Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 03355/04 |
Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
Data do Acordão: | 06/19/2019 |
Tribunal: | TAF de Viseu |
Relator: | Paula Moura Teixeira |
Descritores: | IMPOSTO SOBRE SUCESSÕES E DOAÇÕES; ÓNUS DA PROVA |
Sumário: | I - Salvo casos excecionais de presunções legais ou de inversão de ónus da prova, no que toca ao procedimento de liquidação dos tributos, é à Administração que cabe demonstrar os pressupostos de facto da sua atuação, designadamente a existência dos factos tributários em que assenta a liquidação do tributo, que não tenham sido declarados pelo contribuinte. II - Quem alega no procedimento deve provar os factos por si alegados, sem prejuízo do princípio do inquisitório e da descoberta da verdade material. III - Para efeitos de imposto sobre as sucessões e doações, desde que exista tradição de valores patrimoniais de uma pessoa para outra, sem qualquer espécie de contrapartida económica ou fiduciária por parte daquele que a recebe, existe transmissão de bens sujeita a tributação, independentemente do meio ou ato jurídico que porventura titule essa tradição. IV - Para este efeito e em sede de direito tributário releva mais o conceito naturalístico e económico da transmissão que a correspondente qualificação jurídico-civilista. V – In casu, vista a prova recolhida pela AT, conclui-se que a Administração não demonstra os pressupostos de facto em que fez assentar a liquidação sindicada, designadamente não prova que a transferência dos saldos dos créditos de suprimentos para a conta do Recorrente fosse uma transmissão a título gratuito, uma vez que o contrato de cessão de quotas que lhe subjaz, referido pela AT, foi realizado mediante uma contrapartida económica (pecuniária – um preço). * * Sumário elaborado pelo relator |
Recorrente: | GMMSBM |
Recorrido 1: | Autoridade Tributária e Aduaneira |
Votação: | Unanimidade |
Decisão: | Conceder provimento ao recurso Revogar a sentença recorrida Julgar a impugnação improcedente |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: | Emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO A Recorrente, GMMSBM contribuinte n.º 11xxx30, melhor identificado nos autos, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, que julgou improcedente a impugnação judicial, mantendo a liquidação impugnada de Imposto Sobre as Sucessões e Doações e respetivos juros compensatórios, referente a facto tributário ocorrido em 1992, no valor de 10 344 524$00. Foram inquiridas testemunhas e no decurso da diligência, por lhe ter sido dado a conhecer, a Recorrente requereu a inquirição do contabilista, que realizou a contabilidade à data dos factos, e nesse mesmo ato foi-lhe indeferida a referida inquirição. A Recorrente interpôs dois recursos sendo um do despacho interlocutório que dispensou a inquirição da testemunha e outro sobre decisão final, a saber: A) RECURSO DE DESPACHO INTERLOCUTÓRIO A Recorrente não se conformou com a decisão tendo interposto o presente recurso formulou nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem: “(…) 1.ª Através do depoimento da testemunha MLOGSP, sobreveio o conhecimento da identidade do TOC que elaborou os documentos contabilísticos anexos à P.I. e estará na origem dos erros da contabilização – alegados na P.I. – que originaram os créditos a favor dos sócios HMS e IMAMS, na sociedade “HMS & Filhos, Lda., cuja transmissão por morte a favor da impugnante (pressuposta pela A. Fiscal) deu origem à liquidação de imposto sucessório. 2.ª Revelando-se assim manifesta, para o apuramento da verdade dos factos, a necessidade de o TOC ADMS prestar depoimentos em juízo sobre os factos alegados na P.I. nos arts 5.º a 19.º e sobre os documentos anexos á mesma. 3.ª Pelo impugnante requereu a produção desse depoimento nos termos implícitos do art.º 99.º n.º1 da LGT. 4:º Porém, o despacho recorrido considerou que a requerida audição do TOC, apresentava uma alteração legalmente inadmissível do rol de testemunhas, pelo que indeferiu o requerimento. 5.º Ora não estando em causa qualquer pretensão de alterar o rol de testemunhas por parte da impugnante, mas tão-somente que se dê cumprimento ao art.º 99.º da LGT., salvo melhor opinião o despacho recorrido é ilegal. 6.