Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00464/16.0BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/06/2025
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:PAULO FERREIRA DE MAGALHÃES
Descritores:PROCESSO DISCIPLINAR; INFRACÇÃO DISCIPLINAR;
APLICABILIDADE DA LEI N.º 38-A/2023, DE 02 DE AGOSTO;
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE; EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA;
Sumário:
1 - Da amnistia de infrações disciplinares prevista na Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, decorre o efeito essencial e típico de qualquer amnistia – impedir que o agente agraciado sofra a sanção que lhe poderia vir a ser [ou que já lhe foi] aplicada pela prática de uma infração –, pelo que a conformação concreta dos respetivos efeitos fica dependente das regras estatuídas no regime jurídico disciplinar aplicável, enquanto legislação subsidiária ou complementar.

2 - Tratando os autos de infracções disciplinares praticadas em 06 de outubro de 2015 e 12 de novembro de 2015, consubstanciadas na violação de deveres funcionais, do dever de zelo, do dever de obediência, e do dever de lealdade, é manifesto que as mesmas se subsumem no âmbito do disposto nos artigos 2.º, n.º 2, alínea b) e 6.º, ambos da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, por não se dilucidar dos autos nem do Processo Administrativo que estejam em causa ilícitos disciplinares que constituam simultaneamente ilícitos criminais, ou que o Autor seja reincidente no cometimento de infracções disciplinares.

- Neste pressuposto, a amnistia deve ser apreciada por este TCA Norte, enquanto instância de julgamento em sede de recurso jurisdicional ora em apreço, declarando amnistiadas as cinco penas de multa aplicadas ao Autor ora Recorrente, no valor global de 810,00 [Cfr. artigo 14.º da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto], e declarando a inutilidade superveniente da lide [Cfr. artigo 277.º, alínea e), do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA], na parte em que a amnistia abarca todos os efeitos da pena aplicada, tornando-se assim inútil a continuação da lide.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Maioria
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Declarada a extinção da instância.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:


I - RELATÓRIO


«AA» [devidamente identificado nos autos] Autor na acção que intentou contra a Autoridade Marítima Nacional [também devidamente identificada nos autos], e no âmbito da qual visou a impugnação da decisão do Diretor-Geral da Autoridade Marítima Nacional de 26.04.2016 suportada no relatório final dos procedimentos disciplinares ...345 e ...351 instaurados por despacho datado de 30 de novembro de 2015 e despacho n.º 47/2015 de 14 de dezembro de 2015 e no despacho conjunto n.º 4424/2016 de 3 de março, emitido pelos gabinetes dos Ministros de Estado e Finanças, da Defesa Nacional e do Mar, publicado na 2.ª série do Diário da República, n.º 63 de 31 de março que condenou o trabalhador em funções públicas «AA» com a sanção disciplinar de multa consubstanciada no pagamento de € 810,00 (oitocentos e dez euros), inconformado com a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, em 31 de dezembro de 2020, pela qual, entre o mais, foi a ação julgada improcedente, por não provada, e em consequência absolvida a Ré Autoridade Marítima Nacional, do pedido contra si formulado, veio interpor recurso de Apelação.

*
No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencou a final as conclusões que ora se reproduzem:

