Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00043/07.3BEPRT |
![]() | ![]() |
Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Data do Acordão: | 11/30/2022 |
![]() | ![]() |
Tribunal: | TAF do Porto |
![]() | ![]() |
Relator: | Rosário Pais |
![]() | ![]() |
Descritores: | IMPOSTO DE SELO; PRESTAÇÕES ACESSÓRIAS SOB O REGIME DAS PRESTAÇÕES SUPLEMENTARES; SOCIEDADE ANÓNIMA; RELAÇÕES ESPECIAIS; PREÇOS DE TRANSFERÊNCIA; |
![]() | ![]() |
Sumário: | I - O regime consagrado no artigo 58º do CIRC não visa habilitar ou facultar a possibilidade de alteração da qualificação ou a natureza de determinadas operações realizadas entre sociedades com relações especiais, mas regular o modo como devem ser realizadas eventuais correções quantitativas a operações realizadas entre sociedades com relações especiais, verificados os seus pressupostos, deixando incólume a natureza ou qualidade da operação, por referência à qual, nos exatos termos em que foi “qualificada”, o procedimento corretivo do preço é desencadeado. II - O financiamento de uma sociedade por um seu acionista e o financiamento de uma sociedade por uma entidade terceira não são operações equiparáveis, não sendo o facto de a entidade acionista ser uma sociedade e esta ter por fim o lucro que permite transformar aquelas duas realidades distintas em realidades idênticas, ou, o mesmo é dizer, no caso, não há qualquer identidade entre a realização de prestações acessórias pelo sócio e um contrato de mútuo entre a sociedade e uma instituição bancária. |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Recorrente: | Fazenda Pública |
Recorrido 1: | A...,S.A. |
Votação: | Unanimidade |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Meio Processual: | Impugnação Judicial - Liquidação de tributos - 1ª espécie - Recursos jurisdicionais [Del. 2186/2015] |
Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | Foi emitido parecer no sentido de que deve o recurso improceder. |
1 | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO 1.1. A Fazenda Pública vem recorrer da sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto em 08.09.2020 pela qual foi julgada procedente a impugnação judicial que a sociedade "A...,S.A.", deduziu contra a liquidação de Imposto de Selo e correspondentes juros compensatórios relativo ao exercício do ano de 2004, no montante de € 634.386,26. 1.2. A Recorrente Fazenda Pública terminou as respetivas alegações formulando as seguintes conclusões: «A- Vem o presente recurso interposto contra a sentença proferida nos presentes autos que julgou a impugnação procedente e, em consequência anulou a liquidação de imposto do Selo e correspondentes juros compensatórios n.º 2006 .......11 relativa ao exercício de 2004, no montante de €634.386,26, aqui impugnada. B- Nos autos em referência, a douta sentença recorrida considerou que a liquidação impugnada padecia de erro nos pressupostos por não estarem em causa operações financeiras de crédito da impugnante à "B...,S.A.". (doravante "B...,S.A."), nos termos da verba 17.1.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo. C- Face ao quadro factológico dado como assente no probatório, com relevância para a decisão da causa e do presente recurso, a Fazenda Pública considera que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento na apreciação e valoração da prova e de errada subsunção dos factos considerados provados ao direito, mormente à verba 17.1.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo. D- Saliente-se que, de acordo com o RIT, conforme factos “I”, “J” e “K”, na sentença recorrida deu-se como provado que os Estatutos da "B...,S.A." nada referem em relação às prestações acessórias, a decisão de se efectuar prestações acessórias não foi objecto de qualquer acta do Conselho de Administração da impugnante nem as prestações acessórias foram efectuadas através de um qualquer contrato. E- Com efeito, a reunião dos factos relatados permite concluir que a qualificação conferida às prestações efectuadas à "B...,S.A." como partes de capital foi efectuada por decisão voluntária das partes, não se mostrando conforme os condicionalismos que para tal teriam de se mostrar cumpridos. F- Desta forma, entende a Fazenda Pública, tal como os SIT o fizeram, que estas cedências de fundos efectuadas pela impugnante à "B...,S.A." constituem operações financeiras praticadas por entidades relacionadas (a "B...,S.A." era detida a 100% pela impugnante), não devendo ser qualificadas nem como prestações acessórias ou complementares de capital próprio, como as caracterizou a impugnante, nem como suprimentos, por incumprimento dos necessários requisitos materiais e formais. G- Havendo ainda a salientar nesta apreciação, o facto da empresa "B...,S.A." não apresentar carências de capital próprio, ter capacidade de gerar cash-flows por força do contrato “Master Service Agreement” celebrado com a impugnante que teve como objeto os sites adquiridos, bem como ser detentora de capacidade de endividamento no mercado. H- Entre os diversos factos sujeitos a imposto, elencados na Tabela Geral do Imposto do Selo, encontram-se as operações financeiras, designadamente a utilização de crédito, em virtude da concessão de crédito a qualquer título. I- E, assim sendo, estas operações financeiras em análise, de acordo com o n.º 1 do artigo 1.º do Código do Imposto do Selo, conjugado com a verba 17.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, estão objectivamente sujeitas a este tributo. J- Não aproveitando da isenção prevista nas alíneas g) e h) do n. 1 do artigo 7.