequências enunciadas nos pontos 44 a 48 da lista de factos assentes. 24. A atuação descoordenada e desorganizada, dos clínicos ao serviço do Réu são espelho da não promoção e definição de regras por parte desta instituição que assegurem a continuidade da prestação de cuidados de saúde, a promoção de partilha de informações por forma a que de forma mais célere se alcance um diagnóstico e se defina uma terapêutica, sendo assim, por demais evidente ter ocorrido no caso em apreço uma faut de service. 25. Ao permitir a atuação dos clínicos ao seu serviço nos moldes acima descritos, constituiu-se o Réu constituiu-se na obrigação de indemnizar a menor por todos os danos a estas causados, sejam eles de índole patrimonial ou não patrimonial, indicados no requerimento inicial. * O Réu contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões: 1-Assim, o Tribunal a quo fez uma correcta apreciação da prova testemunhal e documental e os factos dados por provados e não provados não merecem censura, sendo a conclusão / decisão de improcedência da acção uma decorrência desses factos e prova e da lei aplicável. 2-Deste modo, deverão improceder totalmente as alegações e conclusões dos Apelantes, devendo, assim, ser também julgado improcedente o recurso de apelação. 3-Pois a intervenção de todos os Médicos que sucessivamente ou simultaneamente observaram, acompanharam, diagnosticaram e medicaram a «CC» foi pautada pela habitual praxis médica, nada sendo omitido ou negligenciado. 4-E a transferência para o Hospital ... e a prestação de cuidados especiais pela sua unidade de cuidados intensivos pediátricos seguiu todos os protocolos e critérios, pois que este Hospital, de acordo com os critérios fixados pelo SNS, não tinha este serviço ou valências. 5-Pois também é óbvio que todos os profissionais deste Hospital que assistiram, observaram, medicaram e prestaram de algum modo cuidados à menor sempre estiveram empenhadamente envolvidos na sua recuperação. 6-Também os pais da menor e em especial a sua mãe que a acompanhava diariamente, sempre foram informados dos resultados analíticos, inclusivamente do facto da «CC» ser portadora de um vírus respiratório muito agressivo. 7-Inclusive no dia da sua transferência foi explicado à mãe da menor a razão e necessidade desta, pois seria antes aconselhável a sua transferência para um Hospital Central, no caso o Hospital ..., onde podia realizar os exames complementares necessários e a actuação terapêutica imediata, o que veio de facto a acontecer com sucesso para a doente «CC». 8-Ora, o contágio da criança pelo adenovírus não se verificou neste Hospital, nem tal está sequer alegado, sendo antes resultado do contacto da criança com outra criança ou outra pessoa ou outro meio infectado, pelo que nenhuma responsabilidade pode ser imputada ao Hospital. 9-E acresce que a infecção por adenovírus, embora normalmente benigna, pode provocar complicações ou sequelas às quais este Hospital é alheio. 10-Porém, os Autores, para além dos incómodos, privações, dores e angústias que qualquer doença e internamento causam, mas que não são só por si causadores do dever de indemnizar, concordam em que a doença foi totalmente vencida com todos os meios de terapêutica usados quer pelo Hospital contestante, quer pelo Hospital ..., cujos tratamentos estão sequencialmente interligados de acordo com os critérios e protocolos do SNS. 11-Assim, depois de transferida a criança para o Hospital de referência, o Hospital ..., o HOSPITAL DE ... nada mais poderia fazer, sendo certo que cada um dos médicos só actuou nas circunstâncias descritas nos episódios de urgência e internamento, como decorre dos boletins clínicos, nenhuma responsabilidade lhes podendo, assim, ser imputada, pois que não actuaram em momento algum de forma negligente ou com violação das práticas médicas aconselháveis e recomendadas. * O Ministério Público junto deste Tribunal Superior, notificado para o efeito, não emitiu parecer. * Sem vistos, mas com prévia divulgação do projecto de acórdão pelos Senhores Juízes Desembargadores Adjuntos, o processo vem submetido à Conferência. * II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO Atentas as conclusões das alegações do recurso interposto, que delimitam o seu objecto, nos termos dos art.s 635º, nºs 4 e 5 e 639º, nºs 1 e 2 do CPC, ex vi art 140º, nº 3 do CPTA, a questão decidenda reside em saber se o Tribunal a quo incorreu em: - erro de julgamento da matéria de facto; - erro de julgamento de direito ao considerar não preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual (por omissão do dever de informação e por violação das leges artis). * III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO III.1 A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos: 1. Os Autores são pais da menor «CC», nascida em ../../2008 – cfr. doc. 1 junto com a petição inicial; 2. Em 20.02.2011, a Autora «CC» deu entrada no Serviço de Urgência do HOSPITAL DE ... E.P.E., tendo ficado internada naquela unidade hospitalar, por apresentar uma bronquiolite aguda e picos febris de 4/4 horas – cfr. doc. 2 junto com a petição inicial; 3. Do relatório médico, elaborado à data, constava – cfr. doc. 2 junto com a petição inicial: “[…] Bom aspecto geral. Mucosas coradas e hidratadas. Taquipneico. Tiragem intercostal marcada. Aumento tempo expiratório. Orof. Com ligeiro rubor. AP - … rude bilateralmente. Sibilos e crepitantes bilateralmente. Restante exame objectivo normal. […]”; 4. A Autora «CC» teve alta em 25.02.2011; 5. Passados dois dias, a Autora «CC» deu novamente entrada nas urgências do Hospital Réu, com insuficiência respiratória, vómitos, 40ºC de temperatura e sem apetite – cfr. doc. 3 junto com a petição inicial; 6. A Autora «CC» ficou novamente internada até 04.03.2011; 7. Durante esse período, a evolução clínica e acompanhamento médico foram os seguintes – cfr. docs. 3 e 4 juntos com a petição inicial e docs. 4 a 7 juntos com a contestação: [Imagem que aqui se dá por reproduzida] (…) 8. Durante o internamento, a Autora «CC» esteve acompanhada pela Autora «BB»; 9. Em 03.03.2011, os Autores pais foram informados que a Autora «CC» tinha contraído um “bicho mau”; 10. Em 04.03.2011, a Autora «CC» foi transferida para o Hospital ... no ..., por estar dotado de meios de diagnóstico (ecógrafo) que o Réu não possuía e porque lá seria possível, se necessário, realizar outro tipo de intervenção (nomeadamente, cirúrgica e com cuidados intensivos) – cfr. docs. 5 e 6 juntos com a petição inicial; 11. No Hospital ... foi elaborada a seguinte informação – cfr. docs. 6 a 8 juntos com a petição inicial: […] […] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] […] 12. A Autora «CC» esteve internada no Serviço de Cuidados Intensivos, desde 05.03.2011 até 11.03.2011 – cfr. doc. 8 junto com a petição inicial; 13. Nessa data, a Autora «CC» teve alta do Serviço de Cuidados Intensivos, tendo sido registado o seguinte – cfr. doc. 8 junto com a petição inicial; [Imagem que aqui se dá por reproduzida] 14. A Autora «CC» esteve internada no serviço de Pediatria do Hospital ..., até 01.04.2011, tendo alta nessa altura, com as seguintes indicações – cfr. doc. 10 junto com a petição inicial: [Imagem que aqui se dá por reproduzida] 15. À data dos factos, a Autora «CC» tinha dois anos e meio de idade, gozava de boa saúde e não tinha qualquer defeito físico; 16. Durante o período de internamento, a Autora «CC» sofreu dores; 17. Os Autores «AA» e «BB» viveram momentos de preocupação, com a possibilidade de a Autora «CC» não sobreviver à doença que a acometeu; 18. É prática corrente e comum entre todos os médicos informar os pais de crianças doentes do seu estado clínico, exames, resultados e terapêutica administrar; 19. Os Autores têm mais duas filhas, que eram, à data, menores; 20. Na primeira apresentação da Autora «CC» no Serviço de Urgência do Hospital Réu, ocorrida em 20 de fevereiro de 2011, esta apresentava um quadro clínico compatível com um diagnóstico de bronquiolite – cfr. fls. 590 e 640 dos autos em suporte físico; 21. O diagnóstico de bronquiolite é clínico, não necessitando de exames complementares de diagnóstico – cfr. fls. 590 e 640 dos autos em suporte físico e consulta técnico-científica; 22. Aquando da primeira deslocação da Autora «CC» ao Hospital Réu, foram efetuados exames de sangue (que eram normais), e radiografia de tórax, que mostrou reforço hilar à direita, compatível com diagnóstico de bronquiolite – cfr. fls. 590 e 640 dos autos em suporte físico e consulta técnico-científica; 23. Os procedimentos adotados pelo pessoal clínico ao serviço do Réu, aquando do primeiro internamento da menor, mostram-se conforme com as legis artis – cfr. fls. 590 e 640 dos autos em suporte físico; (alterado cfr. decisão infra) 24. Aquando do seu regresso às urgências, no dia 27 de fevereiro de 2011, a Autora «CC» apresentava febre que mantinha há dois dias e presença de dois vómitos no próprio dia havendo, no entanto, referência a que se havia alimentado com tolerância – cfr. fls. 590 e 640 dos autos em suporte físico e consulta técnico-científica; 25. Atento quadro sintomatológico da Autora «CC», a radiografia na posição de deitada não seria necessária, porque mesmo que se levantasse a suspeita de presença de líquido intrapleural, este seria em tão pequena quantidade na altura, para não ser visível na radiografia de face, que não levaria a nenhuma alteração nos procedimentos adotados – cfr. fls. 590 e 640 dos autos em suporte físico; 26. A maneira mais correta de evidenciar, caraterizar, localizar e controlar derrame pleural é a realização de ecografia torácica e não tomografia axial computorizada – cfr. fls. 590 e 640 dos autos em suporte físico e consulta técnico-científica; 27. Os procedimentos seguidos foram os corretos, mormente o internamento e a posterior transferência para o Hospital ... – cfr. fls. 590 e 640 dos autos em suporte físico e consulta técnico-científica; 28. A existência de derrame pleural é uma complicação frequente da pneumonia, principalmente quando a mesma é causada por bactéria, menos frequente quanto é causada por um vírus, sendo certo que há derrames que existem sem o aparecimento de pneumonia – cfr. fls. 590 e 640 dos autos em suporte físico; 29. Pela auscultação pulmonar pode ser suspeitada a presença de derrame pleural, particularmente se este for de grandes dimensões; no entanto, pode ser difícil esse diagnóstico, já que a transmissão dos sons pulmonares e das vibrações vocais numa criança da idade da menor «CC» é tão grande que pode mascarar a diminuição local existente na presença de derrame