“[…]
CONCLUSÕES:
I. O objeto da petição inicial e do presente recurso, para além da questão da nulidade da sentença por errada interpretação dos factos e do direito, visa que seja julgada a impugnação da Decisão do Diretor-Geral da Autoridade Marítima Nacional de 26.04.2016 suportado no Relatório Final no Relatório Final dos Procedimentos Disciplinares ...345 e ...351” com base na apreciação incidental:
a) Da inconstitucionalidade orgânica e material do Decreto-Lei n.º 4/91, de 8 de Janeiro, em especial do Anexo IV e, consequentemente, da Portaria n.º 625/91, de 12 de Julho, em especial o anexo I e o ponto 2 do Anexo II;
b) Da inexistência jurídica ou da invalidade do ato administrativo designado por “carta de promulgação aprovado pelo Diretor do ISN no dia 20.02.2015 e que aprova o ITESV, Manual de Procedimentos para Estações Salva-Vidas – Volume I, nomeadamente o teor dos Capítulos II e III;
c) Da violação dos Princípios do Estado de Direito Democrático, da boa-fé e da confiança jurídica;
tendo sido requerido a final a nulidade do ato impugnado com fundamento na apreciação incidental das normas supra referidas com efeitos circunscritos ao caso concreto. (sublinhado nosso)
II. A decisão sancionatória, impugnada nos autos, determinou que o A. e ora recorrente cometeu as seguintes infrações disciplinares:
a) Não revelou prontidão imediata nem disponibilidade para prestar socorro e salvamento marítimo no dia de naufrágio da embarcação “BARCO 1...”, às 19 horas e 11 minutos do dia 06.10.2015, tendo violado o dever funcional de salvaguarda da vida humana no mar, estatuído no anexo I e no ponto 2 do anexo II da Portaria n.º
625/91, de 12 de Julho;
b) Não demonstrou ter conhecimento do condicionamento da barra no dia do naufrágio do arrastão “BARCO 1...”, visto que, na qualidade de chefe da Estação Salva-Vidas e face ao conteúdo funcional da profissão que exerce, deveria ter essa preocupação, e porque o maestro de sinais com essa Informação é visível da ESV da Figueira da Foz, verificando-se uma violação do dever de zelo na parte final do n.º 7 do artigo 73.º da LGTFP, em especial, “exercer as funções de acordo com os objetivos que tenham sido fixados e utilizando as competências que tenham sido consideradas adequadas.”;
c) Ter assumido desacordo frontal com o atual Capitão do Porto, Comandante «BB», a propósito do documento de planeamento semanal das actividades de treino da tripulação salva-vidas, tendo retaliado com o Comandante em relação à forma do documento, resultando na comunicação verbal do arguido de que, a ser assim, estaria incontactável fora do horário da ESV (note-se, poucas semanas depois do trágico naufrágio da embarcação “BARCO 1...”), facto subsumível em violação do dever de obediência previsto pelo n.º 8 do artigo 73.º da LGTFP, que consiste em
“acatar e cumprir as ordens dos legítimos superiores hierárquicos”;
d) Ter assumido obstinação em tornar-se incontactável fora do horário de funcionamento da ESV, que despoletou a comunicação efectuada pelo Sindicato Nacional dos Trabalhadores das Administrações Portuárias de que iria deixar de se fazer acompanhar de telemóvel, não pretendendo “desempenhar as funções com subordinação aos objectivos do serviço”, ferindo o dever de lealdade plasmado no n.º
9 do artigo 73.º da LGTFP;
e) Ter manifestado indisponibilidade e ter tido falta de comparência deliberada, que se averiguou no dia 12 de Novembro de 2015, às 2 horas e 40 minutos da madrugada, aquando do sinistro marítimo com a embarcação “Barco 2...”, conforme o não atendimento das diversas chamadas realizadas, e também pelas declarações prestadas pelo próprio, reiterando a violação dos deveres funcionais a que está adstrito e, derivada desta postura de despreocupação e desinteresse pelo objetivo primordial afeto à sua profissão, ainda a violação dos deveres de prossecução do interesse público, identificado no n.º 3 do artigo 73.º, e clara violação do dever de colaborar na obtenção da qualidade do serviço e produtividade, prescrita pelo n.º 2 do artigo 70.º, ambos da LGTFP;
Verificando-se, assim, a violação dos deveres funcionais adstritos à salvaguarda da vida humana no mar, estatuídos no anexo I e no ponto 2 do anexo II da Portaria n.º 625/91, de 12 de julho, a violação do dever de zelo, do dever de obediência, do dever de lealdade, do dever de prossecução do interesse público e, ainda, violação do dever de colaborar na obtenção e qualidade de serviço e produtividade, todos identificados na LGTFP. (sublinhado nosso)
III. Assim sendo, mostra-se imperativo, para a boa decisão da causa que os Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo do Norte tenham o cuidado de fazer a determinação de três aspetos diferenciados: a precisão dos factos, a escolha da norma jurídica e a subsunção dos factos na norma escolhida para enquadrar o caso concreto. O grau de acerto na declaração da existência de factos condiciona o valor das demais operações, o saber na realidade como as coisas são ou se passaram, quando este conhecimento dependa de elementos de prova cuja apreciação é deixada ao prudente critério do juiz – como sucede com a generalidade das provas produzidas na audiência final – é uma atividade extraordinariamente delicada que ele terá de levar a cabo sem nenhuma ou quase nenhuma ajuda, pode dizer-se, da ciência do direito que, nada ou quase nada, lhe pode dizer.
IV. No caso concreto, em termos de determinação de matéria de facto mostra-se imperativo, uma vez que estamos em domínio de matéria sancionatória suportada num alegado incumprimento da relação jurídica de emprego público de um funcionário do ISN, realizar um correto enquadramento dessa relação, a saber: local de trabalho, tipo de Estação Salva-Vidas (ESV) da Figueira da Foz no âmbito da organização da Autoridade Marítima Nacional, horário de funcionamento da ESV, horário de trabalho e a verificação de base legal para a disponibilidade permanente no Trabalho; são fundamentais quer para a determinação da precisão dos factos como também para a correcta subsunção dos factos ao direito. (sublinhado nosso)
V. Nesse sentido, impugnam-se os pontos 5. a 10. do ponto 2.1. MATÉRIA DE FACTO PROVADA do douto despacho saneador-sentença, tendo para o efeito sido impugnados em sede de petição inicial a decisão do Diretor-Geral da Autoridade Marítima Nacional de 26.04.2016, em especial, o Relatório Final e os pontos 33 a 35 das conclusões do dito relatório – ver artigo 5.º da petição inicial – requerendo-se a integração dos seguintes factos aos Venerandos Juízes Desembargadores, por força do exposto na conclusão anterior:
1. A Estação Salva-Vidas da Figueira da Foz é de acordo com o Mapa do Pessoal Civil do Instituto de Socorros e Náufragos (MPCISN), aprovado pelo Exmo. Vice-Almirante «CC», em 22.01.2015, disponível in http://www.amn.pt/ISN/Documents/Dispositivo_2015.pdf, correspondente ao Doc. 4 da petição inicial e da providência cautelar, uma Estação de Tipo A que tem de ser obrigatoriamente preenchida por 6 tripulantes, tendo apenas 3 lugares preenchidos e 3 lugares por preencher – facto alegado nos artigos 7.º a 16.º da petição inicial. (devendo ser integrado como ponto 2. da matéria de facto dado como provada na douta sentença);
2. O horário de funcionamento da Estação Salva-Vidas (ESV) da Figueira da Foz compreendia à data dos factos o seguinte horário de funcionamento: Segunda-Feira a Sexta-Feira com horário compreendido das 9 horas às 13 horas – período da manhã – e das 14 horas às 18 horas – período da tarde – e a título extraordinário aos Sábados de manhã, entre as 9 horas e 30 minutos e as 13 horas, visto que a intensidade do tráfego marítimo e a presença de muitos banhistas, durante a época balnear, assim o exige; (devendo ser integrado como ponto 3. da matéria de facto dado como provada na douta sentença);
3. Os trabalhadores da ESV da Figueira da Foz são trabalhadores em funções públicas que adotavam à data dos factos constantes do processo contraordenacional, face à inexistência de estatuto próprio que regulamentasse a atividade do pessoal do convés das embarcações salva-vidas, um horário de trabalho rígido em respeito ao cumprimento da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas e coincidente ao horário de funcionamento da estação estipulado pela entidade empregadora, ou seja, Segunda-Feira a Sexta-Feira com horário compreendido das 9 horas às 13 horas – período da manhã – e das 14 horas às 18 horas – período da tarde – e a título extraordinário aos Sábados de manhã, entre as 9 horas e 30 minutos e as 13 horas, completando um total de 43 horas e 30 minutos semanais. – facto alegado pelo A. nos artigos 17.º e 18.º da p.i. e duplamente confessado pelos RR. no ponto 22. e na alínea v) do ponto 33. do Relatório Final, respectivamente através das expressões “A carreira especial de pessoal de convés no âmbito do Quadro Pessoal Civil do Instituto de Socorros a Náufragos ainda não foi formalmente criada, nem existe estatuto próprio regulador. (…)” , “Releva que, apesar da inexistência de estatuto próprio que regulamente a actividade do pessoal de convés das embarcações salva-vidas (…)” e ainda na alínea x) do ponto 33. do Relatório Final na parte em que refere “(sem prejuízo de existir um horário coincidente com o horário de funcionamento das estações salva-vidas, como sucede atualmente)”. (sublinhado nosso)
VI. Sabendo que a decisão sancionatória impugnada tem por base factos que ocorreram após as 18 horas, fora do horário de funcionamento da ESV da Figueira da Foz e do horário de trabalho rígido estipulado pela entidade empregadora, é fundamental que o tribunal defina e integre com clareza como facto provado o tipo de estação salva-vidas da Figueira da Foz, o número obrigatório de tripulantes, o horário de funcionamento da ESV coincidente com o horário de trabalho definido e que os trabalhadores em funções públicas cumpriam ao longo da semana, em função da inexistência formal da carreira especial de pessoal de convés pois são fundamentais e devem ser integrados no ponto 2.1. MATÉRIA DE FACTO PROVADA da douta sentença recorrida como pontos 2., 3. e 4., nos termos do artigo 640.º, n.º 1 alíneas a), b) e c) do Código de Processo Civil ex vi artigo 1.º do CPTA, para que depois se faça uma correta interpretação técnica e um juízo de direito de acordo com a Constituição e a Lei.
VII. A sentença da Mma. Juiz a quo é nula na medida em que os fundamentos de direito invocados na decisão relativamente à não apreciação incidental da constitucionalidade de todas as normas do D.L. n.º 4/91, de 8 de Janeiro, em especial o Anexo IV e da Portaria n.º 625/91, de 12 de Julho, nomeadamente o Anexo I e o Ponto 2 do Anexo II da referida portaria, por incompetência material absoluta do Tribunal, violam o artigo 281.º, n.º 1 e 283.º da CRP ex vi artigo 73.º, n.º 3 do CPTA e do artigo 615.º, n.º 1 alíneas c) e d) do Código Processo Civil ex vi artigo 1.º do CPTA e são ambíguos, tornando a decisão ininteligível. Diz a Mma. Juiz a quo que a fls. 18 da douta sentença diz:
