Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
| Processo: | 00036/12.9BEAVR |
| Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
| Data do Acordão: | 05/15/2025 |
| Tribunal: | TAF de Aveiro |
| Relator: | CARLOS DE CASTRO FERNANDES |
| Descritores: | IRS; CATEGORIA «E»; ADIANTAMENTO POR CONTA DOS LUCROS; |
| Sumário: | I - Os rendimentos da categoria «E» do CIRS apresentam uma elevada latitude de situações neles eventualmente subsumíveis, na medida em que incluem uma cláusula aberta suscetível de abarcar uma miríade de tipos de rendimentos (cf. n.º 1 do art.º 5.º do CIRS), sendo que, nas respetivas normas de incidência, apenas alguns é que estão tipificados como tal (cf., designadamente, os ns.º 2 e 3 do art.º 5.º do CIRS). II - O artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do CIRS, sistematicamente inserido na categoria de incrementos patrimoniais (normas de incidência real), consagra como rendimentos de capitais sujeitos a incidência de IRS os lucros, incluindo os adiantamentos por conta de lucros, colocados à disposição dos respetivos associados. III - Para se preencher a estatuição legal do conceito de adiantamento por conta dos lucros previsto no artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do CIRS é necessário que fique demonstrado que as entregas feitas aos sócios ocorreram por conexão com os lucros obtidos pela sociedade.* * Sumário elaborado pelo relator (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
| Votação: | Unanimidade |
| Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
| Aditamento: |
| Parecer Ministério Publico: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I – A Autoridade Tributária e Aduaneira – AT (Recorrente) veio interpor recurso contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, pela qual se considerou procedente a impugnação intentada por «AA» e «BB» (Recorridos), direcionada contra a liquidação adicional de IRS do ano de 2005, assim como contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa que sobre a mesma incidiu. No presente recurso, a Apelante formula as seguintes conclusões: 1. Ressalvado o devido respeito com o decidido na douta sentença recorrida, dela nos permitimos discordar quanto ao entendimento da Meritíssima Juíza a quo que julgou procedente a presente impugnação e concluiu pela ilegalidade da liquidação em causa, por erro nos pressupostos de facto e de direito. 2. Ao decidir, como decidiu, a Meritíssima Juíza a quo cometeu erro de julgamento na medida em que fez uma incorreta valoração e apreciação da prova, e do mesmo modo fez uma errada interpretação e aplicação do direito, violando o disposto nos artigos 1.º; 13.º, n.º 1; 5.º, n.º 2, alínea h) e 57.º, n.º 1, todos do CIRS. 3. Da factualidade que consta do relatório de inspeção tributária de 12/11/2009, a qual foi transposta para as alíneas A) e B) da fundamentação de facto, bem como dos anexos 1 a 4 do relatório de inspeção tributária, a fls. do PA, decorre que tanto as despesas consideradas como custos, como os levantamentos/pagamentos efetuados com os cartões de crédito das empresas das quais, relembre-se, os impugnantes eram os únicos sócios e gerentes, constituem rendimentos da Categoria E, enquadráveis no artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do CIRS, na redação aplicável. 4. Os serviços de inspeção tributária demonstraram a ocorrência dos pressupostos legais que legitimaram as correções ao rendimento declarado pelos impugnantes, sendo certo que os impugnantes receberam os montantes pertença das sociedades em causa e que reverteram para as suas esferas pessoais, sem que no entanto tais montantes tenham sido objeto de adequada contabilização na esfera das sociedades. 5. É notório que os impugnantes usufruíram de vantagem económica derivada da apropriação de valores das mencionadas sociedades de que eram sócios, sob a forma de adiantamentos por conta de lucros. 6. Perante os elementos recolhidos e analisados, a inspeção tributária conseguiu estabelecer uma relação clara e evidente entre os montantes que foram retirados das sociedades resultantes da atividade das mesmas, das quais os impugnantes eram sócios, e a transferência de tais montantes para a esfera patrimonial dos ora impugnantes. 