ª Sendo de referir que a necessidade da audição do TOC ADMS, para permitir um esclarecimento cabal da natureza real ou fictícia dos créditos sobre a sociedade, cuja presumida transmissão à impugnante esteve na origem de uma liquidação adicional de imposto sucessório, foi reforçada pelo depoimento da testemunha Afonso Tito Lopes, TOC, segundo o qual tais “créditos” foram criados por erro de lançamento contabilístico. Termos em que se requere a V.ª Ex.ª, que revoguem o despacho-recorrido e o substituam por outro que ordena a inquirição pelo Tribunal do TOC ADMS, Residente na Rua R…, Tamegos, telefones 23xxx e 91xxx. (…)” B) RECURSO DE DECISÃO FINAL A Recorrente não conformado com a decisão final interpôs recurso, tendo formulado as seguintes conclusões que se reproduzem: “(...)1a. O Tribunal recorrido deu como assente que o activo imobilizado corpóreo foi reavaliado (de 31-12-1986 pra 01-01-1987) em 290.569 contos. 2a. E deu igualmente como assente que, como contrapartida de tal reavaliação se encontravam registados, apenas 109.750 contos na conta de Reservas Livres. 3a. Reconhece, assim, a falta de registos, a crédito, correspondentes à diferença entre o valor de reavaliação e do saldo de Reservas Livres. 4ª. Entende, contudo, de que não há evidência que tais diferenças tenham sido registadas na conta de "Empréstimos de sócios". 5ª. No entanto, apesar da relevância dos valores em falta (nos movimentos a crédito) o Tribunal nada acrescenta sobre outras hipotéticas contas onde tais registos possam ter sido feitos. 6a. Aparte a conta "Empréstimos de sócios" não se vislumbram outras contas onde os diferenciais em causa possam ter sido registados. E facto é que há registos incorrectos nesta conta que só o TOC da empresa à época poderia esclarecer, mas cuja inquirição foi recusada pelo Tribunal. 7ª. O Tribunal entende, ainda, que os movimentos efectuados nas contas de sócios poderão ter sido feitos com o intuito de distribuir resultados, com a inerente fuga à tributação em imposto sobre o rendimento. 8a. Contudo, como resulta dos autos, o único levantamento de fundos da empresa feito pela recorrente ocorreu em 1 992 e ascendeu a 16.000 contos, muito inferior aos abonos que a sócia fez à sociedade (abonos que excluem os movimentos decorrentes da reavaliação). 9ª. Por fim, o M. juiz recorrido parece ter admitido a existência de créditos sobre a sociedade e a sua posterior transmissão gratuita, a reboque do negócio de cessão de quotas. 10a. Isto é, os créditos alegadamente transmitidos encontrariam fundamento no contrato de cessão de quotas para a recorrente. 11a. Acontece que esta cessão foi onerosa ao contrário do que pressupõe a sentença. 12a. Se os créditos tiverem constituído objecto daquele contrato então a hipotética cessão de créditos teria que considerar-se feita a título oneroso. 13a. E consequentemente não sujeita a Imposto sobre sucessões e doações. Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso anulando-se a decisão proferida em 1a instância. Requere-se a apreciação do recurso interlocutório interposto em 12/07/2010..(…)” * A Recorrida não apresentou contra-alegações.* O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso mantendo a sentença recorrida.* Colhidos os vistos das Ex.mas Juízas Desembargadoras Adjuntas, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.* 2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIRCumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, sendo: A) No recurso interlocutório, a de saber se o despacho recorrido incorreu em erro de julgamento ao indeferir a inquirição de testemunha. B) No recurso da decisão final, as de saber se a sentença incorreu em erro de julgamento de facto e direito ao considerar que estavam reunidos os requisitos legais para a Administração Tributária liquidar Imposto Sobre as Sucessões e Doações e que a Recorrente não logrou afastar os indícios recolhidos determinantes do enquadramento dos montantes transferidos como saldos em seu favor decorrentes da transmissão gratuita das quotas de seus pais. * 3. JULGAMENTO DE FACTO3.1. Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte: A. “(…)Em 28 de Junho de 1996 foi instaurado no Serviço de Finanças da Mealhada o processo de Liquidação n° 13533 em nome de HMS e mulher IMAMS com base em termo lavrado na mesma data (fls. 56 e 57 dos Apenso); B. E de acordo com informação prestada em 04/01/1996 pelo Serviço de Inspecção Tributária na sequência de visita de Fiscalização à Sociedade HMS & Filhos da qual os indicados em A) eram sócios que verificou a existência de movimentos contabilísticos através de contas correntes e documentos internos efectuados em 1103/1992 da Conta de Suprimentos de HMS do montante de Esc. 75.045.238$90 para as contas dos filhos AMMS e GMMS pelo valor de Esc. 37.522.619$40 cada e da Conta de Suprimentos de IMAMS do montante de Esc. 50.000.000$00 para as contas dos filhos AMMS e GMMS pelo valor de Esc. 25.000.000$00 (fls. 58 a 63 dos Apenso e docs anexos ao relatório n°s 38, 42, 46 e 83); C. Coincidentes com escritura pública lavrada em 11/03/2002 [11/03/1992, procede-se à correção por se tratar lapsus de escrita] no Cartório Notarial de Anadia e mediante a qual os primeiros Outorgantes HMS e mulher IMAMS cederam as duas quotas por si detidas no valor nominal de Esc. 1.500.000$00 respectivamente a AMMS e GMMS, seus filhos (doc 6 anexo à PI a fls. 18 a 23 dos Autos); D. Pelo mesmo acto a aqui Impugnante GMMS e seu irmão AMMS declararam aceitar a cessão e procederam à unificação das quotas por si anteriormente detidas com as cedidas passando a ser os únicos detentores do capital social da empresa dividido em partes iguais em 2 quotas de valor nominal de Esc. 15.000.000$00, alterando consequentemente o contrato de sociedade (doc 6 anexo à PI a fls. 18 a 23 dos Autos); E. Em 11/03/1992 através de nota de contabilidade interna n° 20716 foi determinada a transferência dos saldos credores dos ex-sócios para a conta dos seus filhos constando como discriminação do lançamento "Transferência em consequência da escritura de 11/03/1992" (doc 1 anexo à PI a fls. 9 dos Autos); F. Notificada por cartas registadas com aviso de recepção assinados em 26/09/1996 das liquidações oficiosas no montante global de 16.007.370$00, a Impugnante efectuou o seu pagamento na modalidade de pronto em 29/11/1996, com o desconto de Esc. 1.551.678$00 (fls. 71 a 78 do Apenso); G. Tendo apresentado em 03/01/1997 reclamação considerando que parte dos saldos evidenciados na contabilidade em nome dos pais HMS e mulher IMAMS traduzidos em lançamentos de Esc. 50.000.000$00 efectuados em 01/01/1987 e que permaneceram inalterados até 11/03/1992 derivam de erros de contabilização decorrentes da avaliação do património da sociedade por montantes superiores aos do efectivo custo histórico e requerendo a anulação das liquidações de imposto sucessório efectuadas e a sua substituição por outra que contemple a cessão de créditos de apenas Esc. 12.522.619$00 de HMS (fls. 28 a 54 dos Apenso); H. Foi elaborado projecto de decisão no sentido do indeferimento da reclamação apresentada, nela se lendo que "... O total dos créditos de suprimentos transferidos através da nota de contabilidade n° 20 716, de 92/03/11, a fls 6 dos autos, foi de Esc. 125 045 238$90 (...), sendo a simples transferência destes saldos para a conta dos filhos, sem qualquer espécie de compensação ou contrapartida económica ou fiduciária por parte dos sócios para cujas contas foram feitas as transferências, que se traduzem no enriquecimento destes, com tradição de valores, - configurando uma verdadeira doação — constituindo assim, acto sujeito a imposto sucessório de acordo com o preceituado nos artigos 1°, 3° § 1° e 9° n° 1, todos do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações...... tendo em conta que o montante total de créditos transferidos para a conta da impetrante foi de Esc.: 62 522 619$40 (...), e não apenas de 12 522 619$00 (...) como afirma na sua petição, entendemos ser de manter a liquidação de imposto sucessório e juros compensatórios que a Repartição de Finanças do concelho da Mealhada efectuou." (fls. 79 a 83 do Apenso); I. Por decisão de 28/06/2000 foi pelo Director de Finanças de Aveiro indeferida a Reclamação sendo a mesma levada ao conhecimento da Impugnante por carta registada com aviso de recepção assinado em 11/07/2000 (fls. 87 a 89 do Apenso); J. Tendo apresentado a presente impugnação em 15/09/2000 (fls. 1 dos Autos); K. O activo imobilizado corpóreo da Sociedade HMS & Filhos constava nos registos da sociedade em 31/12/1986 pelo valor aproximado de Esc. 188.181.000$00 (docs 2 e 3 anexos à PI); L. Em 01/01/1987, na sequência da adopção de escrita organizada, a sociedade procedeu à reavaliação do seu património por montantes superiores às do efectivo custo histórico, reconhecendo que os valores de compra se encontravam distantes dos valores de mercado, passando a constar do activo imobilizado valor aproximado a Esc. 478.750.000$00 (docs 2 a 4 anexos à reclamação e admitido); M. No