Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01308/23.2BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/23/2024
Tribunal:TAF do Porto
Relator:ISABEL CRISTINA RAMALHO DOS SANTOS
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL;
LEGITIMIDADE PROCESSUAL TRIBUTÁRIA;
Sumário:
I- A legitimidade é um pressuposto processual que traduz uma condição para obtenção de uma pronúncia sobre o mérito da pretensão formulada, permitindo aferir a posição que devem ter as partes perante a pretensão deduzida em juízo, para que o julgador possa e deva pronunciar-se sobre o mérito da causa, julgando a ação procedente ou improcedente.

II- A legitimidade processual tributária pertence às pessoas que têm interesse direto na relação jurídica tributária, por estarem obrigados ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte direto, substituto ou responsável, isto é, como responsável originário ou não originário.

III- A falta de legitimidade processual do gerente para impugnar judicialmente uma liquidação da sociedade que não foi revertida contra si, não viola o acesso ao direito, nem à tutela jurisdicional efetiva.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. RELATÓRIO

«AA», contribuinte n.º ...36, residente na Rua ..., ..., 2.0, no Porto, (doravante Recorrente ou Impugnante) veio recorrer da sentença proferida a 26-09-2023, no Tribunal Administrativo e Fiscal ..., na qual julgou verificada a exceção dilatória de ilegitimidade ativa e indeferiu liminarmente a impugnação.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nas suas alegações, o Recorrente concluiu nos seguintes termos:

I. Vem o presente recurso interposto da, aliás douta, sentença proferida nos autos que indeferiu liminarmente a impugnação judicial apresentada pelo Impugnante. II.Para tal, a decisão em mérito julgou o Impugnante parte ilegítima para a presente ação, julgando procedente a exceção dilatória invocada – ilegitimidade ativa.
Ora,
III. Salvo o devido respeito, que se diga, é todo, não se pode o Impugnante conformar com tal decisão, uma vez que, entende e sustenta que detém a legitimidade necessária para intervir nos presentes autos.
IV. Ao decidir de modo diverso, a decisão em mérito violou, entre outros comandos normativos, o estabelecido no artigo 9.º do CPPT.
V. Em causa nos presentes autos está uma impugnação judicial deduzida pelo Impugnante contra o ato de liquidação adicional efetuado contra a sociedade comercial [SCom01...], S.A., relativamente ao período de tributação de 200506M.
VI. O Impugnante, à data dos factos, integrava os órgãos de administração da referida sociedade comercial.
VII. POR OUTRO
VIII. Relativamente à mesma sociedade comercial e relativamente ao mesmo período de tributação em discussão nos autos, contra o Impugnante foi instaurado processo-crime, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal e fraude fiscal.
IX. A liquidação adicional que originou a liquidação adicional aqui em mérito é a mesma que sustentou o despacho de acusação proferido no processo-crime na qual a sociedade comercial é arguida, conjuntamente com o impugnante.
X. Onde lhe vem imputada factualidade desenvolvida pela sociedade comercial objeto da liquidação adicional e repercutida na sua pessoa pelo facto de ter integrado os órgãos sociais da mesma.
XI. O mesmo sucedendo em matéria exclusivamente tributária, onde o aqui Impugnante, viu ser contra si revertido ou projetado reverter dívidas da sociedade comercial [SCom01...], S.A., nas quais, por certo, se incluem os períodos a que respeita a liquidação adicional aqui sindicada.
XII. O que, só por si, é suficientemente demonstrativo e elucidativo da legitimidade do Impugnante em sindicar o ato de liquidação adicional aqui sob escrutínio.
XIII. Nos termos do disposto no nº 1 do artigo 9.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), “Têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provém interesse legalmente protegido.”
XIV. O nº 4 do mesmo preceito legal estabelece que: “Têm legitimidade no processo judicial tributário, além das entidades referidas nos números anteriores, o Ministério Público e o representante da Fazenda Pública.”
XV. E ao falar de entidades ao cimo referidas, o legislador refere-se aos responsáveis solidários e subsidiários.
XVI. Por outro lado, o artigo 105.º do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT) no seu nº 1 estatui que “Quem não entregar à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária de valor superior a (euro) 7500, deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar é punido com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias.”
XVII. O nº 4 do mesmo preceito legal determina que:
“4 - Os factos descritos nos números anteriores só são puníveis se:
a) Tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação;
b) A prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito.”
XVIII. Ora, a notificação a que respeita este nº 4 do artigo 105.º do RGIT inserta no do artigo respeitante ao crime de abuso de confiança fiscal (imputado ao impugnante e à respetiva sociedade comercial) estabelece como condição de punibilidade a notificação para regularização da falta de entrega do imposto.
XIX. Sendo que tal notificação terá impreterivelmente de ser feita à sociedade arguida e, bem assim, ao responsável subsidiário (aquele que ocupa o cargo de gestão da sociedade) e a falta de pagamento, faz o responsável subsidiário incorrer em responsabilidade criminal como co-autor do crime de abuso de confiança fiscal.
XX Por tudo isto, e tendo o aqui Impugnante, sido notificado no Processo-crime nº ...6/05.0I... nos termos do disposto no artigo 105.º, nº 4, alínea b) do RGIT, bem como tendo sido contra este deduzido despacho de acusação e despacho de pronuncia sempre enquanto responsável subsidiário da sociedade comercial, mostra-se de todo incompreensível que o Tribunal a quo, considere que o mesmo não tem legitimidade, em virtude de não ter um interesse legalmente protegido. XXI. Mais, ao ser solicitado ao mesmo o pagamento do imposto, sob pena de prosseguimento do procedimento criminal, as liquidações objeto dos presentes autos, projeta inequivocamente os seus efeitos na esfera jurídica e patrimonial do aqui Impugnante.
XXII. É de todo incompreensível, que o Impugnante tenha legitimidade e seja considerado responsável subsidiário, no procedimento criminal, e que no processo judicial tributário não tenha qualquer legitimidade – não obstante de já por diversas vezes terem sido revertidas ou projetadas reversões contra o aqui Impugnante.
XXIII. Desta forma, andou mal o Tribunal a quo, ao considerar não só que o Impugnante não tem um interesse legalmente protegido, bem como que os atos impugnados não produzem efeitos na esfera jurídica do Impugnante.
XXIV. Pois que, se uma pessoa que possa vir a ser condenado por crime de abuso de confiança fiscal, pelo imposto aqui em causa, não tem legitimidade, por não ter interesse legítimo em demandar, quem terá?
XXV. Mas mais, como não pode ter legitimidade para censurar uma liquidação adicional em resultado de uma inspeção tributária alguém que se perfila como devedor subsidiário e que “amanhã” tem contra si revertida tal dívida – e, não podendo impugnar, apenas poderá mais tarde vir a reagir a por via da oposição à execução.
XXVI. Que, como sabemos, os fundamentos em sede de oposição à execução estão limitados aos estabelecidos no artigo 204.º do CPPT, o que consubstancia uma clara e ostensiva violação do direito de acesso ao direito e aos tribunais, ínsito no artigo
20.º da CRP.
XXVII. Reitere-se que o Impugnante era o administrador da sociedade comercial [SCom01...], S.A. no período a que se referem as liquidações adicionais sindicadas, tal como era, aquando da notificação das respetivas liquidações adicionais.
XXVIII. Estando, assim, na contingência de ser condenado num processo de abuso de confiança fiscal, por dívidas que emergem de uma inspeção tributária e cujo método de apuramento do imposto devido mostra-se desconforme com as regras legalmente previstas.
XXIX. Padecendo o relatório de inspeção tributária de manifesto erro de apuramento das quantias supostamente omitidas, resulta indubitável que as liquidações adicionais que lhe seguiram e aqui se mostram sindicadas, se encontram totalmente inquinadas pelo vício que lhes precede.
XXX. De ressaltar ainda que a sociedade comercial [SCom01...], S.A., já se mostra dissolvida logo, a legitimidade para sindicar qualquer ato contra a mesma proposta, terá de ser sindicado pelo seu legal representante, ou seja, o aqui Impugnante.
XXXI. Isto posto, tendo o aqui Impugnante sido notificado nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do nº 4 do artigo 105º do RGIT, ou seja, foi notificado para proceder ao pagamento do montante constante das liquidações adicionais supra mencionadas e sendo consabido que o pagamento excluí a punibilidade dos factos, tem por isso, o Autor, interesse legítimo para impugnar os atos de liquidação adicional de IVA objeto dos presentes autos.
XXXII. Ora, o Impugnante, ao ser notificado nos termos do disposto na alínea b) do nº 4 do artigo 105º do Regime Geral das Infrações Tributárias, é notificado para efetuar o pagamento dos valores constantes das liquidações sindicadas.
XXXIII. Logo, existe aqui, uma exigência de cumprimento da obrigação tributária. XXXIV. E, se tem legitimidade para pagar, não tem legitimidade para sindicar essa liquidação?
AINDA POR OUTRO LADO,
XXXV. Também não será despiciendo referir que atento os fundamentos expostos na impugnação judicial aqui deduzida a mesma, assume-se como uma questão prejudicial à resolução do processo penal tributário.
XXXVI. Porquanto, a definição da situação jurídico tributária em resultado da apreciação do mérito da impugnação judicial deduzida pelo Impugnante, inelutavelmente se irá refletir e repercutir no enquadramento jurídico-criminal do Impugnante e da sociedade comercial no processo-crime – Proc. nº
...6/05.0I..., que corre termos no Juízo Central Criminal ... – Juiz ....
XXXVII E, também, por essa via, o Impugnante se mostra legitimado a deduzir a impugnação judicial subjacente aos presentes autos – por ter legitimidade para o fazer nos termos do artigo 9.º do CPPT.
SEM PRESCINDIR,
XXXVIII. A interpretação desenvolvida na douta decisão recorrida do artigo 9.º do CPPT, no sentido do administrador da sociedade comercial a quem foi feita a liquidação adicional não ter legitimidade de impugnar judicialmente tal ato de liquidação, não obstante de estar a ser criminalmente perseguido pelos factos e valores constantes da mencionada liquidação adicional sindicada, deve ser declarada inconstitucional por impedir o acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, ínsito no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa – inconstitucionalidade que desde já se deixa aqui invocada, nos termos e para os efeitos do artigo 70.º, nº 1, alínea b) da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro.