º do mesmo Código, já que, a concessão de crédito para ter enquadramento nesta norma de isenção tinha de ser (i) concedido por um prazo não superior a um ano, (ii) deveria destinar-se exclusivamente a cobrir carências de tesouraria (iii) e as entidades intervenientes deveriam ter sede ou direcção efectiva em território nacional, o que não se verifica para os financiamentos em causa. K- Resulta pois dos factos plasmados nos autos, bem como da inquirição das testemunhas, que a concessão de crédito sub júdice não se destinou a suprir apenas a qualquer necessidade de tesouraria da "B...,S.A.", teve como escopo na realidade a aquisição de activo fixo, e foi sendo reembolsado gradualmente assumindo uma característica de médio e longo prazo, pelo que se conclui necessariamente, que o crédito concedido não visou fazer face a carências pontuais de tesouraria, pressuposto da isenção L- Salvo o devido respeito por diversa opinião, só se poderá concluir, que o nome dado à operação, “prestações acessórias com a natureza de complementares” teve como um dos seus objectivos, uma tentativa de enquadramento da operação à margem de qualquer norma de incidência tributária, nomeadamente de imposto de selo. M- Sendo certo que em Direito o “nomem iuris” dado à operação pelas partes não vincula o interprete, e atendendo a que não estamos perante qualquer negócio tipificado na lei civil, mas sim perante um negócio atípico que colhe elementos de outros negócios tipificados, N- teremos de nos socorrer do nº 3 do artº 11º da LGT “Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários”, que determina que se deverá relevar para a qualificação jurídica da operação, tal qual os SIT o fizeram, a substância económica dos factos, O- ou seja, atendendo à substância económica da operação, inexistem dúvidas que a operação sub júdice se configura como empréstimos de médio-longo prazo sob a forma de conta corrente, subsumível à verba n.º 17.1.4 da TGIS. P- Consequentemente, é legalmente devido imposto do selo de acordo com a regra da verba 17.1.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo, ocorrendo o facto gerador do imposto nos termos definidos na alínea g) do artigo 5.º do Código do Imposto do Selo, sendo aplicável a taxa de 4% aos saldos em dívida no último dia de cada mês, conforme o plasmado no RIT. Q- Motivos pelos quais entende a Fazenda Pública, que as liquidações impugnadas não deveriam ter sido anuladas pelo douto Tribunal a quo. Termos em que, Deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, com as legais consequências. Mais se requer, Em virtude do valor da causa ser superior a €275.000,00, nos termos do n.º 7 do art.º 6.º do Regulamento das Custas Processuais, a dispensa do pagamento da taxa de justiça aí prevista (do remanescente), na medida em que se entende, estarem preenchidas todas as condições previstas naquele normativo, pois, a causa não foi de complexa decisão, não houve incidentes, nem má conduta processual das partes.». 1.3. A Recorrida "A...,S.A." apresentou contra-alegações, que concluiu nos seguintes termos: «a. Nos presentes autos discute-se a legalidade da liquidação de imposto de selo n.º 2006 .......11, relativa a 2004, no montante global de € 634.386,26. Esta liquidação adveio de uma inspeção tributária, de âmbito geral, promovida pelos Serviços de Inspeção Tributária ao ano de 2004 da impugnante. b. Em causa está a requalificação, por parte da AT, de uma operação que a "A...,S.A." qualificou de “prestações acessórias sob o regime das prestações suplementares” (efetuadas à sociedade "B...,S.A.") em operação de crédito, sujeita a imposto de Selo ao abrigo da alínea g) do artigo 5.º do CIS e verba 17.1.4 da Tabela Geral do Imposto de Selo. c. Da análise dos presentes autos, nomeadamente das peças processuais apresentadas pelas partes e da prova – testemunhal e documental – produzida, resulta manifesta a procedência da presente impugnação. d. Na verdade, demonstrou-se que a "A...,S.A." e a "F..." encetaram um processo negocial, que visava conseguir, em última instância, a gestão comum das antenas, torres, sites e afins, tendo criado, para o efeito, uma sociedade instrumental. Todavia, por motivos vários, a parceria acabou por não avançar. e. Ficou igualmente provado que a "A...,S.A." continuou com o referido projeto – com a perspetiva de autonomizar essa área de negócio –, tendo alienado à nova sociedade criada, "B...,S.A.", as antenas e bem assim, transmitido para esta, toda a estrutura de custos associada à gestão das ditas antenas – este negócio rondou os 140 milhões de euros. f. Comprovou-se, de modo inequívoco, que o recurso externo ao crédito (financiamento junto de entidade bancária) por parte da "B...,S.A." – para ter capacidade de aquisição das sobreditas antenas – estava, simplesmente, fora de questão: desde logo, por razões contratuais – contrato de financiamento (Project Finance) celebrado entre a impugnante e o "Banco ..." –, depois, por razões de política do grupo – concentração na SGPS que encabeça o Grupo (ou cada subgrupo) o acesso e negociação ao crédito para depois distribuir pelas subsidiárias – e, por fim, por razões de ordem prática – a "B...,S.A." nunca conseguiria obter financiamento de 140 milhões de euros junto da banca e se, hipoteticamente o conseguisse, não suportaria os custos ao mesmo associados. g. A impugnante optou, então, por efetuar prestações acessórias sob o regime das prestações suplementares à "B...,S.A." – as quais, comummente, se designam de prestações complementares de capital – cumpriram-se todas as exigências e formalismos legais associados a estas prestações efetuadas, h. não havendo quaisquer dúvidas quanto à sua natureza: está-se na presença de verdadeiras e reais entradas de capital, na modalidade de prestações complementares de capital, relativamente às quais não há qualquer incidência de selo. i. Com efeito, as leis civil e comercial consentem a realização de prestações com a natureza e características de prestações suplementares e acessórias, ainda que as mesmas não estejam previstas no pacto social — as prestações suplementares ou facultativas de capital. j. Por outro lado, nada impede que um sócio, por sua livre e exclusiva iniciativa, decida fazer dotações voluntárias de quase capital — “entrada de capital” na linguagem jurídica aceitando sujeitar-se a um regime mais oneroso de reembolso e sem remuneração. k. Ora, as dotações em causa (da "A...,S.A." à "B...,S.A.") são verdadeiras e reais prestações complementares de capital: a) Não estão previstas no pacto social porque facultativas; b) Por livre decisão do sócio ("A...,S.A."), que detém a totalidade do capital da dominada ("B...,S.A."), essas dotações foram assimiladas a entrada de capital, a figurar no capital próprio da "B...,S.A." (e não no seu passivo); c) Por livre decisão do sócio ("A...,S.A."), que detém a totalidade do capital da dominada ("B...,S.A."), essas dotações são voluntárias e gratuitas (não vencem quaisquer juros); d) Por livre decisão do sócio ("A...,S.A."), que detém a totalidade do capital da dominada ("B...,S.A."), essas