balanço da sociedade reportado a 31/12/1985 a situação líquida apresenta o valor de Esc. 45.281.321$90 (doc 2 anexo à PI); N. No Balancete do razão reportado a 31/12/1986 o resultado extraordinário de exercício apresenta o valor de Esc. 34.285$00 (doc3 anexo à PI); O. No período entre 01/10/1987 e 31/12/1987 as reservas livres constantes do extracto de conta da sociedade evidenciaram variação entre o valor inicial de Esc. 183.081.826$20 e o valor final de Esc. 109.750.577$10 (doc 5 anexo à RI); P. De acordo com balanço da sociedade em 31/12/1985 não existiam saldos relativos a empréstimos de sócios à sociedade (doc 2 anexo à PI); Q. O balancete de razão da sociedade relativo a 31/12/1986 evidenciava a existência de saldo da sociedade relativos a empréstimos a sócios e associados no montante de Esc. 772.167$00 (doc 3 anexo à PI); R. No extracto de conta da sociedade relativo à aqui Oponente no exercício de 1992 estão inscritos, para além dos movimentos evidenciados em B), outros 6 lançamentos a crédito e 1 a débito, totalizando no período, respectivamente, os valores de Esc. 113.225.739$00, Esc. 16.000.000$00 e um saldo final em seu favor de Esc. 197.718.724$70, do qual Esc. 100.492.985$70 transitados de anos anteriores (fls. 61 e 63 do Apenso); Factos não provados Para a decisão da causa, de relevante, nada mais se provou, designadamente que exista uma efectiva e real correspondência entre o diferencial de valor resultante da reavaliação do imobilizado corpóreo traduzido na divergência de valores entre 31/12/1986 e 01/01/1987 e a reduzida variação, por comparação com aqueles, dos valores de reservas nesse mesmos momentos, por erro de lançamento e atribuição de tal diferencial em partes proporcionais aos sócios da sociedade e inerente lançamento na conta de empréstimos obtidos daqueles. Já que os elementos documentais juntos não permitem por si só aferir e concluir no sentido pretendido pela lmpugnante, realçando-se que os registos efectuados nas contas correntes dos supostos errados lançamentos não se distinguem dos demais efectuados nas contas de empréstimos (e que não são despiciendos, quer nos valores, quer nos movimentos a débito ou a crédito). Que porque dos mesmos elementos não é possível extrair conclusão no sentido de que a variação de reservas livres, onde deveria ter sido incorporada a diferença resultante da reavaliação dos imóveis, não tenha abrangido integralmente tal valor. É que não obstante vir referida uma variação da situação líquida da empresa em apenas 94 470 contos, por aumento do valor das reservas livres, para chegar a tal conclusão a impugnante suporta-se de valores e momentos temporais distintos. Somando no caso de 1985 ao capital e resultados os valores das reservas e considerando-os reportados a 31/12/1986, e utilizando para chegar aos valores relativos a 01/01/1987 o extracto da conta de reservas livres, não do início do ano, mas do seu final e donde emerge claramente que tais valores chegaram a atingir no ano em curso 180 mil contos apenas se reduzindo para os referidos 109 mil contos no último trimestre. Não se podendo assim inequivocamente afirmar que montante resultante da reavaliação do património levada a cabo em 01/01/1987 acabou por se mostrar correctamente reflectido nos valores de reservas livres da sociedade. Fundamentação da matéria de facto A decisão da matéria de facto, de acordo com o supra exposto, efectuou-se com base nos documentos e informações constantes do processo, na inexistência de prova bastante que corroborasse a versão apresentada pela Impugnante. Efectivamente, para além da inexistência de qualquer suporte documental, as testemunhas inquiridas depuseram de forma genérica e abstracta. A primeira, MLP, não obstante ter trabalhado para a Impugnante e seu irmão em várias empresas por si detidas e como governante/cozinheira em casa daqueles, admitiu não ter conhecimentos técnicos relativos aos lançamentos efectuados e revelou desconhecer a existência de empréstimos dos sócios à sociedade, confirmando apenas a avaliação do património da sociedade sem adiantar elementos decisivos quanto àquela e identificando o TOC à data Responsável pela Contabilidade da sociedade. A segunda, Afonso Tito Lopes, não obstante a sua qualidade de TOC prestou depoimento no sentido da análise crítica dos documentos juntos aos Autos admitindo não conhecer a situação da sociedade e mesmo o irmão, apenas a Impugnante, não ter conhecimento directo dos factos, e tecendo considerações mais consentâneas com a qualidade de perito e não de testemunha enquanto conhecedora dos factos alegados..