“Na verdade, aos tribunais administrativos está reservada a mera competência para, no quadro de meios contenciosos de impugnação da legalidade de norma ou de ato administrativo, desaplicar ato legislativo que foi aplicado pela concreta norma ou ato administrativo alvo de impugnação com fundamento na inconstitucionalidade daquele ato legislativo [artigo 204.º da CRP, e artigo 1.º, n.º 2 do ETAF].
(…)
Aqui, é certo que, no que toca à declaração de ilegalidade sem força obrigatória geral, é necessária uma norma cujos efeitos só se produzam através de um ato de execução, neste caso a sanção disciplinar executada, pelo que a norma por si só não é suficiente para “atingir” os seus destinatários. Contudo, aqui, o pedido será de “desaplicação” (artigo 73º/4 in fine do CPTA). Neste caso em particular, a norma é levada a juízo de uma forma meramente incidental, pois que o pedido versará sobre o ato e não sobre a norma. Por outras palavras, aqui, o pedido é a anulação do ato e a causa de pedir é a ilegalidade da norma. A legitimidade ativa pertence, mais uma vez, ao lesado (pelo ato administrativo de aplicação), ao Ministério Público e às pessoas e entidades do 9º/2 do CPTA. (fls. 20)
(…)
Porém, os fundamentos invocados para a impugnação incidental da norma regulamentar centram-se na inconstitucionalidade das Leis 4/91, de 8 de janeiro e 323/88, de 23 de setembro, defendendo a inexistência jurídica do D.L. 4/91, de 8 de janeiro, pelo facto de tal diploma ter sido aprovado pelo Governo, em matéria de reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República, o que implicaria o vício de inconstitucionalidade orgânica, (ii) a inconstitucionalidade material do Decreto-Lei n.º 4/91 por padecer de falta de audição dos trabalhadores. (fls. 20)
(…)
Face ao exposto, o Tribunal declara-se materialmente incompetente para apreciar os fundamentos invocados para apreciar a nulidade do ato sancionatório impugnado pelo autor por alegada invalidade ou inexistência jurídica do Decreto-Lei n.º 4/91, de 8 de janeiro, em especial o Anexo IV e da Portaria n.º 625/91, de 12 de julho, em especial o Anexo II.” (fls. 22). (sublinhado nosso)
VIII. A apreciação incidental da inconstitucionalidadepor acção ou omissãodas referidas normas é um dos fundamentos de impugnação expressamente previsto no artigo 281.º, n.º 1 alínea a) da Constituição da República Portuguesa ex vi artigo 73.º, n.º 3 do CPTA que à data dos factos – princípio do tempus regit actum –, estabelecia que “Quando os efeitos de uma norma não se produzam imediatamente, mas só através de um ato administrativo de aplicação, o lesado, o Ministério Público ou qualquer das pessoas e entidades nos termos do n.º 2 do artigo 9.º podem suscitar a questão da ilegalidade da norma aplicada no âmbito do processo dirigido contra o ato de aplicação a título incidental, pedindo a desaplicação da norma.”, o que nos leva a concluir que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra e os tribunais administrativos e fiscais são materialmente competentes para apreciar, a título incidental e com efeitos ao caso concreto, a nulidade do ato sancionatório impugnado pelo A. e Recorrente por inconstitucionalidade de quaisquer normas.
(sublinhado nosso)
IX. A sustentar a nossa posição veja-se a sábia lição do Ac. do STA de 30.05.2019, Processo n.º 0268/17.3BEALM 0572/18, Relator Fonseca da Paz disponível in http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/a1e384478af452 5a802584 120039b95e?OpenDocument&ExpandSection=1 que no sumário nos ensina o seguinte:
“(…)
II – O pedido de declaração de ilegalidade com efeitos circunscritos ao caso concreto também se cinge a esse tipo de normas, para as situações em que o fundamento da sua impugnação é algum dos indicados no artigo 281.º, n.º 1 da CRP.
III – A norma mediatamente operativa não é diretamente impugnável em processo de impugnação de normas, tendo a sua ilegalidade de ser suscitada, a título incidental, em processo dirigido contra o respectivo acto administrativo de aplicação.”. (sublinhado nosso)
X. O Anexo IV do D.L. n.º 4/91, de 8 de Janeiro e o Anexo I e o ponto 2. do Anexo II da Portaria n.º 625/91, de 12 de julho, tal como as restantes normas do diplomas, padecem de um vício de inconstitucionalidade orgânica, na medida em que o pessoal de convés das Estações Salva-Vidas faz parte integrante do todo orgânico que compõem as Forças Armadas, o que determina que matéria referente à organização do trabalho – onde se incluem os direitos e deveres dos trabalhadores – e o funcionamento do ISN são matérias da reserva exclusiva da Assembleia da República, havendo, deste modo, uma flagrante violação do artigo 164.º alínea d) da Constituição da República Portuguesa.
XI. Veja-se a este título o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 31/84, de 17 de Abril, Relator Antero Alves Monteiro Dinis que nos ensina que o pessoal civil do ISN fazem parte do todo organizacional que constitui as Forças Armadas: “Ora, uma organização, num sentido que diríamos objetivado, enquanto entidade ou função social, pode definir-se como um complexo de funções que, na singularidade de cada uma delas, na sua evolução mútua e na unidade dos meios pessoais e reais que lhe são afetos, é votado pelo ordenamento jurídico ao prosseguimento de determinados interesses gerais da comunidade. Num sentido amplo, o poder de organização deve incluir: a definição dos órgãos do complexo em causa, da respetiva estrutura interna e das suas mútuas relações; a definição das atribuições da organização e da competência dos respectivos órgãos, bem como das regras de funcionamento destes; a fixação das regras relativas ao elemento pessoal da organização; a atribuição a esta última, e a distribuição interna consequente, dos meios materiais indispensáveis ao prosseguimento dos respectivos fins.” (…) “Mas as Forças Armadas, enquanto organização, integram-se em outra organização mais ampla, que é o Estado, e da qual são apenas um dos seus elementos constitutivos.” (…) “Se num plano teórico e abstrato é possível conceber e pensar as Forças Armadas constituídas e integradas apenas por militares, parece seguro que a organização militar não pode prescindir, na sua estrutura global, da integração de pessoal civil, sem o que a organização ficaria privada de alguns dos meios materiais e humanos necessários à prossecução dos fins que lhe estão confiados. Não podendo a organização militar prescindir dos seus serviços complementares e do pessoal civil neles integrado, tem de admitir-se que dela fazem parte integrante como parcelas de um todo organizacional.” (sublinhado nosso)
XII. Caso assim não se entenda, sempre se dirá que o referido Anexo IV do D.L.
n.º 4/91, de 8 de Janeiro e o Anexo I e o ponto 2. do Anexo II da Portaria n.º 625/91, de 12 de julho, tal como as restantes normas do diplomas, padecem de um vício de inconstitucionalidade material, na medida em que o pessoal de convés das Estações Salva-Vidas não foi previamente notificado e informado para, em sede de audiência prévia, se pronunciar sobre o conteúdo funcional do pessoal civil do ISN, nomeadamente, a delimitação das funções do pessoal de convés e a necessidade de “acorrer, com a embarcação salva-vidas ou embarcação substituta, em todas as condições de tempo e de mar, sempre que os serviços de socorros imponham ou sempre que outras saídas lhe sejam determinadas pela autoridade competente, mantendo a embarcação salva-vidas em todos os casos apetrechada e pronta a ser lançada ao mar ou largar da sua amarração, no mais curto espaço de tempo.”, sendo matéria que integra o conteúdo dos direitos dos trabalhadores, em sede de horário de trabalho, e que justifica, no mínimo, à luz dos artigos 54.º, 56.º, 58.º e 59.º da Constituição da República Portuguesa a consulta e a participação dos mesmos na elaboração da legislação de trabalho, nomeadamente, em sede organização do tempo de trabalho, repouso, lazer, limite máximo da jornada de trabalho, ao descanso semanal e a férias periódicas pagas. (sublinhado nosso)
XIII. A este respeito impugna-se a decisão final de Mma. Juiz a quo pelo facto de confessar a inexistência do dever de disponibilidade permanente a fls. 31 e 32. da douta sentença de duas formas: em primeiro lugar, fazendo menção ao dever de disponibilidade permanente, constante do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 37/2016, de 12 de julho que procedeu à revisão das carreiras do pessoal das ESV do ISN, para fundamentar a obrigatoriedade do exercício de funções do A. e Recorrente, em flagrante violação do princípio do tempus regit actum pois, o acto impugnado é de 26.04.2016, ou seja, anterior à publicação do tal decreto-lei que teve a participação da associação sindical daqueles trabalhadores; em segundo lugar, a confissão objetiva da total inexistência no D.L. n.º 4/91, de 8 de janeiro de um artigo especialmente consagrado à Disponibilidade Permanente. (sublinhado nosso)
XIV. A decisão sancionatória aqui recorrida proferida pela Autoridade Marítima Nacional que aplica uma sanção de multa ao A. e ora recorrente por alegada violação do dever de disponibilidade permanente alegadamente plasmado no Anexo IV do D.L.
n.º 4/91, de 8 de janeiro e no Anexo I e no ponto II do anexo II da Portaria n.º 625/91, de 12 de julho, mas cuja inexistência desse dever foi confessada pela Mma. Juiz a quo, é toda ela inconstitucional por omissão e violação dos artigos 54.º, 56.º, 58.º e 59.º da CRP.