pleural, particularmente havendo já o diagnóstico de uma pneumonia nesse local – cfr. fls. 590 e 640 dos autos em suporte físico; 30. A existência de um derrame pleural pode ser detetada pela realização de uma radiografia pulmonar, sendo o exame de eleição é a ecografia pulmonar – cfr. fls. 590 e 640 dos autos em suporte físico; 31. A quantidade mínima de líquido pleural necessária para a deteção de um derrame pleural numa radiografia de tórax é de cerca de 175ml – cfr. fls. 590 e 640 dos autos em suporte físico; (alterado cfr. decisão infra) 32. Segundo o relatório de entrada da menor «CC» no Serviço de Cuidados Intensivos Pediátricos do Hospital ..., e após a colocação de dreno torácico direito, verificou-se a drenagem de 150ml de líquido pleural de coloração citrina, com características analíticas sugestivas de um derrame pleural complicado, não cumprindo, no entanto, todos os requisitos necessários par ser classificado como empiema – cfr. fls. 590 e 640 dos autos em suporte físico; 33. O aparecimento de derrame pleural a complicar uma pneumonia pré-existente pode ser feito de forma insidiosa ou ser rapidamente progressivo – cfr. fls. 590 e 640 dos autos em suporte físico; 34. É impossível saber a velocidade do aumento e agravamento do derrame que a Autora «CC» sofreu – cfr. fls. 590 e 640 dos autos em suporte físico; 35. A necessidade de colocação de um dreno torácico para drenagem de um derrame pleural é muito frequente e determinada não só pela quantidade e características do derrame pleural em causa, como pelo estado geral do doente e pela dificuldade respiratória existente – cfr. fls. 590 e 640 dos autos em suporte físico e consulta técnico-científica; 36. Não é possível falar em atraso no diagnóstico – cfr. fls. 590 e 640 dos autos em suporte físico; 37. A colocação de um dreno torácico numa criança faz-se no Bloco operatório, porque é procedimento doloroso e faz parte do protocolo do Serviço que assim seja, sendo, portanto, a criança, anestesiada – cfr. fls. 590 e 640 dos autos em suporte físico; 38. A presença de um dreno torácico é sempre um motivo de desconforto, e até que seja possível retirá-lo, é (e foi) sempre feita medicação analgésica, para que esse desconforto seja o menor possível – cfr. fls. 590 e 640 dos autos em suporte físico e consulta técnico-científica; 39. A analgesia é mantida até o dreno ser retirado, sendo que a analgesia proporcionada pelo fentanil (analgésico potente) em perfusão IV é altamente eficaz, pelo que é plausível que neste caso as dores causadas pelo dreno tenham sido controladas de forma muito adequada e, portanto, não acrescidas – cfr. fls. 590 e 640 dos autos em suporte físico e consulta técnico-científica; 40. A Autora «CC» tem, neste momento, sequelas a nível pulmonar deixadas pela infeção grave que teve, causada por adenovírus, as quais se poderão repercutir no futuro profissional, mormente em profissões que exijam um esforço físico importante, sendo fixável a repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer num grau 3/7 – cfr. fls. 590, 634 e seguintes e 640 dos autos em suporte físico e esclarecimento do perito a 27.04.2020; 41. O efeito das sequelas de uma infeção pulmonar grave por adenovírus na função respiratória tende a melhorar com o tempo, já que, na idade que Autora «CC» tinha no momento da infeção, ainda há um crescimento do tecido pulmonar importante, e uma vez que se trata de lesões adquiridas num pulmão normal, esse crescimento vai também ser normal – cfr. fls. 590 e 640 dos autos em suporte físico; 42. O atual estado de saúde da menor «CC» é consistente com sequelas de infeção grave por adenovírus, e não de eventual atraso na deteção da doença de que padecia, sendo certo que a infeção por adenovírus não tem nenhum tratamento específico – cfr. fls. 590 e 640 dos autos em suporte físico e consulta técnico-científica; 43. Não é cientificamente possível relacionar quaisquer dores atualmente sentidas pela Autora «CC» com o eventual atraso no diagnóstico nem sequer com a doença de que padeceu em 2011 – cfr. fls. 590 e 640 dos autos em suporte físico e consulta técnico-científica; 44. A Autora «CC» esteve com défice funcional temporário total num período de 70 dias, défice funcional temporário parcial de 110 dias, sendo a data da consolidação médico-legal das lesões fixável em 18.08.2011 – cfr. fls. 634 e seguintes dos autos em suporte físico; 45. A repercussão temporária na atividade profissional total foi de 180 dias – cfr. fls. 634 e seguintes dos autos em suporte físico; 46. O quantum doloris foi fixado num grau 4 – cfr. fls. 634 e seguintes dos autos em suporte físico; 47. Foi fixado à Autora «CC» um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 8 pontos – cfr. fls. 634 e seguintes dos autos em suporte físico; 48. Foi fixado à Autora «CC» um dano estético permanente de 1 ponto (em 7) – cfr. fls. 634 e seguintes dos autos em suporte físico; 49. Desde 2011 os Autores pais acompanham a Autora «CC» a diversas consultas e tratamentos médicos frequentes; 50. Na sequência do sucedido, a Autora «BB» entrou em depressão; 51. A petição inicial, que motiva estes autos, deu entrada neste Tribunal, em 17.04.2014 – cfr. registo SITAF. * III.2 A sentença recorrida julgou não provados os seguintes factos: 1. Os Autores «AA» e «BB» não foram informados sobre que vírus ou bactéria a filha «CC» havia contraído, qual a terapêutica que iam adotar, se o vírus ou bactéria era contagioso e quais os cuidados a ter; 2. Os clínicos do Réu ocultaram dos Autores que a Autora «CC» tinha contraído pneumonia devido a adenovírus, com derrame pleural à direita. * III.3 O Tribunal a quo motivou assim a decisão da matéria de facto (provada e não provada): “A matéria de facto assente supra resultou da prova documental junta aos autos, da prova testemunhal produzida, das declarações de parte dos Autores pais e/ou não resultou controvertida. Valorou-se, também, a prova pericial. A matéria de facto não provada resultou da ausência de prova no sentido em que se deixou exposto. No que concerne à prova pericial, da mesma pôde extrair-se a factualidade elencada nos pontos 20 a 48, concretamente quanto ao tratamento médico dado à Autora «CC», realização de exames para diagnóstico, eventual atraso no mesmo, sofrimentos, danos e sequelas por esta padecidos. No que tange à prova testemunhal, foram ouvidas as seguintes testemunhas, arroladas pelas partes: . «HH» . «II» (Autores) . «JJ» . «GG» . «KK» . «EE». «DD» (Réu) Ainda antes de entrar na análise individual de cada um dos depoimentos, importa referir que a matéria da negligência médica (como outras) envolve conhecimentos técnicos e ponderações e avaliações a que o Tribunal acede de forma indireta, pois que a decisão não é feita por médicos. A formação da convicção do Tribunal passa por confiar ou não confiar na seriedade dos especialistas que depõem, na sua coerência, no grau de tecnicidade e formação demonstrados, aquando da inquirição. Pôr em causa estes testemunhos implica que se detete um erro grosseiro, palmar ou que surjam dúvidas insuscetíveis de esclarecer. Dito isto, quanto à prova por declarações de parte, o Autor «AA» prestou depoimento interessado e condicionado, não só por ser Autor, mas também por ser pai da Autora «CC» e estar a relatar o estado clínico da filha; o seu depoimento foi valorado, com alguma reserva, pois que a proximidade/pessoalidade com os factos relatados, a preocupação sentida e, mesmo, o decurso do tempo desde 2011, até à data do julgamento, cerca de dez anos, terão toldado a memória do que relatou. Mereceu destaque, na parte em que relatou que a filha não tinha melhorias, que a febre se mantinha e o estado geral da «CC» era de “cansadinha”, prostrada; que a mãe é que a acompanhava a maior parte do tempo, incluindo na ida para o Hospital ...; as preocupações e angústia sentidas à data e no tempo de recuperação. No que concerne ao dever de informação, não foi muito concreto, relatando só, de forma genérica, que ninguém lhes dizia nada, nem quanto ao que ela tinha, nem quanto ao possível contágio por adenovírus, afirmando, contudo, que lhe disseram que a filha tinha contraído um “bicho mau”. Relevou, ainda, neste ponto, que o Autor afirmou que não questionou, nomeadamente, o transporte para o ..., porque confiava nos médicos. Mais se valorou, na medida em que veio confirmado pela prova pericial, que a Autora «CC» terá tido limitações ao longo da sua vida, decorrentes deste episódio de doença, com inegáveis repercussões na vida familiar (que se dão como existentes até pelo senso comum). Não se valorou a referência que fez à visita, da sua sogra e das suas outras filhas, à «CC», aquando da transferência para o Hospital ..., pois que tal não foi confirmado pela própria sogra. Por não ter sido devidamente consubstanciado, mormente por referência às pessoas que o terão afirmado e ao seu conhecimento ao nível da medicina para o afirmarem, não se valorou a alusão de que lhe terá sido dito “É de Barcelos, é sempre a mesma coisa, só mandam par aqui quando não há nada a fazer”. A Autora «BB» relatou, com uma emoção própria de quem viu a filha doente e sem lhe poder valer, pois que as melhorias não surgiam e o tratamento não resultava, sendo que as circunstâncias relatadas, neste domínio, foram tidas por verdadeiras. No entanto, faz-se a mesma ressalva que se fez relativamente ao depoimento do Autor «AA», quanto à proximidade/pessoalidade com os factos relatados, a preocupação sentida e, mesmo, o decurso do tempo desde 2011, até à data do julgamento, de cerca de dez anos. Relevou o seu depoimento, na descrição do internamento, sendo que a Autora, apesar de alegar que nada lhe era dito, referiu que, aquando do internamento, fizeram exames à «CC» e disseram que tinha bronquiolite e que iam dar antibiótico; relatou que, quando o teste do adenovírus deu positivo, nada lhe foi transmitido, mas afirmou que estava num quarto sozinha com a filha (e não a partilhar com outras crianças) e que estava lá colocada uma bata; quanto à transferência para o Hospital ... relatou que lhe disseram que iam lá só para fazer ecografia. Quanto ao tratamento dado no Hospital ... e às preocupações posteriores, a Autora foi coerente e credível, relatando que ficou em choque à data e que, após o sucedido, entrou em depressão, sendo que a filha era saudável e passou a ter problemas de saúde recorrentes e necessidade de tratamentos frequentes. As testemunhas «HH» e «II», avós da Autora «CC», não prestaram depoimento relevante, quanto ao estado de saúde e tratamento da Autora «CC», na medida em o seu conhecimento derivou do que lhes foi transmitido