(…)” * 4. JULGAMENTO DE DIREITO4.1. A questão suscitada nestes autos foi já objeto de recente acórdão deste TCAN, proferido nos processos n.º 3354/04 Viseu, em 21.02.2019, embora as partes sejam diferentes, (trata-se do irmão da Recorrente AMMS) a liquidação resulta do mesmo facto e tem por base a mesma situação factual, e as questões a apreciar são idênticas e matéria facto provada é igual. Por semelhança ao caso sub judice e por economia de meios, visando a interpretação e aplicação uniforme do direito (cfr. artigo 8.º n.º 3 do Código Civil), acolhemos a argumentação jurídica aduzida no acórdão desta Secção, proferido no processo n.º 3354/04 Viseu, fazendo as adaptações que se vierem a mostrar necessárias. Consta do supra identiifcado acordão o seguinte: “(…) Está em causa apreciar o enquadramento efectuado pela Administração Tributária das transferências de créditos em contas de suprimentos do aqui Recorrente realizadas na sequência da cessão de quotas operada em 11/03/1992 e respectivo lançamento através de nota de contabilidade interna na sociedade HMS & Filhos, Lda.. Conforme consta do teor do acto impugnado, o total dos créditos de suprimentos transferidos através da nota de contabilidade n.º 20716, de 92/03/11, a fls. 6 dos autos, foi de Esc. 125 045 238$90 (…), sendo a simples transferência destes saldos para a conta dos filhos, sem qualquer espécie de compensação ou contrapartida económica ou fiduciária por parte dos sócios para cujas contas foram feitas as transferências, que se traduzem no enriquecimento destes, com tradição de valores – configurando uma verdadeira doação – constituindo, assim, acto sujeito a imposto sucessório de acordo com o preceituado nos artigos 1.º, 3.º §1.º e 9.º n.º 1, todos do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre Sucessões e Doações. A sentença recorrida, além do mais, funda a manutenção da liquidação de imposto sobre sucessões e doações no facto de a prova produzida ter redundado insuficiente para afastar os indícios recolhidos pela Administração Tributária, determinantes do enquadramento dos montantes transferidos como saldos em seu favor decorrentes da transmissão gratuita das quotas de seus pais na sociedade HMS & Filhos. Conforme consta do probatório, na sequência de visita de Fiscalização à Sociedade HMS & Filhos, a AT verificou a existência de movimentos contabilísticos através de contas correntes e documentos internos efectuados em 11/03/1992 da Conta de Suprimentos de HMS do montante de Esc. 75.045.238$90 para as contas dos filhos AMMS e GMMS pelo valor de Esc. 37.522.619$40 cada e da Conta de Suprimentos de IMAMS do montante de Esc. 50.000.000$00 para as contas dos filhos AMMS e GMMS pelo valor de Esc. 25.000.000$00. Movimentos estes coincidentes com a escritura pública lavrada em 11/03/1992, no Cartório Notarial de Anadia, e mediante a qual os primeiros Outorgantes HMS e mulher IMAMS cederam as duas quotas por si detidas no valor nominal de Esc. 1.500.000$00 respectivamente a AMMS e GMMS, seus filhos. Pelo mesmo acto, AMMS e sua irmã GMMS declararam aceitar a cessão e procederam à unificação das quotas por si anteriormente detidas com as cedidas passando a ser os únicos detentores do capital social da empresa dividido em partes iguais, em 2 quotas de valor nominal de Esc. 15.000.000$00, alterando consequentemente o contrato de sociedade. Na mesma data, em 11/03/1992, através de nota de contabilidade interna n.º 20716, foi determinada a transferência dos saldos credores dos ex-sócios para a conta dos seus filhos constando como discriminação do lançamento “Transferência em consequência da escritura de 11/03/1992” – cfr. alínea E) do probatório. É neste contexto que o acto de liquidação é realizado, remetendo para fotocópia das conta-correntes juntas, verificando-se que, em 11/03/1992, foram transferidos esses créditos de conta de suprimentos, coincidindo esta data com a celebração da escritura de cessão de quotas aos donatários no Cartório Notarial de Anadia. O aqui Recorrente assentou a sua impugnação judicial contra a liquidação de imposto sobre sucessões e doações, essencialmente, na inexistência do facto tributário. Nas suas alegações de recurso, além do mais, insiste nesta ideia, enfatizando-se que, sendo o negócio que originou a liquidação do imposto sucessório um negócio oneroso e dele derivando a aquisição dos alegados créditos sobre a sociedade por parte do ora Recorrente, então não haverá lugar ao imposto impugnado, dado não decorrer de uma cessão gratuita de quotas. Tenhamos presente que, nos termos do artigo 1.