XV. A sustentar novamente a nossa posição não é demais reinvocar a sábia lição do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 31/84, de 17 de Abril de 1984 disponível in Diário da República, I Série, N.º 91 que exalta a inconstitucionalidade material de um conjunto de diplomas referente ao pessoal civil dos estabelecimentos fabris das Forças Armadas em virtude de não ter sido respeitado o direito de participação trabalhadores e dos Sindicatos: “Pode concluir-se que aos trabalhadores dos estabelecimentos fabris das Forças Armadas, através das respetivas associações sindicais, sempre assistia o direito de participar na elaboração da legislação do trabalho, mesmo quando se admita (o que não se concede) que aqueles estabelecimentos fabris devam considerar-se serviços públicos. 15 – O direito de participação outorgado às comissões de trabalhadores e às associações sindicais na alínea d) do artigo 56.º e na alínea a) do n.º 2 do artigo 58.º da versão originária da Constituição está condicionado a que a legislação em causa deva haver-se por legislação do trabalho. A Constituição não fornece uma definição do que por tal se deva entender. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ibidem, p. 150, opinam que, na ausência de uma definição constitucional, deve considerar-se estar abrangida por tal expressão, pelo menos, a legislação regulamentar dos direitos fundamentais dos trabalhadores reconhecidos na Constituição. O artigo 2.º da Lei n.º 16/79, de 26 de Maio, relativa à participação das organizações de trabalhadores na elaboração de legislação de trabalho, estabeleceu a noção de legislação de trabalho, caracterizando os seus vectores mais importantes no domínio das relações individuais e colectivas de trabalho e dos direitos dos trabalhadores enquanto tais e integrados nas suas organizações. Tendo em conta esses critérios orientadores, pode dizer-se que todas as normas constitutivas do Estatuto e do Regulamento Disciplinar do Pessoal Civil dos estabelecimentos Fabris das Forças Armadas, aprovados, respectivamente, pelos Decretos-Leis n.º 381/82 e 434-A/82, bem como as normas do Decreto-Lei n.º 393/82, integram o conceito de legislação do trabalho, pois que todas se reportam aos direitos fundamentais dos trabalhadores reconhecidos na Constituição. 16 – A extinção do Conselho da Revolução, na sequência da entrada em vigor da Lei Constitucional n.º 1/82, impediu a sua audição, como órgão autor das normas postas em crise, nos termos do artigo 54.º da Lei n.º 28/82. Todavia, tem-se por seguro que aquele Conselho não procedeu à audição dos trabalhadores, como bem resulta da exposição integrada no processo n.º 63/83 deste Tribunal, subscrita por dezenas de trabalhadores dos estabelecimentos fabris das Forças Armadas e dirigida ao presidente da Assembleia da República. Aliás, os preâmbulos dos diplomas legais controvertidos não fazem qualquer referência a essa matéria, sendo certo que tal menção não deixaria de existir se se houvesse procedido à audição dos trabalhadores. Pode assim concluir-se, na sequência do exposto, que todas as normas do Estatuto e do Regulamento Disciplinar do Pessoal Civil dos Estabelecimentos Fabris das Forças Armadas, aprovados, respectivamente, pelos Decretos – Leis n.º 381/82 e 434-A/82, bem como as normas do Decreto – Lei n.º 393/82, são inconstitucionais, por violação do disposto na alínea d) do artigo 56.º e alínea a) do n.º 2 do artigo
58.º da Constituição, na sua versão originária. 17 – A conclusão antecedente alcançada determinará que o ordenamento jurídico seja expurgado daquelas normas, tornando-se assim inútil a apreciação dos dois últimos pedidos formulados pelo requerente, pois que se reportam a eventuais inconstitucionalidades materiais de preceitos já havidos por violadores do texto constitucional. ” (sublinhado nosso)
XVI. E já agora aos ensinamentos de Marcelo Rebelo de Sousa e Sofia Galvão in Introdução ao Estudo do Direito, Lisboa, LEX, 5.ª edição, 2000, p. 124: “Não existe lei no caso de a aparente lei violar o conteúdo essencial dos mais importantes direitos fundamentais consagrados na Constituição – os direitos absolutos, cujo exercício não pode ser suspenso nem na vigência de estado de sítio ou de estado de emergência – (…) é uma inexistência por inconstitucionalidade material.”. (sublinhado nosso)
XVII. A sentença recorrida é igualmente nula quando determina pela improcedência da apreciação incidental de um ato administrativo ilegal “Carta de promulgação aprovada pelo Diretor do ISN, no dia 20.02.2015” e do respetivo regulamento aprovado (ITESV), em flagrante violação dos pressupostos de legitimidade do artigo 73.º, n.º 3 do CPTA e do artigo 281.º, n.º 1 alíneas a) e b) da Constituição da República Portuguesa e também por ser manifesto o uso ilegal do poder discricionário de direção do Direto do ISN com a prática de um ato administrativo e publicação de normas regulamentares internas em flagrante em violação à
Constituição e à lei. (sublinhado nosso)
XVIII. Os regulamentos internos tem relevância jurídica e podem ser judicialmente impugnados quando haja um uso abusivo de poderes discricionários – como é o caso do poder de direção do Diretor do ISN consubstanciado na criação de normas internas de organização do trabalho – em flagrante violação à Constituição e à lei, pelo que são, tal como refere a Mma. Juiz a quo, “suscetíveis de invocação perante o tribunal em quaisquer ações [designadamente, na impugnação de atos, e nas ações de responsabilidade civil administrativa]”. (sublinhado nosso)
XIX. A Decisão do Diretor-Geral da Autoridade Marítima Nacional de 26.04.2016 impugnada pelo A. e ora Recorrente é nula com fundamento na apreciação incidental da inconstitucionalidade – orgânica ou material – do Anexo IV do D.L. n.º 4/91, de 8 de Janeiro, nomeadamente o Anexo I e o Ponto 2 do Anexo II da Portaria n.º 625/91, de 12 de Julho, da “Carta de promulgação aprovada pelo Diretor do ISN, no dia
20.02.2015” e do respetivo regulamento aprovado (ITESV), com efeitos circunscritos ao caso concreto, em violação artigos 281.º, n.º 1 alínea a) e 283.º da C.R.P. ex vi artigos 54.º, 56.º, 58.º e 59.º e 164.º alínea d) da C.R.P. ex vi artigo 73.º, n.º 3 do CPTA, o que impossibilita a aplicação destes diplomas pelos Tribunais e pela Administração Pública ao caso concreto e permite o direito de resistência do cidadão A. e recorrente à tentativa da sua aplicação. (sublinhado nosso)
XX. Chegados aqui, é de concluir, face à inexistência de um dever de disponibilidade permanente por inconstitucionalidade material e também de uma carreira especial para o pessoal de convés do ISN, confessado pela Mma. Juiz a quo a fls. 31 e 32 da douta sentença recorrida, que o A. e ora Recorrente é um trabalhador em funções públicas, subordinado à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, com horário rígido fixado e coincidente com o horário de funcionamento da ESV da Figueira da Foz – v.g. alínea v) do ponto 33. na parte em que diz “sem prejuízo de existir um horário coincidente com o horário de funcionamento das estações salvavidas, como sucede atualmente)” – objetivamente definido: Segunda-Feira a SextaFeira com horário compreendido das 9 horas às 13 horas – período da manhã – e das 14 horas às 18 horas – período da tarde – e a título extraordinário aos Sábados de manhã, entre as 9 horas e 30 minutos e as 13 horas, completando um total de 43 horas e 30 minutos semanais, nos termos dos artigos 110.º, n.º 1 alínea b) e 112.º,
n.º 1 e n.º 2 da LGTFP. (sublinhado nosso)
XXI. Por isso, convém também concluir que o absurdo do alegado pelo A. e ora Recorrente em sede de audiência prévia e na petição inicial, nas palavras da entidade sancionatória, de absurdo tem pouco, devendo lembrar-se que a AMN tem ao seu dispor, outras entidades como a Marinha e a Polícia Marítima da Figueira da Foz, ambas dotadas de recursos humanos e materiais de cariz militar e perfeitamente capazes para assegurar a salvaguarda da vida marítima, depois das 18 horas, hora de fecho das ESV, dotada de pessoal civil.
XXII. A Decisão do Diretor-Geral da Autoridade Marítima Nacional de 26.04.2016 é nula com fundamento na apreciação incidental da inexistência jurídica ou da invalidade do ato administrativo designado por “carta de promulgação aprovado pelo Diretor do ISN no dia 20.02.2015 e que aprova o ITESV, Manual de Procedimentos para Estações Salva-Vidas – Volume I, nomeadamente o teor dos Capítulos II e III, pois o dito ato e regulamento não indicaram a lei ou leis que visaram regulamentar, a lei que lhe atribuía a competência subjetiva e objetiva para a sua emissão, em violação do artigo 112.º, n.º 5 e n.º 7 da C.R.P., nem tampouco cumpriram com o procedimento previsto na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas. (sublinhado nosso)
XXIII. A sustentar a nossa posição veja-se a sábia lição do Acórdão do STA de 12.07.2007, Processo n.º 060/07, Relatora Fernanda Xavier disponível in http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/71131a894f7595 4f802 57340003dfc5b?OpenDocument, cujo sumário nos ensina:
“I - Uma coisa é o facto, a ocorrência da vida, traduzida na existência de um regulamento não publicado, que se prova com a sua junção aos autos e outra, o seu conteúdo normativo, que não deve figurar na matéria de facto, por se tratar de matéria de direito.
II - O artº119º da CRP estabelece o princípio da publicidade dos actos normativos, onde se incluem os actos regulamentares da Administração em sentido amplo, como decorre da conjugação da alínea h) do nº1 com os seus nº 2 e 3.
III - Tratando-se de acto regulamentar de uma pessoa colectiva de direito público, como as universidades, é a lei que determina a forma de publicidade exigida e a consequência da sua falta, nos termos do nº3 do referido artº119 da CRP.
IV - Não exigindo a lei a publicação, no Diário da República, de um regulamento pedagógico, não pode manter-se a decisão recorrida que o julgou ineficaz, por falta dessa publicação, tanto mais que, face ao alegado e não impugnado pela autoridade recorrida, é de presumir que o mesmo foi publicitado nos termos usuais, sendo até referida no acto impugnado a existência desse regulamento.
V. - A autonomia pedagógica das universidades, e, portanto, o seu poder regulamentar próprio nesse campo, tem limites, pois sendo praeter legem, não pode ser contra legem.
VI - Os regulamentos de execução são típicos regulamentos secundum legem. VII - Assim, a FC não podia usar do seu poder regulamentar próprio, para alterar uma norma de uma Portaria que estabelece que, no modo de cálculo da classificação final das licenciaturas dos cursos ali previstos, se procederá a um único arredondamento, o da média final, pretendendo estabelecer um duplo arredondamento, o da média final e o da média dos 1º ao 4º anos, já que a Portaria é um diploma hierarquicamente superior.
VIII - E também não podia, a pretexto de estar a executar aquela norma da Portaria, vir estabelecer esse duplo arredondamento, ali não previsto, pois ele não é necessário para aplicação dessa norma, sendo que os regulamentos de execução são meios ou instrumentos para uma efectiva e boa execução dos diplomas que visam regulamentar, não podendo restringir ou ampliar os direitos e obrigações neles contidos.
IX - Logo, a norma do Regulamento Pedagógico que estabeleceu esse duplo arredondamento é ilegal.”,
O que significa que as várias instruções internas coligidas no ITESV, Manual de Procedimentos para as Estações Salva-Vidas – Volume I, nomeadamente os capítulos I – Classificação das Estações Salva-Vidas –, II – Deveres do Pessoal da Estação Salva-Vidas – e III – Horários são contra legem visto que violam o artigo 112.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa << Nenhuma lei pode criar outras categorias de actos legislativos ou conferir a actos de outra natureza – v.g. a carta de promulgação aprovada pelo Diretor do ISN a 20.02.2015 – o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos, pois, como já ficou acima demonstrado, não há qualquer base legal que sustente tais instruções e, ao mesmo tempo, não indica expressamente as leis que visam regulamentar ou que definem a competência subjetiva e objetiva para a sua emissão, o que constitui uma flagrante violação do artigo 112.º, n.º 7 da C.R.P, uma inconstitucionalidade orgânica e formal cuja apreciação incidental deve ser analisada e julgada pelos Venerandos Juízes Desembargadores do TCAN, salvo melhor opinião, levando à sua inexistência jurídica ou invalidade. (sublinhado nosso)