pelos Autores «AA» e «BB». Quanto à saúde da «CC», antes desta factualidade, relataram ambas que era saudável, e que após passou a ter que ter acompanhamento frequente o que muito abalou a estabilidade familiar, emocional e financeiramente. A avó materna («II») referiu, ainda, que foi sozinha (sem as outras netas) visitar a «CC», ao Hospital, no dia da transferência para o ..., referindo que nenhum cuidado lhe foi imposto, mas não concretizou em que moldes a visita terá decorrido. As testemunhas arroladas pelo Réu, à exceção da primeira, foram os médicos que contactaram com a Autora «CC», em algum momento, do seu internamento, nos seus serviços, tendo prestado um depoimento não de memória, mas relatando o que decorreu da consulta aos registos efetuados, à data. A testemunha «JJ», médica pediatra no Centro Materno-infantil do Norte, prestou depoimento técnico, confirmando, ao nível do que foi perguntado, o que resultou da prova pericial, ora, produzida. Referiu ainda que, à data, o Hospital ... era o hospital de referência no Norte para situações clínicas de pediatria mais graves, que a deteção de derrame pleural passa pela auscultação, radiografia e ecografia, e que a radiografia em decúbito lateral não é procedimento protocolarmente adotado. As demais testemunhas, com a ressalva que se fez, de que, apenas, recordavam a factualidade vertida nos registos clínicos elaborados à data e consultados por ocasião do julgamento, limitaram-se a dar por reproduzidos tais registos. Em termos mais genéricos, e questionados quanto a procedimentos habituais, em torno da informação dada aos pais/acompanhantes de crianças internadas, referiram, com convicção, assertivamente, que é prática corrente informar dos exames, resultados, diagnósticos e tratamentos. Neste caso concreto, assumiram ter seguido o procedimento corrente e ter informado os pais, não podendo, contudo, afirmar que o tenham feito. A matéria de facto não provada, relativamente à falta de informação aos Autores, quanto ao estado clínico da filha, resultou, como se disse, da ausência de prova. Se, por um lado, é certo que não se logrou demonstrar que tal informação foi, efetivamente, transmitida, a verdade é que o ónus da prova quanto à omissão cabia aos Autores. E, neste domínio, a única prova produzida, por si, foi a prestação de declarações de parte, as quais são livremente apreciadas pelo Tribunal (artigo 466º, n.º 3 do C.P.C.), sendo que os mesmos acabaram por referir, que houve informações que lhe foram sendo dadas. É certo e é do senso comum que, muitas vezes, os médicos, absortos, nomeadamente a tratar os doentes, podem não transmitir, tudo o que os interessados pretendem saber; mas, também, é inegável que a informação tem que ser transmitida de forma adequada ao destinatário. A referência, de ambos os Autores, quanto ao “bicho mau” é significativa do que se expõe, pois que, mais do que dizer, especificamente, que era um adenovírus, os pais melhor perceberiam que era algo grave ao saberem que a filha tinha contraído um “bicho mau”. Deste modo, foi possível dar como provado que foi transmitida informação aos Autores, tendo-se como não provada a sua alegação em sentido inverso.” * III.4 Da impugnação da decisão da matéria de facto Os Recorrentes impugnam a decisão da matéria de facto. Perscrutadas as alegações e respectivas conclusões a este respeito, temos por suficientemente observado o ónus que lhes é imposto pelo artigo 640º do CPC, pelo que importa conhecer do recurso nesta parte. Sobre a modificabilidade da decisão de facto, dispõe o n.º 1 do artigo 662º do CPC que a “Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.” Nesta tarefa, guiar-nos-emos pelos seguintes ditames: - A reapreciação da decisão de facto impugnada, pelo tribunal de 2ª instância, não se deve limitar à verificação da existência de erro notório, mas implica a reapreciação do julgado sobre os pontos impugnados, em termos de o tribunal de recurso formar a sua própria convicção em resultado do exame das provas produzidas e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir, para só, em face dessa convicção, decidir sobre a verificação ou não do erro invocado, mantendo ou alterando os juízos probatórios em causa (cfr. acórdão de 11.07.2019, proc. 24369/16.6, publicado em www.dgsi.pt); - Porque se mantêm em vigor os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, e o julgamento humano se guia por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta, o uso pela 2.ª Instância dos poderes de alteração da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados (cfr. ac. deste TCAN de 10.03.2023, proferido no proc. nº 29/15.4BEBRG, publicado em www.dgsi.); - Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte (cfr. Ana Luísa Geraldes, “Impugnação e Reapreciação Sobre a Matéria de Facto”, in “Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, vol. IV, pág. 609); - Na fundamentação de facto da sentença apenas devem constar os factos julgados provados e não provados, dela devendo ser expurgados todos os que constituem matéria susceptível de ser qualificada como questão de direito, conceito que engloba os juízos de valor ou conclusivos; - Os factos conclusivos não podem integrar a matéria de facto quando estão diretamente relacionados com o thema decidendum, impedem a percepção da realidade concreta, e/ou ditam por si mesmo a solução jurídica do caso, normalmente através da formulação de um juízo de valor. Dos factos que integram a lista de factos não provados que devem integrar a lista de fatos assentes Alegam os Recorrentes que a redacção dada ao ponto 9 da lista de factos assentes impõe que que sejam dados como provados os únicos factos que integram a lista de factos não assentes. Porém sem razão. Vejamos. O Tribunal a quo julgou provado que “Em 03.03.2011, os Autores pais foram informados que a Autora «CC» tinha contraído um “bicho mau” (facto provado nº 9). E julgou não provado que: “1. Os Autores «AA» e «BB» não foram informados sobre o vírus ou bactéria que a filha «CC» havia contraído, qual a terapêutica que iam adotar, se o vírus ou bactéria era contagioso e quais os cuidados a ter; 2. Os clínicos do Réu ocultaram dos autores que a Autora «CC» tinha contraído pneumonia devido a adenovírus.” Ao contrário do que parece resultar da alegação de recurso, os factos tidos por não provados são resultado de falta de prova dos mesmos e não uma ilação retirada da factualidade contida no ponto 9 dos factos provados. Enquanto o facto provado nº 9 assentou essencialmente nos depoimentos de parte dos Autores, os factos dados como não provados são resultado “da ausência de prova”. Quer isto dizer que, tendo ficado provado que “Em 03.03.2011, os Autores pais foram informados que a Autora «CC» tinha contraído um “bicho mau” (facto alegado no artigo 15º da p.i.), não lograram os Autores demonstrar, como era seu ónus, que não lhes foi “devidamente explicado que tipo de vírus ou bactéria é que a menor tinha contraído, que tipo de terapêutica é que os clínicos iriam adoptar, se o vírus ou bactéria era contagioso e quais os cuidados a ter” (cfr. alegado artigos 16, 17º e 18º da p.i.). E bem assim não lograram demonstrar que, no dia 04.03.2011, “ao invés de transmitir aos Autores qual o verdadeiro estado de saúde da menor e da necessidade de transferir a mesma para uma outra unidade de cuidados de saúde, designadamente para o Hospital ..., no ..., para aí lhe serem prestados os cuidados médicos que o estado de saúde da menor reclamava, os clínicos ao serviço do Réu ocultaram dos mesmos que a menor tinha contraído uma pneumonia devido a denovírus, com derrame pleural à direita, tendo-lhe apenas comunicado que a menor iria ser transferida para o Hospital ... para realizar uma ecografia, e que, no dia seguinte, regressaria novamente às instalações do Réu.” (cfr. alegado nos artigos 22º, 23º, 24º e 25º da p.i.). Com efeito, intentada a presente acção de responsabilidade civil médica, ao abrigo de Lei n.º 67/2007 de 31.12, é sobre os Autores que recai o ónus de alegar e demonstrar o preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, onde se inclui a prática de facto ilícito e ainda a culpa, os danos e o nexo de causalidade. In casu, a alegada violação do dever de informação apenas foi referenciada pelos próprios Autores, sem suporte em qualquer outro meio de prova. O depoimento prestado por «II» (mãe da Autora, sogra do Autor e avó da autora «CC») foi inconcludente, ficando muito aquém das declarações das partes, restando a dúvida dos termos em que ocorreu a visita. Sobre as declarações de parte, determina o artigo 466º, nº 3 do CPC que, o segmento em que não constituem confissão, são livremente apreciadas. Mas a livre apreciação é sempre condicionada pela razão, pela experiência e pelas circunstâncias. Neste enquadramento, será normalmente insuficiente à prova de um facto essencial à causa de pedir a declaração favorável que desacompanhada de qualquer outra prova que a sustente ou sequer indicie - cfr. ac. acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23.3.2015 (1002/10); acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20.06.2016 (2050/14) e acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13.10.2016 (640/13). As declarações de parte, visando a prova de factos favoráveis à pretensão do próprio declarante, não podem deixar de constituir, por natureza, um meio de prova frágil, pois que a parte que depõe tem naturalmente um interesse directo na comprovação desses factos. As declarações de parte – que divergem do depoimento de parte – devem ser atendidas e valoradas com algum cuidado. As mesmas, como meio probatório, não podem olvidar que são declarações interessadas, parciais e não isentas, em que quem as produz tem um manifesto interesse na acção – cfr. acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 26.06.2014 (216/11) e de 30.06.2014. Acresce que os profissionais do Réu que intervieram na assistência da menor «CC», embora não se recordando (ao menos claramente) do caso em concreto, foram dizendo, em uníssono, qual é a prática seguida, que a mesma se consubstancia em ir informando o responsável pelo menor e que certamente terá sido seguida também nesta situação. Ainda, fere as regras da experiência comum que, numa situação como aquela aqui em apreço, em que uma criança de 2 anos, é internada por vários dias (desde o dia 27.02.2011 a 04.03.2011), primeiro no serviço de urgência e depois no serviço de pediatria (o que, segundo as testemunhas, implica uma mudança de piso), e é depois encaminhada para uma outra unidade hospitalar, no ..., a única informação