7. Do elenco dos factos provados [alíneas A) e B) da fundamentação de facto] resulta pois claro que foram postos à disposição dos impugnantes fundos das sociedades [SCom01...] e [SCom02...] gerados em resultados, constituindo adiantamentos por conta de lucros e, nessa medida, devem ser qualificados como rendimentos de capitais nos termos do artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do CIRS. 8. A Meritíssima Juiz do Tribunal a quo considera que a Autoridade Tributária não tem a seu favor a presunção prevista no artigo 6.º, n.º 4 do CIRS. 9. Acontece que, a Autoridade Tributária não fez assim qualquer presunção de rendimentos e tanto assim é que não consta do relatório de inspeção tributária qualquer referência à presunção do artigo 6.°, n.° 4, do CIRS, fundamentando-se a correção no estabelecido na alínea h) do n.° 2 do artigo 5.° do CIRS, na redação aplicável. 10. Pois que, a disponibilização aos sócios das identificadas importâncias constituiu, como se viu, adiantamento por conta de lucros sujeito a tributação como rendimento da categoria E. Termina a Recorrente pedindo que seja julgado procedente o presente recurso, revogando-se a sentença recorrida. * Os autos foram com vista ao digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal (cf. fls. 122 dos autos – paginação do SITAF). * Com a concordância dos MMs. Juízes Desembargadores Adjuntos, dispensam-se os vistos nos termos do art.º 657.º, n. º 4, do Código de Processo Civil ex vi art.º 281.º do CPPT, sendo o processo submetido à Conferência para julgamento. -/- II - Matéria de facto indicada em 1.ª instância: A) Os impugnantes foram objeto de uma ação de inspeção interna levada a cabo pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças ..., com base na ordem de serviço n.º ...43, de 27/05/2009, a qual incidiu sobre IRS do ano de 2005, no seguimento das conclusões das ações de inspeção externas levadas a cabo a coberto das ordens de serviço n.º ...43 e ...20 às sociedades “[SCom01...], Lda.” e “[SCom02...], Lda.”, respetivamente – cfr. fls. 3 do processo administrativo apenso aos autos. B) Em 12/11/2009, no âmbito da ação de inspeção referida na alínea A), foi elaborado o relatório de inspeção tributária constante de fls. 1/5 do processo administrativo apenso aos autos, destacando-se o seguinte: […] III. CORRECÇÕES TÉCNICAS DESPESAS PARTICULARES DOS SÓCIOS PAGAS PELAS EMPRESAS “[SCom01...], LDA.” e “[SCom02...], LDA.” 2005: Englobamento de 50% das despesas pagas pelas empresas na esfera particular (IRS) dos sócios Terminada em 19.10.2009 a inspecção externa às empresas “[SCom01...] Lda.” e “[SCom02...] Lda.”, verificou-se a existência de pagamentos no ano de 2005 de despesas particulares dos sócios (viagens e estadias dos sócios, filhos e outros familiares, despesas com viaturas particulares, vestuário, despesas não justificadas pagas com cartões de crédito associados a contas das empresas [SCom01...] e [SCom02...], etc.), assim como retiradas significativas, nomeadamente no Brasil (onde os 2 sócios têm uma empresa, segundo informação prestada pelo Sr. «AA»), através dos cartões de crédito das empresas, emitidos em nome do sócio «AA» (3): 1 cartão Banco 1... e 2 cartões Banco 2... (1 de conta bancária associada à [SCom01...] e outro à [SCom02...]). III.1 – Resumo das Correcções a Acrescer aos Rendimentos dos Sócios em sede de IRS
1. Mapas de Ajudas de Custo no Brasil, não relacionadas com a actividade da [SCom01...]. 2. Mapas de Ajudas de Custo no Brasil não relacionadas com actividade da [SCom01...]. 3. Mapas de Km do sócio sr. «AA», com viatura da sócia D. «BB» (BMW ..-..-LP) O referido sócio, em 2005, tinha carro próprio, Audi ..-..-ZN, em nome da empresa. 4. Fact./vd de Viagens Abreu, registadas na empresa, tratando-se de viagens particulares dos sócios e família. 5. Despesas particulares dos sócios, pagas com o cartão de crédito “Banco 1...”, associado a conta bancária da [SCom01...]. 5. Despesas particulares dos sócios, pagas com o cartão de crédito “Banco 2...”, associado a conta bancária da [SCom01...]