XXIV. Caso assim não se entenda, e se dúvidas existem quanto à ilegalidade do ato administrativo “carta de promulgação aprovada pelo Diretor do ISN a 20.02.2015 e do respetivo ITESV – Manual de Procedimentos das Estações Salva-Vidas – Volume 1, é de afirmar a existência de uma clara violação do direito de informação e da obrigatoriedade de parecer prévio que tal ato e regulamento interno legalmente exigiam e padecem, concretamente através dos artigos 15.º, n.º 1 e n.º 2 alínea a), c), g) e k), 16.º, 72.º, n.º 1 alínea a), 101.º, 326.º e 327.º alíneas c), d), e) e f) da LGTFP, pois sendo um ato e um regulamento interno de serviço tinham de obrigatoriamente ser precedidos de parecer escrito prévio da associação sindical a que os trabalhadores da ESV estão vinculados, ou dos próprios, o que não sucedeu. Tal ato e respetivo regulamento, incidentalmente impugnados em sede de petição inicial, são ilegais e deve ser declarada com efeitos ao caso concreto. (sublinhado nosso)
XXV. Ao mesmo tempo, o ato administrativo impugnado de 20.02.2015, denominado “Carta da Promulgação”, praticado pelo Diretor do ISN, é um ato nulo na medida em que viola o artigo 161.º, n.º 1 e n.º 2 alíneas a), b), d) e g) do Código de Procedimento Administrativo.
XXVI. A unidade hierárquico-normativa dos capítulos I, II e III do regulamento administrativo que abordam a temática da relação laboral dos trabalhadores em funções públicas na defesa da salvaguarda da vida humana violou a unidade constitucional ao não garantir direitos fundamentais dos trabalhadores das ESV, nomeadamente o A. e ora Recorrente, previstos nos artigos 54.º, 55.º, 56.º, 58.º e 59.º da C.R.P. e consolidados na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas – vide neste sentido o Ac. do TCAS de 19.01.2017, Processo n.º 13694/16, Relator José
Gomes Correia disponível in http://www.dgsi.pt/jtca.nsf//7A3EB6C581677571802580B400393062 que conclui em termos de sumário de forma cabal e esclarecedora:
“ (…)
VI.- Sendo pois imperativa a consulta prévia dos trabalhadores e das suas estruturas representativas tanto mais que ao presente procedimento administrativo eram e são aplicáveis as regras do CPA na redacção anterior (v. art°s 8º e 9° da Lei n° 4/2015, de 7de Janeiro), o qual nem sequer previa a notificação por e-mail ou a publicitação no portal da intranet como formas válidas de notificação (v. art°70°do CPA de 1992), pelo que, não podia a entidade demandada ter notificado os trabalhadores através de e-mail remetido para os endereços electrónicos ou através da referida publicitação na página da intranet do Município.
VII.- Mesmo que se considerasse válida a forma de proceder à notificação dos interessados, o certo é que os trabalhadores apenas foram chamados a solicitar alterações aos horários depois de ter sido proferido o despacho que alterou os horários de trabalho, quando tal deveria ter acontecido antes de ter sido proferido o despacho impugnado.
VIII.- In casu constata-se que em momento algum as estruturas representativas - comissão de trabalhadores, comissão sindical ou intersindical ou delegados sindicais - foram chamadas a pronunciar-se quanto à alteração dos horários de trabalho, pelo que não podia o tribunal a quo ter julgado que a entidade demandada tinha cumprido o disposto no art.° 135°, n° 2 do RCTFP, uma vez que este normativo exige não só a consulta aos trabalhadores, como impõe a consulta às estruturas representativas.
IX.- Ante o exposto, é forçoso concluir que ao não ter sido permitido aos trabalhadores e às estruturas representativas tomarem parte na decisão sobre os horários de trabalho, em clara violação do disposto no art.° 135°, n° 2 do RCTFP, é manifesto que a entidade demandada violou o princípio da legalidade, previsto no art.° 266°, n° 2 da CRP e art.° 3°, n°1 do CPA - que impõe aos órgãos e agentes administrativos uma actuação em obediência à lei e ao direito.
X.- Ademais, a Constituição assegura a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito em sede de processamento da actividade administrativa (art°s 257°, n° 5 da CRP e 12° do CPA), sendo inválidas as decisões tomadas sem que os interessados tenham sido chamados a pronunciar-se sobre elas, pelo que estando em causa uma alteração aos horários de trabalho, e impondo a lei que tal será sempre precedido de consulta prévia aos trabalhadores e respetivas estruturas representativas, tornando-se evidente que o despacho impugnado afrontou o princípio da cooperação.
XI.- Em conclusão geral e definitiva, ao não ter permitido aos trabalhadores e estruturas representativas tomarem parte na decisão sobre os seus horários de trabalho, dúvidas não restam de que o acto impugnado violou ainda o princípio da audiência dos interessados, previsto no n° 5 do art.° 267° da CRP e no art.° 121° do CPA, enfermando, ainda, de ilegalidade por violação do direito à liberdade sindical na vertente do direito à participação, informação e consulta dos representantes dos trabalhadores, consagrado no art.° 55°, n° 6 da Constituição, isso porque também o art.º 337º do RCTFP impunha o cumprimento daquele direito à participação, informação e consulta sempre que em causa estivessem, nomeadamente, "...decisões susceptíveis de desencadear mudanças substanciais a nível da organização do trabalho ou dos contratos de trabalho...". (sublinhado nosso)
XXVII. O teor da sentença recorrida, assim como a decisão sancionatória da AMN impugnada, padecem de um erro na interpretação dos factos e do direito, na medida em que ofende a confiança do cidadão A. e Recorrente, a comunidade jurídica e a própria atuação da Administração e do Poder Judicial em subordinação à
Constituição e à lei.
XXVIII. A decisão sancionatória impugnada que tem por base factos ocorridos após o horário de trabalho do A. e Recorrente, constitui um comportamento intolerável, arbitrário e opressivo da R. Autoridade Marítima Nacional, sem qualquer base legal e em flagrante violação de vários princípios constitucionais e direitos fundamentais dos trabalhadores, nomeadamente: • Artigo 4.º alíneas b), c) e g) da LGTFP;
Artigo 15.º, n.º 1 e n.º 2 alínea c) da LGTFP;
Artigo 16.º, 472.º e 475.º da LGTFP;
Artigo 72.º, n.º 1 alínea a) da LGTFP;
Artigos 101.º, 110.º, n.º 1 alínea b) e 112.º, n.º 1 e n.º 2 da LGTFP em termos de horário;
Artigo 327.º alíneas c) e d) da LGTFP;
Artigo 328.º, n.º 2 da LGTFP;
Todos eles corolários do Princípio do Estado de Direito Democrático, da boa-fé e da confiança jurídica.
XXIX. Nos termos do artigo 202.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática (…).
XXX. O A. e ora Recorrente não tinha de demonstrar prontidão imediata, nem disponibilidade para prestar socorro e salvamento marítimo, no dia do naufrágio da embarcação “BARCO 1...”, às 19 horas e 11 minutos, e da embarcação “Barco 2...”, uma vez que o seu horário de trabalho estipulado pelo ISN coincidia com o horário de funcionamento da ESV da Figueira da Foz, a saber 18 horas, e face ao que foi apurado não tinha o dever de disponibilidade permanente por inexistência de base legal para o efeito, v.g. inconstitucionalidade material do anexo IV do D.L. n.º 4/91, de 8 de janeiro e Anexo I e ponto 2. do anexo II da Portaria n.º 625/91, de 12 de julho, assim como, da carta de promulgação que aprova o ITESV, Manual de Procedimentos das Estações Salva-Vidas, Volume 1, não cometendo as infrações constantes das alíneas a), d) e e) da decisão final.
XXXI. É igualmente falso que o A. e ora Recorrente não tenha demonstrado conhecimento do condicionamento da barra no dia do naufrágio, sendo que tal pode ser comprovado pelas declarações do mesmo nos autos do processo disciplinar, apesar de a AMN querer à força subverter essas declarações, cuja relevância para os trágicos acontecimentos do naufrágio da embarcação “BARCO 1...”, em termos objetivos, é nulo, pelo que o A. não cometeu a infração constante da alínea b) da ato administrativo sancionatório impugnado.
XXXII. Relativamente ao alegado desacordo frontal com o atual Capitão do Porto, Comandante «BB», a propósito do documento de planeamento semanal das atividades de treino da tripulação salva-vidas, cumpre referir que o A. e Recorrente não está obrigado por lei a fazê-lo, não é chefe da ESV, nunca o foi, nem recebe o correspondente salário para o exercício dessas funções, pelo que o facto de discordar com o seu hierárquico superior é algo legítimo, quando fundando no exercício dos seus direitos, nomeadamente o direito à igualdade de tratamento, por força do artigo 72.º, n.º 1 alínea a) da LGTFP, o que nos leva a concluir que não cometeu a infração descrita na alínea c) do ato administrativo sancionatório impugnado.
XXXIII. O A. e ora Recorrente não cometeu nenhuma infração disciplinar pelo que dever ser absolvido do pagamento da quantia de € 810,00 (oitocentos e dez euros).
PEDIDO:
TERMOS EM QUE, E NOS DO DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXªS., DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, EM CONSEQUÊNCIA, REVOGAR-SE A DOUTA DECISÃO RECORRIDA, SUBSTITUINDO-SE POR NOVA DECISÃO QUE
PROCEDA À NULIDADE DA DECISÃO DO DIRETOR-GERAL DA AUTORIDADE MARÍTIMA NACIONAL DE 26.04.2016 SUPORTADA NO RELATÓRIO FINAL DOS PROCEDIMENTOS DISCIPLINARES ...345 E ...351 INSTAURADOS POR DESPACHO DATADO DE 30 DE NOVEMBRO DE 2015 E DESPACHO N.º 47/2015 DE 14 DE DEZEMBRO DE 2015 E NO DESPACHO CONJUNTO N.º 4424/2016 DE 3 DE MARÇO, EMITIDO PELOS GABINETES DOS MINISTROS DE ESTADO E FINANÇAS DA DEFESA NACIONAL E DO MAR, PUBLICADO NA 2.ª SÉRIE DO DIÁRIO DA REPÚBLICA, N.º 63 DE 31 DE MARÇO QUE CONDENOU O TRABALHADOR EM FUNÇÕES PÚBLICAS «AA» COM A SANÇÃO DISCIPLINAR DE MULTA CONSUBSTANCIADA NO PAGAMENTO DE € 810,00 (OITOCENTOS E DEZ EUROS) COM FUNDAMENTO NA APRECIAÇÃO INCIDENTAL DA ILEGALIDADE DE TODAS AS NORMAS DO D.L. N.º 4/91, DE 8 DE JANEIRO, EM ESPECIAL O ANEXO IV E DA PORTARIA N.º 625/91, DE 12 DE JULHO, NOMEADAMENTE O ANEXO I E O PONTO 2 DO ANEXO II DA REFERIDA PORTARIA, BEM COMO A CARTA DE PROMULGAÇÃO APROVADA PELO DIRETOR DO ISN NO DIA 20.02.2015 E DO ITESV, MANUAL DE PROCEDIMENTOS PARA ESTAÇÕES SALVA-VIDAS – VOLUME 1, NOMEADAMENTE, O TEOR DOS CAPÍTULOS II E III, COM EFEITOS CIRCUNSCRITOS AO CASO CONCRETO, COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS, COMO É, ALIÁS, DE INTEIRA J U S T I Ç A.
[…]”