prestada aos pais, designadamente à mãe, que foi quem a acompanhou, fosse a de que a “«CC» tinha contraído um “bicho mau”. Não se nos afigura crível que, durante tantos dias, tendo a menor passado “pelas mãos” de tantos médicos e enfermeiros, num quadro de não melhoria/agravamento, nenhum profissional prestasse qualquer esclarecimento à mãe da menor e sobretudo não é crível que esta mãe se bastasse com a menção única, no dia 03.03.2011, de que a “«CC» tinha contraído um “bicho mau”. Termos em que se mantém inalterada a factualidade dada como não provada. Da eliminação dos pontos 18, 21, 22, 23, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 33, 34, 36, 38, 39, 42 e 43 da lista de factos assentes Alegam os Recorrentes que os pontos supra indicados não encerram em si matéria de facto decorrente da prova testemunhal, documental e pericial produzida no âmbito dos presentes autos, antes são conclusões extraídas pelo Tribunal, razão pela qual devem ser excluídos da seleção da matéria de facto. Vejamos, tendo presente que, com excepção do facto 18, todos os factos assentam em prova pericial produzida nos autos (datada de 18.05.2018), designadamente, nas respostas dadas pela Dra. «LL» (médica pediatra do Hospital ...) às questões que lhe foram submetidas pelo Tribunal a quo (cfr. despachos de 08.03.2016), integralmente subscritas pelo perito em medicina legal (cfr. relatório datado de 06.02.2020). Alguns desses factos foram ainda assentes no parecer (datado de 17.03.2021 e subscrito por especialista em pediatria) emitido na sequência da solicitação de consulta técnico-científica ao Conselho Médico-Legal, na sequência do relatório da perícia de avaliação do dano corporal do INML (cfr. despacho de 07.10.2020). Importa ainda sublinhar que, como afirma o STA, as “leges artis, enquanto “normas técnicas” da prática médica, não podem ser analisadas, interpretadas e mobilizadas pelo julgador, como se de normas jurídicas se tratasse, para “determinar” a existência ou não de um ilícito. As leges artis são, como o nome indica, as “regras da arte” de um determinado domínio extrajurídico e a sua violação ou não é uma questão de facto, apreciada e valorada no âmbito da produção de prova, através dos meios probatórios adequados para o efeito, em regra, a prova testemunhal e pericial.” – cfr. ac. de 03.11.2022, de 0118/10.1BEPNF publicado em www.dgsi.pt. Facto 18: “É prática corrente e comum entre todos os médicos informar os pais de crianças doentes do seu estado clínico, exames, resultados e terapêutica administrar”. Consideram os Recorrentes que este ponto não passa de uma conclusão extraída pelo Tribunal. Ao contrário dos Recorrentes, não se nos afigura estarmos perante matéria conclusiva. Estando em causa responsabilidade médica, importa saber o dever dos médicos/direitos dos utentes, a prática médica e ainda se, no caso em concreto, foi adoptada essa prática. Nos autos, apurada a prática habitual, não se logrou apurar se esta foi adoptada no caso em concreto. Termos em que se mantém inalterado o facto. Facto 21: “O diagnóstico de bronquiolite é clínico, não necessitando de exames complementares de diagnóstico”. Também aqui os Recorrentes entendem tratar-se de uma conclusão extraída pelo Tribunal recorrido e sublinham “a importância dos meios de diagnóstico na formulação de um juízo médico, sendo este, em muitas situações ditado pelo resultados obtidos através dos meios de diagnóstico, como veio a suceder in casu.”. A matéria em causa integra a resposta da Sra. Perita à seguinte questão (questão nº 2) submetida pelo Tribunal: “Perante as queixas relatadas no momento da deslocação da menor ao S.U. do H.S.M.M. aquando dessa primeira deslocação, de acordo com as boas práticas médicas, a menor apresentava queixas ou resultados de exames clínicos que permitissem equacionar um diagnóstico diverso, nomeadamente um diagnóstico de pneumonia?” Foi esta a resposta completa da Sra. Perita: “Segundo as boas práticas clínicas, o diagnóstico de bronquiolite é clínico, não necessitando, para ser feito, de exames complementares que o suportem. No entanto, e na primeira ida ao serviço de urgência do HOSPITAL DE ... da menor acima referida, esta realizou exames de sangue (hemograma e proteína C reactiva (PCR), que eram normais, e radiografia de tórax, que mostrou reforço hilar à direita, resultados estes compatíveis com o diagnóstico de bronquiolite.” Submetida idêntica questão a consulta técnico-cientifica obteve uma clara resposta negativa, dizendo claramente não haver qualquer sugestão do diagnóstico de pneumonia. Referiu igualmente que o diagnóstico de bronquiolite aguda é essencialmente clínico. Ao contrário dos Recorrentes, não se nos afigura estarmos perante matéria conclusiva. Estando em causa responsabilidade médica, importa saber as boas práticas médicas para, de seguida, averiguar se estas foram ou não seguidas pelos profissionais ao serviço do Réu. Termos em que se mantém inalterado o facto. Facto 22: “Aquando da primeira deslocação da Autora «CC» ao Hospital Réu, foram efetuados exames de sangue (que eram normais) e radiografia de tórax, que mostrou reforço hilar à direita, compatível com diagnóstico de bronquiolite”. Pretendem os Recorrentes – sem, no entanto, o justificar - a eliminação da expressão contida entre parêntesis: “que eram normais”. O facto em causa manter-se-á inalterado tendo em conta que integra também a resposta da Sra. Perita e da consulta técnico-científica à questão nº 2 acima enunciada (na qual se visava precisamente averiguar se, aquando do 1º internamento, havia, entre o mais, exames clínicos que permitisse equacionar um diagnóstico diverso da bronquiolite, nomeadamente um diagnóstico de pneumonia), e ainda por ser claramente perceptível o seu significado. Facto 23: “Os procedimentos adotados pelo pessoal clínico ao serviço do Réu, aquando do primeiro internamento da menor, mostram-se conforme com as legis artis”. O facto em causa é extraído da resposta dada pela Sra. Perita à seguinte questão (nº 3): “Em face do quadro sintomatológico apresentado pela menor, assim como do seu histórico clínico, os procedimentos adoptados pelo pessoal clínico ao serviço do Réu, aquando do primeiro internamento da menor, mostram-se conforme com as legis artis?” Foi esta a resposta integral da Sra. Perita: “Os procedimentos adoptados perante o quadro clínico apresentado pela menor, de manutenção de observação/vigilância no serviço de urgência e posterior internamento no serviço de pediatria mostram-se conforme as legis artis. No seu historial clínico há referência a antecedentes de asma, que não influencia nem altera os procedimentos adoptados”. Ainda que não referida na sentença recorrida, foi esse também o parecer da consulta técnico-científica. O facto em apreço, não será eliminado mas antes alterado, passando a ter a seguinte redacção: “Os procedimentos de manutenção de observação/vigilância no serviço de urgência e posterior internamento no serviço de pediatria, adoptados pelo pessoal clínico ao serviço do Réu, aquando do primeiro internamento da menor, perante o quadro clínico por esta apresentado, foram os corretos.” Facto 25: “Atento quadro sintomatológico da Autora «CC», a radiografia na posição de deitada não seria necessária, porque mesmo que se levantasse a suspeita de presença de líquido intrapleural, este seria em tão pequena quantidade na altura, para não ser visível na radiografia de face, que não levaria a nenhuma alteração nos procedimentos adotados.” Os Recorrentes visam a eliminação do facto em causa, por ser “manifestamente conclusivo, uma vez que, não surge como consequência lógica retirada de factos simples e apreensíveis que integram a lista de factos assentes da decisão ora em crise.” A factualidade em causa configura matéria resultante da prova pericial que teve lugar nos autos. Concretamente, é extraída da resposta dada pela Sra. Perita à seguinte questão (nº 5): “Atento o quadro sintomatológico apresentado pela menor, assim como o seu histórico clínico, durante o segundo período de internamento de «CC», ocorrido entre 27.02.2011 e 04.03.2011, mostrar-se-ia adequado às legis artis a realização de radiografia ao tórax (em posição tradicional e com a paciente deitada de lado), por forma a detectar a existência de líquido no pulmão?” Foi esta a resposta integral da Sra. Perita:” Atento o quadro sintomatológico apresentado pela menor, assim como o seu histórico clínico, durante o período de internamento de «CC», que decorreu entre 27.02.2011 e 04.03.2011, a criança repetiu a radiografia de tórax e foi colocado o diagnóstico de pneumonia direita, não se observando derrame pleural. A realização de uma radiografia na posição de deitada não seria necessária, porque mesmo que se levantasse a suspeita de presença de líquido intrapleural, este seria em tão pequena quantidade na altura, para não ser visível na radiografia de face, que não levaria a nenhuma alteração nos procedimentos adotados.” Ainda que não referido na sentença recorrida, o parecer da consulta técnico científica foi também no sentido de não haver indicação para realização da radiografia de tórax em decúbito lateral (“deitada de lado”), por as radiografias de tórax não fazerem suspeitar de derrame nem haver registo de auscultação pulmonar assimétrico. O que aqui se retrata é a actuação exigível ao réu, perante o quadro clínico da menor, no tempo em que esteve sob a sua vigilância e cuidados, ao nível da realização de exames, tendo em vista detectar a existência do derrame pleural. Estamos, pois, perante um facto, que se mantém inalterado. Facto 26: “A maneira mais correta de evidenciar, caraterizar, localizar e controlar derrame pleural é a realização de ecografia torácica e não tomografia axial computorizada”. Pretendem os Autores a eliminação do aludido ponto da matéria de facto provada por “ser conclusivo” e não reproduzir “uma opinião consensual no seio da comunidade médica”. O facto em causa é extraído da resposta dada pela Sra. Perita à seguinte questão (nº 6) colocada pelo Tribunal a quo: “Caso tal exame se revelasse inconclusivo, de acordo com as boas práticas médicas, deveria então a menor ser submetida a uma tomografia axial computadorizada?”