dotações seguem o regime das prestações suplementares no que diz respeito à sua restituição. l. Se, por um lado, estamos em presença de verdadeiras prestações complementares de capital não remuneradas — as quais assumem a natureza de quase capital social (entradas de capital nas palavras da Diretiva 69/335/CEE e integram o capital próprio da dominada), e, por outro lado, ao contrário do argumentado na fundamentação, se a lei civil e comercial as consente, nos exatos termos efetuados e com a natureza atribuída pelas partes (não há qualquer incumprimento de requisitos formais e materiais), então, a Administração fiscal teria necessariamente de reconhecer e aceitar a natureza da operação pactuada entre as partes, a qual não será de tributar em sede do imposto de selo. m. É que, optou-se, no Código do IS, por não tributar (em selo) certas operações de entrada de ativos previstas na Diretiva, entre as quais se inclui o aumento de capital social de uma sociedade de capitais através de incorporação de lucros, reservas e provisões e, bem assim, o aumento do ativo de uma sociedade de capitais através de prestações efetuadas por um sócio que não impliquem o aumento do capital social, mas que tenham a sua contrapartida numa alteração dos direitos sociais ou que sejam suscetíveis de aumentar o valor das partes sociais. n. Quer isto dizer que, as prestações suplementares, acessórias e complementares de capital (com a natureza das dos autos) correspondem justamente à entrada de capital em relação à qual o legislador do selo não quis, de modo convicto, abarcar a tributação (estando, no que respeita ao caso concreto, excluídas todas as hipóteses de tributação da verba 26 da Tabela Geral do Imposto do Selo). o. Sem prejuízo, sempre será de se mencionar que a liquidação em causa assenta num pressuposto sobre o qual a própria AT entendeu não ter assente base legal, na medida em que foram efetuadas pela sociedade "A...,S.A." prestações de idêntica natureza em períodos de tributação seguintes, as quais percecionadas pelos SIT no âmbito dos processos de fiscalização decorridos, não tendo contudo, resultado qualquer correção neste sentido. Ou seja, tornou-se evidente para a AT a não sujeição destas prestações a imposto do selo, pelo que não se compreende a razão da persistência do presente processo. p. Em conclusão: por um lado, estamos em presença de verdadeiras prestações complementares de capital não remuneradas, as quais nunca poderão, oficiosamente, ser requalificadas como operações de crédito; por outro, a operação dos autos (prestações acessórias sob o regime das prestações suplementares) está excluída de imposto de selo e, assim sendo, não é passível de qualquer tributação. q. É, por todo o exposto, totalmente ilegal a liquidação de Imposto do Selo emitida pela AT, devendo, por conseguinte, ser anulada, conforme sustenta a decisão recorrida, que deve ser mantida. TERMOS EM QUE DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO IMPROCEDENTE, POR NÃO PROVADO, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, DESIGNADAMENTE A MANUTENÇÃO DA SENTENÇA RECORRIDA.». 1.5. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o parecer com o seguinte teor: «(…) A recorrente questiona a douta sentença concluindo o seu recurso referindo expressamente: ... a sentença recorrida enferma de erro de julgamento na apreciação e valoração da prova e de errada subsunção dos factos considerados provados ao direito, mormente à verba 17.1.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo. ... a concessão de crédito sub júdice não se destinou a suprir apenas a qualquer necessidade de tesouraria da "B...,S.A.", teve como escopo na realidade a aquisição de activo fixo, e foi sendo reembolsado gradualmente assumindo uma característica de médio e longo prazo, pelo que se conclui necessariamente, que o crédito concedido não visou fazer face a carências pontuais de tesouraria, pressuposto da isenção Salvo o devido respeito por diversa opinião, só se poderá concluir, que o nome dado à operação, “prestações acessórias com a natureza de complementares” teve como um dos seus objectivos, uma tentativa de enquadramento da operação à margem de qualquer norma de incidência tributária, nomeadamente de imposto de selo. Refuta, assim, a conclusão do tribunal sobre as operações em causa e que as considerou como “operações acessórias com natureza suplementar” considerando a recorrente que estamos perante “operações financeiras de crédito” devendo sobre elas incidir imposto de selo. No entanto o tribunal recorrido após uma análise objectiva das disposições legais aplicáveis refere ...a impugnante contabilizou as quantias em causa como prestações acessórias e a "B...,S.A." em conta de capital próprio, não resultando da contabilidade de qualquer das sociedades intervenientes a existência de qualquer contrapartida pela realização das prestações suplementares. É certo que os Estatutos da "B...,S.A." nada referem em relação às prestações acessórias, a decisão de efectuar prestações acessórias não foi objecto de qualquer acta do Conselho de Administração da impugnante e as prestações acessórias não foram efectuadas através de contrato. Todavia, como resulta da doutrina enunciada e com a qual se concorda pela fundamentação subjacente à mesma, tais circunstâncias não afastam a realidade da ocorrência das prestações acessórias. ... Não obstante a falta de previsão das prestações acessórias no pacto social e em deliberação social, importa atender à substância das prestações em causa, consubstanciada na gratuidade das mesmas e na aplicação do regime das prestações suplementares no que concerne à restituição das mesmas, características estas que, desde logo, afastam a possibilidade de tais prestações serem efectuadas por parte de terceiros e, consequentemente, a aplicação do regime dos preços de transferência previsto no artigo 58.