**

A Recorrida não apresentou Contra Alegações.

*

O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso interposto, fixando os seus efeitos.

**

Na sequência do nosso despacho datado de 16 de julho de 2024, o Recorrente e a Recorrida vieram a apresentar pronúncias visando a oportunidade da extinção da instância por inutilidade superveniente da lide – Cfr. fls. 331, 337, 345 e 349 dos autos, SITAF].

**

Na sequência do nosso despacho datado de 15 de outubro de 2024, a Recorrida apresentou o requerimento – Cfr. fls. 353 e 358 dos autos, SITAF -, que para aqui se extrai com segue:

Início da transcrição
“[…]
A Autoridade Marítima Nacional, representada pelo Almirante Chefe do Estado-Maior da Armada (CEMA), Entidade Demandada nos autos acima identificados, em que é Autor «AA», notificada do douto despacho de V. Ex.ª de 15.10.2024, e do requerimento do Autor de 11.20.2024, fls. 349 e 350, vem respeitosamente esclarecer que, no que concerne à possibilidade da extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, pela aplicação da alínea b) do n.º 2 do artigo 2.º e do artigo 6.º da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, referente à amnistia das infrações disciplinares e infrações disciplinares militares, nada tem a dizer em torno dessa motivação, devendo os autos prosseguir os seus ulteriores termos.
[…]”
Fim da transcrição

**

O Ministério Público junto deste Tribunal Superior emitiu parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional, que o foi, em suma, no sentido de “[…] que a LA-JML apenas extingue a responsabilidade disciplinar, mas não tem efeitos ex tunc, pois não produz qualquer efeito sobre o registo disciplinar do Recorrente e, por tal, também não tem como efeito automático extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, pelo que devem os autos prosseguir para os devidos efeitos.”

**
Na sequência do nosso despacho datado de 19 de novembro de 2024, o Recorrente apresentou o requerimento – Cfr. fls. 366 e 370 dos autos, SITAF -, que para aqui se extrai com segue:

Início da transcrição
“[…]
«AA», Autor e Recorrente melhor identificado nos autos à margem referenciados, notificado do douto despacho judicial de 24.07.2024, vem propor aos autos o seguinte:
1. Conforme refere o douto despacho judicial “Nos termos da alínea b) do número 2 do artigo 2.º, e do artigo 6.º daquela Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, são amnistiadas as infrações disciplinares e as infrações disciplinares militares, praticadas até às 00,00 horas do dia 19 de junho de 2023, que não constituam simultaneamente ilícitos penais não amnistiados pela presente lei e cuja sanção aplicável, em ambos os casos, não seja superior a suspensão ou prisão disciplinar”.
2. Ora, estando em causa nos presentes autos uma situação enquadrável no quadro normativo supra referido, o Recorrente pretende que o Tribunal aplique a referida norma, por se verificarem todos os pressupostos legais para o efeito.
PEDIDO:
Nestes termos e nos demais de direito que V. Exa. mui doutamente suprirá, requer-se a admissão do presente requerimento e, em consequência, seja o Recorrente amnistiado, tudo com as legais consequências.
[…]”
Fim da transcrição


**

Com dispensa dos vistos legais [mas com envio prévio do projecto de Acórdão], cumpre apreciar e decidir.

***

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Depois de corridos termos neste Tribunal de recurso, cumpre apreciar e decidir uma questão prévia, atenta a superveniência da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, e que contende com saber se as infracções disciplinares cometidas pelo Autor ora Recorrente, e que estiveram na origem dos procedimentos disciplinares que lhe foram instaurados, estão amnistiadas, e assim, se tal é fundamento da extinção da instância, por inutilidade superverveniente da lide, como assim sustentado pelos requerimentos entretanto apresentados nos autos pelo Recorrente.

Na eventualidade de assim não vir a ser julgado, e nesse patamar, devendo os autos prosseguir termos, cumprirá então apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 639.º e 635.º n.ºs 4 e 5, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA, sendo que, de todo o modo, em caso de procedência da pretensão recursiva, o Tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida pois que, ainda que venha a declarar a sua nulidade, sempre tem de decidir [Cfr. artigo 149.º, n.º 1 do CPTA] “… o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito.”, reunidos que estejam os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas, o que, em face do teor das conclusões das Alegações de recurso apresentadas, passa por saber se o Tribunal a quo errou no julgamento por si prosseguido em sede de matéria de facto e também de direito.

**

III - FUNDAMENTOS IIIi - DE FACTO
No âmbito da factualidade considerada pelo Tribunal recorrido em sede da Sentença proferida, dela consta o que por facilidade, para aqui se extrai como segue:

“[…]
Tendo em consideração os elementos constantes no processo instrutor e da prova produzida pelos documentos juntos aos autos, consideram-se provados os seguintes factos com interesse para a decisão da causa:
2.1. MATÉRIA DE FACTO PROVADA
1. O autor é trabalhador em funções públicas na Estação Salva-Vidas da Figueira da Foz, integrada no Instituto de Socorro a Náufragos, detentor da categoria de sotapatrão;
Facto Provado por acordo;
2. Em 06.10.2015, pelas 19h11m, ocorreu um naufrágio envolvendo o arrastão “BARCO 1...”, quando entrava na barra do porto da Figueira da Foz;
Facto Provado por documento, cf. Participação a fls. 53 a 54 do processo administrativo (suporte físico), cujo teor se dá por reproduzido;
3. Em 12.10.2015, foi aberto o processo de inquérito n.º 070.10..., pelo Diretor-Geral da Autoridade Marítima;
Facto Provado por documento, cf. Despacho a fls. 20 a 46 do processo administrativo (suporte físico), cujo teor se dá por reproduzido;
4. Em 30.11.2015, o Diretor-Geral da Autoridade Marítima determinou a instauração de um processo disciplinar ao autor;
Facto Provado por documento, cf. Despacho a fls. 48 do processo administrativo (suporte físico), cujo teor se dá por reproduzido;
5. No âmbito do processo disciplinar ...345 o autor foi constituído arguido “por motivo de não estar contactável, não revelou prontidão imediata para prestar salvamento marítimo” e não ter comparecido no local aquando do naufrágio do arrastão “BARCO 1...”;
Facto Provado por documento, cf. Acusação a fls. 131 a 137 do processo administrativo (suporte físico), cujo teor se dá por reproduzido;
6. Em 14.12.2015, por despacho do Diretor-Geral da Autoridade Marítima foi determinada a instauração do processo disciplinar ...351 ao autor, constando do mesmo, entre o mais, o seguinte:
“no dia 12 de novembro do correte ano, não atendeu o telemóvel de serviço e não compareceu junto da SR-42, mostrando-se indisponível para acorrer ao salvamento da embarcação “Barco 2...” que se encontrava sem propulsão, à deriva, na entrada da barra do Porto da Figueira da Foz.
2. Verifica-se que o trabalhador desobedeceu aos deveres funcionais definidos na Portaria n.º 625/91, de 12 de julho e igualmente previstos na Instrução Técnica das estações de Salva-Vidas (ITESV) – Manual de Procedimentos para as Estações SalvaVidas, não estando contactável fora do período normal de trabalho.
3. Face à conduta do trabalhador, determino a instauração de procedimento disciplinar contra ...93 Sota-Patrão SV «AA», nos termos do n.º 1 do artigo 207.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho.
4. Sem prejuízo do ponto anterior, atendendo a que se encontra a correr procedimento disciplinar contra o trabalhador em questão, com o ...345, ainda sem decisão, determino que o procedimento disciplinar a instaurar seja apensado ao primeiro anteriormente identificado (…)”;
Facto Provado por documento, cf. Despacho a fls. 74 e acusação a fls. 131 a 137 do processo administrativo), cujo teor se dá por reproduzido;
7. Em 28.01.2016 foi elaborada a acusação nos processos ...351 e ...345;
Facto Provado por documento, cf. Acusação a fls. 131 a 137 do processo administrativo), cujo teor se dá por reproduzido;
8. Em 12.02.2016, o autor apresentou defesa nos processos ...351 e ...345;
Facto Provado por documento, cf. Defesa a fls. 142 a 179 do processo administrativo), cujo teor se dá por reproduzido;
9. Em 14.03.2016 foi elaborado o relatório final nos processos ...351 e ...345;
Facto Provado por documento, cf. Relatório Final a fls. 180 a 199 do processo administrativo), cujo teor se dá por reproduzido;
10. Em 26.04.2016, o Diretor-Geral da Autoridade Marítima proferiu despacho através do qual aplicou ao autor a pena de multa no montante de € 810,00 (oitocentos e dez euros), do qual consta, entre o mais, o seguinte:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