. Foi esta a resposta integral da Sra. Perita: “De acordo com as boas práticas médicas e perante um diagnóstico de pneumonia que não está a ceder perante a terapêutica prescrita, levanta-se a suspeita de aparecimento de uma complicação, a mais frequente das quais é a existência de um derrame pleural. A maneira mais correcta de o evidenciar, caraterizar, localizar e controlar é a realização de ecografia torácica e não tomografia axial computorizada”. O mesmo sentido seguiu o parecer da consulta técnico-científica, que respondeu negativamente à questão colocada. Este facto (bem como o anterior) contrariam a sequência de realização de meios diagnósticos que os Autores reputam de adequada. Os Recorrentes sustentam a eliminação do facto em crise na existência de dois estudos médicos que identificam nas suas alegações. Todavia, tais estudos (que, desde logo, configuram a junção de documentos sem qualquer menção e justificação) não são aptos a contrariar o juízo pericial produzido nos autos, que atendeu aos contornos do caso concreto. Desde logo, e como assinalado pela testemunha «DD», a situação de um adulto não é comparável à de uma criança (de 2 anos de idade). Pretendem os Recorrentes a eliminação dos pontos 27, 36, 42 e 43 (por lapso, a conclusão nº 5 alude ao facto provado nº 41, quando pretende referir-se ao facto nº 42) da seleção da matéria de facto “porque são conclusivos e integram os thema decidendum”. Atentemos no teor dos factos em crise: Facto 27: “Os procedimentos seguidos foram os corretos, mormente o internamento e a posterior transferência para o Hospital ...”. Facto 36: “Não é possível falar em atraso no diagnóstico.” Facto 42: “O atual estado de saúde da menor «CC» é consistente com sequelas de infeção grave por adenovírus, e não de eventual atraso na deteção da doença de que padecia, sendo certo que a infeção por adenovírus não tem nenhum tratamento específico.” Facto 43: “Não é cientificamente possível relacionar quaisquer dores atualmente sentidas pela Autora «CC» com o eventual atraso no diagnóstico nem sequer com a doença de que padeceu em 2011.” Na linha do que vimos sustentando, estão em causa factos extraídos das respostas dadas pela Sra. Perita a questões submetidas pelo Tribunal a quo, in casu as questões nºs 7, 15, 21, 22 e 23, sendo que algumas foram ainda objecto da consulta técnico-científica. Os autos visam apurar a conduta seguida pelos profissionais do Réu e se a mesma está de acordo com as práticas recomendadas. O que atestam os factos em crise – que são factos e não conclusões – é o acerto da conduta assumida pelo Réu quando, num primeiro momento, internou a menor «CC» e, posteriormente, em face da complicação do seu quadro clínico, a transferiu para a entidade hospitalar com as valências necessárias (e inexistentes no Réu), sem que se possa imputar um qualquer atraso no diagnóstico. Sustentam os Recorrentes a eliminação dos pontos 28, 29, 33, 34, 38 e 39 (os pontos 35 e 37, ainda que referidos nas alegações, não o foram nas conclusões, designadamente na nº 5) da seleção da matéria de facto “por não se tratarem de factos alegados pelas partes nem serem uma consequência lógica de factos simples e apreensíveis”. Recordemos os factos: Facto 28: “A existência de derrame pleural é uma complicação frequente da pneumonia, principalmente quando a mesma é causada por bactéria, menos frequente quanto é causada por um vírus, sendo certo que há derrames que existem sem o aparecimento de pneumonia.” Facto 29: “Pela auscultação pulmonar pode ser suspeitada a presença de derrame pleural, particularmente se este for de grandes dimensões; no entanto, pode ser difícil esse diagnóstico, já que a transmissão dos sons pulmonares e das vibrações vocais numa criança da idade da menor «CC» é tão grande que pode mascarar a diminuição local existente na presença de derrame pleural, particularmente havendo já o diagnóstico de uma pneumonia nesse local”. Facto 33: “O aparecimento de derrame pleural a complicar uma pneumonia pré-existente pode ser feito de forma insidiosa ou ser rapidamente progressivo”. Facto 34: “É impossível saber a velocidade do aumento e agravamento do derrame que a Autora «CC» sofreu”. Facto 38: “A presença de um dreno torácico é sempre um motivo de desconforto, e até que seja possível retirá-lo, é (e foi) sempre feita medicação analgésica, para que esse desconforto seja o menor possível.” Facto 39: “A analgesia é mantida até o dreno ser retirado, sendo que a analgesia proporcionada pelo fentanil (analgésico potente) em perfusão IV é altamente eficaz, pelo que é plausível que neste caso as dores causadas pelo dreno tenham sido controladas de forma muito adequada e, portanto, não acrescidas”. Mais uma vez, estão em causa factos extraídos das respostas dadas pela Sra. Perita a questões submetidas pelo Tribunal a quo, em face dos articulados apresentados pelas partes e com a concordância destas - in casu as questões nºs 8, 9, 13, 14, 17 e 18 8algumas das quais objecto de consulta científica). Donde, não se alcança a afirmação singela e “em bloco” de que não se tratam de factos alegados pelas partes. O que retratam os factos em crise é a caracterização da complicação ocorrida com a menor «CC» (derrame pleural). Como se detecta? Como evolui? Não vislumbramos em que medida os Recorrentes consideram que estamos perante meras conclusões. Mais retratam as possíveis dores (acrescidas) sentidas pela menor «CC». A prova pericial levada a cabo nos autos analisa e descreve os dados clínicos e os procedimentos técnicos seguidos, concluindo pelo cumprimento da legis artis e pela inexistência de qualquer falha, ainda que negligente, por parte dos profissionais ao serviço do Réu nos cuidados prestados à menor «CC». Da matéria de facto dada como provada que deve ser retirada da lista de factos assentes: Facto 30: “A existência de um derrame pleural pode ser detetada pela realização de uma radiografia pulmonar, sendo o exame de eleição é a ecografia pulmonar”. Alegam os Recorrentes que “a afirmação que tem por base esclarecimentos prestados pela Sr.a Perita Médica, deve ser expurgado da mesma porquanto, dos e trabalhos citados não se pode inferir que exista um meio diagnóstico de eleição, uma vez que os meios de diagnostico realizados são muitas das vezes complementares entre si, e depende, obviamente, da maior ou menor dificuldade do clínico em realizar um correto diagnóstico”. Os Recorrentes assentam a sua intenção de expurgar o facto 30 da lista dos factos provados essencialmente em “estudos clínicos publicados e trabalhos realizados sobre derrames pleurais, entre os quais, se inclui o da Dr. ...”, segundo os quais não existirá um exame de eleição para diagnosticar derrames pleurais. Como já referido (a propósito do facto 26), a existência de dois estudos médicos (identificados pelos Recorrentes nas suas alegações, que mais não é do que a junção de documentos sem qualquer menção e justificação) que alegadamente apontam em sentido distinto não são aptos a contrariar o juízo pericial que atendeu aos contornos do caso concreto. Desde logo, e como destacado pela testemunha «DD», a situação de um adulto não é comparável à de uma criança (de 2 anos de idade). Alegam ainda que, da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, mormente dos depoimentos dos clínicos, é que, na prática, o meio de eleição para diagnosticar derrames pleurais é o RX por ser o meio de diagnóstico menos dispendioso e que está quase sempre disponível nas unidades hospitalares. Esta alegação, enquadrada nos aludidos depoimentos, denota uma distinta leitura da expressão “meio de eleição”. O que foi dito pelos médicos, ouvidos em audiência de julgamento, foi que o recurso a meios de diagnóstico complementares obedece a determinados patamares/degraus, começando-se por aqueles que são menos lesivos/agressivos para o paciente e mais disponíveis (porque menos dispendiosos) nas diversas unidades hospitalares e que, em regra, se revelam suficientes. Só em caso de suspeitas não dissipadas e/ou não melhoria ou agravamento do estado do doente é que se recorre ao meio de diagnóstico “seguinte”. E assim por diante. Como referiu a testemunha «GG», o Rx “não é o melhor mas é o primeiro”. Assim, diante da desconfiança de um derrame pleural, os profissionais do Réu transferiram a «CC» para o Hospital ..., com vista a que aí lhe fossem prestados os melhores cuidados de saúde. Termos em que se mantém o facto impugnado. Facto 31: “A quantidade mínima de líquido pleural necessária para a deteção de um derrame pleural numa radiografia de tórax é de cerca de 175ml”. Neste caso, os Recorrentes pretendem a eliminação ou, pelo menos, a alteração do facto, passando a ter a seguinte redacção: “- Na radiografia efectuada com o doente em pé, o derrame deve ser superior a 100 ml para ser detectado e segundo alguns autores tem de ter cerca de 175 ml para mostrar obliteração dos ângulos cardio e costo-frénicos. - Na radiografia efetuada com o doente deitado o derrame deve ser superior a 500ml para ser detectado; - - Na radiografia efectuada com o doente em decúbito lateral, deitado para o lado em que existe derrame pleural, o volume de derrame deve ser de 5 a 10 ml para poder ser detetado.” Alegam que o ponto 31 da lista de factos assentes, que teve na sua base a perícia que vem sendo referida, foi contraditado por esclarecimentos prestados pela mesma médica perita (datados de 24.10.2018). O Tribunal a quo julgou provado, no ponto 31, que “A quantidade mínima de líquido pleural necessária para a deteção de um derrame pleural numa radiografia de tórax é de cerca de 175ml”. Fê-lo com base na prova pericial produzida nos autos, em resposta à questão nº 11, reproduzindo-a textualmente. Questionava o Tribunal se, em caso de resposta afirmativa à questão anterior (“A existência de um derrame pleural pode ser detectado por via da realização de uma radiografia?”), “qual a quantidade mínima de líquido acumulado para que o derrame possa ser detectado por via do mencionado exame radiológico”. Questionou ainda o Tribunal (questão nº 12) se a “menor, aquando da sua entrada no Serviço de Urgência do Hospital ..., no dia 4 de Março de 2011, apresentava já um derrame pleural à direita, com a acumulação de 150 cc de líquido citrino com características citoquímicas compatíveis com derrame pleural complicado borderline? A isto respondeu a Sra. Perita que “segundo o relatório de entrada da menor «CC», no Serviço de Cuidados Intensivos Pediátricos do Hospital ..., e após a colocação de dreno torácico direito, verificou-se a drenagem de 150ml de líquido pleural de coloração citrina, com características analíticas sugestivas de um derrame pleural complicado …”. Diante da resposta dada à questão 12, os Autores requereram que a Sra. Perita esclarecesse se a detecção da existência de líquido nos pulmões e respectivas quantidades varia ou não em função da idade e do peso da criança e, em caso de resposta afirmativa, atenta a idade e peso da «CC», a partir de que quantidades de líquido presente no pulmão se tornaria percetível a sua presença nos meios de diagnostico nomeadamente de um raio X (cfr. requerimento de fls. 803 do sitaf). Em resposta, esclareceu a Sra. Perita indicou quais as quantidades detetáveis consoante a posição em que é efectuada a radiografia de tórax, nos termos indicados pelos Autores. Por se nos afigurar que, em sede de esclarecimentos, a Sra. Perita apresentou uma resposta mais completa (e não contraditória), referindo-se a diferentes posições possíveis para a realização da radiografia de tórax, enquanto inicialmente atendeu (apenas) à posição efectivamente executada, procede-se à alteração do facto nos termos pretendidos. 