TERMOS EM QUE,
Concedendo provimento ao recurso agora interposto e revogando a douta decisão recorrida, farão Vossas Excelências a acostumada, JUSTIÇA!

A Fazenda Pública (doravante recorrida) não apresentou contra-alegações.
Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cfr. artigo 657.º n.º 4 do Código de Processo Civil, submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respetivas conclusões [vide artigos 635.º, n.º 4 e 639.º CPC, ex vi alínea e) do artigo 2.º, e artigo 281.º do CPPT] são as de saber se houve erro de julgamento da matéria de direito, por violação dos arts. 9.º do CPPT e 20.º da Constituição da República Portuguesa.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
III.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:
A) Foi emitida em nome da sociedade “[SCom01...], S.A.” a liquidação adicional de IVA n.º ...70, referente ao período de junho de 2005, no valor de € 71 958,99 – cfr. fls. 39 do SITAF, cujo teor se dá por reproduzido.
B) A dívida correspondente à liquidação mencionada na alínea antecedente não foi revertida pela Autoridade Tributária contra «AA» – cfr. fls.
160 do SITAF, cujo teor se dá por reproduzido.
C) No inquérito n.º ...6/05.0I..., que corre termos no Departamento de Investigação e Ação Penal ..., está em causa o cometimento de factos ilícitos que podem integrar a prática por «AA» de crimes de fraude fiscal, debruçando-se a investigação, além do mais, sobre a sociedade “[SCom01...], S.A.” – cfr. fls. 40 a 43 do SITAF, cujo teor se dá por reproduzido.


IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Do erro de julgamento da matéria de direito, quanto à violação do disposto no artº 9º do CPPT.

O Recorrente alega que a decisão recorrida violou os arts. 9.º do CPPT e 20.º da CRP, porque entende que tem legitimidade ativa para impugnar a liquidação em causa nestes autos pois apesar da liquidação em causa ter sido efetuada contra a sociedade comercial “[SCom01...], SA”, ele fazia parte dos órgãos sociais da sociedade no período de tributação dessa liquidação e é arguido conjuntamente com a referida sociedade em processo crime em que estão em causa factos que também abarcam esse período de atividade da sociedade.

Vejamos.