º do (já revogado) Código do Imposto Municipal de Sisa e Imposto sobre as Sucessões e Doações (CIMSISD), são sujeitas a imposto sobre as sucessões e doações as transmissões perpétuas ou temporárias de bens, qualquer que seja o título por que se operem. Por seu turno, dispunha o artigo 3.º daquele código que o imposto sobre as sucessões e doações incide sobre as transmissões a título gratuito de bens mobiliários ou imobiliários. O §1.º deste artigo especifica que só se considera transmissão, para efeitos deste imposto, a transferência real e efectiva dos bens; e, assim, não se verificará a transmissão nas disposições sob condição suspensiva, sem se realizar a condição, nas doações por morte e nas doações entre casados, enquanto não falecer o doador ou, no último caso, o donatário não alienar os bens, e nas sucessões ou doações de propriedade separada do usufruto, sem este acabar ou sem a propriedade ser alienada. Em virtude do disposto no artigo 3.º são designadamente sujeitas a imposto sobre sucessões e doações as transmissões por doação ou sucessão hereditária, ainda que realizadas sob a forma de constituição de direitos ou de desistência ou renúncia a direitos preexistentes – cfr. artigo 9.º §1.º do CIMSISD. Para aquilatar se estamos ou não em presença de uma doação (ainda que realizada sob a forma de constituição de direitos) importa, desde já, ter presente o preceituado no artigo 11.º da Lei Geral Tributária que, no seu n.º 2, estipula: «sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei.» Em caso de dúvida, conclui-se do preceituado no n.º 3 do mesmo artigo, o intérprete deve atender à substância económica dos factos tributários. Em suma, importa averiguar se o aqui Recorrente viu aumentado o seu património sem contrapartida sua para que tal ocorresse, tudo por mera liberalidade dos seus pais. Como referem F Pinto Fernandes e Cardoso dos Santos in anotação ao artigo 3.º do CIMSISD, o conceito de transmissão a ter em consideração pelo aplicador da lei tributária «é um conceito peculiar e dominado pelos princípios próprios deste tipo de imposto e dominado por razões de ordem económica. O que interessa ao direito tributário é o conceito económico de doação que é fundamentalmente uma transmissão gratuita de bens sem que releve a existência de contrato.» Sempre se entendeu que esta transmissão era a fiscalmente relevante, pelo que não tem de coincidir com a transmissão relevante civilmente. Assim, pode haver transmissão fiscal sem haver transmissão civil. Isto porque o que interessa para o direito fiscal é a transferência real e efectiva dos bens e não a transferência jurídica dos bens – cfr. Acórdão do Pleno do STA, de 29/06/1961 in AD I pp140, Acórdãos da sua 2ª Secção de 28/05/2003, processo n.º 1968/02, de 14/01/2004, processo n.º 1477/03 e de 25/05/2005, processo n.º 0795/03 e também Acórdão do TCAN, de 07/12/2005, proferido no âmbito do processo n.º 00074/02 – Porto, Acórdão do TCAN, de 16/06/2005, proferido no âmbito do processo n.º 00388/04 e Acórdão do TCAN, de 09/06/2005, proferido no processo n.º 72/04. O que se discute, portanto, neste recurso é a questão de saber se houve ou não transmissão para efeitos fiscais. Ora, salvo casos excepcionais de presunções legais ou de inversão de ónus da prova, no que toca ao procedimento de liquidação dos tributos, é à Administração que “cabe demonstrar os pressupostos de facto da sua actuação, designadamente a existência dos factos tributários em que assenta a liquidação do tributo, que não tenham sido declarados pelo contribuinte” – vide, A. Lima Guerreiro, LGT anotada, Rei dos Livros, pág. 329. Como também refere o citado autor (na mesma obra e página), a propósito do artigo 74.º da LGT, a regra aí contida no n.º 1 mais não traduz que o princípio de que é àquele que cabe um direito que cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado e que a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito alegado compete aquele contra quem essa invocação é feita. Trata-se, de resto, do que já resultava da aplicação das regras constantes do artigo 342.º do Código Civil e, também, do disposto nos artigos 87.º e 88.