1.4. Da lista de factos que deve integrar a seleção da matéria de facto Pretendem os Recorrentes o aditamento de factos à lista de factos provados. Primeiramente, pretendem os Recorrentes que se dê como provado os resultados das análises realizadas a pedido dos clínicos ao serviço do Réu e das análises realizadas a pedido dos clínicos do Hospital ..., que os mesmos consideram de “manifesta discrepância” e face à sua relevância como meio de diagnóstico. Face ao alegado e porque configuram um complemento dos factos 7 e 11, defere-se o aditamento pretendido, resultando a factualidade dos documentos juntos a fls 230 e ss. e 413 e ss. do Sitaf. Pretendem ainda os Recorrentes o aditamento do seguinte facto: “Nos dias 27 de Fevereiro/11 a 4 de março/2011, a menor «CC» foi assistida pelos clínicos ao serviço do Réu «DD», «FF», «EE» e «GG».” Para tanto, convoca os relatórios clínicos juntos aos autos, a par das declarações de «EE». Ora, a matéria factual em causa consta já do facto provado 7 que retrata, para além da evolução clínica, o acompanhamento médico, durante o período assinalado. Termos em que improcede a pretensão. Aqui chegados, ao abrigo do artigo 662º, nº 1 do CPC, modifica-se a factualidade apurada pela 1ª instância nos seguintes termos: · Alteração do facto provado 23, que passa a ter a seguinte redacção: “Os procedimentos de manutenção de observação/vigilância no serviço de urgência e posterior internamento no serviço de pediatria, adoptados pelo pessoal clínico ao serviço do Réu, aquando do primeiro internamento da menor, perante o quadro clínico por esta apresentado, foram os corretos.” · alteração do facto provado 31, que passa a assumir a seguinte redacção: “ 31 - Na radiografia efectuada com o doente em pé, o derrame deve ser superior a 100 ml para ser detectado e segundo alguns autores tem de ter cerca de 175 ml para mostrar obliteração dos ângulos cardio e costo-frénicos; na radiografia efetuada com o doente deitado o derrame deve ser superior a 500ml para ser detectado; e na radiografia efectuada com o doente em decúbito lateral, deitado para o lado em que existe derrame pleural, o volume de derrame deve ser de 5 a 10 ml para poder ser detetado.” · Aditamento dos seguintes factos provados: 7.A - No dia 27 de Fevereiro de 2011, a menor «CC» realizou um PCR sendo o valor obtido de 4,77 e um hemograma com os seguintes resultados: Leucócitos 20.80 Neutrófilos 72,60 Linfócitos 11.70 2.4 Monócitos 13.90/2.9 Eosonófilos 0.15/0.0 Basófilos 1.71/04 Eritrócitos 4.6 Hemoglobina 12.6 Hematócrito 37, 09 Vol. Global médio 81, 90 Hemoglob. Global Media 27.3 Conc hgh Glob Media 33.3 RDW 17,6 Plaquetas 428 MVP 7.B - No dia 2 de Março de 2011, a menor «CC» realizou nas instalações do Réu um PCR sendo o valor obtido de 2.75 e um hemograma com os seguintes resultados: Leucócitos 7.9 Neutrófilos 78, 60 6.2 Linfócitos 13.10 1.0 Monócitos 6.24/0.5 Eosonófilos 0.10/0.0 Basófilos 2.11/02 Eritrócitos 4.1 Hemoglobina 11 Hematócrito 32.04 Vol. Global médio 79,6 Hemoglob. Global Media 27.0 Conc hgh Glob Media 34.0 RDW 17,5 Plaquetas 228 MVP 7.7 7.C - No dia 4 de Março de 2011, a menor «CC» realizou nas instalações do Réu um PCR sendo o valor obtido de 8.82 e um hemograma com os seguintes resultados: Leucócitos 1.94 Neutrófilos 53.30/1.0 Linfócitos 39.10/0.8 Monócitos 6.66/01 Eosonófilos 0.09/0.0 Basófilos 0.86/0.0 Eritrócitos 3.8 Hemoglobina 10.3. Hematócrito 30.3 Vol. Global médio 80.0 Hemoglob. Global Media 27.2 Conc hgh Glob Media 34.0 RDW 18.01 Plaquetas 116 MVP 8.9 11.A – No dia 4 de Março de 2011, pelas 23h13 m, 23h 30m e 23h32, a menor «CC» realizou nas instalações do Hospital ... análises sanguíneas, bacteriológicas, química geral e de virologia com os seguintes resultados: Hematologia Geral Eritrócitos 4.4 Hemoglobina 10.3 Volume globular 30.7 MCV 76.0 MCH 25.5 NCHC 33.6 RDW-CV 16.7 RDW-SD 46.6 Leucócitos 2.42 Neutrófilos 1.22 Eosonófilos 0.0 Basófilos 0.1 Linfócitos 0.05 Monócitos 0.02 Granulotócitos imaturos 0.02 Plaquetas 112 Volume plaquetano 0.12 MPV 11,0 PDW 11.5 P-LCR 32.2 Química Geral AST- Aspartato amnitransferase 248 ALT – alanina aminotransferase 94 Desidrogenase láctica (DHL/LDH) 2136 Glicose 75 Virologia Secreções brônquicas (emissão) Exame virológico Vírus Sincicial respiratório negativo Adenovírus positivo Metapneumovirus Vírus influenza A negativo Vírus influenza B negativo Vírus parainflueza 1 negativo Vírus parainfluenza 2 negativo Vírus parainfluenza 3 negativo Bacteriologia Sangue Hemocultura pediátrica Exame cultural negativo * DE DIREITO Os Autores «AA» e «BB», por si e na qualidade de representantes da sua filha menor «CC» intentaram a presente acção administrativa comum, visando a responsabilização civil extra-contratual do Réu HOSPITAL DE ..., E.P.E., em duas vertentes: violação do dever de informação e negligência médica. O Tribunal a quo julgou a acção improcedente e, consequentemente, absolveu o Réu do pedido. Assente a aplicação aos autos da Lei n.º 67/2007 de 31/12, concluiu-se pela não verificação, desde logo, da prática de um qualquer facto ilícito, restando prejudicado o conhecimento dos demais. É pacifica a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo no sentido da responsabilidade civil decorrente da prática de actos médicos em estabelecimento do Serviço Nacional de Saúde ser de natureza extracontratual ou aquiliana e não contratual (a título de exemplo, ac. de 09.06.2011, processo n.º 0762/09, e de 16/01/2014, processo nº 0445/13, de 14.09.2023, proc. 0533/11.3BEPRT, publicados em www.dgsi.pt). A concretização da responsabilidade das entidades públicas, consagrada no art. 22º da CRP, é feita actualmente pela Lei n.º 67/2007, de 31/12, pelo que é, à luz deste diploma, afere do preenchimento ou não dos pressupostos legais constitutivos do direito indemnizatório a que os Autores se arrogas titulares perante o hospital demandado. A obrigação de indemnizar, pela prática de factos ilícitos, por pessoas colectivas de direito público, assenta em pressupostos idênticos ao da responsabilidade previstos na lei civil (cfr. artigo 483.º do Código Civil). Assim, o direito ao peticionado ressarcimento e a consequente assunção da obrigação de indemnizar reconduz-se à verificação – cumulativa - dos seguintes pressupostos: o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade. Neste enquadramento, é ao autor que incumbe o ónus de alegar e provar factos integradores dos pressupostos enunciados (cfr. artigo 342º, nº 1 do CC). Afirmação que não se altera em tratando-se de responsabilidade médica – cfr. André Gonçalo Dias Pereira, “Direitos dos Pacientes e Responsabilidade Médica”, pp. 708 e segs. e Teixeira de Sousa, “Sobre o ónus da prova nas ações de responsabilidade civil médica”, Direito da Saúde e Bioética, 1996, pp. 137 e 140. Como afirmado pelo STA, nas acções de responsabilidade médica, “tem aplicação o regime geral do nosso ordenamento jurídico – art. 342º, n.º 1 do CC -, de acordo com o qual cabe à Autora fazer a prova dos factos constitutivos do direito à indemnização, salvo nos casos de presunção legal – art. 344º, n.º 1 do CC – ou quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado – art. 344º, n.º 2 do CC” – cfr. acórdão de 20/04/2014, Proc. 982/05, publicado em www.dgsi.pt. Detenhamo-nos no requisito da ilicitude. É no artigo 9.º da cit. Lei n.º 67/2007 que se procede à definição dos parâmetros pelos quais deve ser aferido o preenchimento do pressuposto da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas consubstanciado na ilicitude. Assim, consideram-se ilícitas as acções ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objectivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos. Sobre a violação do dever de informação, foi alegado pelos Autores que, aquando do atendimento da sua filha, os mesmos não foram informados da sua situação clínica, diagnóstico, tratamento, alternativas e evolução provável do seu estado de saúde; e ainda que, quando os profissionais do Réu souberam que a pneumonia era causada por adenovírus, omitiram essa informação aos pais, os quais podiam ter sido contaminados ou ter contaminado as outras filhas do casal. O Tribunal a quo afastou a responsabilidade civil emergente da violação do dever de informação, com a seguinte fundamentação jurídica: “(…) afigura-se ao Tribunal que os Autores pretendem invocar a mera omissão de informação, como facto gerador de responsabilidade, por si só. Coisa diversa, e que não vem alegada, é a falta de informação que leva a um consentimento não informado, quanto a tratamentos e procedimentos. Atentando na alegação dos Autores, pretendem estes que o Réu seja responsabilizado, porque, e na medida em que, não lhes transmitiu, devida e oportunamente, informação quanto ao efetivo estado de saúde da Autora «CC», quanto ao tratamento a ministrar, quanto aos exames (e resultados) que a mesma efetuou, quanto à gravidade e necessidade de medidas, para minimizar o contágio, por adenovírus, e quanto à transferência para o Hospital .... Não invocam, neste ponto, os Autores, por um lado, que houve procedimentos que foram efetuados para os quais não deram o seu consentimento, nem, tampouco, que houve produção de danos, pela alegada omissão de informação. Portanto, o que cabe, aqui, analisar, é, somente, a violação do invocado dever (e correspetivo direito) à informação. Neste domínio concreto, e não considerando as normas específicas, direcionadas ao consentimento informado (que não é invocado neste processo), releva atentar nos dipositivos legais que regulam tal. Assim, retira-se da Lei de Bases da Saúde, mormente da Base XIV, o seguinte: Base XIV Estatuto dos utentes 1 - Os utentes têm direito a: […] e) Ser informados sobre a sua situação, as alternativas possíveis de tratamento e a evolução provável do seu estado; […] No mesmo sentido, do artigo 44º do Regulamento 14/2009, Código Deontológico dos Médicos, resulta que: Esclarecimento do médico ao doente 1 - O doente tem o direito a receber e o médico o dever de prestar o esclarecimento sobre o diagnóstico, a terapêutica e o prognóstico da sua doença. 