A legitimidade no procedimento tributário está definida no artº 9º nº 1 a 3 do CPPT e a legitimidade no processo tributário no seu n.º 4.
O art. 9.º do CPPT estabelece:
“1 - Têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido.
2 - A legitimidade dos responsáveis solidários resulta da exigência em relação a eles do cumprimento da obrigação tributária ou de quaisquer deveres tributários, ainda que em conjunto com o devedor principal.
3 - A legitimidade dos responsáveis subsidiários resulta de ter sido contra eles ordenada a reversão da execução fiscal ou requerida qualquer providência cautelar de garantia dos créditos tributários.
4 - Têm legitimidade no processo judicial tributário, além das entidades referidas nos números anteriores, o Ministério Público e o representante da Fazenda Pública.”.

Atendendo a que nos presentes autos está em causa a legitimidade processual ativa do Recorrente no âmbito de um processo de impugnação judicial, que é um processo de natureza judicial (arts. 101.º, alínea a), da LGT e 97.º, n.º 1, alínea a), do CPPT), tal legitimidade referente ao nº 4 do artº 9º está definida por remissão para os n.ºs 1 a 3, que preveem que têm legitimidade processual para intervir no processo tributário:
A) os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis;
B) outros obrigados tributários;
C) as partes dos contratos fiscais; e
D) quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido.
A legitimidade processual está no contribuinte ou sujeito passivo da relação jurídica tributária que é a pessoa singular ou coletiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte direto, substituto ou responsável (art. 18.º, n.º 3, da LGT).

O sujeito passivo ou responsável originário é a pessoa (a singular ou coletiva, o património ou a organização de facto ou de direito) responsável pela totalidade da dívida tributária, juros e demais encargos legais (art. 22.º, n.º 1, da LGT).
Para além dos sujeitos passivos originários, a responsabilidade tributária pode abranger solidária ou subsidiariamente outras pessoas. A responsabilidade do cônjuge do sujeito passivo é a que decorre da lei civil, sem prejuízo do disposto em lei especial.
A responsabilidade tributária por dívidas de outrem é, salvo determinação em contrário, apenas subsidiária. As pessoas solidária ou subsidiariamente responsáveis poderão reclamar ou impugnar a dívida cuja responsabilidade lhes for atribuída nos mesmos termos do devedor principal, devendo, para o efeito, a notificação ou citação conter os elementos essenciais da sua liquidação, incluindo a fundamentação nos termos legais (art.
22.º, n.ºs 2 a 5 da LGT).
A responsabilidade dos substitutos tributários está prevista no art. 20.º e 28.º da LGT.

Vejamos então de onde poderia advir a legitimidade do recorrente.

Desde logo, não está em causa a responsabilidade originária, porque esta é da “[SCom01...], SA”, pessoa coletiva que será representada pelo Recorrente (matéria de facto julgada provada em A)), que está vinculada ao cumprimento da prestação tributária e é a contribuinte direta da liquidação impugnada (sujeito passivo ou responsável originária).
Também não está em causa a responsabilidade do Recorrente por substituição ou responsabilidade subsidiária ou solidária, porque a liquidação impugnada não foi revertida contra ele (arts. 22.º e 23.º da LGT) (sujeito passivo não originário ou responsável subsidiário – matéria de facto julgada provada em B)).
Sucede que o responsável subsidiário apenas adquire legitimidade processual quando sejam revertidas as dívidas contra si; o que no caso não se deteta que tenha sucedido, por isso não lhe assiste legitimidade ativa. Veja-se o que refere o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, em anotação ao artigo 9.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado (4.º ed., 2006, Áreas Editora, vol. I), a págs. 114 e 115, referindose aos responsáveis subsidiários: «16 — Reversão da execução fiscal contra responsáveis subsidiários No n.º 3 do art. 9.º estabelece-se que a legitimidade do responsável subsidiário resulta de ter sido contra eles ordenada a reversão da execução fiscal ou requerida qualquer providência cautelar de garantia dos créditos tributários. A legitimidade que aqui se refere reporta-se à intervenção na execução fiscal, no lugar de executado.»