º do CPA (na versão em vigor à data dos factos). Neste sentido também, Elisabete Louro Martins, in “O ónus da prova no direito fiscal”, Coimbra Editora, pág. 74, a qual refere que “…esta dimensão do princípio da legalidade determina que a Administração Fiscal só pode praticar o acto tributário quando a lei o permitir, cabendo-lhe nomeadamente o ónus de demonstrar os pressupostos da sua actuação enquanto factos constitutivos do direito de tributar, por aplicação nomeadamente dos artigos 74.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, bem como do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, sob pena de ilegalidade do acto”. Portanto, quem alega no procedimento deve provar os factos por si alegados, sem prejuízo do princípio do inquisitório e da descoberta da verdade material – cfr. Acórdão do TCA Sul, de 24/11/2016, proferido no âmbito do processo n.º 05687/12. Ora, vista a prova recolhida pela AT, observa-se que a Administração não prova os pressupostos de facto em que fez assentar a liquidação sindicada, designadamente não demonstra que os pais do aqui Recorrente tenham transmitido, a título gratuito, os direitos de crédito sobre a sociedade HMS & Filhos. O negócio que originou a liquidação do imposto sucessório impugnado está dado como provado na alínea C) da decisão da matéria de facto, tendo sido dele, para além dos registos contabilísticos, que a AT partiu para proceder à liquidação. Está em causa uma cessão de quotas, como vimos, dos pais para os filhos, formalizada por escritura pública lavrada em 11/03/1992 no Cartório Notarial de Anadia. Através deste contrato, o Recorrente adquiriu uma quota da sociedade HMS & Filhos, de valor nominal de Esc. 1.500.000$00. Esta escritura pública é mencionada no documento interno de contabilidade, referido na alínea E) do probatório, referindo expressamente que a transferência dos créditos é consequência da escritura realizada em 11/03/1992. Ou seja, o Recorrente e a sua irmã adquiriram as quotas da sociedade pertencentes aos pais, unificando-as com as que já detinham, sendo, aparentemente, uma consequência desta cessão (total) de quotas a transferência para o Recorrente e para a irmã dos créditos que os pais cedentes supostamente teriam na sociedade. Lembramos que nas sociedades por quotas, e salvo estipulação em contrário, os direitos especiais de natureza patrimonial são transmissíveis com a quota respectiva, sendo intransmissíveis os restantes direitos – cfr. artigo 24.º, n.º 3 do Código das Sociedades Comerciais. Embora esta questão dos direitos que, in casu, eram transmissíveis com a quota implicar melhor averiguação e estudo, em princípio, a quota da sociedade adquirida pelo Recorrente incluirá os direitos patrimoniais especiais inerentes à mesma, tanto mais que os seus pais deixaram nessa data, em 11/03/1992, de ser sócios da sociedade HMS & Filhos, sendo natural que tal cessão se reflectisse contabilisticamente, através dos movimentos/transferências que nos ocupam. Acontece que, analisando o teor integral do documento n.º 6 junto com a petição inicial – a citada escritura pública lavrada em 11/03/1992 – verificamos que, ao contrário do afirmado pelo Meritíssimo Juiz “a quo” na sentença recorrida, a cessão de quotas operou-se de forma onerosa: “Que pela presente escritura, em seu nome e no da sua representante mulher, cede ao segundo outorgante, filho deles e também sócio, AMMS aquela quota do valor nominal de um milhão e quinhentos mil escudos que lhe pertence na dita sociedade “HMS & Filhos Lda.” e ainda cede à terceira outorgante, também filha deles e sócia, aquela quota de igual valor nominal de um milhão e quinhentos mil escudos que pertence à sua representada mulher na mesma sociedade, cedências estas feitas por preços iguais aos respectivos valores nominais das quotas, que deles já receberam”. Ora, sendo este negócio oneroso e dele podendo derivar a aquisição dos alegados créditos sobre a sociedade por parte do Recorrente, resta concluir que a AT não recolheu indícios suficientes, que assentassem em factos inequívocos, de que as transferências operaram a título gratuito. A cessão de quotas formalizada em 11/03/1992 teve uma contrapartida, um preço que já foi pago pelo Recorrente; não existindo qualquer suspeição acerca de eventual simulação do negócio, nem tão-pouco a AT recolheu qualquer indício nesse sentido. A liquidação do imposto sobre sucessões e doações, como vimos, assentou