2 - O esclarecimento deve ser prestado previamente e incidir sobre os aspectos relevantes de actos e práticas, dos seus objectivos e consequências funcionais, permitindo que o doente possa consentir em consciência. 3 - O esclarecimento deve ser prestado pelo médico com palavras adequadas, em termos compreensíveis, adaptados a cada doente, realçando o que tem importância ou o que, sendo menos importante, preocupa o doente. 4 - O esclarecimento deve ter em conta o estado emocional do doente, a sua capacidade de compreensão e o seu nível cultural. 5 - O esclarecimento deve ser feito, sempre que possível, em função dos dados probabilísticos e dando ao doente as informações necessárias para que possa ter uma visão clara da situação clínica e optar com decisão consciente. Paralelamente, poder-se-á referir, como os Autores referem, a Carta da Criança Hospitalizada (sem caráter vinculativo, por não estar contida em qualquer diploma legal, e ser resultado do trabalho de várias associações europeias, no sentido de mais humanizar os cuidados de saúde prestados às crianças), no seu ponto 4º: As crianças e os pais têm direito a receber informação sobre a doença e os respetivos tratamentos, adequada à idade e à sua compreensão, a fim de poderem participar nas decisões que lhes dizem respeito. Ora, o dever de informação, a que os Autores aludem, sustenta a permissão da violação da integridade física do ser humano, consagrada no Código Civil (artigo 70º), na Constituição da República Portuguesa (artigos 1º, 25º e 26º), na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (artigo 3º). No entanto, como se vem, já, referindo, não foi, aqui, colocada, em causa, a intervenção na integridade física da Autora «CC», mas, apenas, o cumprimento de um dever de informar, que, segundo alegam os Autores, não terá sido devidamente cumprido. Neste seguimento, é certo que, sobre os médicos, impende o referido dever, seja para autorização de realização de procedimentos, seja para administração de medicação, seja, como os Autores referem, para que eles próprios e terceiros se protegessem do vírus de que a Autora «CC» era portadora (adenovírus). Ainda que se mostrassem confiantes no serviço médico que estava a ser prestado, como resultou expressamente afirmado pelo Autor «AA», tal não afasta a obrigação de informar que impende sobre os técnicos (médicos e enfermeiros) que estavam a acompanhar a Autora «CC». Os pais têm o direito de saber a condição clínica dos filhos menores, quais os exames que lhes fazem, qual a medicação que administram, em nome do princípio da dignidade da pessoa humana e da inviolabilidade da mesma. Contudo, vertendo sobre a matéria de facto que acima resultou provada e não provada, e como, já, em sede de fundamentação da matéria de facto, se deixou vertido, não lograram os Autores produzir prova que convencesse o Tribunal, quanto à omissão deste dever. É que, sobre eles, impendia o ónus da prova, de acordo com as regras gerais, neste âmbito (artigo 342º e seguintes do C.C.) e o único meio de prova apresentado foram as declarações de parte. É certo que a prova sempre se revelaria difícil, mas não se pode desconsiderar, por um lado, o depoimento dos médicos que acompanharam a Autora «CC» que afirmaram, sem hesitar, que a informação é sempre transmitida aos doentes (quando estão em causa crianças, aos pais); por outro, a irrazoabilidade da situação de um pai/mãe, que acompanha a filha, e vê os médicos/enfermeiros, junto dela, a administrar medicação ou a determinar exames, sem nada dizerem, que não pergunte (o pai ou mãe) o que se passa e que fique sem resposta; e, por fim, que, apesar de toda a alegação, os Autores admitiram que sabiam do diagnóstico de bronquiolite e, posteriormente, pneumonia e do “bicho mau”. Poderia, eventualmente, equacionar-se que a informação possa não ter sido passada com toda a completude que se exigia, com a toda a explicação necessária, mas nem isto foi demonstrado de forma a convencer o Tribunal, pois que os Autores reconheceram que sabiam da evolução clínica da Autora «CC». No que concerne à omissão de indicações quanto aos cuidados a ter com o adenovírus, a prova também se quedou pela insuficiência. Na verdade, a própria Autora referiu que estava num quarto sozinha com a sua filha, não partilhando com mais crianças, e nenhuma prova foi precisa quanto a visitas e cuidados adotados. Não se pode olvidar que, atualmente, todos estão muito mais sensibilizados para estes cuidados, que se adotam, diariamente, com a atual situação pandémica que vivemos. No entanto, à data, não se pode afastar a hipótese de quer os utentes, quer, mesmo, os profissionais de saúde, não terem o mesmo alarme quanto ao uso de máscara e desinfeção das mãos. Não obstante, repete-se, não foi feita prova neste domínio que permitisse ao Tribunal concluir que os profissionais do Réu não tivessem informado os Autores dos cuidados que deviam ter, face ao vírus que a sua filha tinha. Pelo que, na ausência de prova, neste domínio, não se pode ter por preenchido o requisito da ilicitude, por violação do dever de informação por parte do Réu, o que inquina a sua responsabilidade e consequente dever de indemnização, como reclamado pelos Autores.” Os Autores discordam deste entendimento, mas assentam as razões dessa discordância em factos que não resultaram demonstrados. Com efeito, perscrutadas as alegações de recurso, é manifesto que os Recorrentes não apontam qualquer erro de julgamento à fundamentação jurídica gizada pelo Tribunal a quo tendo em conta a matéria de facto apurada. A discordância dos Recorrentes reporta-se à decisão que recaiu sobre a matéria de facto dada como não provada. Donde, não tendo os Recorrentes, nesta parte, logrado que a matéria de facto dada como não provada fosse considerada provada, necessariamente improcede a sua pretensão de ver afirmada a omissão do dever de informação que impende e impendia sobre os profissionais ao serviço do Réu, por ausência de matéria factual que a suporte. Note-se que, ainda que assim não fosse, não seria o Réu responsabilizado porquanto não se vislumbra existir nexo de causalidade entre a falta de informação em causa e os danos apurados. Sobre a imputada situação de negligência médica, recaiu a seguinte fundamentação jurídica: “Analisada a factualidade assente supra (relevante para a aferição dos pressupostos do facto, ilicitude, culpa e nexo de causalidade), verifica-se que a Autora «CC» foi assistida, por duas vezes, no Hospital Réu, tendo sido acompanhada medicamente, fazendo exames, análises e tendo sido medicada; que, na ausência de melhorias, e porque os serviços do Réu não detinham as valências que detém um Hospital central, como, no caso, o Hospital ..., a Autora foi transferida para, ali, fazer uma ecografia; tendo sido detetado um agravamento entre a transferência e a chegada ao referido Hospital, a mesma teve que ser intervencionada, mediante a colocação de um dreno pulmonar. Da prova produzida, houve unanimidade quer entre os diversos peritos que intervieram (conforme referências específicas efetuadas nos concretos pontos da matéria de facto assente supra), quer entre os médicos que acompanharam a Autora «CC» e lhe prestaram assistência, no sentido de que a sua situação clínica era grave, que não revertia, que foi medicada seguindo os protocolos estabelecidos e que, na ausência de melhorias e falta de meios de diagnósticos diversos (ecógrafo), foi efetuada a transferência; mais resultou, unanimemente, afirmado que o derrame pleural pode ser de rápido desenvolvimento e não previsível, e que os procedimentos seguidos foram os adequados; por fim, também resultou demonstrado, de forma unânime, que o sofrimento e sequelas, que a Autora «CC» teve, decorreram do derrame pleural e não de qualquer erro ou atraso no diagnóstico ou assistência médica. Ora, vertendo sobre esta factualidade, é forçoso afirmar, desde já, que os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual não se têm por integralmente preenchidos. Na verdade, o tratamento ministrado à Autora «CC» não se mostrou desadequado face ao seu quadro clínico; e ainda que se pudesse equacionar a repetição da radiografia em posição diversa, por exemplo, afigura-se ao Tribunal que, após o derrame pleural, é mais fácil equacionar todo o tipo de cenários. Ou seja, o equacionar de outros caminhos ou outro tipo de exames é mais óbvio quando se sabe o resultado final; se, de antemão, se soubesse que a Autora «CC» iria ter um derrame pleural, o procedimento poderia, eventualmente, ter sido outro. Contudo, não sendo a medicina uma ciência exata, há protocolos e praxis a seguir, exatamente porque, antecipadamente, não se “adivinha” qual vai ser a evolução e se (e qual) vai haver complicação(ões). Demonstrando-se o cumprimento desses protocolos (como se verificou), ainda que, a final, os mesmos se mostrem desajustados (o que não foi o caso), há que ter a obrigação médica por cumprida e afastar a eventual responsabilidade por negligência médica. Reitera-se que a unanimidade dos especialistas que intervieram no presente processo, em consonância com os médicos, que assistiram a Autora, levou à convicção do Tribunal, que o procedimento adotado, em torno da situação clínica da Autora «CC», foi o devido e que não acarreta qualquer responsabilização por violação da legis artis. Não se pode negar que os Autores tiveram momentos de angústia, desespero e sofrimento, e, em especial, a Autora «CC», que sofreu à data e posteriormente, diversas limitações com a sua doença; nem pode o Tribunal negar que a situação foi dramática para todos os Autores, sendo que os pais viam a filha doente e sem melhorias e a Autora «CC», acompanhada e medicada, não sentia alívio no seu problema; nem se nega, obviamente, que a colocação do dreno, em cirurgia, com posterior internamento em cuidados intensivos tenha sido extremamente penoso para os Autores. Todavia, também não se logrou provar que a assistência médica pudesse e devesse ter sido outra e que, seguindo outra solução, o estado clínico da Autora «CC» teria tido evolução diversa. Toda a situação é lamentável, mas os Autores não provaram, por um lado, o incumprimento dos deveres a que os médicos estão obrigados, sendo que, aliás, e inversamente, o Réu demonstrou que os seus médicos seguiram os procedimentos adequados e o tratamento, dado à Autora «CC», foi o que melhor lhe podia ser dado. Em consequência, não se considera ter havido por parte