Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 01774/10.6BEBRG |
Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
Data do Acordão: | 06/21/2024 |
Tribunal: | TAF de Braga |
Relator: | ROGÉRIO PAULO DA COSTA MARTINS |
Descritores: | DANOS NÃO PATRIMONIAIS; INDEMNIZAÇÃO; MÉDICO PEDIATRA; ATRASO DE 15 ANOS NA PROGRESSÃO DA CARREIRA; |
Sumário: | 1. Na interpretação do artigo 496º do Código Civil, formou-se o entendimento jurisprudencial de que a indemnização por danos não patrimoniais tem por finalidade compensar desgostos e sofrimentos suportados pelo lesado e deve ser fixada, por recurso a critérios de equidade, de modo a proporcionar aos lesados momentos de prazer que, de algum modo, contribuam para atenuar a dor sofrida como resultado do acto ilícito. 2. O desgosto pelo atraso na conclusão dum curso ou duma carreira foi muito cedo indicado na doutrina como dano moral. 3. No caso concreto há que anteder à qualidade do lesado, um médico que esteve foi impedido de exercer a sua especialidade, médico pediatra, e de chegar ao topo da sua carreira, pela conduta ilícita da Administração. 4. Como também ao prolongamento no tempo da situação de ilegalidade, em que o lesado, um médico especialista, esteve impedido de ser promovido (mais de quinze anos), com toda a repercussão que isto teve, para além da sua vida profissional, na sua vida pessoal, em termos emocionais. 5. Naturalmente “o valor indemnizatório que proporcione aos lesados momentos de prazer que contribuam para atenuar a dor sofrida” no caso, como o presente, de um funcionário com um estatuto social e remuneratório muito acima da média tem de ser, também, muito superior à média. 6. Mostra-se por isso adequado e equitativo no caso concreto o valor indemnizatório de 30.000€00 (trinta mil euros) por danos não patrimoniais.* * Sumário elaborado pelo relator (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
Votação: | Unanimidade |
Meio Processual: | Acção Administrativa Comum |
Decisão: | Conceder parcial provimento ao recurso. |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: |
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Decisão Texto Integral: | EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: «AA» veio interpor RECURSO JURISDICIONAL do saneador-sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 11.10.2023, proferido no incidente de liquidação que moveu contra a Administração Regional de Saúde do Norte, IP para execução da sentença de condenação genérica, proferida em 24.01.2021, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, e confirmada por acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 14.01.2022. Invocou para tanto, em síntese, a quantificação em 15.000€00 do montante total de danos não patrimoniais decorrentes da não integração ilícita na carreira médica e dos actos de perseguição pessoal e profissional e violação do direito de ocupação efectiva do Recorrente durante 14 anos, viola o disposto no artigo 496.°, n.º 4, do Código Civil. A Administração Regional de Saúde do Norte, IP contra-alegou defendendo a manutenção da decisão recorrida. O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer. * Cumpre decidir já que nada a tal obsta. * I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional: (A) A quantificação em 15.000,00€ do montante total de danos não patrimoniais decorrentes da não integração ilícita na carreira médica e dos actos de perseguição pessoal e profissional e violação do direito de ocupação efectiva do Recorrente durante 14 anos, viola o disposto no artigo 496.°, n.° 4, do Código Civil. (B) Já que, quanto ao dano não patrimonial inerente à não integração na carreira médica, tendo em conta as múltiplas valências pessoais, profissionais e sociais que representa a integração nesta carreira e as repercussões patrimoniais que tal encerra, no activo e durante a aposentação, não pode deixar de se ter como critério razoável o que decorre do montante correspondente à diferença entre o que auferiu e o que auferiria, se tivesse sido integrado na dita carreira, no valor de 520.283,00€. (C) Valor esse que releva não enquanto indemnização por dano patrimonial - que não só aqui não está em causa, como englobaria, também as repercussões na pensão de aposentação do Recorrente – mas como referencia quantitativa do que o mesmo deixou ilicitamente de auferir. (D) Quanto ao dano não patrimonial adveniente dos actos de perseguição pessoal e à violação do direito de ocupação efectiva, os factos dados como provados nos números 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, do acórdão do TCAN pela sua duração, relevo público, gravidade e consequências pessoais (incluindo serem causa de divórcio), apenas podem ser ressarcidos em quantia não inferior a 100.000,00€. * II –Matéria de facto. A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte: 1) No âmbito do presente processo, em 24-01-2021, foi proferida sentença, onde, entre o mais, se deram como provados os seguintes factos: “(...) 