Facto Provado por documento, cf. Despacho a fls. 200 a 202 do processo administrativo), cujo teor se dá por reproduzido.
2.2. MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA
O Tribunal considera que não foram alegados outros factos a considerar para a decisão.
MOTIVAÇÃO
A convicção do Tribunal quanto aos factos considerados provados resultou do exame dos documentos constantes dos autos e do processo administrativo apenso, os quais se dão por inteiramente reproduzidos, não tendo sido impugnados, conforme referido em cada uma das alíneas do probatório, cuja força probatória é de apreciação livre pelo Tribunal.
A prova documental apresentada não foi precedida de qualquer incidente quanto à sua falsidade [não houve impugnação da sua genuinidade, nem da sua autenticidade, nos termos dos artigos 444.º, 446.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA)], sendo, por isso, de livre apreciação pelo Tribunal, constituindo-se, no caso dos autos, fundamentalmente por documentos particulares [no caso, não houve a apresentação de documentos autênticos já que, apesar de terem sido emitidos por autoridade ou oficial público, no âmbito do exercício das suas competências, o facto é que se não encontram com a assinatura reconhecida por notário ou com selo do respetivo serviço, tratando-se de meras cópias], nos termos definidos pelo artigo 363.º e 369.º, bem como artigo 373.º do Código Civil (CC).
Recorda-se o que preceitua o artigo 607.º, n.º 5 do CPC, sob a epígrafe “Sentença”, que determina que “… o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes…”.
Na verdade, a livre valoração da prova não pode ser entendida como uma operação puramente subjetiva pela qual se chega a uma conclusão unicamente por meio de impressões ou de conjeturas de difícil ou impossível objetivação, mas valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objetivar a apreciação. A livre apreciação da prova exige, pois, um processo intelectual ordenado que manifeste e articule os factos e o direito, a lógica e as regras da experiência, recorrendo a conhecimentos de ordem geral que as pessoas normalmente inseridas na sociedade possuem, bem como a observância das regras da experiência comum, da ciência, dos critérios da lógica e da argumentação.
[…]”

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IIIii - DE DIREITO

Como assim resulta patenteado nos autos, está em causa a decisão que aplicou ao Autor ora Recorrente a pena disciplinar de multa no valor de €810,00 pelo cometimento de cinco infracções disciplinares [cada uma delas pelos valores parcelares identificados], sendo que, tendo a Sentença recorrida sido proferida em 31 de dezembro de 2020, no dia 16 de julho de 2024 proferimos o despacho que para aqui ora transcrevemos, como segue:

Início da transcrição
“1 - Conforme assim deflui dos autos, está em causa a decisão que aplicou ao Autor ora Recorrente a pena disciplinar de multa no valor de €810,00.
No dia 02 de agosto de 2023, foi publicada a Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, pela qual, em suma, foi estabelecido um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude.
Nos termos da alínea b) do número 2 do artigo 2.º, e do artigo 6.º daquela Lei n.º 38A/2023, de 02 de agosto, são amnistiadas as infrações disciplinares e as infrações disciplinares militares, praticadas até às 00,00 horas do dia 19 de junho de 2023, que não constituam simultaneamente ilícitos penais não amnistiados pela presente lei e cuja sanção aplicável, em ambos os casos, não seja superior a suspensão ou prisão disciplinar.
Da concatenação dos referidos normativos, e tendo presente o objecto da acção e do recurso interposto, pode vir a resultar a formação de um julgamento no sentido da extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
Atentos os pressupostos deixamos enunciados supra, e tendo subjacente o disposto no artigo 6.º do CPTA e no artigo 3.º, n.º 3 do CPC, e sob cominação do disposto no artigo 417.º, n.ºs 1 e 2 do CPC ex vi artigo 1.º do CPTA, determino a notificação das partes para que, venham aos autos, no prazo de 10 [dez] dias, emitir pronúncia efectiva em torno daquela nossa motivação.
[…]”
Fim da transcrição

Como assim enunciado supra, e em conformidade com o que se extrai das pronúncias emitidas pelo Autor ora Recorrente e pela Ré ora Recorrida, esta entidade veio referir que “[…] no que concerne à possibilidade da extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, pela aplicação da alínea b) do n.º 2 do artigo 2.º e do artigo 6.º da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, referente à amnistia das infrações disciplinares e infrações disciplinares militares, nada tem a dizer em torno dessa motivação, devendo os autos prosseguir os seus ulteriores termos.”, sendo que, por parte daquele [do Autor ora Recorrente], o que se extrai da sua pronúncia é que o mesmo reclama para si que as infracções disciplinares, assim como as sanções que lhe foram aplicadas, estão amnistiadas, nos termos do artigo 2.º, n.º 2, alínea b), e do artigo 6.º, ambos da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, com fundamento em que, tendo o despacho punitivo da autoria do Director-Geral da Autoridade Marítima datado de 26 de abril de 2016, sido prolatado na sequência dos processos disciplinares instaurados em 30 de novembro de 2015 e 14 de dezembro de 2015, as infracções que lhe estão na base foram lógica e temporalmente, praticadas em data anterior às 00:00 horas do dia 19 de junho de 2023.

Cumpre então apreciar e decidir.

Conforme assim dimana da instrução dos autos, na sua pendência junto desta instância de recurso, e precedendo despacho do Relator, o Recorrente veio alegar, a final, estar em apreço nos autos uma situação disciplinar enquadrável na recente Lei da Amnistia, a que se reporta a Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, tendo enfatizado pretender que lhe seja aplicado o respectivo regime jurídico, no sentido de ser amnistiado com as legais consequências, o que já assim também havia referido a Recorrida nos requerimentos por si apresentados, e nesse conspecto, que os autos deviam seguir os seus ulteriores termos.

Aqui chegados.

As sanções disciplinares em apreço nos autos, que são relativas a 5 [cinco] multas que totalizam o montante global de €810,00, estão a coberto da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, em face do disposto nos seus artigos 2.º, n.º 2, alínea b), e 6.º, sendo passíveis de ser amnistiadas por terem sido cometidas até às 00,00 horas de 19 de junho de 2023, pelo que assim julgamos que nada determina a continuação dos autos em ordem a conhecer do recurso interposto pelo Autor visando a apreciação do mérito da Sentença recorrida.

Efectivamente, em torno da não continuação dos autos para efeitos de ver apreciada a legalidade do acto que aplicou ao Autor as cinco penas disciplinares de multa, reconduzida ao valor global de €810,00, tal ocorre por vontade do Recorrente e sem oposição da Recorrida.

Atento o teor das posições deixadas vertidas nos requerimentos apresentados já neste Tribunal de recurso, julgamos que o Autor ora Recorrido é titular de um concreto interesse em agir, mas que não passa já pela continuação dos autos tendo em vista a apreciação dos imputados erros de julgamento à Sentença recorrida, onde a final e em suma foi julgado pela improcedência do pedido formulado a final da Petição inicial, e que passou entre o mais, pela apreciação e decisão em torno da invalidade do acto administrativo por via do qual lhe foram aplicadas as identificadas multas, no valor global de €810,00.

Em conformidade com o julgamento prosseguido pelo STA no Acórdão proferido no Processo n.º 03008/14.5BELSB, datado de 29 de fevereiro de 2024 [acessível em www.itij.pt], em torno de a amnistia prevista na Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, ser de aplicação imediata, e que deve preceder o conhecimento de qualquer outra questão que se tenha suscitado no âmbito da ação administrativa de impugnação de actos administrativos de aplicação de sanções disciplinares, e de que a sua aplicação, podendo conduzir à extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, torna a discussão inútil se se tornar inaplicável a sanção disciplinar, julgamos que esta jurisprudência é aplicável à situação dos autos.

Como assim julgamos, a inutilidade superveniente na lide ocorre, porque em face do que assim resulta da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, não constituindo os factos imputados ao arguido infração disciplinar ou infração disciplinar militar, simultaneamente ilícito penal não amnistiado pela Lei e cuja sanção aplicável, e em ambos os casos, não seja superior a suspensão ou prisão disciplinar, e tendo sido impugnada a decisão que aplicou as penas, sempre as infracções devem ser amnistiadas pela instância de julgamento. Efectivamente, só quando o demandante pretenda a continuação dos autos, seja para efeitos de ser efectuado julgamento em torno de que não cometeu qualquer infracção, seja para efeitos de serem restaurados na sua esfera jurídica os efeitos já produzidos pela pena aplicada [será o caso da pena de suspensão, que implica a perda de vencimento], nessa eventualidade, e assim querendo o interessado, a lide não pode ser extinta por manter a sua utilidade, no que seja remanescente.

Enfatizamos porém, que naquelas situações, o cidadão a quem foi aplicada pena disciplinar pode ter por certo que a infracção pode ser amnistiada de forma imediata e se assim for sua vontade, ser determinada a extinção da instância, desaparecendo da ordem jurídica por pressuposto dela, os efeitos que ainda não tenham sido produzidos, e nesse patamar, não mais se sabendo se os termos e os pressupostos em que a Administração se ancorou para lhe imputar o cometimento das infracções disciplinares eram válidos, isto é, se sempre ocorrerem e pelos termos e pressupostos fixados na decisão administrativa condenatória, ou então, pode prosseguir na apreciação do mérito da impugnação judicial do acto administrativo, sendo certo que, na eventualidade de vir a ser julgada da validade do acto administrativo, e de assim vir a ficar patenteado numa Sentença proferida por um Tribunal, pese embora sempre a infracção disciplinar se ter por amnistiada, passa a ficar certo e firmado em sede da relação jurídica administrativa controvertida, que atenta a ilicitude da acção assacada ao arguido, que a actuação da Administração se tem por correcta, por isenta de qualquer crítica e a final de invalidade que seja determinante da sua nulidade ou anulação, com as legais consequências.