do Réu um comportamento violador dos deveres de cuidado que sobre si (e seus funcionários) impende, não se tendo por verificada a ilicitude, o que implica que não se possa imputar responsabilidade ao Réu como os Autores pretendem. (…)”. Os Autores não se conformam com o decidido. Quanto à assistência prestada à menor «CC», aduzem os Recorrentes que é manifesta a atitude de auto-desresponsabilização e que os diversos clínicos não partilharam informações sobre o estado da menor; que os estudos clínicos nacionais que existem, e que se apoiam em parâmetros utilizados universalmente, permitem concluir que, ao contrário do que, resulta da prova pericial, o derrame pleural evolui por estágios, e que, a realização dos correctos exames de diagnósticos, que não se subsumem apenas aos exames de imagiologia, permitem evitar que a doença evolua para estágios mais avançados como sucedeu in casu; bastava que os clínicos que observaram a menor «CC» tivessem solicitado a realização de um RX em decúbito lateral para que a quantidade de líquido que a mesma apresentava nos pulmões (150ml) fosse visível numa simples radiografia; a menor «CC» nunca fez qualquer radiografia na posição de decúbito lateral, o que atrasou o diagnóstico da mesma; ainda que o Réu estivesse desprovido de meios técnicos e humanos que permitissem realizar atempada e corretamente o diagnóstico da doença de que padecia a menor «CC», o que não sucedia in casu porque o Réu tinha um RX e laboratório onde poderia fazer as mesmas análises que a menor realizou assim que chegou ao Hospital ..., incumbia aos clínicos do Réu reencaminhar a menor para uma unidade hospitalar que possuísse tais valências. Adiante-se que, também aqui, a argumentação dos Recorrentes não encontra eco na factualidade apurada, não obstante as alterações levadas a cabo nesta instância recursiva. O que está em causa é a violação das chamadas leges artis (as regras da arte médica) pelos médicos do Réu que acompanharam a menor «CC». Sobre o que se deve entender por leges artis, elucida-nos o STA, em aresto de 13.03.2012, (rec. 477/11), publicado em www.dgsi.pt, quando refere que “As leges artis são regras a seguir pelo corpo médico no exercício da medicina. Umas são normas escritas, contidas em lei do Estado (Vide, por ex.o, o art. 13º do DL nº 282/77, de 5/07 (Estatuto do Médico)) e/ou em instrumentos de auto-regulação (vejam-se as prescrições do Código Deontológico da Ordem dos Médicos e as que estão vertidas em guias de boas práticas ou protocolos de actuação). Outras, na sua maioria, são regras não escritas, são métodos e procedimentos, comprovados pela ciência médica, que dão corpo a standards contextualizados de actuação, aplicáveis aos diferentes casos clínicos, por serem considerados pela comunidade científica, como os mais adequados e eficazes. (Cfr., a propósito, Sónia Fidalgo, “Responsabilidade Penal Por Negligência No Exercício da Medicina Em Equipa”, p. 74 e segs.)”. No mesmo sentido, o ac. do STA de 09.10.2014 (0279/14), publicado em www.dgsi.pt. Acrescenta aquele aresto que, na ausência da imputação da violação de qualquer norma técnica escrita pelo médico visado, “cumpre ao tribunal indagar se, tendo em conta as condições concretas em que actuou, aquela médica especialista respeitou, ou não, o standard técnico/científico de comportamento que lhe era exigível na abordagem do caso clínico singular. E para saber se aquela profissional se desviou do padrão de actuação que devia e podia seguir, tem de proceder-se a um juízo póstumo de avaliação no qual, para ser o mais objectivo possível, deve o tribunal, primeiro, postar-se na situação “primordial”, no estado inicial, reconstituindo o caso clínico, tal como o mesmo se apresentou à Drª D…… na consulta de 23 de Outubro de 2000 e, segundo, despindo-se do conhecimento da posterior evolução real do caso, comparar o que a médica fez com o que os ditames coevos das leges artis lhe determinavam que fizesse.” No caso em apreço, não vindo imputado a violação de qualquer norma técnica escrita, mas antes que os procedimentos médicos seguidos não foram os adequados, o que a matéria factual apurada atesta é que os profissionais do Réu, num primeiro momento, diagnosticaram uma bronquiolite à menor «CC». A situação evoluiu e, num segundo momento, diagnosticaram uma pneumonia. Em ambas as situações, a menor «CC» foi tratada de acordo com os procedimentos adequados. A argumentação dos Recorrentes é um tanto ao quanto enviesada porquanto desconsidera o caso clínico, tal como o mesmo se apresentou ou foi apresentando aos profissionais do Réu, não se despindo-se do conhecimento da posterior evolução real do caso. Os profissionais do Réu não trataram um derrame pleural. Com efeito, logo que surgiu a suspeita de um derrame pleural (o que ocorreu no dia 04.03.2011, pelas 18.25), foi tomada a opção de transferir a menor «CC» para um Hospital Central (o Hospital ..., no ...), “por estar dotado de meios de diagnóstico (ecógrafo) que o Réu não possuía e porque lá seria possível, se necessário, realizar outro tipo de intervenção (nomeadamente, cirúrgica e com cuidados intensivos)” (cfr. facto 10). O que se revelou uma decisão acertada (cfr. facto 27). Quando a menor recebeu assistência no Hospital ..., o seu estado era já bastante mais grave do que aquele que apresentava quando foi tomada a decisão da transferência. A assistência prestada no Hospital Réu não pode ser comparada à prestada pelo Hospital ..., desde logo, porque estas entidades hospitalares depararam-se com quadros clínicos muito distintos. O Hospital ... tratou um derrame pleural. Os Recorrentes invocam que houve um atraso no diagnóstico e que um “exame bem feito” teria detectado o derrame pleural com maior celeridade. O que é amplamente contrariado pela factualidade apurada. No que se refere a não realização do RX em distinta posição daquela que foi efectuada, o que, segundo os Recorrentes, teria permitido detectar o derrame pleural, resultou provado (cfr. facto 25), por meio de prova pericial, que, atento quadro sintomatológico da Autora «CC», a radiografia na posição de deitada não seria necessária, porque mesmo que se levantasse a suspeita de presença de líquido intrapleural, este seria em tão pequena quantidade na altura, para não ser visível na radiografia de face, que não levaria a nenhuma alteração nos procedimentos adotados; e ainda que a maneira mais correta de evidenciar, caraterizar, localizar e controlar derrame pleural é a realização de ecografia torácica e não tomografia axial computorizada (cfr. facto 26) e a existência de um derrame pleural pode ser detetada pela realização de uma radiografia pulmonar, sendo o exame de eleição é a ecografia pulmonar (cfr. facto 30). Sobre a auscultação pulmonar, restou provado que, por esta, pode ser suspeitada a presença de derrame pleural, particularmente se este for de grandes dimensões; no entanto, pode ser difícil esse diagnóstico, já que a transmissão dos sons pulmonares e das vibrações vocais numa criança da idade da menor «CC» é tão grande que pode mascarar a diminuição local existente na presença de derrame pleural, particularmente havendo já o diagnóstico de uma pneumonia nesse local (cfr. facto 29). Os pareceres juntos aos autos (ambos elaborados por especialistas em pediatria) vão no sentido da não adequação/indicação da realização de tórax em decúbito lateral. Entendimento que é partilhado pelas testemunhas ouvidas em julgamento, também elas pediatras. Assim, e repetindo-nos, logo que surgiu a suspeita de um derrame pleural, a equipa médica de internamento de pediatria no Réu decidiu transferir a menor «CC» para um hospital mais capaz, diante daquele quadro clínico, o que permitiria confirmar ou dissipar a suspeita, mediante a realização de uma ecografia, e, se confirmada, prestar os melhores cuidados possíveis (como foi a colocação de um dreno torácico). A factualidade apurada no ponto 31 não nos permite afirmar que os profissionais do Réu omitiram um procedimento que lhes era exigido, desde logo, porque não podemos levar em consideração a quantidade de liquido pleural que a menor «CC» apresentava aquando do seu tratamento no Hospital ..., uma vez que, como vimos já, houve um agravamento. Não é possível falar em atraso no diagnóstico (cfr. facto 36). Como provado nos pontos 33 e 34, o aparecimento de derrame pleural a complicar uma pneumonia pré-existente pode ser feito de forma insidiosa ou ser rapidamente progressivo, não sendo possível saber a velocidade do aumento e agravamento do derrame que a Autora «CC» sofreu. A factualidade apurada não nos dá conta de qualquer actuação descoordenada e desorganizada, dos clínicos ao serviço do Réu. Não é porque o paciente não é atendido sempre pelo mesmo médico que não se assegura a continuidade da prestação de cuidados de saúde. Tão pouco se vislumbra a ausência de partilha de informações entre os médicos que assistiram a menor «CC». Não é disso exemplo o episódio da indicação/registo de haver ou não queixas urinárias. Podemos estar aqui perante um mero lapso (sem quais quer consequências) ou uma diferente leitura/interpretação. Dizer que a criança não “nunca teve queixas urinárias” não contradiz (ao menos, necessariamente) a afirmação de que a “mãe acha que a «CC» se queixa ao urinar”. Em suma, os Autores não lograram demonstrar – como era seu ónus – “factos com poder persuasivo bastante para num juízo corrente de probabilidade firmar o convencimento de que o resultado danoso verificado na sua pessoa foi antecedido de gestos clínicos e/ou cirúrgicos dos serviços do Réu praticados ou omitidos com desrespeito das regras de ordem técnica e/ou do dever geral de cuidado, próprios da atividade médica” – cfr. Ac. STA de 16/01/2014, Proc. 0445/13, in base de dados da DGSI. Não lograram os Autores demonstrar qualquer actuação violadora das técnicas médicas ou terapêutica incorreta ou imperícia ou inaptidão por parte dos profissionais ao serviço do Réu, que prestaram assistência à menor «CC». Assim, bem andou a 1ª instância ao concluir pela improcedência da presente acção por não terem os Autores demonstrado, desde logo, o requisito da ilicitude, restando prejudicado o conhecimento dos demais, atento o seu caráter cumulativo. Serve o exposto para julgar improcedente o presente recurso e, em consequência, manter a sentença recorrida. * IV - DECISÃO Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida. * Custas a cargo dos Recorrentes, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiam. * Registe e notifique. *** Porto, 21 de Junho de 2024 Ana Paula Martins Alexandra Alendouro Conceição Silvestre |