Ora, no que concerne à responsabilidade solidária, a mesma só existe quando esteja expressamente prevista na lei ou resulte da vontade das partes na realização de um negócio jurídico.
Veja-se sobre o assunto, o que dispõe o artigo 513.º do Código Civil:
Artigo 513.º (Fontes da solidariedade) A solidariedade de devedores ou credores só existe quando resulte da lei ou da vontade das partes. Não obstante tal preceito estar inscrito na lei civil, o mesmo princípio é aplicável a todos os regimes jurídicos de solidariedade das obrigações, como é o caso das obrigações tributárias. Salienta o caráter excecional da solidariedade o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa da Lei Geral Tributária, anotada e comentada, 4.ª edição, 2012, editora Encontro da Escrita, quando refere na pág. 213, o seguinte: «7 – Carácter excepcional da solidariedade A solidariedade resulta necessariamente de disposição da lei, tendo carácter excecional».
Assim, o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, em anotação ao artigo 9.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado (4.º ed., 2006, Áreas Editora, vol. I), a págs. 108 e 109, reportando-se ao IVA, refere: No CIVA, prevêem-se outras situações de responsabilidade solidária que são: — a do adquirente dos bens ou serviços tributáveis que seja um sujeito passivo dos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, agindo como tal, e não isento, que é solidariamente responsável com o fornecedor pelo pagamento do imposto, quando a factura ou documento equivalente, cuja emissão seja obrigatória nos termos do artigo 28.º, não tenha sido passada, contenha uma indicação inexacta quanto ao nome ou endereço das partes intervenientes, à natureza ou à quantidade dos bens transmitidos ou serviços fornecidos, ao preço ou ao montante de imposto devido (art. 72.º, n.º 1); — nos casos em que o imposto resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante de factura ou documento equivalente, a do adquirente dos bens ou serviços que seja um sujeito passivo dos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, agindo como tal, e que isento de imposto, que é solidariamente responsável, pelo pagamento do imposto, com o sujeito passivo que, na factura ou documento equivalente, figura como fornecedor dos bens ou prestador dos serviços (art. 72.º, n.º 4); — nas transmissões de bens ou prestações de serviços realizadas ou declaradas com a intenção de não entregar nos cofres do Estado o imposto correspondente, a dos sujeitos passivos abrangidos pela alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, que tenham intervindo ou venham a intervir, em qualquer fase do circuito económico, em operações relacionadas com esses bens ou com esses serviços, desde que aqueles tivessem ou devessem ter conhecimento dessas circunstâncias (art. 72.º-A, n.º 1). No CAC prevê-se também uma situação de responsabilidade solidária, que é a dos fiadores (art. 195.º). Uma outra situação no RITI, que, no n.º 4 do seu art. 24.º, estabelece que o sujeito passivo não estabelecido em território nacional é solidariamente responsável com o representante pelo pagamento do imposto».

Conforme se pode ver pelo que fica transcrito, em relação ao IVA, não se deteta nenhuma situação de solidariedade.
O Recorrente também não é obrigado tributário da liquidação impugnada, nem está em causa qualquer contrato fiscal.
Finalmente, diga-se que o Recorrente também não provou ter qualquer interesse legalmente protegido.
Assim, e não sendo a qualquer título responsável pela liquidação impugnada ele não tem qualquer interesse legítimo legalmente protegido, mesmo sendo arguido num processo penal por alegados factos relacionados com a liquidação impugnada, pois não é a qualidade de arguido que lhe dá legitimidade processual tributária para vir impugnar a liquidação.
Os eventuais direitos de defesa no processo crime têm de ser exercidos aí e não aqui, em sede de processo de impugnação judicial da liquidação impugnada.
De resto, a legitimidade processual tributária do Recorrente sempre estaria assegurada pelo instituto da reversão, que lhe confere o direito de impugnar contenciosa ou judicialmente a liquidação revertida (arts. 22.º, n.º 5, da LGT e 102.º, n.º 1, alínea c), do CPPT).
Ora se não houve reversão da liquidação impugnada, o Recorrente não tem qualquer direito para impugnar judicialmente a liquidação em causa nestes autos, porque ele não é, como se disse, responsável, nem pode ser responsabilizado tributariamente, a qualquer título, pela referida liquidação e como tal não tem legitimidade processual, nem procedimental, para a impugnar judicial ou graciosamente.
Por isso, nesta parte, o recurso não merece provimento.