. Nos montantes indicados estão incluídas as comissões bancárias e o Imp. Selo, relativamente às despesas c /cartões, exclusivamente para uso particular dos sócios. 6. Despesas com Seguros, Imp. Automóvel, reparações, combustível viaturas particulares (mapa anexo 3) 7. Despesas particulares dos sócios, pagas com o cartão de crédito “Banco 2...”, associado à conta bancária da [SCom02...]. Nos montantes indicados, estão incluídas as comissões bancárias e o Imp. Selo, relativamente às despesas c/ cartões”. - Os montantes relativos a despesas pessoais dos sócios, considerados como custos na empresa [SCom01...] na conta 622271 – Deslocações e Estadas, foram corrigidos, por não concorrerem para a formação dos proveitos da mesma, segundo mapa elaborado que se junta como anexo 1. - Por outro lado, todos os levantamentos/pagamentos efectuados com os cartões de crédito das empresas, emitidos em nome do sócio Sr. «AA», nomeadamente os levantamentos efectuados no Brasil, de acordo com o disposto na al. h) do nº 2 do art 5º do Código do IRS, são de considerar como Rendimentos cat. E (Capitais) – adiantamentos por conta de lucros pagos aos sócios- Atendendo ao preceituado no artº 40º -A do Código do IRS, atenuação da dupla tributação económica (redacção dada pelo pela Lei 16-A/2002), serão de considerar apena 50% dos montantes em causa, acima indicados. - Assim, aos valores declarados em IRS pelos Sujeitos Passivos «AA» e «BB» no ano de 2005, será de acrescer 50% dos valores em causa, a título de Rendimentos Cat. E, na proporção da participação no Capital Social ds empresas, ou seja em partes iguais, já que ambos são detentores de 50% do capital das duas empresas, [SCom01...] e [SCom02...]:
III.2 – 2005 – Correcção aos valores declarados em sede de IRS
C) Pelo ofício n.º ......72, de 20/11/2009, expedido por correio registado com aviso de receção assinado em 26/11/2009, os impugnantes foram notificados do ato de alteração do conjunto de rendimentos líquidos em sede de IRS do ano de 2005 – cfr. fls. 21/25 do processo administrativo apenso aos autos. D) Na sequência da ação inspetiva referida na alínea A) foi emitida a liquidação adicional de IRS n.º ...23, referente ao ano de 2005 e respetivos juros compensatórios, no montante global de 13.167,36 € – cfr. fls. 22 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos. E) Em 06/10/2010 os impugnantes apresentaram reclamação graciosa contra o ato de liquidação a que se alude na alínea que antecede, invocando a falta de fundamentação do ato e erro nos pressupostos de facto e de direito – cfr. fls. 3/9 do processo de recurso hierárquico apenso aos autos. F) Em 16/12/2010 o Sr. Diretor de Finanças ..., por delegação, indeferiu a reclamação graciosa – cfr. fls. 30 e ss. do processo de reclamação graciosa apenso aos autos. G) Em 27/01/2011 os impugnantes remeteram à Direção de Finanças ..., por correio registado, recurso hierárquico interposto contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, reiterando os argumentos invocados na reclamação graciosa – cfr. fls. 2/14 do processo de recurso hierárquico apenso aos autos. H) Em 06/09/2011, a Sr.ª Diretora de Serviços do IRS, por subdelegação, negou provimento ao recurso hierárquico – cfr. fls. não numeradas do processo de recurso hierárquico apenso aos autos. I) Pelo ofício n.º ......09, expedido por correio registado com aviso de receção assinado em 04/11/2011, os impugnantes foram notificados da decisão de improcedência do recurso hierárquico – cfr. fls. não numeradas do processo de recurso hierárquico apenso aos autos. J) A petição inicial da presente impugnação judicial foi remetida ao Serviço de Finanças ..., por correio registado, em 02/01/2011 – cfr. fls. 2/23 dos autos. * Considerou-se ainda, na sentença apelada que: «Não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa.» * Relativamente à motivação da decisão da matéria de facto, decidiu-se na sentença recorrida que: «A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto provada resultou do exame crítico dos documentos e informações constantes dos autos e do processo administrativo apenso, os