º do Código do IRC, como pretende a inspecção tributária - consideramos que estamos perante prestações de quasi capital, e não operações financeiras de crédito. Nessa conformidade concluiu pela procedência da impugnação e consequente declaração de nulidade da liquidação em causa porquanto Não estando em causa operações financeiras de crédito, não é aplicável ao caso a rubrica 17.1.4. que esteve subjacente à tributação em causa e que deu origem à liquidação de imposto do selo ora impugnada, situação que, necessariamente, inquina a liquidação de erro nos pressupostos, determinando a respectiva anulação. Também a impugnante se pronunciou na sua resposta sobre a questão suscitada pugnando pela justeza da decisão sob recurso referindo expressamente ...está-se na presença de verdadeiras e reais entradas de capital, na modalidade de prestações complementares de capital, relativamente às quais não há qualquer incidência de selo. ... ... estamos em presença de verdadeiras prestações complementares de capital não remuneradas, as quais nunca poderão, oficiosamente, ser requalificadas como operações de crédito; por outro, a operação dos autos (prestações acessórias sob o regime das prestações suplementares) está excluída de imposto de selo e, assim sendo, não é passível de qualquer tributação. Tendo em conta toda a situação descrita a douta sentença mostra-se correctamente fundamentada e plenamente justificada, alicerçada nos elementos de prova considerados nos autos, na doutrina que cita e legislação aplicável Entendemos, pois, que a douta sentença não merece qualquer reparo pelo que concordando, por inteiro, com os seus termos e fundamentos, é nosso parecer que o recurso deve improceder.». * Dispensados os vistos legais, nos termos do artigo 657º, nº 4, do CPC, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta. * 2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da Recorrente, cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma de erro na apreciação da matéria de facto e no julgamento de direito. 3. FUNDAMENTAÇÃO 3.1. DE FACTO 3.1.1. Factualidade assente em 1ª instância A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto: «É a seguinte a matéria de facto provada com relevância para a decisão da causa, por ordem lógica e cronológica: A. Com data de 24.08.2006, foi elaborado relatório de inspecção, por referência à impugnante, com o seguinte teor – cfr. doc. 2 junto com a p.i.: (...) III. Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável (…) [dá-se por reproduzido(a) o(a) documento/imagem conforme original] (...).” B. Com data de 31.08.2006, foi proferido despacho de concordância com o relatório que antecede – cfr. doc. 2 junto com a p.i.. C. Em nome da impugnante foi emitida a liquidação de imposto do Selo e correspondentes juros compensatórios n.º 2006 .......11 relativa ao exercício de 2004, no montante de € 634.386,26 – cfr. doc. 1 junto com a p.i.. D. A impugnante é uma sociedade anónima e tem como actividade principal a “implementação de redes e serviços de telecomunicações, operação e exploração de redes e serviços de telecomunicações e fornecimento e comercialização de equipamentos de telecomunicações” – cfr. fls. 19 do relatório de inspecção. E. A impugnante detém 100% do capital social da "B...,S.A.". - – cfr. fls. 21 do relatório de inspecção. F. Em 31.12.2004, a contabilidade da impugnante evidenciava um saldo no valor de € 146.125.000,00 na conta 41500200 – prestações acessórias – cfr. fls. 18 do relatório de inspecção. G. O referido valor de € 146.125.000,00 foi contabilizado pela "B...,S.A." numa conta de capital próprio – cfr. fls. 18 do relatório de inspecção. H. A nota 40 do Anexo ao Balanço e à Demonstração de Resultados da "B...,S.A." refere que “De acordo com os estatutos da Empresa, as prestações acessórias seguem o regime fixado na Lei para as prestações suplementares de capital quanto ao regime de obrigação e restituição.” – cfr. fls. 21 e 22 do relatório de inspecção. I. Os Estatutos da "B...,S.A." nada referem em relação às prestações acessórias – cfr. fls. 22 do relatório de inspecção. J. A decisão de efectuar prestações acessórias não foi objecto de qualquer acta do Conselho de Administração da impugnante – cfr. fls. 22 do relatório de inspecção. K. As prestações acessórias não foram efectuadas através de contrato – cfr. fls. 22 do relatório de inspecção. L. Em cada data de realização das prestações acessórias, a impugnante emitiu uma carta a comunicar a intenção de realizar a entrega de prestações acessórias nos seguintes termos: “Estas prestações têm carácter voluntário e são de natureza gratuita, devendo integrar o capital próprio da sociedade. Mais se comunica que as prestações acessórias deverão seguir o regime das prestações suplementares no que diz respeito à sua restituição.” – cfr. fls. 22 do relatório de inspecção. M. Tais prestações não foram remuneradas – cfr. fls. 21 do relatório de inspecção. Não se provaram quaisquer outros factos para além dos referidos com relevância para a decisão da causa. Motivação A decisão da matéria de facto assentou na análise dos documentos constantes dos autos, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório – a este propósito relevando a factualidade constante do relatório de inspecção e não posta em causa pela impugnante -, e no acordo das partes. A prova testemunhal não foi relevante para a formação da convicção do Tribunal na medida em que os depoimentos se cingiram à descrição do modus operandi da operação de concessão de prestações acessórias por parte da impugnante à "B...,S.A.", sem que a factualidade subjacente se mostre controvertida, resultando da documentação constante dos autos.». 3.1.2. Aditamento aos factos provados Por ser relevante para a apreciação desta causa e constar de prova documental junta aos autos, ao abrigo da faculdade que nos é conferida pelo artigo 662º do Código de Processo Civil, vamos aditar à factualidade provada o seguinte facto: N) Do relatório inspetivo aludido no ponto A) supra, consta, ainda o seguinte: «III – 1.1.4. Prestações Acessórias à "B...,S.A." 1. Descrição da Operação (…) 1.5. As prestações Acessórias e os preços de Transferência 1.5.1. Do enquadramento legal das Prestações Acessórias Enquadramento destas operações face ao disposto no artigo 58º do Código do Imposto sobre o Rendimento das pessoas Colectivas (CIRC) De acordo com o número 1 do artigo 58.