Quanto ao erro de julgamento de direito quanto à violação do art. 20.º da CRP.

O Recorrente alega ainda que a interpretação do aludido art. 9.º, realizada pelo Tribunal, viola o art. 20.º da CRP, porque impede o acesso ao direito à tutela jurisdicional efetiva, aí consagrados.
Os pressupostos processuais são, como o próprio nome indica, pressupostos que a lei estabelece para garantir o acesso ao processo através de regras próprias pré-determinadas que visam regular de forma equitativa e justa o processo.
As regras processuais são indispensáveis ao acesso ao direito e aos tribunais, bem como à garantia da tutela jurisdicional efetiva, assegurando a igualdade das partes.
A constitucionalidade das normas legais que regem os pressupostos processuais é inquestionável. Entre elas, está a legitimidade processual das partes. Por isso, a interpretação realizada pelo tribunal recorrido está seguramente dentro da lei constitucional e da lei ordinária, não violando qualquer delas.
Cumpre apenas salientar que a admitir-se a interpretação pretendida pelo Recorrente essa sim, violaria os princípios invocados por si, na medida em que estaria a admitir-se uma forma de impugnação judicial duma liquidação que a lei não prevê, porque estaria a admitir-se que o Recorrente pudesse vir impugnar uma liquidação, da qual não é responsável tributário originário.
Ou seja, estar-se-ia a permitir uma impugnação judicial de uma liquidação, a uma pessoa que não é, a qualquer título, parte interessada, porque não é, de todo, responsável pela liquidação.
O Recorrente invoca ainda que a alegada impossibilidade de impugnação judicial da liquidação terá efeitos relevantes no processo crime em que ele e a sociedade comercial que representa são arguidos, o que não corresponde à realidade.
Com efeito, o Recorrente pode exercer todos os seus direitos de defesa no referido processo crime, independentemente da possibilidade de impugnação judicial da liquidação em causa nestes autos, porque se ele não é responsável pela liquidação em termos tributários, também não poderá ser responsabilizado criminalmente por esses factos e no caso da sociedade ela seguramente poderia ter impugnado judicialmente a liquidação, porque ela tem legitimidade para o efeito porque é a responsável tributária originária.
A ilegitimidade processual do Recorrente para a impugnação judicial tributária da liquidação impugnada, não obsta à sua defesa no processo crime, nem afeta em nada a sua defesa nesse processo.
Nesta parte, o recurso também não merece provimento.

Pelo exposto e considerando-se não ter havido qualquer erro de julgamento de direito quanto à violação do artº 9º do CPPT e artº 20º da CRP, improcede o recurso e mantémse a sentença.

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No concerne a custas, atenta a improcedência total do recurso, é o Recorrente o responsável pelas custas do recurso, sem prejuízo da decisão do apoio judiciário – vide artigo 527.º, nos. 1 e 2 do e 529.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.

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Nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do Código de Processo Civil, elabora-se o seguinte sumário:
I- A legitimidade é um pressuposto processual que traduz uma condição para obtenção de uma pronúncia sobre o mérito da pretensão formulada, permitindo aferir a posição que devem ter as partes perante a pretensão deduzida em juízo, para que o julgador possa e deva pronunciar-se sobre o mérito da causa, julgando a ação procedente ou improcedente.

II- A legitimidade processual tributária pertence às pessoas que têm interesse direto na relação jurídica tributária, por estarem obrigados ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte direto, substituto ou responsável, isto é, como responsável originário ou não originário.

III- A falta de legitimidade processual do gerente para impugnar judicialmente uma liquidação da sociedade que não foi revertida contra si, não viola o acesso ao direito, nem à tutela jurisdicional efetiva.

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V. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

a) Negar provimento ao recurso, mantendo-se na ordem jurídica a sentença recorrida.
b) Custas pelo Recorrente, sem prejuízo da decisão do apoio judiciário.


Remeta-se certidão do acórdão ao processo comum coletivo n.º 266/05...., Juízo Central Criminal ... – Juiz ....


Porto, 23 de maio de 2024





Isabel Ramalho dos Santos (Relatora)
Paula Maria Dias de Moura Teixeira. (1.ªAdjunta)
Graça Martins (2.º Adjunta)