quais não foram impugnados, bem como da posição assumida pelas partes nos respetivos articulados, tudo conforme se encontra especificado em cada um dos pontos do probatório.» -/- III – Questões a decidir. No presente recurso, cabe analisar e decidir as questões suscitadas pela Apelante, nomeadamente quanto ao erro na apreciação da prova e quanto ao erro de julgamento no que concerne à interpretação e aplicação do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do CIRS. -/- IV – Da apreciação do presente recurso. Constitui objeto dos presentes recursos a sentença proferida nestes autos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro em sede de processo de impugnação, pela qual se concedeu provimento ao processo de impugnação que os Recorridos intentaram contra a liquidação adicional de IRS do ano de 2005, assim como contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa que sobre a mesma incidiu. A liquidação adicional acima referenciada, teve por fundamentos as conclusões de uma ação inspetiva promovida pelos serviços da AT, pela qual se concluiu, nomeadamente, que determinados levantamentos/pagamentos de despesas das sociedades [SCom01...] e [SCom02...] seriam de considerar como adiantamentos por conta de lucros pagos aos sócios, sendo rendimentos da categoria «E», de acordo com o disposto na al. h) do nº 2 do art.º 5º do Código do IRS. Cumpre apreciar e decidir. Assim, na parte que aqui nos interessa, na sentença recorrida afirmou-se que: “[…] O artigo 5.º do CIRS define quais os rendimentos enquadráveis na categoria E, sendo que o artigo 6.º do mesmo diploma legal circunscreve as situações em que se pode presumir que houve rendimentos daquela categoria. De acordo com o artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do CIRS, “consideram-se rendimentos de capitais: [...] h) os lucros das entidades sujeitas a IRC colocados à disposição dos respetivos associados ou titulares, incluindo adiantamentos por conta de lucros, com exclusão daqueles a que se refere o artigo 19.º”. Por sua vez, o artigo 6.º do CIRS sob a epígrafe “presunções relativas a rendimentos da categoria E” estabelece, no seu n.º 4, que “os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas às sociedades comerciais ou civis sob a forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a títulos de lucros ou adiantamento dos lucros”. Resulta deste preceito legal que apenas os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamentos dos lucros, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais. Com a presunção contida no n.º 4 deste artigo 6.º, pretendeu o legislador resolver a qualificação das quantias escrituradas nas contas correntes dos sócios, cuja origem não tenha sido declarada, reconduzindo a que tais montantes tenham o tratamento dos lucros distribuídos. No entanto, esta presunção de adiantamentos de lucros só poderá atuar se existir lançamento em conta corrente dos sócios, escriturada na sociedade [cfr. acórdãos do TCAN de 13/07/2017, processo n.º 00484/07.6BEVIS, de 07/07/2016, processo n.º 00446/11.9BEBRG e acórdãos do TCAS de 05/02/2015, processo n.º 08216/11, de 11/01/2011, processo n.º 4357/10, de 13/04/2010, processo n.º 03461/09 e de 15/07/2008, processo n.º 02371/08]. Volvendo ao caso em apreço, do acervo factual apurado resulta que a Administração Tributária não aceitou como custos fiscalmente dedutíveis as “despesas particulares dos sócios” pagas pelas sociedades “[SCom01...], Lda.” e “[SCom02...], Lda.” identificadas no capítulo III do relatório de inspeção tributária, por, na sua ótica, não configurarem despesas necessárias à atividade das empresas e presumiu que tais despesas, por serem “da esfera particular dos sócios” constituíam adiantamentos por conta dos lucros. Ora, ainda que a Administração Tributária pudesse corrigir os custos declarados pelas referidas sociedades segundo as regras prescritas no CIRC, como, efetivamente, terá feito no âmbito das ações inspetivas externas de que as mesmas foram visadas, já não podia presumir, pura e simplesmente, que os sócios da mesma receberam tais quantias a título de adiantamentos por conta dos lucros. É que as presunções legais são ilações que a lei retira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido [cfr. artigo 349.