num negócio celebrado em 11/03/1992, dado que as transferências operadas para a conta suprimentos do Recorrente surgem, aparentemente, como consequência dessa cessão onerosa de quotas. Efectivamente, o tribunal recorrido concluiu que a cessão de quotas foi formalizada a título gratuito, mas a redacção do contrato, designadamente, a passagem supra transcrita, não permite uma interpretação no sentido de que a quota teria sido adquirida por doação ou outro negócio gratuito equivalente. Por conseguinte, conclui-se que a AT não deu cumprimento ao ónus que sobre si impendia de demonstrar os factos constitutivos do direito a tributar a alegada doação. Mesmo chamando à colação o conceito de transmissão fiscalmente relevante, o conceito económico de doação, ainda assim, falta a prova de um pressuposto basilar – que a transmissão tivesse sido realizada sem contrapartidas, o que não emerge dos elementos coligidos pela AT. A substância económica dos factos tributários mostra que o Recorrente adquiriu a quota da sociedade e, consequentemente, terá visto transferidos os direitos de crédito a ela inerentes, de forma onerosa. Tenha-se, ainda, em consideração o que afirma Jorge Lopes de Sousa, in CPPT, anotado e comentado, Áreas Editora, 6ª edição, 2011, págs. 131 e 132: “(…) pelo facto de o impugnante no processo de impugnação judicial surgir processualmente numa posição em que vem invocar vícios de um acto tributário, não se lhe deve imputar o ónus de prova de factos que não tinha que provar no procedimento tributário, designadamente o de provar que não se verificam os factos constitutivos dos direitos da administração tributária, factos estes cuja verificação competia provar a esta no procedimento tributário.” Por conseguinte, perante a falta de prova dos pressupostos de facto da liquidação emitida, a conclusão surge-nos imediata, no sentido da ilegalidade do acto tributário sindicado. Nesta conformidade, e sem necessidade de maiores considerações, somos levados a concluir pela procedência das conclusões da alegação de recurso e, nessa medida, pela revogação da sentença recorrida e, consequentemente, julgar-se-á a impugnação procedente, anulando-se o acto tributário impugnado. Transpondo para o caso vertente a jurisprudência expendida no citado acórdão impõe-se conceder provimento ao recurso interposto e consequentemente revogar a sentença recorrida. Face ao supra decidido e no que concerne ao recurso do despacho interlocutório fica prejudicado. * 4.2. E assim, com a devida vénia apropriando-nos das conclusões do citado acórdão, formulamos as seguintes conclusões /Sumário:I - Salvo casos excecionais de presunções legais ou de inversão de ónus da prova, no que toca ao procedimento de liquidação dos tributos, é à Administração que cabe demonstrar os pressupostos de facto da sua atuação, designadamente a existência dos factos tributários em que assenta a liquidação do tributo, que não tenham sido declarados pelo contribuinte. II - Quem alega no procedimento deve provar os factos por si alegados, sem prejuízo do princípio do inquisitório e da descoberta da verdade material. III - Para efeitos de imposto sobre as sucessões e doações, desde que exista tradição de valores patrimoniais de uma pessoa para outra, sem qualquer espécie de contrapartida económica ou fiduciária por parte daquele que a recebe, existe transmissão de bens sujeita a tributação, independentemente do meio ou ato jurídico que porventura titule essa tradição. IV - Para este efeito e em sede de direito tributário releva mais o conceito naturalístico e económico da transmissão que a correspondente qualificação jurídico-civilista. V – In casu, vista a prova recolhida pela AT, conclui-se que a Administração não demonstra os pressupostos de facto em que fez assentar a liquidação sindicada, designadamente não prova que a transferência dos saldos dos créditos de suprimentos para a conta do Recorrente fosse uma transmissão a título gratuito, uma vez que o contrato de cessão de quotas que lhe subjaz, referido pela AT, foi realizado mediante uma contrapartida económica (pecuniária – um preço). *** 5. DECISÃONestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a impugnação judicial improcedente, anulando o ato de liquidação impugnado. Sem custas, por a Fazenda Pública delas estar isenta. Porto, 19 de junho de 2019 Ass. Paula Maria Dias de Moura Teixeira Ass. Maria da Conceição Soares Ass. Maria do Rosário Pais |