º do CIRC “(…) nas operações financeiras, efectuadas a qualquer título entre um sujeito passivo e uma qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos qos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades indepenedentes em operações comparáveis.” As operações em análise (cedência de fundos) consubstancia operações financeiras praticadas entre entidades relacionadas, pelo que as condições praticadas deverão estar em conformidade com o Princípio da Plena Concorrência descrito no parágrafo anterior. A "A...,S.A." e a "B...,S.A.", encontram-se numa situação de relação especial uma vez que a primeira tem o poder de exercer, de forma directa uma influência significativa nas decisões de gestão da outra, que se considera verificado designadamente; a) Entre uma entidade e os titulares do respectivo capital, (…), que detenha directamente uma participação não inferior a 10% do capital ou dos direitos de voto (vide alínea a) do número 4 do artigo 58º do CIRC); ou b) Quando as empresas se encontrem em relação de domínio, nos termos em que esta é definida nos diplomas que estatuem a obrigação de elaborar as demonstrações financeiras consolidadas (vide artigo 1º do DL 238/95 e alínea f) do número 4 do artigo 58.º do CIRC). Conforme referido na alínea c) do ponto A.2 da parte III – 1.1.4. do presente relatório, a "A...,S.A." detém 100% do capital social da "B...,S.A.", pelo que se poderá concluir pela existência de relações epeciais entre ambas as entidades, nos termos do n.º 4 do art.º 58.º do CIRC. 1.8. Conclusão (…) Face ao exposto, poderemos concluir que os fundos cedidos a título de Prestações Acessórias pela "A...,S.A." telecomunicações à "B...,S.A." poderiam ter sido obtidos, por esta última, junto das entidades terceiras independentes, com a consequente existência de remuneração sob a forma de juros. Assim, concluímos que a empresa violou o Princípio da Plena Concorrência. Procederemos, então, á análise das condições que seriam praticadas caso esta operação tivesse sido realizada por entidades independentes. (…)». Estabilizada nestes termos a factualidade relevante para a decisão da causa, avancemos na apreciação deste recurso jurisdicional. 3.2. DE DIREITO 3.2.1. Dos erros de julgamento Cumpre então apreciar se, face ao quadro factual dado como assente no probatório, designadamente nos pontos “I”, “J” e “K”, a sentença recorrida enferma de erro de julgamento na apreciação e valoração da prova e de errada subsunção dos factos considerados provados ao direito, mormente à verba 17.1.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo. De acordo com os referidos pontos da factualidade provada «I. Os Estatutos da "B...,S.A." nada referem em relação às prestações acessórias», «J. A decisão de efectuar prestações acessórias não foi objecto de qualquer acta do Conselho de Administração da impugnante» e «K. As prestações acessórias não foram efectuadas através de contrato». Com base na factualidade assente, nomeadamente nos assinalados pontos, a decisão recorrida acolheu a seguinte fundamentação de direito: «(…) Nos termos do n.º 1 do artigo 1.º do Código do Imposto do Selo, aprovado pela Lei n.º 150/99, de 11 de Setembro, na redacção aplicável ao caso dos autos, “O imposto do selo incide sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, livros, papéis, e outros factos previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens.” Por sua vez, a verba n.º 17.1.4 daquela Tabela – na qual assentou a tributação em causa - sujeita a Imposto do Selo as operações financeiras “Pela utilização de crédito, em virtude da concessão de crédito a qualquer título, incluindo a cessão de créditos, o factoring e as operações de tesouraria quando envolvam qualquer tipo de financiamento ao cessionário, aderente, ou devedor, (...) sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outra forma em que o prazo de utilização não seja determinado ou determinável (...).” Porém, decorre da alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º do mesmo Código que ficam isentas do imposto “As operações financeiras, incluindo os respectivos juros, por prazo não superior a um ano, desde que exclusivamente destinadas à cobertura de carência de tesouraria e efectuadas por sociedades de capital de risco (SCR) a favor de sociedades em que detenham participações, bem como as efectuadas por sociedades gestoras de participações sociais (SGPS) a favor de sociedades por elas dominadas ou a sociedades em que detenham participações previstas no n.º 2 do artigo 1.º e nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro, e, bem assim, efectuadas em benefício da sociedade gestora de participações sociais que com ela se encontrem em relação de domínio ou de grupo.” E, nos termos da alínea h), ficam também isentas tais operações, incluindo os respectivos juros, “(...) quando realizadas por detentores de capital social a entidades nas quais detenham directamente uma participação no capital não inferior a 10% e desde que esta tenha permanecido na sua titularidade durante um ano consecutivo ou desde a constituição da entidade participada, contanto que, neste último caso, a participação seja mantida durante aquele período;”. Finalmente, dispõe a alínea i) que “Os empréstimos com características de suprimentos, incluindo os respectivos juros efectuados por sócios à sociedade em que seja estipulado um prazo inicial não inferior a um ano e não sejam reembolsados antes de decorrido esse prazo;”. Analisemos, antes de mais, se estão em causa operações financeiras, não sendo controvertido que se trata de prestações acessórias submetidas ao regime das prestações suplementares, conforme decorre do probatório. As prestações acessórias realizadas no âmbito de sociedades anónimas estão previstas no artigo 287.º do Código das Sociedades Comerciais, nos seguintes termos: “1 - O contrato de sociedade pode impor a todos ou a alguns acionistas a obrigação de efetuarem prestações além das entradas, desde que fixe os elementos essenciais desta obrigação e especifique se as prestações devem ser efetuadas onerosa ou gratuitamente. Quando o conteúdo da obrigação corresponder ao de um contrato típico, aplicar-se-á a regulamentação legal própria desse contrato. 2 - Se as prestações estipuladas não forem pecuniárias, o direito da sociedade é intransmissível. 3 - No caso de se convencionar a onerosidade, a contraprestação pode ser paga independentemente da existência de lucros do exercício, mas não pode exceder o valor da prestação respetiva. 4 - Salvo disposição contratual em contrário, a falta de cumprimento das obrigações acessórias não afeta a situação do sócio como tal. 5 - As obrigações acessórias extinguem-se com a dissolução da sociedade”. Deste modo, as prestações acessórias consubstanciam-se em quaisquer prestações a que os sócios se obriguem, entre si, para além da obrigação de entrada para realização do capital social. Dado que estamos perante prestações acessórias sob o regime de prestações suplementares, importa considerar também o disposto no artigo 210.º do mesmo Código: “1 - Se o contrato de sociedade assim o permitir, podem os sócios deliberar que lhes sejam exigidas prestações suplementares. 2 - As prestações suplementares têm sempre dinheiro por objeto. 3 - O contrato de sociedade que permita prestações suplementares fixará: a) O montante global das prestações suplementares; b) Os sócios que ficam obrigados a efetuar tais prestações; c) O critério de repartição das prestações suplementares entre os sócios a elas obrigados. 4 - A menção referida na alínea a) do número anterior é sempre essencial; faltando a menção referida na alínea b), todos os sócios são obrigados a efetuar prestações suplementares; faltando a menção referida na alínea c), a obrigação de cada sócio é proporcional à sua quota de capital. 5 - As prestações suplementares não vencem juros.” A exigibilidade das prestações suplementares depende sempre de deliberação dos sócios – cfr. artigo 211.º -, não podendo a sociedade exonerar o sócio da obrigação de efectuar prestações suplementares – cfr. artigo 212.º. Finalmente, dispõe o artigo 213.º: "1 - As prestações suplementares só podem ser restituídas aos sócios desde que a situação líquida não fique inferior à soma do capital e da reserva legal e o respetivo sócio já tenha liberado a sua quota. 2 - A restituição das prestações suplementares depende de deliberação dos sócios. 3 - As prestações suplementares não podem ser restituídas depois de declarada a falência da sociedade. (...).” Do enquadramento normativo exposto resulta, pois, que as prestações suplementares: (i) Devem de ser permitidas pelo estatuto da sociedade para que os sócios deliberem a sua realização; (ii) São sempre pecuniárias; (iii) Não vencem juros; (iv) A sua restituição exige a salvaguarda a intangibilidade do capital social e depende sempre de deliberação dos sócios. Tais características têm levado a que as prestações complementares sejam consideradas como quase capital e que sejam reconhecidas em rubricas de capital próprio da sociedade (ao contrário, por exemplo, dos suprimentos) – neste sentido, cfr. o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 04.06.2020 (processo n.º 1343/10.0BELRS), in www.dgsi.pt. Daí que, como se escreve neste mesmo aresto, “(...) do ponto de vista contabilístico, não estejam inscritas no passivo da sociedade na qual as mesmas são prestadas. Aliás, tais prestações, como referimos, não são restituídas (exceto se houver deliberação social nesse sentido, nos termos já explanados), não podendo, naturalmente, ser exigida, por exemplo, a sua restituição contenciosa.” Como escreve MARTA CORREIA ROCHA DE SAMPAIO PINTO (Os Aumentos de Capital nas Sociedades por Quotas por Conversão dos Créditos dos Sócios, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 2018, p. 19), “[A] realização de prestações suplementares é uma operação neutra da perspetiva do valor do património, pelo que não terá efeitos na rubrica contabilística do capital social.” Com tal operação, “(...) a sociedade não assume qualquer obrigação patrimonial perante os sócios como contrapartida da realização das prestações suplementares, mormente a título de restituição de capital ou a título de pagamento de juros. Assim, as prestações suplementares não têm a natureza de Passivo financeiro, mas de Capitais Próprios da sociedade (...).” É certo que as prestações acessórias, tal como as prestações suplementares e os suprimentos, constituem formas de autofinanciamento das sociedades com vista a “suprir as insuficiências do capital próprio da sociedade.” Todavia, trata-se de figuras distintas na medida em que aos suprimentos implicam uma “obrigação por parte da sociedade da restituição dos meios disponibilizados pelo(s) sócio(s), sem ficar limitado ao princípio da intangibilidade do capital social”, ao passo que as prestações suplementares “apenas deverão ser restituídas aos sócios caso a situação líquida não se torne inferior à soma do capital e da reserva legal” e não vencem juros – in https://www.occ.pt/pt/noticias/o-autofinanciamento-das-sociedades-comerciais-prestacoes-acessorias-suprimentos-e-prestacoes-suplementares/ As prestações acessórias são obrigações adicionais dos sócios que acrescem à obrigação de entrada e que não os constituem credores de qualquer contrapartida pela realização de tais prestações – cfr. “Da admissibilidade da realização espontânea de prestações acessórias nas sociedades comerciais”, Dissertação de Mestrado em Direito Empresarial, Lisboa, 2014, p. 12, 13 e 20, in http://docplayer.com.br/20754577-Da-admissibilidade-da-realizacao-espontanea-de-prestacoes-acessorias-nas-sociedades-comerciais.html. Volvendo ao caso em apreço, como decorre do probatório, a impugnante contabilizou as quantias em causa como prestações acessórias e a "B...,S.A." em conta de capital próprio, não resultando da contabilidade de qualquer das sociedades intervenientes a existência de qualquer contrapartida pela realização das prestações suplementares. É certo que os Estatutos da "B...,S.A." nada referem em relação às prestações acessórias, a decisão de efectuar prestações acessórias não foi objecto de qualquer acta do Conselho de Administração da impugnante e as prestações acessórias não foram efectuadas através de contrato. Todavia, como resulta da doutrina enunciada e com a qual se concorda pela fundamentação subjacente à mesma, tais circunstâncias não afastam a realidade da ocorrência das prestações acessórias. Acresce que, em cada data de realização das prestações acessórias, a impugnante emitiu uma carta a comunicar a intenção de realizar a entrega de prestações acessórias nos seguintes termos: “Estas prestações têm carácter voluntário e são de natureza gratuita, devendo integrar o capital próprio da sociedade. Mais se comunica que as prestações acessórias deverão seguir o regime das prestações suplementares no que diz respeito à sua restituição.” Não obstante a falta de previsão das prestações acessórias no pacto social e em deliberação social, importa atender à substância das prestações em causa, consubstanciada na gratuidade das mesmas e na aplicação do regime das prestações suplementares no que concerne à restituição das mesmas, características estas que, desde logo, afastam a possibilidade de tais prestações serem efectuadas por parte de terceiros e, consequentemente, a aplicação do regime dos preços de transferência previsto no artigo 58.º do Código do IRC, como pretende a inspecção tributária - consideramos que estamos perante prestações de quasi capital, e não operações financeiras de crédito. Aliás, note-se, a este propósito, que a inspecção tributária não invocou factos aptos a sustentar a caracterização da operação em causa como uma verdadeira operação de crédito, sendo certo que nem todas as operações financeiras são operações de crédito e que a verba ao abrigo da qual foi determinada a tributação em sede de imposto do selo se reporta especificamente a operações financeiras de crédito. Não estando em causa operações financeiras de crédito, não é aplicável ao caso a rubrica 17.1.4. que esteve subjacente à tributação em causa e que deu origem à liquidação de imposto do selo ora impugnada, situação que, necessariamente, inquina a liquidação de erro nos pressupostos, determinando a respectiva anulação. Pelo exposto, procede o vício de erro nos pressupostos acto impugnado, determinante da anulação da liquidação impugnada, deste modo ficando prejudicado o conhecimento da verificação – ou não – da isenção a que se reporta o relatório de inspecção. (…)». Como se extrai do teor das alegações e conclusões do recurso e dos concretos pontos de facto identificados pela Recorrente, a Fazenda Pública entende que as prestações em causa apenas poderiam ser qualificadas como “complementares de capital” se estivessem verificados os pressupostos enunciados nos artigos 287º e 210º do Código das Sociedades Comerciais, isto é, desde que previstas no contrato de sociedade e deliberadas pelo Conselho de Administração, não admitindo, portanto, que tais prestações pudessem ocorrer voluntariamente, por decisão do sócio, como o Tribunal de 1.ª instância, estribando-se em jurisprudência e doutrina, admitiu como possível e, inclusivamente, ocorrido no caso em análise. Ora, lendo a sentença, é possível perceber que, embora admitindo como possível a existência de prestações acessórias voluntárias, a Meritíssima Juiz a quo considerou que «Não obstante a falta de previsão das prestações acessórias no pacto social e em deliberação social, importa atender à substância das prestações em causa, consubstanciada na gratuidade das mesmas e na aplicação do regime das prestações suplementares no que concerne à restituição das mesmas, características estas que, desde logo, afastam a possibilidade de tais prestações serem efectuadas por parte de terceiros e, consequentemente, a aplicação do regime dos preços de transferência previsto no artigo 58.º do Código do IRC, como pretende a inspecção tributária - consideramos que estamos perante prestações de quasi capital, e não operações financeiras de crédito.». Portanto, aplicando o princípio da prevalência da substância sobre a forma (consagrado no artigo 11º, nº, da LGT), a AT concluiu estar perante uma operação financeira de crédito e o Tribunal de 1ª instância concluiu tratar-se de prestações de quasi capital e não de operações financeiras de crédito. Assim, a primeira questão a resolver é a de saber o que é, em substância, a operação em causa nestes autos. Na resposta a esta questão importa atender às condições materiais das prestações em causa, sendo que a sua qualificação e a verificação dos atinentes os requisitos formais, apenas poderá relevar a título subsidiário, v. g. para melhor compreensão da vontade negocial das partes, se, eventualmente, tal se revelar necessário. Pois bem, resulta dos autos que a Recorrida efetuou um conjunto de transferências de capitais para a "B...,S.A.", (i) voluntariamente, sujeitando a respetiva restituição ao regime das prestações suplementares de capital, ou seja, tais prestações (ii) não são remuneradas, isto é, não vencem juros, e (iii) a sua restituição depende da integridade do capital social. Contrariamente, as operações financeiras têm como característica distintiva o facto de serem remuneradas e, quando realizadas com entidades terceiras, não podem ser voluntárias, nem a sua remuneração ficar sujeita ao condicionamento que, no caso, foi fixado. Ora, a AT procedeu ao enquadramento destas operações face ao disposto no artigo 58º do CIRC, por entender que «os fundos cedidos a título de Prestações Acessórias (…) poderiam ter sido obtidos (…) junto de entidades terceiras independentes, com a consequente existência de remuneração sob a forma de juros» e que, por não ter assim procedido, foi violado o Princípio da Plena Concorrência. Em sintonia com do Supremo Tribunal Administrativo, também entendemos que «(…) o regime consagrado no artigo 58.º do CIRC não visa habilitar ou facultar a possibilidade de alteração da qualificação ou da natureza de determinadas operações realizadas entre sociedades com relações especiais, mas, sim, exclusivamente, regular o modo como devem ser realizadas eventuais correcções quantitativas a operações realizadas entre sociedades com relações especiais, verificados os seus pressupostos, deixando incólume a natureza ou qualidade da operação, por referência à qual, nos exactos termos em que foi “qualificada”, o procedimento correctivo do preço é desencadeado.» – cfr. acórdão de 13-01-2021, proc. 01240/08.0BEPRT 0908/16, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/e53d56480cfe3300802586610005228d?OpenDocument&ExpandSection=1. E, tal como no caso vertente, também neste processo do STA subjazia ao o entendimento sufragado pela AT no relatório elaborado pelos Serviços de Inspeção Tributária que a sociedade recetora das prestações apresentava indicadores económicos que lhe conferiam capacidade de financiamento junto do mercado, pelo que a operação em causa realizada devia ser encarada como a “concessão de um crédito”, o qual podia ser obtido junto de entidades terceiras independentes, que neste caso estava sujeita a remuneração sob a forma de juros. «Em suma, para a Autoridade Tributária não existindo fundamento económico para a realização de prestações acessórias por parte da accionista da (…), a concessão de fundos a esta sociedade (…) deve ser qualificada como a concessão de um empréstimo remunerado, cujos juros estão sujeitos a tributação, em observância do preceituado no artigo 58.º do CIRC. (…) (…) Do que se trata, ou tudo quanto é legítimo que se tivesse tratado, é de aferir se a opção por um determinado “financiamento intra-social” é admissível e, sendo-o, se é admissível que não seja remunerado, sendo que, no caso, a resposta a tais questões, face aos estatutos e ao preceituado no artigo 210.º, n.º 5 do Código das Sociedades Comerciais, é indiscutível que só pode ser afirmativa. Como refere o Exmo. Procurador-Geral-Adjunto, citando Manuel Anselmo Torres, cujo entendimento também acompanhamos, “A falta de vencimento de juro é própria das prestações de capital, pelo que não poderá ser objecto de correcção fiscal. Já vimos acima por que razão uma prestação suplementar, classificada como capital próprio é insuscetível de vencer juros e porque, caso a sociedade a tanto se obrigasse, a deveria classificar como um passivo, como se de um suprimento se tratasse. Sendo os sócios livres de optar por financiar a sociedade com capitais próprios (capital social ou prestações suplementares) ou com capitais alheios (suprimentos), e não podendo aqueles, por natureza, vencer juros, nada poderá obrigar os sócios a reconhecer um proveito fiscal equivalente a um juro como resultado da prestação suplementar.».(Autor citado, in “Prestações suplementares, seu Regime Comercial, contabilístico e tributário” - Estudos em Memória do Frof. Dr. Saldanha Sanches, vol. IV.) Prosseguindo no seu raciocínio, adianta o mesmo Autor que «o regime de preços de transferência consagrado no artigo 63° do IRC não põe em causa as relações de capital entre sócios e sociedades nem determina que os sócios financiem parte dos capitais das suas participadas com dívida remunerada». Por outro lado porque estamos perante uma situação em que não nos podemos abstrair da realidade das relações especiais entre duas entidades. Ou seja, não se pode equiparar o financiamento de uma sociedade por um seu acionista e o financiamento de uma sociedade por uma entidade terceira. São duas realidades distintas com planos de abordagem igualmente diversos. O facto de no caso concreto a entidade acionista ser uma sociedade e esta ter por escopo o lucro não altera essa realidade. Como refere Jaime Carvalho Esteves (in “Da irrelevância da “fat capitalization” de uma “sociedade instrumental”¹), «...a conclusão por uma eventual fat capitalization da subsidiária não decorre da comparação entre a opção económica concretamente tomada e aquela que teria adotada por uma parte independente. E que estando a realização do capital próprio reservada a sócios ou àqueles que pela dita entrada o venham a ser, uma não relacionada não disporá de alternativas equivalentes àquelas que se deparam as entidades objeto do teste de plena concorrência. Não podendo ser encontrada uma entidade independente que se encontra em idêntica posição à da entidade relacionada e não tendo aquela as mesmas possibilidades de opção de que esta dispõe, estão em causa os próprios fundamentos do regime de preços de transferência, tornando-o absolutamente inadequado para analisar a operação em causa». (…) «a ineficácia tributária de um facto (leia-se de uma operação ou de uma estrutura) decorrerá da intervenção, com sucesso, de uma cláusula específica anti-abuso ou, na sua ausência, da cláusula geral anti-abuso constante do n°2 do art. 38° da LGT. A conclusão é, assim, evidente: a estrutura será de desconsiderar se for abusiva, sendo que tal efeito útil poderá ser alcançado se fundamentado nos exatos termos e condições que se encontram previstos para o abuso fiscal, i.e., nos termos do art. 38° da LGT. Procurar contornar a questão por recurso a um outro instituto, e.g., em sede de preços de transferência, constituiria um artifício do qual decorreria uma evidente violação de lei, já que este último é absolutamente inadequado para o efeito, pela inexistência de entidades independentes em posição análoga à do sócio. Aliás, nesta matéria, importará sempre ter presente que a forma natural de um sócio aportar fundos à sua participada para que esta desenvolva as suas actividades corresponde, exatamente, a capitais próprios e não a mútuos ou figuras similares» (negrito de nossa autoria).» - cfr. o citado acórdão do STA. Considerando que, na situação sub judice, não resultou apurado nos autos que a operação avaliada constitua um mútuo remunerado e não efetivas prestações acessórias gratuitas realizadas pela acionista única, não é de admitir a requalificação operada pela AT, isto é, o enquadramento da mesma à luz do artigo 58º do CIRC. Por assim ser, a operação de que tratamos não pode ser subsumida na verba 17.1.4. da TGIS. Nesta conformidade, a sentença recorrida não enferma dos erros de facto e de direito que lhe vêm apontados, devendo ser mantida no ordenamento jurídico, por improcedência do presente recurso. 3.2.2. Dispensa do remanescente da taxa de justiça Preceitua o artigo 6º, nº 7 do RCP que nas causas de valor superior a € 275.000,00 o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento. A dispensa do remanescente da taxa de justiça prevista neste preceito legal depende, portanto, da verificação de dois requisitos cumulativos: a simplicidade da questão tratada e a conduta das partes facilitadora e simplificadora do trabalho desenvolvido pelo tribunal. No caso, entendemos que se justifica a dispensa do remanescente da taxa de justiça devida pelo recurso à luz do disposto no nº 7 do artigo 6º do RCP, uma vez que as questões a decidir no recurso não se afiguraram particularmente complexas, a conduta processual das partes não é merecedora de qualquer censura ou reparo e o concreto valor das custas a suportar pela parte vencida se afiguraria (não havendo dispensa do pagamento do remanescente) desproporcionado relativamente ao concreto serviço público prestado. 4. DECISÃO Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida. Custas a cargo da Recorrente, que aqui sai vencida (artigo 527º, nº 1 e 2 do Código de Processo Civil), dispensando-se ambas as partes do pagamento da taxa de justiça remanescente. Porto, 30 de novembro de 2022 Maria do Rosário Pais José Coelho Irene Isabel Neves |