15. Em face da entrada em vigor dos Decretos Lei n.ºs 81-A/96, de 21 de junho e 195/97, de 31 de julho, a Entidade patronal do Autor procedeu à integração de diversos médicos nas respetivas carreiras, em face das funções efetivamente exercidas e correspondiam a necessidades permanentes de serviço. 16. No âmbito da integração levada a efeito nos termos dos Decretos Lei n.ºs 81-A/96, de 21 de junho e 195/97, de 31 de julho, o Autor não foi integrado na carreira de Pediatra, por ter a Administração da entidade patronal e o seu Diretor Clínico considerado que o Autor nunca exerceu, efetivamente, as funções de Pediatra. 17. O Autor recusou aceitar a sua integração como Clínico Geral, por entender que sempre exerceu as funções de Pediatra no serviço de Urgência de Pediatria do Hospital .... 18. Perante a recusa do Autor de ser integrado como Clínico Geral, a Administração da sua entidade patronal, propôs que passasse a exercer funções num Centro de Saúde, no serviço de gestão de altas do Hospital ..., ou, ainda, em serviço de assistência domiciliária. 19. O Autor recusou passar a exercer funções num Centro de Saúde, no serviço de gestão de altas do Hospital ..., ou, ainda, em serviço de assistência domiciliária, por manter o seu entendimento de que a sua integração deveria ocorrer nas funções de pediatra, por entender também que sempre exerceu as funções como pediatra, estando para isso habilitado legalmente. 20. Com a recusa pelo Autor de passar a exercer as funções clínicas num Centro de Saúde, no serviço de gestão de altas do Hospital ..., ou, ainda, em serviço de assistência domiciliária, a Administração da sua Entidade patronal excluiu o Autor do exercício de quaisquer funções, com a obrigação de respeitar o seu horário de trabalho. 21. O Autor foi convidado a estar presente num Congresso organizado pelos funcionários administrativos da saúde que teve lugar no Auditório do Hospital ..., onde estavam presentes entre 200 a 300 pessoas que integram diferentes classes profissionais, como médicos, enfermeiros e administrativos e na sequência de intervenção que efetuou, foi ordenada a sua saída da sala do congresso pelo Administrador do Hospital ..., Dr. «BB», sendo que a testemunha «CC», enquanto membro da organização do congresso solicitou que o Autor se retirasse acompanhando-o. 22. Com a recusa pela Administração da entidade patronal do Autor na integração deste com as funções de Pediatra, e perante a tentativa da Administração da sua entidade patronal em colocar o Autor em funções num Centro de Saúde, no serviço de gestão de altas do Hospital ..., ou, ainda, em serviço de assistência domiciliária, que recusou, em face da exclusão das funções do Autor e ainda perante a expulsão do congresso para que havia sido convidado, o Autor encetou diversas diligências junto de entidades oficias, imprensa escrita e falada no sentido de denunciar a situação em que se encontrava, tendo realizado greve de fome entre 3 a 4 dias, no próprio local de trabalho da urgência pediátrica da sua entidade patronal. 23. Com o impasse na resolução da sua pretensão e em face da exposição pública da sua situação laboral, a expulsão do auditório, onde se realizou congresso para que foi convidado, a tentativa de que o Autor passasse a exercer outras funções que não aquelas para que foi contratado, exclusão de funções e exposição pública por efeito da greve de fome, o Autor sentiu-se humilhado, ficou deprimido, angustiado, nervoso, chorava, ficou bastante debilitado fisicamente e fechou-se socialmente. 24. A sua família, esposa e filha deixou de frequentar locais públicos acompanhando o Autor por não aguentavam as constantes abordagens feitas ao Autor sobre a situação que vivia, acabando por se divorciar da esposa. 25. A filha do Autor que atualmente exerce a profissão de Médica, realizou estágio no Hospital ... e aquando da sua apresentação aos demais colegas, a testemunha «DD», esboçou tentativa de apresentar a jovem médica como filha do Autor, ao que esta se opôs, manifestando receio de retaliações por ser filha do Autor. 26. A situação vivida pelo Autor e antes descrita, causou muito sofrimento à ex esposa e à filha, que ainda evita falar sobre tais questões. 27. O Autor, fruto das circunstâncias então vividas, não teve a possibilidade de estar presente no funeral de sua Mãe, no Brasil. 28. Antes destes acontecimentos, o Autor era uma pessoa alegre, bem disposto, sempre propiciou bom ambiente com os seus colegas e tinha muita procura pelos doentes. 