º do Código Civil]. Quem beneficia de uma presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz [cfr. artigo 350.º, n.º 1 do Código Civil], tendo apenas de provar o facto que serve de base à presunção para se considerar provado o facto presumido. Em regra, as presunções legais são ilidíveis mediante prova em contrário, podendo, porém, haver presunções legais inilidíveis [cfr. artigo 350.º, n.º 2 do mesmo Código]. In casu, porém, como já se referiu, a presunção de adiantamentos por conta dos lucros, contida no n.º 4 do citado artigo 6.º do CIRS, só poderia atuar se existissem lançamentos nas contas dos sócios e escriturados nas referidas sociedades, o que não se verifica. Ao invés, como resulta do relatório de inspeção tributária, as despesas em causa foram contabilizadas na contabilidade da sociedade [SCom01...], Lda. na conta “622271 – deslocações e estadas”, e os levantamentos em dinheiro através da utilização de cartões de crédito emitidos em nome do sócio gerente foram contabilizados a débito da conta de Caixa, dando entrada nos cofres das sociedades. Como se escreveu no acórdão do TCAS proferido no processo n.º 02371/08, “[…] o que determina o artigo em questão é que quando a AF constate, em quaisquer empresas referidas no preceito, que as contas correntes dos respetivos sócios contém lançamentos contabilísticos de montantes em favor daqueles, cabe-lhe indagar da razão de ser de tais lançamentos, o que, por princípio, terá de ser revelado pela própria contabilidade, devidamente organizada segundo os princípios das leis comercial e fiscal; E então, ou os beneficiários demonstram que se trata de uma situação enquadrável em mútuos, em prestação de trabalho ou no exercício de cargos sociais, ou então a lei faz decorrer a “verdade ficta” de que correspondem a lucros ou a adiantamento de lucros, sendo que, a ocorrer esta última hipótese e porque embora estando perante ume presunção legal ela é apenas “iuris tantum” e não “iure et de jure”, àqueles mesmos beneficiários caberá ilidi-la para, assim, se eximirem à inerente tributação, na estrita medida do plasmado no transcrito n.º 5 do referido art.º 7.º do CIRS. Contudo tem-se por inquestionável que a existências dos referidos lançamentos nas contas correntes dos sócios das aludidas sociedades é um pressuposto inultrapassável à existência da presunção legal ali contemplada, em favor da AT.” Deste modo, não resultando provados, como factos conhecidos fundantes do facto presumido, os lançamentos em contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades “[SCom01...], Lda.” e “[SCom02...], Lda.”, não é lícito concluir, como fez a Administração Tributária, que as verbas em causa foram recebidas pelos impugnantes a título de lucros ou adiantamento de lucros. O facto de as referidas sociedades terem contabilizado indevidamente as mencionadas quantias como custos fiscalmente dedutíveis, a provar-se, permite a correção do lucro tributável do exercício em sede de IRC, mas já não consente que se presuma que essas importâncias foram atribuídas aos sócios da sociedade, a título de adiantamentos por conta dos lucros. Assim, competindo à Administração Tributária o ónus de provar a existência dos pressupostos legais [vinculativos] da sua atuação [cfr. artigo 74.º da LGT], esta não podia valer-se da presunção, prevista no n.º 4 do art.º 6.º do CIRS, pois as quantias em causa não estavam contabilizadas em contas correntes dos sócios nas aludidas sociedades, logo não podiam ser presumidas como rendimentos a título de lucros ou adiantamento dos lucros. […]” Lida a fundamentação expressa na sentença recorrida, podemos concluir que no raciocínio nela expresso se faz menção ao n.º 4 do art.º 6.º do CIRS, como fundamento expresso no relatório de inspeção que subjaz à liquidação impugnada. Contudo, tal como afirma a Recorrente, a apontada leitura do sobredito relatório inspetivo feito na sentença recorrida não coincide com o que dele consta. Efetivamente, o quadro normativo invocado no referido relatório cinge-se a considerar certas despesas e pagamentos feitos pelas sociedades nelas referidas, como tendo beneficiado unicamente os seus sócios e, como tal, se traduzirem em rendimentos da categoria «E» do CIRS, sendo a estes últimos imputáveis. Para o efeito, no citado relatório inspetivo, apenas se fez apelo à regra de incidência contida na alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do CIRS, na qual se considerava como rendimentos da categoria «E», “os lucros das entidades sujeitas a IRC colocados à disposição dos respectivos associados ou titulares, incluindo adiantamentos por conta de lucros, com exclusão daqueles a que se refere o artigo 20 .º”. Com efeito, nenhum apelo expresso ou tácito é feito no apontado relatório, quanto à presunção contida no então n.º 4 do art.º 6.º do CIRS. Por isso, neste ponto, tem razão a Recorrente. No entanto, a questão seguinte que se coloca é a de saber se, ainda assim, a sentença recorrida fez uma errónea interpretação e aplicação do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do CIRS. Em primeiro lugar, convém referir que em sede de petição inicial, os agora Recorridos, questionaram se as ditas quantias tidas como adiantamento por conta dos lucros constituiriam verdadeiros rendimentos e se aquelas eram suscetíveis de configurar como verdadeiros adiantamentos, defendendo que a liquidação ora em apreço enfermava de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, tendo aí, ainda, invocado a violação das regras relativas ao ónus da prova (cf. artigos 50.º e segs. da p.i.). Assim, como vimos, na sentença recorrida, a propósito do sobredito erro sobre os pressupostos de facto e de direito, elaborou-se a fundamentação acima transcrita, tendo-se analisado os vícios invocados na petição inicial, naquela particular perspetiva de direito. Porém, da sentença recorrida também se pode retirar que o Tribunal a quo considerou que não estavam em causa adiantamentos por conta dos lucros, tendo, para o efeito, convocado a regra presuntiva do n.º 4 do art.º 6.º do CIRS e não, como deveria ter feito, pelo pertinente apelo ao vertido na alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do CIRS. Deste modo, há que reorientar o decidido na decisão jurisdicional ora em apreço, estando em causa a conformação de direito prosseguida na sentença recorrida, impondo-se aferir se as quantias que alegadamente os Recorridos teriam beneficiado, constituem, ou não, rendimentos da categoria «E», na medida em que a AT os prefigurou como adiantamentos por conta dos lucros. Ora, lido o relatório inspetivo, podemos verificar que os serviços da AT consideraram que um conjunto de despesas e pagamentos feitos pelas sociedades em benefício dos sócios ora Recorridos, constituíam vantagens patrimoniais destes, sendo rendimentos que deveriam ser considerados como adiantamentos por conta dos lucros. Ora, se é certo que os rendimentos da categoria «E» do CIRS apresentam uma elevada latitude de situações neles eventualmente subsumíveis, na medida em que incluem uma clausula aberta suscetível de abarcar uma miríade de tipos de rendimentos (cf. n.º 1 do art.º 5.º do CIRS), sendo que nas respetivas normas de incidência apenas alguns é que estão particularizados como tal (cf., designadamente, os ns.º 2 e 3 do art.º 5.º do CIRS), a verdade é que no caso em apreço, a AT optou por considerar os rendimentos aqui em causa como adiantamentos por conta dos lucros, aqueles consubstanciados em certas vantagens patrimoniais que os Recorridos teriam tido e que constavam como despesas das sociedades de que eram sócios. Assim, estavam aqui concretamente em causa: 1. Ajudas de Custo no Brasil, não relacionadas com a actividade da [SCom01...]. 2. Ajudas de Custo no Brasil não relacionadas com actividade da [SCom01...]. 3. Kms pagos ao sócio sr. «AA», com viatura da sócia D. «BB». 4. Fact./vd de Viagens, registadas na empresa, tratando-se de viagens particulares dos sócios e família. 5. Despesas particulares dos sócios, pagas com o cartão de crédito, associado a conta bancária da [SCom01...]. 6. Despesas particulares dos sócios, pagas com o cartão de crédito, associado a conta bancária da [SCom01...]