Sendo sempre uma opção de quem demanda, é este que tem de fazer o balanceamento entre os resultados possíveis, e em que medida, um ou outro melhor se compaginam com a sua perspectiva hedonística da realidade.

Tratando os autos, de infracções disciplinares praticadas em 06 de outubro de 2015 e 12 de novembro de 2015, consubstanciadas, em suma, na violação de deveres funcionais, e entre outros, do dever de zelo e de lealdade, é manifesto que se subsumem no âmbito do disposto nos artigos 2.º, n.º 2, alínea b) e 6.º, ambos da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, pois não se dilucida dos autos nem do PA que estejam em causa ilícitos disciplinares que constituam simultaneamente ilícitos criminais, ou que o Autor seja reincidente no cometimento de infracções disciplinares.

Neste pressuposto, a amnistia deve ser aplicada por este TCA Norte, enquanto instância de julgamento em sede do recurso jurisdicional ora em apreço, como assim faremos consignar em sede do dispositivo, declarando amnistiadas as penas disciplinares de multa aplicadas ao Autor [Cfr. artigo 14.º da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto], e declarando a inutilidade superveniente da lide [Cfr. artigo 277.º, alínea e), do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA], na parte em que a amnistia abarca todos os efeitos da pena aplicada.

Ou seja, dada a superveniência de um diploma legal que por si é determinante da amnistia das penas disciplinares aplicadas, na situação concreta dos autos, extinguiu-se a responsabilidade disciplinar do arguido, o que reveste aptidão para que, em face do patenteado nos autos e na Lei, ser declarada a amnistia das infracções, tornando-se assim inútil a continuação da lide, o que é fundamento determinante da extinção da instância.

Tendo cessado a responsabilidade disciplinar do Autor, por vontade, ou graça do legislador, e assim as penas de multa que lhe foram aplicadas e que o Autor quis ver sindicadas judicialmente por via da impugnação judicial do acto administrativo que as fixou, quanto aos efeitos que as mesmas visavam atingir, e tendo esses sido já neutralizados, deixaram por isso de ter qualquer valor ou eficácia, impõe-se a reposição da condição jurídica ao tempo em que não lhe tinham sido aplicadas as penas, ou melhor, ainda antes de lhe terem sido instaurados os processos disciplinares.

Como assim julgamos, assiste ao Autor ora Recorrente, enquanto arguido nos processos disciplinares, e também enquanto demandante, o direito a que a pretensão por si deduzida na impugnação judicial da decisão punitiva seja /possa ser apreciada no seu mérito potencial, quando subjacente à sua motivação estiver, designadamente, o pressuposto de que não cometeu as infracções disciplinares por que foi punido, ou de outro modo, que a sua actuação não poderia ser entendida em termos de poder/dever ser sancionada e reprimida do ponto de vista disciplinar.

Tendo sido por si requerido já nesta instância de recurso, que lhe deve/pode ser aplicada a Lei da amnistia, porque as apontadas infracções disciplinares ocorreram em data anterior a 19 de junho de 2023, com as legais consequências, tal demanda a extinção da instância, por ocorrência da inutilidade superveniente da lide.

Deste modo, fica assim absolutamente prejudicada a apreciação do mérito da pretensão recursiva deduzida pelo Recorrente.


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E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO:


DESCRITORES: Processo disciplinar; Infracção disciplinar; Aplicabilidade da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto; Inutilidade superveniente da lide; Extinção da instância.

1 - Da amnistia de infrações disciplinares prevista na Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, decorre o efeito essencial e típico de qualquer amnistia – impedir que o agente agraciado sofra a sanção que lhe poderia vir a ser [ou que já lhe foi] aplicada pela prática de uma infração –, pelo que a conformação concreta dos respetivos efeitos fica dependente das regras estatuídas no regime jurídico disciplinar aplicável, enquanto legislação subsidiária ou complementar.

2 - Tratando os autos de infracções disciplinares praticadas em 06 de outubro de 2015 e 12 de novembro de 2015, consubstanciadas na violação de deveres funcionais, do dever de zelo, do dever de obediência, e do dever de lealdade, é manifesto que as mesmas se subsumem no âmbito do disposto nos artigos 2.º, n.º 2, alínea b) e 6.º, ambos da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, por não se dilucidar dos autos nem do Processo Administrativo que estejam em causa ilícitos disciplinares que constituam simultaneamente ilícitos criminais, ou que o Autor seja reincidente no cometimento de infracções disciplinares.

3 - Neste pressuposto, a amnistia deve ser apreciada por este TCA Norte, enquanto instância de julgamento em sede de recurso jurisdicional ora em apreço, declarando amnistiadas as cinco penas de multa aplicadas ao Autor ora Recorrente, no valor global de 810,00 [Cfr. artigo 14.º da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto], e declarando a inutilidade superveniente da lide [Cfr. artigo 277.º, alínea e), do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA], na parte em que a amnistia abarca todos os efeitos da pena aplicada, tornando-se assim inútil a continuação da lide.

***

IV – DECISÃO

Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Subsecção Administrativa Social da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, Acordam em conferência:
A) em declarar amnistiadas as cinco penas disciplinares de multa aplicadas ao Autor, ora Recorrente;
B) em declarar a inutilidade superveniente da lide, e assim, pela extinção da instancia.

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Custas a cargo do Recorrente e da Recorrida, em partes iguais - Cfr. artigo 536.º, n.ºs 1 e 2, alínea c), do CPC.

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Notifique.


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Porto, 06 de junho de 2025.

[Paulo Ferreira de Magalhães, relator
Fernanda Brandão
Rogério Martins, com o voto de vencido que se segue:

“Voto de vencido.
Voto de vencido o acórdão que fez vencimento face à posição que tenho assumido em múltiplos outros acórdãos, sendo certo que os argumentos da posição aqui vencedora não me convencem.
Os tribunais não são segunda instância administrativa sob pena de violação do princípio da separação de poderes consagrado no artigo 2º da Constituição da República Portuguesa.
Quanto aos tribunais superiores nem de forma indirecta o processo disciplinar é objecto do recurso jurisdicional. O objecto do recurso jurisdicional é a decisão do Tribunal de Primeira Instância. O objecto da decisão do Tribunal de Primeira Instância também não é processo disciplinar em si – a que possa pôr termo por aplicação da Lei da Amnistia ou outra razão qualquer -, mas a decisão punitiva que pode, por exemplo, ter recusado a aplicação da Lei da Amnistia.
A aplicação da Lei da Amnistia em processo disciplinar movido por entidade administrativa, como é o caso, cabe à Administração e não aos Tribunais.
Neste sentido, de resto, dispõe o artigo 14.º da recente Lei da Amnistia (Lei n.º 38A/2023, de 02.08):
“Nos processos judiciais, a aplicação das medidas previstas na presente lei, consoante os casos, compete ao Ministério Público, ao juiz de instrução criminal ou ao juiz da instância do julgamento ou da condenação.”
Os juízes, em qualquer instância judicial, não são os juízes do “julgamento” da infracção nem da condenação.
E apenas podem aplicar a Amnistia nos processos judiciais, como decorre, a contrario, do citado preceito.
A ideia do legislador foi, quanto a mim de forma inequívoca, que compete aquém aplicou a sanção deve aplicar, se for o caso, a Aministia.
Não podem por isso os tribunais aplicar a Lei da Amnistia, directamente, nos processos administrativos, disciplinares, porque não aplicaram a sanção.
Fazendo-o, violam o princípio constitucional da separação de poderes.
Sendo neste aspecto irrelevante a concordância das partes quanto à aplicação da Lei da Amnistia à infração disciplinar, directamente, por este Tribunal Superior, por a lei imperativa, como é a que impõe a separação de poderes, não estar na disponibilidade das partes.
Os artigos 6º e 14º da Lei da Amnistia de 2023, na interpretação que aqui fez vencimento, são inconstitucionais, por violação deste princípio constitucional. Acresce que, entendo, o requisito da idade é um pressuposto essencial para a aplicação desta Lei da Amnistia de 2023.
Esta lei estabelece uma amnistia de infracções por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude – artigo 1º da Lei 38-A/2023, de 02.08.
Neste contexto é que se compreende o requisito da idade, para as pessoas imputáveis em razão da idade, a partir dos 16 anos, mas com idade inferior a 30 anos à data da prática do facto.
Por isso carece de fundamento a distinção entre infracções disciplinares e infracções penais para afastar das primeiras o requisito da idade.

Em concreto não ficou apurada a idade do Autor.
Pelo que, logo por aqui, ainda que o Tribunal pudesse aplicar directamente a amnistia em abstracto não a poderia ter aplicado em concreto, por falta de demonstração de um requisito essencial.
Pelo que não aplicaria a Lei da Amnistia, antes conheceria de mérito, mantendo no caso a decisão recorrida que se mostra totalmente acertada, assim negando provimento ao recurso.”