29. Apesar da situação de grande debilidade emocional e física que os acontecimentos descritos provocaram ao Autor, sempre foi profissionalmente dedicado aos doentes, sem se conhecerem reclamações sobre o seu desempenho. (…) - cfr. sentença a p. 656 a 690 do SITAF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 2) Na sentença identificada no ponto antecedente decidiu-se, entre o mais, do seguinte modo: “(...) Da culpa do lesado Ao Autor não se mostra atribuível qualquer culpa, na medida em que sempre atuou na defesa dos seus interesses que viu sempre negados, e viu violado o seu contrato de trabalho, tal como decisões judiciais e em face do que não se vislumbra atribuível ao Autor, enquanto lesado, qualquer culpa. (...) IV. DECISÃO: Pelo exposto: 1. Julgo a presente ação parcialmente procedente, por provada e, em consequência, condeno a Ré Administração Regional de Saúde do Norte, IP, a pagar ao Autor a quantia relativa aos danos não patrimoniais formulado em b) da petição inicial, a liquidar no respetivo incidente subsequente à condenação, nos termos do artigo 358.º, n.º 2 e ss. e 609.º, n.º 2 do Código do processo Civil. (...)” - cfr. sentença a p. 656 a 690 do SITAF. 3) A sentença identificada nos pontos antecedentes foi confirmada por acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 14-01-2022 - cfr. acórdão a p. 755 a 779 do SITAF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. * III - Enquadramento jurídico. Está em causa o valor da indemnização fixada em Primeira Instância por dano não patrimonial. Determina o artigo 496º do Código Civil, sob a epígrafe “Danos não patrimoniais”: “1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. 2. Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último aos irmãos ou sobrinhos que os representem. 3. O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos número anterior. Na interpretação deste preceito tem-se entendido que o valor indemnizatório por dano não patrimonial “deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida” - Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil anotado, volume I, página 501, nota 6, da 4ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, 1987. O desgosto pelo atraso na conclusão dum curso ou duma carreira foi muito cedo indicado na doutrina como dano moral indemnizável – ver Vaz Serra, Reparação do dano não patrimonial, n. º2, no Boletim do Ministério da Justiça, n. º83). E, como invoca o Recorrente, no caso da Função Pública o direito à progressão na carreira integra o núcleo essencial do direito de acesso à função pública a- alínea b) do n.º1 do artigo 59º da Constituição da República Portuguesa. Na jurisprudência formou-se o entendimento de que a indemnização por danos não patrimoniais tem por finalidade compensar desgostos e sofrimentos suportados pelo lesado e deve ser fixada, por recurso a critérios de equidade, de modo a proporcionar ao lesado momentos de prazer que, de algum modo, contribuam para atenuar a dor sofrida como resultado do acto ilícito (neste sentido ver, por todos, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 07.11.2006 , no processo 3349/06, 1ª secção). A decisão recorrida debruçando-se sobre o caso concreto apontou – e bem - casos jurisprudenciais de indemnização por dano não patrimonial de forma a reduzir, tanto quanto possível, critérios subjectivos na fixação deste valor que, necessariamente, é uma tarefa casuística. Mas, quanto a nós, não atendeu devidamente a circunstâncias do caso concreto relevantes. Desde logo à qualidade do lesado, um médico que esteve foi impedido de exercer a sua especialidade, médico pediatra, e de chegar ao topo da sua carreira, pela conduta ilícita da Administração (ver toda a documentação junta ao presente processo e aos processos 682/02 3193/09.8 PRT, ambos do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto). Como também ao prolongamento no tempo da situação de ilegalidade, em que o lesado, um médico especialista, esteve impedido de ser promovido (mais de quinze anos), com toda a repercussão que isto teve, para além da sua vida profissional, na sua vida pessoal, em termos emocionais. Naturalmente “o valor indemnizatório que proporcione aos lesados momentos de prazer que contribuam para atenuar a dor sofrida” no caso, como o presente, de um funcionário com um estatuto social e remuneratório muito acima da média tem de ser, também, muito superior à média. Mostra-se por isso adequado e equitativo no caso concreto o valor indemnizatório de 30.000€00 (trinta mil euros) por danos não patrimoniais. Termos em que se impõe julgar parcialmente procedente o recurso. * IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO fixando em 30.000€00 (trinta mil euros) o valor da indemnização por danos não patrimoniais devida pela Requerida ao Requerente. Custas em ambas as instâncias na proporção do decaimento. Valor tributário: 100.00€00 (cem mil euros). * Porto, 21.06.2024 Rogério Martins Fernanda Brandão Isabel Costa |