. 7. Despesas com Seguros, Imp. Automóvel, reparações, combustíveis de viaturas particulares (mapa anexo 3) 8. Despesas particulares dos sócios, pagas com o cartão de crédito “Banco 2...”, associado à conta bancária da [SCom02...]. No entanto, embora a AT invoca a natureza particular de tais despesas em benefício exclusivo e privado dos sócios, a verdade é que não estabelece qualquer conexão das mesmas com os lucros das duas empresas acima referenciadas. Ora, se eram adiantamentos por conta dos lucros, teria que a AT demonstrar que tais despesas se traduziram em montantes financeiros traduzidos em rendimento efetivo e que foram postos na mão dos sócios, tendo em vista um antecipar do pagamento do lucro expetável das ditas sociedades. No caso presente, não foi explicado pela AT porque é que tais despesas pagas e demais pagamentos feitos constituíam rendimento, no sentido de serem a contraprestação de algo que a lei prefigura como tal (ou seja, tratando-se de quantias prefiguráveis como rendimento acréscimo e que se traduzissem num aumento do poder aquisitivo do contribuinte). Por outro lado, também não foi feita qualquer conexão concreta entre as ditas despesas e pagamentos, tidos como rendimento, e os lucros que as sociedades vieram ou viriam a ter. Posto isto, não poderia a AT ter concluído, como o fez, que as sobreditas despesas seriam enquadráveis como rendimento à luz do estatuído na alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do CIRS. Com efeito, o artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do CIRS, sistematicamente inserido na categoria de incrementos patrimoniais (normas de incidência real), consagra como rendimentos de capitais sujeitos a incidência de IRS os lucros, incluindo os adiantamentos por conta de lucros, colocados à disposição dos respetivos associados. Ora, para se preencher a estatuição legal do conceito de adiantamento por conta dos lucros previsto no artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do CIRS é necessário que fique demonstrado que as entregas feitas aos sócios ocorreram por conexão com os lucros obtidos pela sociedade Veja-se, nesse sentido, por exemplo, os acórdãos deste TCA, proferidos nos processos n.ºs 00048/08.7BEPRT (de 11-11-2021) e 0073/20.5BEPRT (de 02.02.2023), in www.dgsi.pt.. Por isso, ainda que com distinta fundamentação da sentença recorrida, consideramos que o ato recorrido padece do apontado vício de erro sobre os pressupostos de facto e de direito. Assim sendo, deverá ser mantido o sentido decisório da sentença apelada, ainda que com os presentes fundamentos. * Assim, nos termos do n.º 7 do art.º 663.º do CPC, apresenta-se o seguinte sumário: I - Os rendimentos da categoria «E» do CIRS apresentam uma elevada latitude de situações neles eventualmente subsumíveis, na medida em que incluem uma cláusula aberta suscetível de abarcar uma miríade de tipos de rendimentos (cf. n.º 1 do art.º 5.º do CIRS), sendo que, nas respetivas normas de incidência, apenas alguns é que estão tipificados como tal (cf., designadamente, os ns.º 2 e 3 do art.º 5.º do CIRS). II - O artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do CIRS, sistematicamente inserido na categoria de incrementos patrimoniais (normas de incidência real), consagra como rendimentos de capitais sujeitos a incidência de IRS os lucros, incluindo os adiantamentos por conta de lucros, colocados à disposição dos respetivos associados. III - Para se preencher a estatuição legal do conceito de adiantamento por conta dos lucros previsto no artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do CIRS é necessário que fique demonstrado que as entregas feitas aos sócios ocorreram por conexão com os lucros obtidos pela sociedade. -/- V – Dispositivo Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal em negar provimento ao presente recurso, mantendo-se a sentença recorrida, com os presentes fundamentos. Custas pelo Recorrente (por vencido). Porto, 15 de maio de 2025 Carlos A. M. de Castro Fernandes Paula Moura Maria da Conceição Pereira Soares | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||