Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00029/23.0BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/15/2024
Tribunal:TAF do Porto
Relator:RICARDO DE OLIVEIRA E SOUSA
Descritores:ATO DE EXCLUSÃO DE PROPOSTA;
FICHA DE ANALISE LABORATORIAL; FALTA DE TRADUÇÃO LEGALIZADA;
SUPRIMENTO;
Sumário:
I. A apresentação de uma ficha de análise laboratorial em desrespeito da exigência de prazo contida no Programa de Procedimento não serve o objetivo que preside à necessidade de previsão de tal garantia – traduzido na necessidade de validação e promoção de controlo da qualidade dos bens alimentícios pretendidos contratar –, impondo-se, por essa razão, reputá-la como documentos não apresentado.
II. Destarte, e na exata medida que o artigo 14.1º do P.P. prevê a obrigatoriedade de exclusão concursal da proposta que não apresente todos os documentos exigidos, forçoso se torna concluir que o desvalor da exclusão concursal atinge também a situação de apresentação de fichas laboratoriais com uma data de realização superior a três meses da data de proposta.
III. No âmbito de um concurso público, a falta de tradução legalizada de um documento que compõe a proposta consubstancia uma formalidade não essencial, sendo, por isso, suscetível de regularização procedimental com recurso ao mecanismo previsto no artigo 72º, nº. 3 do CCP.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Urgente - Contencioso pré-contratual (arts. 100º e segs. CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte - Secção de Contencioso Administrativo, subsecção de Contratos Públicos:
* *

I – RELATÓRIO

1. A sociedade comercial [SCom01...], LDA. [doravante [SCom01...]], Contrainteressada nos presentes autos de AÇÃO ADMINISTRATIVA DE CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL em que é Autora a [SCom02...], S.A. [doravante [SCom02...]] e Entidade Demandada o INSTITUTO 01…., vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença promanada nos autos, que julgou “(…) a presente acção procedente e, em consequência, (i) anul[ou] os actos de admissão das propostas apresentadas pelas Contra-Interessadas [SCom01...], Lda.; [SCom03...], Lda. e [SCom04...]; ii) anul[ou] o acto de adjudicação à Contrainteressada [SCom01...] do “Fornecimento por lotes de géneros alimentares para o arquipélago dos Açores no âmbito do Fundo Europeu de Auxílio às Pessoas mais Carenciadas (FEAC) – Lote 2”, publicitado em 03.08.2022, na IIª Série do Diário da República n.º 149; (iii) Conden[ou] o Instituto 01…. a adjudicar o contrato em causa à proposta apresentada pela Autora (…)”.

2. Alegando, a Recorrente “[SCom01...]” formulou as seguintes conclusões: “(…)

O presente recurso deve ser julgado procedente porque:

1. Da Sentença Recorrida é possível aferir que o douto Tribunal a quo analisou a questão sub judice, no que respeita, em concreto, à proposta apresentada pela [SCom01...], sob três prismas: i) natureza do documento 'Ficha de análise laboratorial'; ii) termos da apresentação das fichas de análise laboratorial; e, por fim, iii) consequências da apresentação de documento em língua estrangeira e consequente dever do júri de convidar ao suprimento daquela irregularidade.

2. Relativamente à questão identificada em i), concluiu o Tribunal a quo, por via da Sentença Recorrida, que o documento «Fichas de análise laboratorial» consubstancia um documento para efeitos da alínea c) do n.° 1 do artigo 57.° do CCP, o que, conforme ficou no presente Recurso demonstrado, configura um manifesto erro de julgamento.

3. Ora, dizendo a alínea c) do n.° 1 do artigo 57.° do CCP respeito à apresentação de um documento, expressamente exigido no programa do procedimento ou no convite, no qual o concorrente afirme vincular-se a algum termo ou condição, devida e especificamente identificado, relativo a um aspeto de execução do contrato que o caderno de encargos não submeteu à concorrência, ou seja, que não será objeto de avaliação, mas que está aí previsto de forma "aberta" e que, por isso, permita concretização, e não havendo, in casu, a referida margem de concretização (dentro da referida baia de limites mínimo e ou máximos que o caderno de encargos estabeleça quanto a determinado aspeto não submetido á concorrência), não se está, manifestamente, perante um termo ou condição a apresentar na proposta.

4. Sucede, ainda, que, independentemente do entendimento que se perfilhe acerca da natureza, para efeitos do regime consagrado pelo CCP, do documento «Ficha de Análise Laboratorial», tal documento foi, no caso dos presentes autos, inequivocamente apresentado em observância das regras previstas no Programa do Procedimento, isto é, datado com menos de três meses face à data de apresentação da proposta.

5. É, de resto, isso que o próprio Tribunal a quo confirma na douta Sentença Recorrida, não obstante ter, por lapso — só nesses termos se pode conceber — omitido, no elenco dos factos dados como provados, uma das cinco fichas laboratoriais apresentadas pela [SCom01...], que depois no dispositivo refere, pelo que se recorre nessa parte da matéria de facto, devendo ser na mesma incluído que a ora Recorrente também apresentou com a sua proposta a ficha de análise laboratorial com a referência n.° 22003576, datada de 22.07.2022.

6. Mais se refira que, de facto, de entre o aludido conjunto de fichas apresentadas pela Contrainteressada, ora Recorrente, era possível identificar três daqueles documentos com data superior aos aludidos três meses face à data de apresentação da proposta, e, por outro lado, dois daqueles documentos com datas inferiores a três meses face à data de apresentação da proposta.

7. Acontece que, não obstante o douto Tribunal a quo não colocar em causa a apresentação de todas as sobreditas fichas de análise laboratorial - isto é, daquelas que apresentam mais de três meses face à data da proposta apresentada e, adicionalmente, daquelas que se reportam a uma data com menos de três meses relativamente à antedita data de apresentação da proposta - a conclusão que, incompreensivelmente, a final, alcança é a de que a [SCom01...] não logrou apresentar análises laboratoriais válidas que permitissem aferir da qualidade do produto a fornecer.

8. Incorre, assim, a Sentença Recorrida num flagrante erro de julgamento que decorre de uma manifesta confusão relativamente ao conjunto de fichas de análise laboratorial apresentadas e àquilo que efetivamente visam tais documentos comprovar no quadro do presente caso.

9. O que efetivamente se verifica através de uma análise dos parâmetros avaliados nas supramencionadas fichas de análise laboratorial é, inequivocamente, que os parâmetros analisados nas fichas cujas datas se reportam ao ano de 2021 (isto é, as fichas apresentadas com mais de três meses face à proposta apresentada) foram exatamente aqueles que, mais tarde — ou seja, no ano de 2022 — foram novamente objeto de análise nas fichas apresentadas com menos de três meses.

10. A relação que se estabelece entre as fichas de análise laboratorial apresentadas com mais de três meses e aquelas que foram apresentadas com menos de três meses é, por isso, uma relação substitutiva ou de atualização e não de complementaridade, porquanto visam comprovar o mesmo.

11. Com efeito, reitere-se, é cristalina a identidade, sob o ponto de vista dos parâmetros analisados, que se estabelece entre os parâmetros analisados nas fichas laboratoriais com mais e com menos de três meses face à data de apresentação da proposta pela Contrainteressada, ora Recorrente, a [SCom01...], todas se limitando a aferir, através dos mesmos parâmetros, a qualidade do produto alimentar proposto.

12. Nesse sentido, o erro de julgamento em que incorre a Sentença Recorrida revela-se como manifesto e palmar e só pode, de facto, resultar de um equívoco acerca do objetivo do Programa de Procedimento com a exigência da apresentação das fichas de análise laboratorial e daquilo que se pretendeu demonstrar com as mesmas, i.e., a qualidade do produto alimentar a fornecer ('Atum em posta em óleo vegetal') e que, in casu, ficou inelutavelmente demonstrado por via da apresentação das fichas de análise laboratorial com menos de três meses relativamente à data de apresentação da proposta.

13. O racional que, se bem se entende, subjazeu à decisão do douto Tribunal a quo, corresponde, pois, à ideia de que cada uma das fichas de análise laboratorial (devidamente) apresentadas pela [SCom01...] lograva demonstrar, individualmente, algo diferente, o que, na senda do exposto, se afigura manifestamente incorreto.

14. Conforme acima mencionado, as fichas de análise laboratorial apresentadas pela ora Recorrente visavam, em estreita síntese, comprovar da qualidade do produto a fornecer sob a ótica de vários parâmetros de análise que, como ficou nos presentes autos cristalinamente demonstrado, foram integral e identicamente analisados nas fichas de análise laboratorial com menos de três meses face à proposta apresentada — que, como, aliás, afirma o douto Tribunal a quo na Sentença Recorrida «cumprem o previsto pelo Programa do Concurso, no seu ponto 13.3 alínea e)» (cf. Sentença Recorrida, p. 76).

15. Logo, o facto de as restantes fichas de análise laboratorial apresentadas pela Contrainteressada, ora Recorrente, com as referências n." 2111975, 2111976 e 2111977 não cumprirem o pressuposto do prazo de realização inferior a três meses face à data de apresentação da proposta, não pode, em caso algum, consubstanciar fundamento para invocar urna alegada inobservância da demonstração dos requisitos de qualidade do produto a fornecer, conforme previsto pelo Caderno de Encargos, porque estava demonstrado pelas fichas com datas inferiores a três meses.

16. Acresce ao exposto que, conforme, e bem, referiu o douto Tribunal a quo por via da Sentença Recorrida, a apresentação dessas fichas com datas inferiores a três meses em língua estrangeira jamais poderia determinar, sem mais, a exclusão imediata da proposta apresentada (vide, neste sentido, p. 80 da Sentença Recorrida), pois que, de acordo com o n.° 3 do artigo 72.° do CCP, tratando-se de uma formalidade não essencial passível de ser suprida, sempre impenderia sobre o júri o dever de convidar àquele suprimento, o que, in casu, não fez.

17. Nesta senda, cumpre concluir que nunca poderia a ora Recorrente ser prejudicada em virtude da inobservância, pelo júri do procedimento, de convidar ao suprimento da aludida irregularidade, razão pela qual também com este fundamento nunca poderia a pretensão da Autora ser julgada procedente, como, de resto, e bem, denotou, nessa parte, o Tribunal a quo.

18. Destarte, em face da demonstração (cristalina) de que as fichas de análise laboratorial em causa — apresentadas, recorde-se, pela ora Recorrente e realizadas com menos de três meses face à data de apresentação da proposta — lograram, efetivamente, demonstrar, através dos parâmetros objeto de análise, a qualidade do produto a fornecer e, bem assim, atenta a incontornável conclusão de que a sua apresentação em idioma estrangeiro sempre determinaria o dever de o júri convidar ao suprimento daquela irregularidade (como também bem concluiu a Sentença recorrida), o que não se verificou, somente resta concluir que a Sentença Recorrida incorreu num manifesto erro de julgamento e que, por isso, deve ser revogada nos termos cima expostos (…)”.


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3. Notificada que foi para o efeito, a Recorrida “[SCom02...]” apresentou contra-alegações - as quais integram, a título subsidiário, um pedido de ampliação do objeto do recurso - que rematou da seguinte forma: “(…)

I. Não se conformando com o teor da sentença prolatada nos presentes autos, datada de 22.11.2023, a ora Recorrente apresentou recurso de apelação daquela decisão, através de alegações de recurso com a referência SITAF ...08;

II. A Recorrente imputa à sentença de que recorre um erro no julgamento da matéria de facto por entender que, do facto 11) da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida (e não do facto 31)), deveria constar a circunstância de a Recorrente, para além de ter apresentado as fichas de análise laboratorial identificadas naquele facto, ter também apresentado a ficha de análise laboratorial com a referência n.º 22003576, datada de 22.07.2022;

III. Além dos termos em que encerra o julgamento realizado pelo douto Tribunal a quo quanto aos factos dados como provados, a Recorrente assaca ainda à sentença recorrida três erros na aplicação de Direito, a saber: erro na caracterização do documento “Ficha de Análise Laboratorial” à luz da alínea c) do n.º 1 do artigo 57.º do CCP, erro na aferição da natureza daquele documento e a existência do dever legal do Júri convidar ao suprimento de irregularidades;

IV. As alegações que o Recorrente expende no sentido de colocar em crise a sentença recorrida estão votadas ao mais rotundo fracasso, devendo manter-se, nos precisos termos, o conteúdo daquela, tale qual bem deu conta o Tribunal a quo;

V. Apesar de ter impugnado matéria de facto dada como provada na decisão recorrida (v.g. o facto 11 e não, como certamente por lapso refere a Recorrente, o facto 31), a verdade é que a Recorrente não cumpriu o ónus que para si resulta da aplicação do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, aplicável ex vi n.º 3 do artigo 140.º do CPTA;

VI. Pese embora tenha cumprido os ónus previstos nas alíneas a) e c) da norma vinda de reproduzir, a verdade é que a Recorrente incumpriu, de forma ostensiva, o dever que sob si recaía, à luz do preceituado na alínea b) da referida norma, de indicar os meios probatórios que justificariam a alteração do facto dado como provado sob o n.º 11;

VII. Caso assim não se entenda, o que apenas se equaciona por mera hipótese académica, caso seja admissível a reapreciação da matéria de facto e, bem assim, seja determinada a alteração peticionada pela Recorrente, a verdade é que dessa alteração não resulta qualquer tipo de dano para a (incontestável) bondade jurídica da decisão recorrida, o que se verifica por duas dissemelhantes ordens de razão;

VIII. Quanto às restantes considerações tecidas pela Recorrente quanto a outros factos dados como provados, as mesmas apresentam uma natureza meramente enquadradora – quando não especulativa – não lhes estando subjacente qualquer juízo impugnatório, razão pela qual não são aquelas idóneas a determinar a modificação dos factos dados como provados na sentença recorrida;

IX. O argumento segundo o qual o documento «Ficha de Análise Laboratorial» nunca pode ser tido como exigível à luz do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 57.º do CCP encontra-se condenado a soçobrar na estrita e indelével medida em que a destrinça realizada pelo Recorrente no que diz respeito ao tipo de termos e condições que podem ou não ser demonstrados através de documentos exigidos ao abrigo daquela norma é absolutamente artificial e, pior do que isso, exacerbadora do valor jurídico do documento apresentado à luz da alínea a) do n.º 1 ou do n.º 6 do mesmo artigo;

X. Ao contrário do isoladamente defendido pela Recorrente, quer a Doutrina quer a Jurisprudência assumem uma posição unânime segundo a qual podem ser exigidos, à luz do preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 57.º do CCP, documentos que contenham qualquer tipo de termos ou condições relativos a aspetos da execução do contrato não submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, aos quais a entidade adjudicante pretende que o concorrente se vincule;

XI. A existir tal destrinça – que apenas se equaciona por mera cautela de patrocínio – a mesma, quando muito, deve ser resolvida em benefício dos termos exigidos concreta e determinadamente – e não através da fixação de limites mínimos e máximos tal como defendido pela Recorrente;

XII. A norma prevista na alínea e) do ponto 13.3 do Programa de Procedimento consistindo numa exigência documental formulada de forma clara, expressa e específica, é perfeitamente admissível ao abrigo do regime previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 57.º do CCP, com todas as consequências legais daí advenientes, nas quais se inclui, em caso de incumprimento, a verificação da causa de exclusão ínsita na alínea a) do n.º 2 do artigo 70.º e da alínea d) do n.º 2 do artigo 146.º do CCP;

XIII. A partir do momento em que se verifica uma exigência documental relacionada com um concreto aspeto de execução do contrato que constitui um termo ou condição ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do artigo 57.º do CCP, impende sobre os concorrentes a obrigação de cumprir tal exigência, não sendo a mesma sanável mediante a apresentação do documento previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 57.º do CCP;

XIV. Tal conclusão é fácil de percecionar e, acima de tudo, de compreender: tendo a declaração prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 57.º do CCP uma natureza muito ampla e geral, é compreensível que, para termos ou condições especialmente importantes para a execução do contrato, a entidade adjudicante exija um grau de compromisso reforçado quanto àquele concreto aspeto, exigindo aos concorrentes a apresentação de um documento adicional destinado a titular esse mesmo compromisso qualificado;

XV. As exigências constantes da alínea e) do ponto 13.3 do Programa de Concurso estão relacionadas com as características e garantias de qualidade do produto a fornecer que a Entidade Demandada desde sempre pretendeu que fossem asseguradas no produto alimentar a adquirir;

XVI. A exigência documental tem um fito que de tão claro e óbvio não pode ser ignorado pela Recorrente: quanto mais recentes fossem as análises laboratoriais realizadas ao produto a fornecer, maior seriam as garantias de que as características e outras realidades relativas àquele seriam exatas e fidedignas;

XVII. O elemento teleológico que envolve tal exigência nunca foi o “documento pelo documento”, mas sim o que aquele significa de absolutamente essencial para a execução do contrato: garantir, na medida do possível, que os bens a fornecer cumprem todos os normativos em vigor, nacionais e europeus;

XVIII. Face a tudo quanto acima se expendeu, torna-se absolutamente claro que os documentos exigidos na alínea e) do ponto 13.3 do Programa de Concurso correspondem, no caso concreto, a termos ou condições das propostas que, embora não submetidos à concorrência, a Entidade Adjudicante pretendia que os concorrentes a eles se vinculassem e que, nessa medida, foram legitimamente exigidos à luz do preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 57.º do CCP;

XIX. A alegação da Recorrente segundo a qual aquela exigência documental foi realizada ao abrigo do n.º 4 do artigo 132.º do CCP representa a assunção, por aquela, de que, para além da causa de exclusão abaixo melhor explicitada (alínea a) do n.º 2 do artigo 70.º e alínea d) do n.º 2 do artigo 146.º do CCP), se verifica em relação à sua proposta a causa de exclusão prevista na alínea n) do n.º 2 do artigo 146.º do CCP;

XX. Sendo do conhecimento da Recorrente, à luz do disposto na alínea e) do ponto 13.3 do Programa de Concurso, que as fichas de análise laboratorial teriam que dizer respeito a uma análise realizada há menos de 3 meses, não se compreende porque motivo a Recorrente entendeu juntar com a sua proposta fichas relativas a análises que bem sabia (e que reconheceu) terem sido realizadas há mais tempo do que o procedimento exigia;

XXI. Se existe a correspondência que a Recorrente afirma existir entre os parâmetros avaliados nas fichas de análise laboratorial realizadas há menos e há mais de 3 meses, não se compreende (até porque a Recorrente não o explicita) porque motivo é que achou avisado juntar à sua proposta fichas de análise laboratorial que bem sabia terem sido realizadas há mais tempo do que o procedimentalmente exigido quando já teria no seu poder análises que sabia cumprirem o disposto na alínea e) do ponto 13.3 do Programa de Concurso;

XXII. Todo o raciocínio expendido pela Recorrente quanto a esta matéria é absolutamente pernicioso e configura um argumento que a Recorrente, em desespero de causa, esgrime para tentar remediar o irremediável: que a sua proposta foi apresentada com fichas de análise laboratorial que, por dizerem respeito a análise efetuadas há mais de 3 meses, incumprem o disposto na alínea e) do ponto 13.3 do Programa de Concurso e, nessa medida, devem determinar a exclusão da sua proposta à luz do preceituado na alínea a) do n.º 2 do artigo 70.º e da alínea d) do n.º 2 do artigo 146.º do CCP, tal como bem observado pela sentença recorrida;

XXIII. A partir do momento em que a Recorrente decidiu apresentar as Fichas de Análise Laboratorial nos termos em que o fez, a verdade é que há uma realidade que subsiste: a proposta da Recorrente foi instruída com fichas de análise laboratorial que não cumpriam o requisito temporal ínsito na alínea e) do ponto 13.3 do Programa do Concurso;

XXIV. O facto de a Recorrente alegadamente ter juntado fichas de análise laboratorial válidas não apaga a circunstância de existirem outras fichas que não se revestiam dessa mesma validade à luz do disposto na alínea e) do ponto 13.3 do Programa do Concurso;

XXV. A Recorrente, ao assumir que apresentou documentos de sentido inverso para dar cumprimento àquela norma do Programa de Concurso, está simplesmente a reconhecer que não se comprometeu, de forma efetiva, ao cumprimento do termo ou condição titulado por aquele documento, circunstância que concorre igualmente para a conclusão de que a sua proposta deveria ter sido excluída ao abrigo da alínea a) do n.º 2 do artigo 70.º e da alínea d) do n.º 2 do artigo 146.º do CCP;

XXVI. No capítulo final das suas alegações de recurso, a Recorrente discorre amplamente sobre a existência do dever legal do Júri de convidar ao suprimento de irregularidades ao abrigo do n.º 3 do artigo 72.º do CCP;

XXVII. Acontece que a Recorrente obteve ganho de causa quanto ao fundamento vindo de aludir, pelo que não se compreende (mais uma vez) qual o motivo para a Recorrente fazer referência a esta questão nas suas alegações de recurso e igualmente críptico permanece de que forma pode a Recorrente considerar que foi “(…) prejudicada pelo não cumprimento do dever de fazer tal convite pelo Júri”;

XXVIII. Tal prejuízo apenas existiria se o douto Tribunal a quo tivesse entendido que tal dever não tinha plena aplicabilidade ao caso concreto e que, nessa medida, a proposta da Recorrente deveria ter sido excluída com base na alínea e) do n.º 2 do artigo 146.º do CCP;

XXIX. Sem prejuízo da ininteligibilidade das alegações acima rebatidas, uma leitura do seu conteúdo deixa claro qual foi a verdadeira intenção da Recorrente ao incluir esta capítulo nas suas alegações de recurso: reiterar os mesmos fundamentos relacionados com a questão das fichas de análise laboratorial que, tendo o mesmo conteúdo, são por ora rebatidos nos precisos termos acima melhor explicitados e para os quais se remete por simples economia de exposição;

XXX. No caso concreto, e como bem assinala a douta sentença recorrida, a ora Recorrida alegou, na petição inicial que deu origem aos presentes autos, que a Recorrente não juntou, com a sua proposta, a tradução devidamente legalizada das fichas de análise laboratorial 22003268 e 22003576, datadas respetivamente de 09.08.2022 e 18.07.2022, circunstância que constituiria fundamento para exclusão da proposta da Recorrente ao abrigo da alínea e) do n.º 2 do artigo 146.º do CCP e do ponto 14.1 do Programa de Concurso;

XXXI. Quanto a esta matéria, acabou o douto Tribunal a quo por decidir que, pese embora existisse fundamento para exclusão da proposta por falta de junção da tradução devidamente legalizada, a mesma não poderia ser determinada uma vez que deveria ter sido conferida ao Recorrente, pelo Júri do Procedimento, a possibilidade de suprimir tal irregularidade à luz do n.º 3 do artigo 72.º do CCP;

XXXII. Tendo em conta o sentido decisório vindo de descrever, torna-se possível concluir que o fundamento aduzido pela Recorrida para basear a decisão de exclusão da proposta da Recorrente ao abrigo da alínea e) do n.º 2 do artigo 146.º do CCP foi julgado improcedente e que, nessa medida, a Recorrida nele decaiu;

XXXIII. Levando em linha de conta tal decaimento e a circunstância de poder haver a necessidade de reapreciação da decisão que sobre este fundamento incidiu em caso de procedência do recurso interposto pela Recorrente – o que apenas se equaciona a título de mera hipótese académica – requer-se, desde já, a ampliação do objeto de recurso ao fundamento acima melhor identificado e em que a Recorrida decaiu;

XXXIV. Não é certeiro afirmar que a falta de entrega da tradução devidamente legalizada das fichas de análise laboratorial 22003268 e 22003576 constitua uma realidade suscetível de sobre ela incidir um pedido de esclarecimento à luz do n.º 3 do artigo 72.º do CCP, na versão aplicável aos presentes autos;

XXXV. A versão do CCP aplicável ao presente caso é a que resulta da aprovação e entrada em vigor da Lei n.º 30/2021, de 21 de maio, posteriormente retificada pela Retificação n.º 25/2021, de 21 de julho;

XXXVI. O entendimento sufragado pelo douto Tribunal a quo quanto à suscetibilidade de suprimento da irregularidade consubstanciada na falta de apresentação de tradução devidamente legalizada do documento ora em crise encontra-se condenado a falecer, uma vez que o n.º 3 do artigo 72.º do CCP não se encontra concebido para suprir a ausência de documentos que constituem a proposta quando estes contendam com aspetos essenciais de execução do contrato;

XXXVII. Este preceito visa, apenas e tão só, ser disciplinar as situações em que estão em causa documentos de natureza eminentemente formal e que apenas tenham como desiderato a comprovação de aspetos estanques, não variáveis, isto é, cujo teor jamais poderá influenciar o conteúdo material e obrigacional da proposta em que aqueles documentos se encontram inseridos, o que não é o caso dos documentos em causa como bem reconheceu o douto Tribunal a quo.

XXXVIII. Tendo o douto Tribunal a quo entendido (coerentemente) que os documentos ora em crise titulam termos e condições previstos no Caderno de Encargos, torna-se de meridional clareza a conclusão que não existe, de todo em todo, a possibilidade legal de serem supridas irregularidades que afetem aqueles documentos, uma vez que as mesmas não podem se não ser consideradas como essenciais;

XXXIX. Sendo a obrigatoriedade de junção da tradução dos documento ora em causa uma formalidade essencial, nunca a Entidade Demandada poderia solicitar à Recorrida o suprimento dessa irregularidade à luz do n.º 3 do artigo 72.º do CCP, uma vez que tal prerrogativa apenas se aplica às formalidades não essenciais;

XL. As formalidades relativas às fichas de análise laboratoriais apresentam uma natureza essencial uma vez que das mesmas resulta (ou deveria resultar) a vinculação da Recorrida quanto às prestações que irá desenvolver em sede de execução contratual, razão pela qual nunca o incumprimento daquelas formalidades seria sanável à luz do disposto no n.º 3 do artigo 72.º do CCP;

XLI. Consequentemente, não sendo aplicável ao caso concreto o regime previsto no n.º 3 do artigo 72.º do CCP, e não constituindo dúvida que a Recorrida incumpriu a obrigação essencial de junção da tradução devidamente legalizada das fichas de análise laboratorial, dúvidas não restam que a proposta apresentada pela Recorrida deveria ser excluída à luz da alínea e) do n.º 2 do artigo 146.º do CCP e do ponto 14.1 do Programa de Concurso, nos termos peticionados;

XLII. Neste sentido, e face a tudo quanto acima se expendeu, deverá a presente ampliação do objeto de recurso ser admitida e, nessa sequência, ser julgada procedente, por provada, e, nessa medida, ser a sentença recorrida parcialmente revogada quanto ao fundamento em que a Recorrente decaiu ao peticionar a exclusão da Recorrida, sendo a mesma substituída por um acórdão que atribua à Recorrente o ganho de causa naquele fundamento (…)”.


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4. O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.
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5. O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior silenciou quanto ao propósito vertido no nº.1 do artigo 146º do C.P.T.A.

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6. Cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.

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II– DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR

7. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.

8. Neste pressuposto, as questões essenciais a dirimir são as seguintes:

(i) Quanto ao recurso interposto pela “[SCom01...]”, determinar se a sentença recorrida, na parte que atravessou juízo decisório no sentido da exclusão da proposta apresentada pela Recorrente, enferma (i) de erro de julgamento de facto, por insuficiência da matéria de facto coligida no probatório, bem como de (ii) erro de julgamento de direito, por errada aplicação de direito.

(ii) Quanto à ampliação de recurso pretendida nos autos, determinar (i) se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito quanto à decidida improcedência “(…) invocado vício decorrente da apresentação de documento em língua estrangeira (…)”.

9. É na resolução de tais questões que consubstancia a matéria que a este Tribunal Superior cumpre solucionar.


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III- DO MÉRITO DA INSTÂNCIA DE RECURSO

10. A Autora “[SCom02...]”, aqui Recorrida, intentou a presente ação de contencioso pré-contratual, tendo formulado o seguinte petitório: “(…) Termos em que, e nos mais de Direito que V.ª Ex.ª doutamente suprirá, o ato de adjudicação referente ao procedimento pré-contratual em causa deverá ser considerado ilegal, condenando-se a Ré a alterar o teor do Relatório Final, de modo a excluir as propostas apresentadas pelas Concorrentes [SCom01...], Lda., [SCom03...], Lda. e [SCom04...], S.A. e a ordenar a adjudicar o presente procedimento à proposta apresentada pela Autora no mencionado concurso, enquanto única proposta admitida (…)”.

11. Substanciou tais pretensões, brevitatis causae, no entendimento de que as propostas apresentadas pelos concorrentes (i) [SCom01...], Lda., (ii) [SCom03...], Lda. e (iii) [SCom04...], S.A. incumpriam com determinados parâmetros regulamentares – que elencou no libelo inicial -, devendo, por isso, serem excluídos do concurso, e, dessa, sorte, e por ser a única proposta admitida a concurso, ser-lhe adjudicado o procedimento concursal visado nos autos.

12. Pela decisão judicial apelada, como sabemos, foi julgada procedente a presente ação, e em consequência, (i) foram anulados (i.1) os actos de admissão das propostas apresentadas pelas Contra-Interessadas [SCom01...], Lda.; [SCom03...], Lda. e (i.2) o acto de adjudicação à Contrainteressada [SCom01...] do “Fornecimento por lotes de géneros alimentares para o arquipélago dos Açores no âmbito do Fundo Europeu de Auxílio às Pessoas mais Carenciadas (FEAC) – Lote 2”, publicitado em 03.08.2022, na II Série do Diário da República n.º 149, e (ii) o Instituto 01... condenado a adjudicar o contrato em causa à proposta apresentada pela Autora.

13. Patenteiam as conclusões alegatórias que a Recorrente insurge-se quanto à sentença recorrida na parte em que atravessou juízo decisório no sentido da exclusão da proposta por si apresentada, por manter convicção de que tal juízo decisório enferma (i) de erro de julgamento de facto, por insuficiência da matéria de facto coligida no probatório, bem como de (ii) erro de julgamento de direito, por errada aplicação de direito.

14. Vejamos estas questões especificadamente.

15. Assim, e com reporte ao primeiro esteio argumentativo, cabe notar que a Recorrente alvitra que a sentença recorrida omitiu dos elencos dos factos provados uma das cinco fichas de análise laboratorial por si apresentadas, devendo, por isso, ser aditado à matéria de facto o seguinte tecido fáctico: “A Recorrente também apresentou com a sua proposta a ficha de análise laboratorial com a referência nº. 22003576, datada de 22.07.2022”.

16. Esta impugnação da matéria, porém, não observa os ditames da normação contida no artigo 640º do CPC, nº 1, a) a c), e nº 2, a), do NCPC.

17. Realmente, a lei processual, para facultar a reapreciação da decisão matéria da facto, exige, desde logo, que a Recorrente especifique (i) os concretos pontos os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; (ii) qual o meio probatório que impõe decisão diversa da recorrida; (iii) qual a definição da decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnada; e, quando gravado, a (iv) expressa de indicação com exatidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso.

18. Destacam-se, a este propósito, os arestos produzidos por este Tribunal Central Administrativo Norte, de 04.12.2015 e 17.01.2020, nos processos nº. 418/12.6BEPRT e 141/09.9BEPNF, respetivamente, ambos consultáveis em www.dgsi.pt.

19. Conforme grassa à evidência das alegações de recurso – corpo e conclusões -, a Recorrente não cumpriu o 2º dos indicados requisitos legais, pois não indicou, em lado algum, o meio probatório em que suporta a impugnação da matéria de facto, mormente documental, com expressa identificação dos documentos e/ou as folhas do processo instrutor de que resulta a prova dos factos a aditar.

20. O que conduz à inferência de que a Apelante não cumpre adequadamente ónus que sobre si impede, sendo que, nestas situações, não tem lugar à aplicação do princípio pro actione, no sentido do convite ao aperfeiçoamento.

21. Efetivamente, como se decidiu no aresto do Tribunal da Relação de Guimarães, 29.09.2014, tirado no processo nº. de 81001/13.0YIPRT.G1, com plena mais valia para o caso em apreço: ”(…)

Cumpre também referir que esta rejeição parcial do recurso não deve ser precedida de despacho de aperfeiçoamento. Em primeiro lugar, porque é a própria lei que refere a rejeição deve ser imediata, ou seja, próxima, sem algo de permeio; em segundo lugar porque quando a lei do processo, sob o art.º 639º, nº 3, prevê, em sede de recurso, o dever funcional de prolação de despacho de aperfeiçoamento, fá-lo apenas relativamente às conclusões deficientes, obscuras, complexas ou quando nelas não se tenha procedido às especificações a que alude o anterior nº 2, e não também quanto às alegações propriamente ditas, sendo que, no caso sub judice, as insuficiência são comuns às alegações e às conclusões.

Dir-se-á ainda que a admitir a reapreciação dos depoimentos gravados nos termos em que ela é solicitada, estaria aberta a porta ao incumprimento de um dos pressupostos indispensáveis da impugnação da decisão em matéria de facto, obrigando a Relação à audição de toda a prova gravada em qualquer processo, com todo o esforço inútil que isso pode representar para o tribunal ad quem, tendo como contrapeso a desresponsabilização processual do recorrente. Assim se contrariaria absolutamente todo o sentido e o espírito do circunstancialismo jurídico que orientou os novos termos da admissibilidade do recurso em matéria de facto e o próprio art.º 640º, nº 2, al. a) que lhes dá corpo ao prever a imediata rejeição do recurso - portanto, sem possibilidade de aperfeiçoamento - quando é possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, como sempre é, e o recorrente não indica com exatidão as passagens da gravação em que se funda (…)”.

22. Assim, e quanto ao tecido fáctico em discussão, é de rejeitar, por falta de requisitos, nos termos do art.º 640º, nº 1, al. b), o recurso na parte em que se impugna a decisão em matéria de facto.

23. Ponderado o acabado de julgar, temos por assente que a factualidade pertinente à demanda recursiva se consubstancia unicamente naquela que mereceu acolhida pela douta sentença censurada, a qual, por economia processual, aqui se reputa integralmente reproduzida, conforme decorre do preceituado no art.º 663.º, n.º 6, do Código de Processo Civil.

24. Dirimida esta querela, cumpre agora ajuizar se a Recorrente logra razão ao sustentar que a douta decisão recorrida incorreu em erro de julgamento de direito quanto à declarada procedência do vício imputado à sua proposta no que concerne à validade das fichas de análise laboratorial.

25. Para melhor compreensão da análise que se seguirá, cumpre repisar o sentido vertido na decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, consubstanciado no excerto que ora transcreve: “(…)

QUANTO À EXCLUSÃO DA PROPOSTA APRESENTADA PELA CONTRAINTERESSADA [SCom01...].

Entende a Autora que a proposta daquela Contrainteressada, que ficou graduada no concurso em primeiro lugar e, por conseguinte, foi a proposta adjudicatária, deveria ter sido excluída, pelo facto de terem sido apresentadas fichas de análises laboratoriais em idioma estrangeiro, sem que, simultaneamente, tenha sido apresentada qualquer tradução devidamente legalizada. Mais sustenta a A. que as análises juntas como documento da proposta haviam sido realizadas há mais de três meses em relação à data de apresentação da proposta.

Como resulta do probatório, a Entidade Demandada determinou a abertura de um concurso público, publicado na II Série do DR n.º 149, com publicidade no JOUE, para a celebração de um contrato de Fornecimento por lotes de géneros alimentares para o arquipélago dos Açores no âmbito do Fundo Europeu de Auxílio às Pessoas mais Carenciadas (FEAC)”.

Pelo que, em causa está um concurso público, não urgente, nos termos dos artigos 16.º, n.º 1, alínea c) e 130.º e seguintes do CCP, cujas peças do procedimento são o anúncio, o programa do procedimento e o caderno de encargos (cfr. artigo 40.º, n.º 1, alínea c) do CCP).

Dispõe o artigo 41.º do CCP que “o programa do procedimento é o regulamento que define os termos a que obedece a fase de formação do contrato até à sua celebração”. Isto é, o programa do procedimento é um regulamento administrativo que deve conter as indicações previstas na lei para cada tipo de contrato. Através do programa do procedimento leva-se ao conhecimento dos potenciais interessados na adjudicação as condições em que se poderão candidatar, ou seja, as regras segundo as quais se processará a concorrência (cfr. Silva, Jorge Andrade da Silva; Portugal. Leis, decretos, etc. - Código dos Contratos Públicos: comentado e anotado. 10. ed. revista e atualizada. Coimbra : Almedina, 2022. 1559 p. 172).

A decisão de exclusão de propostas, enquanto decisão num caso concreto e individual, é um ato administrativo, sujeito ao princípio da legalidade. Significa isto que a decisão de exclusão tem de ser basear numa norma legal que indique a concreta causa de exclusão ou, pelo menos, numa norma estabelecida com fundamento na lei que preveja que um determinado facto é gerador da exclusão da proposta (cfr. Gonçalves, Pedro; Machado, Carla ; Moreira, José Azevedo - Direito dos contratos públicos. 3. ed. Coimbra : Almedina, 2018-. vol. I., p. 905).

Constituem causas de exclusão as previstas nos artigos 70.º, n.º 2, 118.º, n.º 2, 122.º, n.º2, 146.º, n.º2 e 152.º, n.º2 do CCP. Além dessas, são causas de exclusão as que se encontrem previstas, em certos termos, nas regras de procedimento.

Neste sentido, resulta do artigo 146.º, n.º 2, alínea n) do CCP que, no relatório preliminar o júri deve também propor, fundamentadamente, a exclusão de propostas que sejam apresentadas por concorrentes em violação do disposto nas regras referidas no n.º 4 do artigo 132.º, desde que o programa do concurso assim o preveja expressamente. Ou seja, a alínea n) deste normativo reporta-se a regras específicas relativamente ao procedimento de adjudicação que, para além das estabelecidas no n.º 1 do artigo 132.º, o programa do concurso eventualmente contenha e cuja violação expressamente comine com a exclusão da proposta.

Pelo que, pode o órgão adjudicante definir causas de exclusão de “propostas irregulares”, desde que expressamente associe o efeito da exclusão à violação de regras estabelecidas no programa e desde que essas regras não tenham por efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência.

A proposta, enquanto declaração negocial, é constituída por documentos. Nos termos do artigo 57.º, n.º 1 do CCP, os documentos que constituem a proposta são os seguintes: “a) Declaração do anexo I ao presente Código, do qual faz parte integrante; b) Documentos que, em função do objeto do contrato a celebrar e dos aspetos da sua execução submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, contenham os atributos da proposta, de acordo com os quais o concorrente se dispõe a contratar; c) Documentos exigidos pelo programa do procedimento ou convite que contenham os termos ou condições relativos a aspetos da execução do contrato não submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, aos quais a entidade adjudicante pretende que o concorrente se vincule; d) (revogada) …‖

No que à análise das propostas diz respeito, diga-se que a mesma consubstancia uma tarefa de verificação dos requisitos legais e regulamentares atinentes ao cumprimento das condições de regularidade substancial, orgânica e formal das propostas. Trata-se de uma tramitação procedimental levada a efeito pelo júri que averigua se as propostas obedecem aos requisitos estabelecidos na lei ou no programa do procedimento como condicionantes da sua admissão.

O CCP estabelece duas operações distintas: a da análise das propostas, destinada, então, a verificar se as propostas se encontram nas condições que, de acordo com as peças do procedimento, a lei e os regulamentos, têm de preencher para poderem ser consideradas para uma eventual adjudicação; e a da avaliação das propostas que o júri admitiu como passíveis de adjudicação e que se traduz na sua valoração, atendendo ao critério de adjudicação.

Portanto, a avaliação das propostas pressupõe que estas passaram pela análise e que não foram excluídas por algum dos fundamentos enumerados no n.º 2 do artigo 70.º ou do n.º 2 do artigo 146.º, ambos do CCP. A passagem por aquele “crivo” confere ao concorrente o direito de ver a sua proposta avaliada segundo o critério de adjudicação e os fatores e subfatores que o densificam (cfr. Silva, Jorge Andrade da ; Portugal. Leis, decretos, etc. - Código dos Contratos Públicos : comentado e anotado. 10. ed. revista e atualizada. Coimbra: Almedina, 2022. 1559 p. 334).

Estabelece o n.º 2 do artigo 70.º que são excluídas as propostas cuja análise revele: a) Que desrespeitem manifestamente o objeto do contrato a celebrar, ou que não apresentem algum dos atributos ou algum dos termos ou condições, nos termos, respetivamente dos disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 57.º; b) Que apresentem algum dos atributos que violem os parâmetros base fixados no caderno de encargos ou que apresentem quaisquer termos ou condições que violem aspetos da execução do contrato a celebrar por aquele não submetidos à concorrência, sem prejuízo do disposto nos nºs 10 a 12 do artigo 49.º; c) A impossibilidade de avaliação das mesmas em virtude da forma de apresentação de algum dos respetivos atributos; d) Que o preço contratual seria superior ao preço base, sem prejuízo do disposto no n.º 6; e) Um preço ou custo anormalmente baixo, cujos esclarecimentos justificativos não tenham sido apresentados ou não tenham sido considerados nos termos do disposto no artigo seguinte; f) Que o contrato a celebrar implicaria a violação de quaisquer vinculações legais ou regulamentares aplicáveis; g) A existência de fortes indícios de atos, acordos, práticas ou informações suscetíveis de falsear as regras da concorrência.

Do citado n.º 2 do artigo 72.º do CCP, constam os fundamentos de exclusão das propostas relacionados com aspetos substanciais ou formais considerados essenciais e cuja falta ou incorreção, segundo a lei, obstam à sua apreciação e valoração e, por isso mesmo, são excluídas dessa operação (cfr. Silva, Jorge Andrade da ; Portugal. Leis, decretos, etc. - Código dos Contratos Públicos : comentado e anotado. 10. ed. revista e atualizada. Coimbra : Almedina, 2022. 1559 p. 334).

Nesta senda, estabelece o n.º 1 do artigo 146.º do CCP que “após a análise das propostas, a utilização de um leilão eletrónico e a aplicação do critério de adjudicação constante do programa do concurso, o júri elabora fundamentadamente um relatório preliminar, no qual deve propor a ordenação das mesmas”.

Mais estabelece o já referido n.º 2 do mesmo artigo que “no relatório preliminar, a que se refere o número anterior, o júri deve também propor, fundamentadamente, a exclusão de propostas: a) Que tenham sido apresentadas depois do termo fixado para a sua apresentação; b) Que sejam apresentadas por concorrentes em violação do n.º 2 do artigo 54.º; c) Que sejam apresentadas por concorrentes relativamente aos quais ou, no caso de agrupamentos de concorrentes, relativamente a qualquer um dos seus membros, a entidade adjudicante tenha conhecimento que se verifica alguma das situações previstas no artigo 55.º; d) Que não sejam constituídas por todos os documentos exigidos nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 57.º e n.º 1 do artigo 57.º-A; e) Que não cumpram o disposto nos n.ºs 4 e 5 do artigo 57.º ou nos n.ºs 1 e 2 do artigo 58.º; f) Que sejam apresentadas como variantes quando estas não sejam admitidas pelo programa do concurso, ou em número superior ao número máximo por ele admitido; g) Que sejam apresentadas como variantes quando não seja apresentada a proposta base; h) Que sejam apresentadas como variantes quando seja proposta a exclusão da respetiva proposta base; i) Que violem o disposto no n.º 7 do artigo 59.º; j) (Revogada.); l) Que não observem as formalidades do modo de apresentação das propostas fixadas nos termos do disposto no artigo 62.º; m) Que sejam constituídas por documentos falsos ou nas quais os concorrentes prestem culposamente falsas declarações; n) Que sejam apresentadas por concorrentes em violação do disposto nas regras referidas no n.º 4 do artigo 132.º, desde que o programa do concurso assim o preveja expressamente; o) Cuja análise revele alguma das situações previstas no n.º 2 do artigo 70.º.

In casu o Programa do Concurso, na cláusula 14.1 determina a exclusão das propostas que não sejam constituídas por todos os documentos exigidos nos termos do ponto 13 do Programa do Concurso, isto é, 1) Documento Europeu Único de Contratação Pública (DEUCP); 2) Documento com o preço da proposta; 3) Documento que contenha a descrição detalhada do fornecimento proposto (designadamente: i. indicação da quantidade total do género alimentar a entregar em toneladas, correspondente ao número de embalagens individuais a entregar em cada polo de receção indicado no Anexo II do Caderno de Encargos; ii. a quantidade total do género alimentar indicada em toneladas, tem que se correspondente com o número de embalagens individuais, do Caderno de Encargos, sob pena de exclusão da proposta; iii. indicação do local de produção e de acondicionamento do género alimentar a fornecer e iv. indicação das condições em que o género alimentar deve ser conservado e armazenado nos armazéns do polo de receção, nomeadamente, se as paletes devem ser empilhadas e em caso afirmativo, indicação do número de paletes que permitam a não ocorrência de perdas ou deterioração dos produtos por esmagamento); 4) Ficha Técnica do Produto atualizada a fornecer com indicação da composição qualitativa do produto oferecido, informação nutricional e o seu prazo de validade para consumo, que não poderá ser inferior ao indicado na data de durabilidade mínima, disposta na ficha técnica do produto no Anexo I do Caderno de Encargos e devem indicar ainda o cumprimento dos requisitos dos Regulamentos legalmente fixados neste âmbito e mencionados no Caderno de Encargos e respetivo Anexo I; 5) A rotulagem e ficha análise laboratorial atualizadas do produto a fornecer de acordo com os requisitos e parâmetros legais, não podendo a análise laboratorial ter um prazo de realização superior a 3 meses da data da apresentação da proposta; 6) Documentos que contenham os esclarecimentos justificativos da apresentação de um preço anormalmente baixo, se for o caso; 7) Documento em que, no caso de o concorrente subcontratar empresas para a execução de parte ou da totalidade do fornecimento do bem objeto do objeto do presente procedimento e cuja nacionalidade não seja portuguesa, desistem de quaisquer regalias que lhes possam pertencer nessa qualidade, renunciando a qualquer foro especial e que se submetem às condições que regem a prestação de serviços do procedimento, bem como a legislação portuguesa que lhe for aplicável.

Ainda no programa do concurso e no que diz respeito aos documentos que devem instruir a proposta, estabelece o ponto 13.4 que as propostas e os documentos que a acompanham devem ser redigidos em língua portuguesa ou, não o sendo, devem ser acompanhados de tradução devidamente legalizada.

Como já supramencionado, recebidas as propostas, cumpre ao júri nomeado pela Entidade Adjudicante, apreciar o conteúdo das mesmas e apreciar da verificação de eventuais causas de exclusão, que desde logo se podem dividir em causas de exclusão formais ou materiais, consoante estejamos perante formalidades a observar na apresentação da proposta ou elementos constitutivos da proposta (neste sentido vd. Acórdãos do TCAN, de 21.07.2021 e 15.07.2022, processos n.º 01746/20.2BEPRT e 01930/21.1BELSB, respetivamente).

A Autora defende que a proposta apresentada pela Contrainteressada [SCom01...], manifestamente viola o disposto pela alínea e) do ponto 13.3 do Programa do Concurso, uma vez que as análises laboratoriais apresentadas não podem ter um prazo de realização superior a 3 meses face à data da apresentação da proposta. E, no seu entender, tal consubstancia uma causa de exclusão, nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 146.º do CCP.

Ou seja, a Autora entende que a apresentação de análises laboratoriais com mais de três meses face à data de apresentação da proposta equivale à ausência daquele documento exigido pelo Programa do Concurso. Mais entende que igualmente se verifica causa de exclusão nos termos da alínea a) do artigo 70.º do CCP, porquanto ao não ter apresentado um documento que visava atestar do cumprimento de termos e condições, tal prática fez a proposta da Contrainteressada incorrer numa outra irregularidade – a omissão dos referidos termos e condições – não sendo possível ao júri do procedimento aferir do cumprimento de tais termos e condições.

Conforme decorre do artigo 42.º do CCP o caderno de encargos pode prever aspetos da execução do contrato submetidos à concorrência, ou seja, aqueles sobre os quais os concorrentes são chamados a competir (atributos da proposta) e aspetos subtraídos à concorrência e que, por esse motivo, não serão objeto de avaliação (termos ou condições da proposta).

Os termos ou condições da proposta correspondem aos elementos ou características das propostas que versam sobre os aspetos da execução do contrato não submetidos à concorrência e que, por isso, não relevam para a avaliação e adjudicação.

No caso dos autos, verifica-se que o critério de adjudicação foi o do preço mais baixo, sendo que apenas o preço representa um aspeto submetido à concorrência.

Por seu turno, analisadas as cláusulas 1.2. e 12.9 do Caderno de Encargos, conjugadas com o anexo I ao Caderno de Encargos e que impõem ao adjudicatário o controlo do produto, nomeadamente através de análises laboratoriais, cujas fichas que atestam o cumprimento dos requisitos de qualidade dos géneros alimentares, devem ser remetidas à Entidade Adjudicantes, verifica-se tratar-se da definição de determinados aspetos da execução do contrato que devem ser observados pelas propostas.

Trata-se, portanto, de um termo ou condição. Isto é, as especificações dos produtos alimentares a fornecer deverão corresponder aos resultados das análises laboratoriais.

Neste sentido, compreende-se a exigência estabelecida no Programa do Concurso quanto à apresentação de documentos que comprovem, desde logo, que as características dos produtos alimentares, atestadas pelas fichas de análises laboratoriais que cumpram os requisitos de qualidade exigidos.

Assim, tal como prevê o artigo 57.º, n.º 1, alínea c) do CCP, o programa do concurso deve exigir os documentos que contenham os termos ou condições relativos a aspetos de execução do contrato não submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, permitindo à Entidade Adjudicante a análise da conformidade da proposta e, em caso de não conformidade, a exclusão da proposta nos termos do artigo 70.º, n.º 2, alínea b) do CCP.

Tudo isto permite concluir que a exigência de ficha de análise laboratorial atualizada do produto a fornecer de acordo com os requisitos e parâmetros legais (não podendo aquela análise laboratorial ter um prazo de realização superior a três meses face à data de apresentação da proposta) constitui uma exigência de documento que contem termos ou condições relativos a aspetos da execução do contrato não submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, aos quais a entidade adjudicante pretende que o concorrente se vincule, respeitantes a especificações e requisitos de qualidade dos géneros alimentares objeto do contrato de fornecimento.

E, conforme já mencionado, o ponto 14.1 do programa do concurso determinou que a falta de apresentação de tal documento constitui causa de exclusão.

A Entidade Demandada atendendo aos esclarecimentos obtidos junto da IRAE e da Contrainteressada, e face ao entendimento do Júri de que aquele prazo de três meses é uma mera recomendação, entende que não deve proceder a argumentação da Autora.

Por seu turno, a Contrainteressada [SCom01...], defende que com a sua proposta foi apresentada uma “Ficha de análises laboratoriais” datada com menos de três meses de antecedência relativamente à data de apresentação da sua proposta.

Ora, efetivamente o Júri do Concurso, em sede de Relatório Final, entendeu que atendendo ao prescrito pela alínea e) do ponto 13.3 do Programa do Concurso (“a rotulagem e ficha de análise laboratorial atualizadas do produto a fornecer de acordo com os parâmetros legais, não podendo a análise laboratorial ter um prazo superior a 3 meses, da data de apresentação da proposta”) aquele prazo de três meses era uma mera recomendação, pelo que, analisada a documentação apresentada pelos concorrentes concluiu que não foram detetadas desconformidades que se relacionem com aspetos da execução do contrato nem com os atributos da proposta.

Refira-se, ainda, que, do ponto 14.4 do programa do concurso resulta que “é excluída a proposta cuja ficha técnica do produto, a rotulagem e a ficha de análise laboratorial a fornecer não sejam validados pela IRAE”. E, nesta senda, a IRAE validou as fichas de análise laboratoriais, considerando que a documentação reunia os requisitos e parâmetros legais para a sua condição e validação.

Conforme resulta do probatório a Contrainteressada [SCom01...] instruiu a sua proposta com as fichas de análise com as referências 22003268, 22003576, 2111975, 2111976 e 2111977 e apresentou a sua proposta em 29.08.2022.

A ficha de análises laboratoriais 22003268 contém como data de fim da análise 09.08.2022. A ficha de análises laboratoriais 22003576 contém como data de fim da análise 18.07.2022. A ficha de análises laboratoriais 2111975 contém como data de fim da análise de 11.05.2021. A ficha de análises laboratoriais 2111976 contém como data de fim da análise 11.05.2021. A ficha de análises laboratoriais 2111977 contém como data de fim da análise 11.06.2021.

Face à data de apresentação da proposta da Contrainteressada [SCom01...] (29/8/2022) tem-se que apenas as fichas de análises laboratoriais com as referências 22003268 e 22003576 cumprem o previsto pelo Programa do Concurso, no seu ponto 13.3 alínea e), ou seja, as análises laboratoriais têm um prazo de realização inferior a três meses.

O que significa que as restantes - as fichas com as referências 2111975; 2111976 e 2111977 - não cumprem aquele pressuposto. E quanto a estas, o mesmo será dizer que a concorrente, aqui Contrainteressada [SCom01...], não logrou apresentar um documento – ficha de análises laboratoriais – suscetível de permitir à entidade adjudicante a uma informação laboratorial atualizada e por conseguinte falhou o cumprimento do cumprimento dos requisitos de qualidade dos géneros de alimentares a fornecer, conforme previsto pelo caderno de encargos.

Assim, não colhe o entendimento da Entidade Demandada de que a exigência estabelecida no Programa de Procedimento, isto é, de que a ficha de análise laboratorial não pode ter um prazo de realização superior a 3 meses em relação à data de apresentação da proposta, é uma mera recomendação e de que o seu incumprimento não conduz a não conformidades que se relacionem com aspetos da execução do contrato.

Na verdade, atente-se que aquelas fichas de análises laboratoriais apresentam um prazo superior a mais de um ano face à data da apresentação da proposta da Contrainteressada pelo que, torna pouco crível que aquelas fichas permitam, de forma eficaz, atestar a qualidade do produto.

Por essa razão, mostra-se procedente este concreto vício imputado à proposta da [SCom01...].


*

Já quanto às fichas de análises laboratoriais - a ficha de análises laboratoriais 22003268 datada de 09.08.2022 e a ficha de análises laboratoriais 22003576 datada de 18.07.2022, como já se referiu, o problema do prazo de três meses já não se coloca.

Todavia, quanto a essas fichas laboratoriais, a Autora coloca outra questão, que se prende com a falta de tradução devidamente legalizada das mesmas.

Entende a Autora que a Contrainteressada [SCom01...] instruiu a sua proposta com um documento em língua estrangeira, sem que este surgisse acompanhado da respetiva tradução legalizada e, como tal, a proposta daquela Contrainteressada deveria ter sido excluída, nos termos e para os efeitos da alínea e) do n.º 2 do artigo 146.º do CCP e do ponto 14.1. do programa do concurso.

A Entidade Demandada, atendendo aos esclarecimentos prestados pela Contrainteressada [SCom01...], entendeu que aquelas fichas de análises laboratoriais se subsumiam ao previsto pelo n.º 3 do artigo 58.º e, como tal, não correspondiam a qualquer documento da proposta, mas somente um documento adicional que o concorrente apresentou para melhor explicitar os termos da proposta apresentada.

Por seu turno, a Contrainteressada [SCom01...] defende que obteve a tradução dos documentos em causa em 02.12.2022, data essa em que prestou os esclarecimentos solicitados pelo Júri, pelo que se este entendesse que aquela tradução teria de ser apresentada, deveria convidar a Contrainteressada, nos termos do n.º 3 do artigo 72.º do CCP, a apresentados.

Vejamos.

Prevê o artigo 58.º do CCP o seguinte:

“ 1 – Os documentos que constituem a proposta são obrigatoriamente redigidos em língua portuguesa. 2 – Em função da especificidade técnica das prestações objeto do contrato a celebrar, o programa do procedimento ou o convite podem admitir que alguns dos documentos referidos nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo anterior sejam redigidos em língua estrangeira, indicando os idiomas admitidos. 3 – Os documentos referidos no n.º 3 do artigo anterior podem ser redigidos em língua estrangeira, salvo se o programa do procedimento dispuser diferentemente 4 – (Revogado)”.

Em síntese, poderá concluir-se pela distinção de regime consoante os documentos sejam, ou não, de apresentação obrigatória. Pelo que, no primeiro caso devem ser redigidos em língua portuguesa (n.º 1) se o programa do concurso ou o convite, em cada caso concreto e em função da especificidade técnica das prestações objeto do contrato a celebrar, não estabelecer a permissão de utilização de outra(s) língua(s) que especifique (n.º 2); não se tratando de documento de apresentação obrigatória, podem ser redigidos em qualquer língua acompanhados da respetiva tradução, se o programa do concurso ou o convite não estabelecer expressamente a proibição da utilização de língua estrangeira ou na medida em que o estabelecer (n.º 3) (cfr. Silva, Jorge Andrade da ; Portugal. Leis, decretos, etc. - Código dos Contratos Públicos : comentado e anotado. 10. ed. revista e atualizada. Coimbra : Almedina, 2022. 1559 p. 296).

Conforme resulta do probatório, o programa do concurso, no seu ponto 13.4 exige que as propostas e os documentos que a acompanham estejam redigidos em língua portuguesa ou, não estando devem ser acompanhados de tradução devidamente legalizada com declaração de aceitação de prevalência daquela tradução.

Efetivamente, aquelas fichas de análises laboratoriais com as referências 22003268 e 22003576 estão redigidas em língua estrangeira, sem que se encontrem acompanhadas de qualquer tradução, em língua portuguesa.

Todavia, ainda que as fichas de análises laboratoriais, não se subsumam ao previsto pelo n.º 3 do artigo 58.º do CCP, isto é, ainda que as fichas de análise laboratoriais contendam com termos e condições previstos pelo caderno de encargos e, como tal, constituam documentos de apresentação obrigatória e, assim, deviam estar redigidos em língua portuguesa ou, então, acompanhados com as devidas traduções legalizadas, certo é que, não estamos perante situação que impusesse, por tal razão, a exclusão imediata da proposta da Contra-interessada [SCom01...] do concurso.

Na verdade, em tal caso estamos, quando muito, perante uma apresentação de documento formalmente incorreta que exigia, em primeira linha, que a entidade adjudicante deitasse mão da previsão estabelecida no artº 72º, nº3 do CCP, isto é, que convidasse a proponente a juntar a respectiva tradução pois que, estamos perante uma formalidade não essencial passível de ser suprida.

Assim, sendo, no que tange ao invocado vício decorrente da apresentação de documento em língua estrangeira, impõe-se julgar o mesmo como improcedente.

Todavia, tendo presente a análise que foi feita, revelando-se procedente vício imputado à proposta adjudicatária apresentada pela Contrainteressada [SCom01...]., no que concerne à validade das fichas dos ensaios laboratoriais, impõe-se concluir que não reunindo a respectiva proposta os requisitos necessários para tal, se tem a decisão de adjudicação a essa proposta como ilegal (…)”.

26. A premissa que estribou a declaração de ilegalidade do ato de adjudicação concursal à proposta apresentada pela Recorrente foi, portanto, a circunstância das fichas de análise laboratorial com as referências nº.s 2111975, 2111976 e 2111977 não cumprirem com o previsto na alínea e) do ponto 13.3 do Programa do Concurso, que prevê que as análises laboratoriais apresentadas não podem ter um prazo de realização superior a 3 meses face à data da apresentação da proposta, o que conduz à exclusão da proposta, nos termos do ponto 14.1º do Programa do Concurso.

27. A Recorrente objeta a essa conclusão, argumentando, em essência, que o entendimento extraído pelo Tribunal a quo de que o documento intitulado "Fichas de Análise Laboratorial" consubstancia um documento para efeitos da alínea c) do n.º 1 do artigo 57.º do Código dos Contratos Públicos "configura um manifesto erro de julgamento".

28. Apregoa ainda que, independentemente do entendimento que se perfilhe acerca da natureza do documento «Ficha de Análise Laboratorial», que o mesmo foi “(…) apresentado em observância das regras previstas no Programa do Procedimento, isto é, datado com menos de três meses face à data de apresentação da proposta (…)”, sendo que a circunstância de três daqueles documentos apresentarem datas de realização superiores a três meses face à data da proposta “(…) não pode, em caso algum, consubstanciar fundamento para invocar urna alegada inobservância da demonstração dos requisitos de qualidade do produto a fornecer (…)”, já que “(…) a relação que se estabelece entre as fichas de análise laboratorial apresentadas com mais de três meses e aquelas que foram apresentadas com menos de três meses é, por isso, uma relação substitutiva ou de atualização e não de complementaridade, porquanto visam comprovar o mesmo (…)”.

29. Outrossim, clama que “(…) a apresentação dessas fichas com datas inferiores a três meses em língua estrangeira jamais poderia determinar, sem mais, a exclusão imediata da proposta apresentada (vide, neste sentido, p. 80 da Sentença Recorrida), pois que, de acordo com o n.° 3 do artigo 72.° do CCP, tratando-se de uma formalidade não essencial passível de ser suprida, sempre impenderia sobre o júri o dever de convidar àquele suprimento, o que, in casu, não fez (…)”.

30. Esta teia argumentativa, com especial enfoque na alegação atinente à relação de atualização entre as fichas de análise laboratorial, não se nos afigura despicienda ou bizantina.

31. Na verdade, os artigos 13º e 14º do Programa do Procedimento estabelecem o seguinte: “(…)

“13. DOCUMENTOS QUE CONSTITUEM A PROPOSTA

13.1. Os concorrentes poderão apresentar proposta para um, para vários ou para a totalidade dos 19 lotes do procedimento.

13.2. Cada concorrente deve apresentar uma proposta devidamente instruída para cada lote a que concorra.

13.3. A proposta deve ser constituída, por cada lote, pelos seguintes documentos:

a) Preenchimento e apresentação do formulário-tipo do Documento Europeu Único de Contratação Pública (DEUCP), a exportar pelo concorrente da web;

b) Documento com o preço da proposta, expresso em euros (com indicação de duas casas decimais), a que acresce o IVA à taxa legal aplicável, em algarismos e por extenso, decomposto nos seguintes termos: i. Quando os preços sejam também indicados por extenso, em caso de divergência, estes prevalecem para todos os efeitos, sobre os indicados em algarismo.

c) Documento que contenha a descrição detalhada do fornecimento proposto, designadamente: i. Indicação da quantidade total do género alimentar a entregar em toneladas, correspondente ao número de embalagens individuais a entregar em cada polo de receção indicado no Anexo II do Caderno de Encargos; ii. A quantidade total do género alimentar indicada em toneladas, tem que ser correspondente com o número de embalagens individuais, do Caderno de Encargos, sob pena de exclusão da proposta. iii. Indicação do local de produção e de acondicionamento do género alimentar a fornecer; i. Indicação das condições em que o género alimentar deve ser conservado e armazenado nos armazéns do polo de receção, nomeadamente, se as paletes devem ser empilhadas e em caso afirmativo, indicação do número de paletes que permitam a não ocorrência de perdas ou deterioração dos produtos por esmagamento.

d) Ficha Técnica do Produto atualizada a fornecer com indicação da composição qualitativa do produto oferecido, informação nutricional e o seu prazo de validade para consumo, que não poderá ser inferior ao indicado na data de durabilidade mínima, disposta na ficha técnica do produto no anexo I do Caderno de Encargos. Devem ainda indicar o cumprimento dos requisitos dos Regulamentos legalmente fixados neste âmbito e mencionados no Caderno de Encargos e respetivo anexo I.

e) A rotulagem e ficha de análise laboratorial atualizadas do produto a fornecer de acordo com os requisitos e parâmetros legais, não podendo a análise laboratorial ter um prazo de realização superior a 3 meses, da data da apresentação da proposta.

f) Documentos que contenham os esclarecimentos justificativos da apresentação de um preço anormalmente baixo, se for o caso.

g) Caso o concorrente subcontrate empresas para a execução de parte ou da totalidade do fornecimento do bem objeto do presente procedimento, cuja nacionalidade não seja a portuguesa, estas deverão juntar à proposta um documento declarando que desistem de quaisquer regalias que lhes possam pertencer nessa qualidade, renunciando a qualquer foro especial e que se submetem às condições que regem a prestação de serviços do procedimento, bem como à legislação portuguesa que lhe for aplicável.

13.4. As propostas e os documentos que a acompanham devem ser redigidos em língua portuguesa, ou, não o sendo, devem ser acompanhados de tradução devidamente legalizada e em relação à qual o concorrente declara aceitar a prevalência, para todos os efeitos, sobre os respetivos originais, devendo a tradução ser assinada pelos representantes legais do proponente.

13.5. Em caso de contradição do texto constante de qualquer proposta, relativamente às disposições legais que integram o CCP, serão estas que deverão relevar.”

(…)

14. EXCLUSÃO DA PROPOSTA

14.1. É excluída a proposta que não seja instruída com todos os documentos, declarações e informações previstas no ponto 13 deste Programa de Concurso.

14.2. Será igualmente excluída a proposta que contenha preço(s) acima do(s): a) Preço base por lote; b) Preço referência do transporte, conforme o disposto no ponto 15 do presente Programa do Concurso;

4.3. Será também excluída a proposta que não apresente correspondência entre as quantidades mencionadas no ponto 1.2.1 do Caderno de Encargos e as quantidades apresentadas na proposta.

14.4. É excluída a proposta cuja ficha técnica do produto, a rotulagem da embalagem e a ficha de análise laboratorial a fornecer não sejam validades pela IRAE.

14.5. É excluída a proposta que não seja recebida dentro do prazo;

14.6. Excecionalmente pode ser aplicado o normativo previsto no n.º 6 do artigo 70.º do CCP, mediante decisão do órgão competente para a decisão de contratar.” (cfr. PA junto aos autos) (…)”.

32. Ressuma assim da normação regulamentar que se vem de transcrever, para o que ora nos interessa, que a proposta deve ser constituída, por cada lote, de entre outros documentos, pela “rotulagem” e “ficha de análise laboratorial” atualizadas do produto a fornecer de acordo com os requisitos e parâmetros legais, não podendo a análise laboratorial ter um prazo de realização superior a 3 meses da data da apresentação da proposta.

33. Interpretando esta regulamentação em consonância com o objetivo último que presidiu à necessidade de previsão de tais garantias – traduzido na necessidade de validação e promoção de controlo da qualidade dos bens alimentícios pretendidos contratar – é para nós absolutamente apodítico que a apresentação de fichas laboratoriais com uma data de realização superior a três meses da data da proposta não serve o desígnio concursal, impondo-se, por essa razão, reputá-las como documentos não apresentados.

34. A não se entender assim, isto é, bastando a apresentação de um documento intitulado “fichas laboratoriais” desprovido das exigências contidas nas peças concursais, estaria encontrada uma solução não querida pela entidade contratante de obstaculização do objetivo último que presidiu à sua regulamentação, supra elencado.

35. Destarte, e na exata medida que o artigo 14.1º do P.P. prevê a obrigatoriedade de exclusão concursal da proposta que não apresente todos os documentos previstos no artigo 13º do mesmo diploma regulamentar, forçoso se torna concluir que o desvalor da exclusão concursal atinge também a situação de apresentação de fichas laboratoriais com uma data de realização superior a três meses da data de proposta.

36. Não deflui, porém, dessa premissa a exclusão automática da proposta apresentada pela Recorrente em face da aquisição processual de que num universo de quatro ensaios laboratoriais, três exibiam datas de realização superiores a três meses relativamente à data da proposta.

37. Na verdade, a obrigatoriedade representada na alínea e) do artigo 13.3º do PP - reportada à apresentação de “rotulagem e ficha de análise laboratorial atualizadas do produto a fornecer de acordo com os requisitos e parâmetros legais” – é suficientemente atingível com a apresentação [apenas] de um documento válido por cada uma dessas representações.

38. A Recorrente apresentou proposta para o lote 2 – atum em posta vegetal -, pelo que estava obrigada a apresentar, para além de uma rotulagem, uma ficha de análise laboratorial para atum em posta vegetal com data de realização não superior a três meses da data da proposta.

39. Escrutinado o probatório reunido nos autos, assoma evidente que, de entre as quatro fichas laboratoriais apresentadas pela Recorrente, aquela intitulada como "Informe de Ensaio n.º 22003268" cumpre plenamente as exigências concursais.

40. Na verdade, a mesma concerne à análise de atum em posta em conserva vegetal e apresenta data de realização inferior a três meses da data da proposta, com o que fica viabilizada a tarefa de validação e promoção de controlo da qualidade dos bens alimentícios pretendidos contratar por parte da entidade contratar.

41. Naturalmente, poder-se-á objetar que as demais fichas de análise laboratorial apresentadas não cumprem as condições necessárias para a admissão no procedimento concursal visado nos autos, procurando-se, com isso, demonstrar a existência de uma patologia invalidante de admissão concursal da Recorrente.

42. