Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00067/24.6BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/23/2025
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:MARIA FERNANDA ANTUNES APARÍCIO DUARTE BRANDÃO
Descritores:AÇÃO ADMINISTRATIVA CONTRA A CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES;
ACIDENTE EM SERVIÇO;
ABONO DO CAPITAL RELATIVO À REMIÇÃO DA PENSÃO POR ACIDENTE;
Sumário:
I- No caso em apreço, não resulta dos autos que a mãe da Autora tenha cessado o exercício das suas funções e o recebimento da respetiva remuneração antes da data do seu óbito, sendo forçoso concluir que àquela data o abono do capital relativo à remição da pensão por acidente em serviço se mantinha suspenso, nos termos do disposto no artigo 41.º, n.º 1, alínea b), do DL 503/99, de 20 de novembro, na redação dada pela Lei 11/2014, de 06 de março, visando a referida pensão compensar o sinistrado pela perda ou redução permanente da sua capacidade de trabalho ou de ganho resultante do acidente de trabalho;

I.1 - A mãe da Autora não adquiriu, em vida, o direito ao abono do capital da remição da pensão por acidente em serviço, uma vez que não se verificavam na esfera jurídica daquela os pressupostos para a remição da pensão em análise por continuar a receber a parcela da remuneração correspondente à percentagem de redução permanente da capacidade geral de ganho do trabalhador resultante de acidente ou doença profissional (condição suspensiva prevista no despacho que fixou o valor da pensão), em conformidade com o disposto no artigo 41.º, n.º 1, alínea b), do DL 503/99, de 20 de novembro;

I.2 - Não estando em causa um direito adquirido pela mãe da Autora em vida, esse direito não se poderia ter transmitido à Autora, sua herdeira, após o seu óbito, nos termos dos artigos 2024.º e 2025.º do Código Civil, sendo que, em qualquer caso, o direito do sinistrado a requerer a remição de uma pensão é um direito de natureza pessoal que não se transmite aos seus herdeiros legais.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
«AA», solteira, maior, contribuinte fiscal n.º ...12, residente na Rua ..., ..., ... ..., ... ..., instaurou ação administrativa contra a CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES (CGA), NIPC ...68, com sede na Avenida ..., Apartado ...94, ... ..., e o ESTADO PORTUGUÊS, representado pelo Ministério Público.
Peticionou:
Termos em que, sem prejuízo do suprimento a que possa haver lugar, deve a presente ação considerar-se procedente, por provada, e
a) Declarar-se o que o ato administrativo proferido pela Ré, Caixa Geral de Aposentações, de 06/11/2023, que negou à Autora o direito ao pagamento do capital remido em virtude de um acidente em serviço, ocorrido em vida da sua mãe e formado durante a vida desta, mas que não lhe foi pago, é inválido, por se encontrar eivado dos vícios de forma, por falta de fundamentação, e de violação de lei, o que o tornam anulável, e condenar-se a mesma a reconhecer tal direito à Autora, devendo a Ré proferir o ato administrativo devido e pagando-lhe o valor de € 11.668,94 (onze mil, seiscentos e sessenta e oito euros e noventa e quatro cêntimos), acrescidos dos juros de mora, à taxa legal, a partir de 18 de Março, de 2020, e até integral pagamento;
b) Subsidiariamente, caso não se entenda proceder o pedido sob a alínea anterior, sejam condenados os Réus, solidariamente, a entregar à Autora tal valor e os juros peticionados, de que ilegitimamente e sem causa justificativa ou legal, se apropriaram”.
Por saneador-sentença proferido pelo TAF de Coimbra foi decidido assim:
julga-se procedente a exceção dilatória de ilegitimidade passiva suscitada pelo Réu Estado Português e, em consequência, absolve-se o mesmo da instância;
julga-se a presente ação improcedente e, em consequência, absolve-se a Ré CGA do pedido.
Deste vem interposto recurso pela Autora.
Alegando, formulou as seguintes conclusões:

- A mãe da recorrente foi vítima de acidente em serviço, pelo qual a recorrida lhe arbitrou o capital remido no valor de € 11.698,64;

- A sentença recorrida deu como provado que, de acordo com a posição da recorrida, que deverá ser pago, a título de reparação total do acidente, o capital de remição de € 11 668,94;

- A sentença recorrida deu ainda como provado que em 04/07/2023, faleceu «BB», com 64 anos de idade;

- E que a recorrente é filha de «BB» e cabeça-de-casal da sua herança;

- Defende a recorrente, perante tais factos dados como provados e ao contrário da sentença recorrida, que o montante do capital de remição já se formara e que apenas se diferira oi momento da sua entrega;

- Todavia, como a mãe da recorrente faleceu anteriormente à ocorrência de tal momento - a sua aposentação, e uma vez que tal direito já se encontrava ancorado na sua esfera patrimonial, é a recorrente, enquanto sua legítima sucessora, que ao mesmo tem direito;

- A recorrente não adere aos fundamentos do acórdão do Tribunal Constitucional de 21/11/2017 - proc° n° 996/16, como o fez a sentença recorrida, por não respeitar a idêntica situação à dos autos;

- Em todo, o caso, defende, por serem mais justas e equilibradas as posições dos Srs. Juízes Conselheiros, Catarina Sarmento e Castro, Maria Clara Sottomayor e Cláudio Monteiro, bem assim como os fundamentos expendidos pela Senhora Provedora de Justiça, no seu requerimento perante o Tribunal Constitucional;

- Como refere a Srª Juíza Conselheira, Maria Clara Sottomayor, no ponto 5 do seu voto de vencido, “Por imposição do princípio da igualdade, todos os trabalhadores devem beneficiar de um regime idêntico no que diz respeito à reparação por acidentes de trabalho”;

10ª - O artigo 41°, do Decreto-Lei n° 503/99, de 20 de Novembro, tal como é interpretado pela sentença recorrida, é inconstitucional, por manifesta violação dos princípios da justa reparação e da igualdade (artigo 59º, nº 1, al. f), e 13º, da C.R.P.);

11ª - Subsidiariamente, é grosseiro o enriquecimento ilegítimo da recorrida, pois aconteceu um acidente, houve danos e foi fixada uma compensação para um trabalhador concreto que, por já não ser vivo no momento da sua receção, já não a recebeu;

12ª - E como o destinatário já não era vivo, a recorrida já nada entrega e fica com aquilo que legitimamente já não lhe pertencia. O que é isto, se não um enriquecimento ilegítimo?;

13ª - Deve, pois, condenar-se a recorrida a proferir o ato administrativo devido de atribuir à recorrente o mesmo valor que iria entregar à sua mãe, se fosse viva;

14ª - A sentença recorrida, ao decidir como decidiu, violou os artigos 2024° e 2025° e, subsidiariamente, o artigo 473°, todos do Código Civil, e incorreu em erro de julgamento.

Termos em que, revogando a sentença recorrida e substituindo-a por acórdão que perfilhe o conteúdo das conclusões supra expendidas, farão
JUSTIÇA!
A Ré/CGA juntou contra-alegações, sem conclusões, finalizando assim:
Sucede que a douta decisão recorrida não merece qualquer reparo nem tão pouco a censura que lhe é dirigida pela ora recorrente, termos em que, e com o suprimento, deve o presente recurso jurisdicional ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se integralmente a douta sentença recorrida.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO
Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
1) «BB» era professora do ensino secundário na Escola ..., em ..., tendo sofrido um acidente em serviço, que lhe determinou uma incapacidade permanente parcial, com a desvalorização de 4,5 % (assente por acordo – artigos 3.º da petição inicial e 1.º da contestação da Ré CGA).
2) Por ofício datado de 18.03.2020, sob o assunto “REMISSÃO DA PENSÃO POR ACIDENTE SERVIÇO”, a Ré CGA comunicou a «BB», entre o mais, o seguinte:
LEI 98/2009 de 4/9, DL 503/1999 de 20/11
Utente n.º: ...96/00
Categoria: PROFESSORA
Comunico a V. Exa. que, por decisão de 2020-03-18, da Direcção da Caixa Geral de Aposentações (Delegação de poderes publicada no DR II Série, n.º 244 de 2019-12-19), lhe foi fixada, uma pensão anual vitalícia de €1 035,95,
a que corresponde uma pensão mensal de €74,00 (€1 035,95 /14), em consequência do acidente em serviço de que foi vítima.
Do referido acidente em serviço resultou uma incapacidade permanente parcial, com a desvalorização de 4,5 %, conforme parecer da Junta Médica desta Caixa, homologado por despacho da Direcção da Caixa Geral de Aposentações de 2019- 12-18.
A pensão anual, foi calculada nos seguintes termos:
Retribuição anual €32 887,45
Pensão anual (€32 887,45 x 70,00% x 4,5%) €1 035,95
Nos termos do artigo 75º da Lei 98/209 de 4 de Setembro, são obrigatoriamente remidas as pensões por acidente em serviço de incapacidade permanente parcial inferior a 30% e de valor anual não superior a 6 vezes o indexante dos apoios sociais (IAS) à data da sua fixação (6 x €438,81 = € 2 632,86).
Atendendo a que a subscritora nasceu em 1959-01-16, o coeficiente para determinar o capital de remição na data da alta 2019-07-15, é o correspondente a 60 anos de idade, ou seja, 11,264, de acordo com as bases técnicas e tabelas práticas aprovadas pela Portaria n.º 11/2000, de 13 de Janeiro.
Assim, deverá ser pago, a título de reparação total do acidente, o capital de remição de €11 668,94 (€1 035,95 x 11,264).
O abono da pensão por acidente em serviço/doença profissional agora fixado fica, porém suspenso, dado que nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.0 41,° do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, na redação dada pelo art.0 6.° da Lei n.º 11/2014, de 6 de março, as prestações por incapacidade permanente resultante de acidente ou doença profissional, não são cumuláveis com a parcela da remuneração correspondente à percentagem de redução permanente na capacidade geral de ganho do trabalhador.
[...]
DIVISÃO DE ENCARGOS
Regime Entidade Valor (€) Tipo de Valor
Rernição DL 503/99 CAIXA GERAL APOSENTAÇÕES 11 668,94 REMI.PENS ACID.
SERV.-DL 503/99 [...]”.
Cfr. documento n.º 3 junto com a petição inicial e fls. 61 e 62 do PA.
3) Em 04/07/2023, faleceu «BB», com 64 anos de idade (cfr. documento n.º 1 junto com a petição inicial).
4) A Autora é filha de «BB» e cabeça de casal da sua herança (cfr. documentos n.ºs 1 e 2 juntos com a petição inicial).
5) Em 09/10/2023, a Autora remeteu à CGA, através de mensagem de correio eletrónico, requerimento a solicitar o pagamento do capital da remição da pensão da sua mãe por acidente de trabalho (cfr. documento n.º 4 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
6) Em 06/11/2023, a CGA respondeu à Autora, através de mensagem de correio eletrónico, o seguinte: “Informamos de que, tratando-se de uma prestação indemnizatória, a remição de pensão por acidente em serviço, não é transmissível aos herdeiros”.
Cfr. documento n.º 5 junto com a petição inicial.
DE DIREITO
É objecto de recurso a decisão que julgou improcedente a ação.
É entendimento pacífico na doutrina e jurisprudência, com consagração nos artigos 635.º, n.º(s) 4 e 5, 639.º, n.º(s) 1 e 2 e artigos 1.º, 140.º, n.º 3 e 146.º, n.º 4 do CPTA que o objeto do recurso se encontra delimitado pelas conclusões extraídas da motivação, pelo respetivo recorrente, o que se traduz no impedimento do tribunal ad quem de conhecer de matéria que aí não tiver sido invocada, exceto as situações de conhecimento oficioso, seja de mérito ou de natureza adjetiva.
Assim, vejamos:
A Autora propôs ação administrativa, além do mais, contra a Caixa Geral de Aposentações (CGA), invocando, em síntese, que:
- A sua mãe “«BB», que era professora do ensino secundário (...) foi vítima de acidente de serviço, que lhe determinou a desvalorização de 4,5%, (...)»;
- Por carta datada de 18.03.2020, a Ré CGA comunicou a «BB» que «lhe foi fixada uma pensão anual vitalícia de € 1.035,95 (...)» obrigatoriamente remível, e que lhe seria «pago, a título de reparação total do acidente, o capital de remição € 11.668,94”»;
- Nessa mesma comunicação, a Ré CGA mais referiu que «O abono da pensão por acidente em serviço/doença profissional agora fixado fica, porém, suspenso, dado que nos termos da alínea b), do nº 1, do artigo 41º do Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro, na redação dada pelo artigo 6º da Lei nº 11/2014, de 6 de Março, as prestações por incapacidade permanente resultante de acidente ou doença profissional não são cumuláveis com a parcela da remuneração correspondente à percentagem de redução permanente na capacidade geral de ganho do trabalhador»;
- «BB» não chegou à idade da aposentação, em virtude de ter falecido em 4 de julho de 2023, com a idade de 64 anos, pelo que não chegou a receber ou a beneficiar do capital compensatório pelo acidente de serviço que sofreu;
- A esse respeito, em 06.11.2023, através de mensagem de correio eletrónico de 06/11/2023, a Ré CGA comunicou à Autora o seguinte: «Informamos de que, tratando-se de uma prestação indemnizatória, a remição de pensão por acidente em serviço, não é transmissível aos herdeiros”»;
- O que, conforme referido pela Autora «é, desde logo, absurdo e ignominioso, um descarado locupletamento dos Réus, de quantia, capital, valor, que sabem não lhes pertencer; (..) Limitando-se a primeira Ré a proferir ato administrativo denegatório do direito reclamado pela Autora, sem mais, isto é, sem qualquer fundamentação de facto ou de direito, o mesmo encontra-se eivado do vício de forma, que o torna anulável, por falta de fundamentação».
Peticionou:
«a) declarar-se que o ato administrativo proferido pela Ré: Caixa Geral de Aposentações, de 06/11/2023, que negou à Autora o direito ao pagamento do capital remido em virtude de um acidente em serviço, ocorrido em vida da sua mãe e formado durante a vida desta, mas que não lhe foi pago, é inválido, por se encontrar eivado dos vícios de forma, por falta de fundamentação, e de violação de lei, o que o tornam anulável, e condenar-se a mesma a reconhecer tal direito à Autora, devendo a Ré proferir o ato administrativo devido e pagando-lhe o valor de € 11.668,94 (onze mil, seiscentos e sessenta e oito euros e noventa e quatro cêntimos), acrescidos dos juros de mora, à taxa legal, a partir de 18 de Março, de 2020, e até integral pagamento;
b) Subsidiariamente, caso não se entenda proceder o pedido sob a alínea anterior, sejam condenados os Réus, solidariamente, a entregar à Autora tal valor e os juros peticionados, de que ilegitimamente e sem causa justificativa ou legal, se apropriaram».
Temos, assim, que, por despacho da Direção da CGA, de 2020-03-18, foi fixada a «BB», mãe da ora Autora, um capital de remição no valor de €11.668,94, como reparação de uma IPP de 4,5% resultante de um acidente em serviço ocorrido em 2018-10-30, tudo em conformidade com o processo administrativo junto.
Sucede que o abono do valor assim fixado ficou suspenso, dado que, nos termos do artigo 41º, nº 1, alínea b), do Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de novembro, na redação introduzida pelo artigo 6º da Lei nº 11/2014, de 6 de março, as prestações por incapacidade permanente resultante de acidente ou doença profissional não são cumuláveis com a parcela da remuneração correspondente à percentagem da redução permanente na capacidade de ganho do trabalhador.
A referida utente faleceu em 2023-07-04, tendo a aqui Autora, na qualidade de cabeça de casal da herança, apresentado uma exposição escrita perante a CGA a solicitar o pagamento da referida soma de € 11.668,94.
Por comunicação de 2023-11-23, a CGA informou a Autora que a remição de pensão por acidente em serviço não é transmissível aos herdeiros.
Ora, conforme já referido, de harmonia com o disposto na alínea b) do nº 1 e no nº 4 do artigo 41º do Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de novembro, na redação dada pelo artigo 6º da Lei nº 11/2014, de 6 de março, o abono do capital de remição fixado à falecida mãe da Autora ficou suspenso, porquanto se mantinha no exercício de funções.
Isto mesmo foi comunicado à mãe da Autora, por ofício da CGA de 2020-03-18, que claramente explicou que “o abono da pensão por acidente em serviço/doença profissional agora fixado fica, porém, suspenso, dado que nos termos da alínea b) do n°1 do art° 41° do Decreto-Lei n° 503/99, de 20 de novembro, na redação dada pelo art° 6° da Lei n° 11/2014, de 6 de março, as prestações por incapacidade permanente resultante de acidente ou doença profissional não são cumuláveis com a parcela da remuneração correspondente à percentagem de redução permanente na capacidade geral de ganho do trabalhador”.
É que o desiderato do regime previsto no DL 503/99, de 20 de novembro, é apenas a reparação na redução na capacidade de trabalho ou de ganho.
Tal é o que resulta do disposto na alínea b) do nº 4 do artigo 4º do DL 503/99, normativo que já constava da versão original do referido diploma, nos termos do qual o direito à reparação em dinheiro compreende apenas “indemnização em capital ou pensão vitalícia correspondente à redução na capacidade de trabalho ou de ganho, no caso de incapacidade permanente”.
Ora, se a mãe da Autora se mantinha no exercício de funções, ainda que eventualmente adaptadas à sua condição de saúde, e auferia a correspondente remuneração de acordo com o seu estatuto remuneratório habitual, sem reconversão profissional, falhava o pressuposto do direito à reparação da redução na capacidade de ganho (o qual está na base do abono do capital de remição ou pensão), pelo que a mãe da Autora estava legalmente impedida de acumular a remuneração pelo exercício efetivo de funções em simultâneo com a prestação que visa reparar a incapacidade para esse mesmo exercício.
Importa salientar que esta questão foi apreciada e decidida pelo Tribunal Constitucional, na sequência de um requerimento, apresentado pela Provedoria de Justiça, de declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes da alínea b) do nº 1 e dos nºs 3 e 4 do artigo 41º do Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de novembro, com fundamento na violação, quer do direito dos trabalhadores a justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional, quer do princípio da igualdade, consagrados, respetivamente, na alínea f) do nº 1 do artigo 59º e no artigo 13º da Constituição.
Em sessão plenária de 2017-11-21, foi proferido, no processo nº 996/16, o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 786/2017 (https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20170786.html), que decidiu não declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas suprarreferidas, para cuja argumentação se remete e se dá aqui por integralmente reproduzida.
Voltando ao caso concreto da situação da mãe da Autora, a manutenção do exercício de funções e da correspondente remuneração consubstanciou uma condição suspensiva ao exercício pleno do direito de receber o capital de remição fixado no despacho de 2018-03-18.
A referida condição suspendeu, pois, os efeitos do despacho de atribuição do capital de remição durante o período de tempo em que determinado evento não ocorreu, ou seja, o da cessação do exercício daquelas funções.
Subordinando-se a eficácia do despacho de atribuição do capital de remição àquela condição suspensiva, e tendo a mãe da Autora falecido enquanto ainda se encontrava no exercício das referidas funções, não há dúvidas de nunca chegou a adquirir o direito ao recebimento do capital de remição. Ou seja, à data do óbito, o capital de remição ainda se mantinha suspenso, nunca tendo a mãe da Autora adquirido, em vida, o direito ao seu abono, pois, enquanto foi viva, nunca foram afastadas as condições de inacumulabilidade a que se refere o artigo 41º do Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de novembro.
Tal equivale a dizer que não assiste agora à Autora o direito a que se arroga. Na verdade, se foi um direito que não se adquiriu em vida da sua mãe, esse direito não se transmitiu à sua herdeira após o óbito, nos termos dos artigos 2024º e 2025º do Código Civil.
Com efeito, os citados normativos definem sucessão como o chamamento de uma ou mais pessoas à titularidade das relações jurídicas patrimoniais de uma pessoa falecida e a consequente devolução dos bens que a esta pertenciam (2024º) e excluem do objeto da sucessão as relações jurídicas que devam extinguir-se por morte do respetivo titular, em razão da sua natureza ou por força da lei (2025º, nº 1).
Como se viu, o direito ao abono do capital de remição não constituiu um direito de crédito de conteúdo patrimonial que tenha integrado, em vida da mãe da Autora, o seu acervo patrimonial, tanto mais que aquela nunca pôde exigir o seu pagamento, pelo que aquele capital nunca foi devido à mãe da Autora.
Se assim foi enquanto a mãe da Autora foi viva, igualmente a sua herdeira não poderá exigir o pagamento daquele capital de remição.
Bem sentenciou, pois, o Tribunal a quo:
(…)
Ora, no caso em apreço, não resulta dos autos que a mãe da Autora tenha cessado o exercício das suas funções e o recebimento da respetiva remuneração antes da data do seu óbito, sendo forçoso concluir que àquela data o abono do capital relativo à remição da pensão por acidente em serviço se mantinha suspenso, nos termos do disposto no artº 41.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, na redação dada pela Lei n.º 11/2014, de 06 de março, visando a referida pensão compensar o sinistrado pela perda ou redução permanente da sua capacidade de trabalho ou de ganho resultante do acidente de trabalho.
Com efeito, a mãe da Autora não adquiriu, em vida, o direito ao abono do capital da remição da pensão por acidente em serviço, uma vez que não se verificavam na esfera jurídica daquela os pressupostos para a remição da pensão em análise por continuar a receber a parcela da remuneração correspondente à percentagem de redução permanente da capacidade geral de ganho do trabalhador resultante de acidente ou doença profissional (condição suspensiva prevista no despacho que fixou o valor da pensão), em conformidade com o disposto no artº 41.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro.
(…)
Aqui chegados, não estando em causa um direito adquirido pela mãe da Autora em vida, esse direito não se poderia ter transmitido à Autora, sua herdeira, após o seu óbito, nos termos dos artigos 2024.º e 2025.º do Código Civil, sendo que, em qualquer caso, o direito do sinistrado a requerer a remição de uma pensão é um direito de natureza pessoal que não se transmite aos seus herdeiros legais.
E o que dizer do pedido subsidiário de condenação no pagamento da quantia correspondente ao capital de remição com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa?
Que não há qualquer enriquecimento, e muito menos injustificado, da ora recorrida à conta do património da mãe da Autora ou da própria Autora, pelo que não colhem os argumentos invocados.
Efectivamente dispõe o artº 473º do C. Civil:
“1.Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou.
2.A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou”.
À luz deste normativo, para que exista enriquecimento sem causa é necessário que, cumulativamente se verifiquem os seguintes requisitos:
-que alguém obtenha um enriquecimento;
-que esse enriquecimento não tenha uma causa justificativa;
-e que seja obtido à custa de outrem (neste sentido Galvão Teles, Obrigações, 3ª edição, pág. 127). Isto é, a obrigação de restituir, fundada no injusto locupletamento à custa alheia, pressupõe que alguém obtenha um enriquecimento, sem causa justificativa, à custa de quem requer a restituição.
E o requisito da ausência de causa justificativa opera positivamente, isto é, terá de ser alegado e provado de harmonia com o princípio geral estabelecido no artº 342º do C.Civil, não bastando, para esse efeito, segundo as regras do ónus da prova, que não se prove a existência de uma causa de atribuição, sendo necessário convencer o Tribunal da falta de causa (BMJ 460º, pág. 830), o que a Recorrente não logrou alcançar.
Assim, mais uma vez o Tribunal recorrido bem analisou a questão, concluindo: atendendo a que não assiste à Autora o direito ao recebimento do capital da remição da pensão por acidente em serviço da sua mãe, é forçoso concluir que não se verifica qualquer enriquecimento injustificado da Ré CGA e, como tal, que não se verificam os requisitos cumulativos de que depende o direito à indemnização da Autora por parte da Ré CGA com base no instituto do enriquecimento sem causa.
Em suma,
Sucumbe a tese da Recorrente, qual seja a de que o montante do capital de remição já se formara e que apenas se diferira o momento da sua entrega.
Todavia, como a mãe da Recorrente faleceu anteriormente à ocorrência de tal momento - a sua aposentação -, e uma vez que tal direito já se encontrava ancorado na sua esfera patrimonial, é a Recorrente, enquanto sua legítima sucessora, que ao mesmo tem direito.
Ademais não se vislumbra que o artigo 41° do DL 503/99, de 20 de novembro, tal como interpretado pela sentença recorrida, seja inconstitucional, por violação dos princípios da justa reparação e da igualdade (artigos 59º, nº 1, al. f), e 13º, da CRP).
De resto, considera-se que é manifestamente insuficiente a alegação genérica de que a conduta da Ré/Recorrida viola/afronta princípios com consagração constitucional, nomeadamente os apontados, dada a omissão de substanciação fáctico-jurídica subjacente a esses putativos vícios.

Com efeito, a Recorrente não aduz quaisquer razões de facto e de direito em que se concretizam as referidas causas de invalidade. Nessa parte, por isso, a sua pretensão afigura-se votada ao insucesso, por falta da exigível substanciação essencial da causa de pedir (cf., a propósito, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 29-04-2003, proc. nº 00211/03, e o Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 01-03-2019, proc. nº 02570/14.7BEBRG).

Improcedem as Conclusões das alegações.

DECISÃO

Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
Notifique e DN.
Porto, 23/5/2025

Fernanda Brandão
Isabel Jovita
Paulo Ferreira de Magalhães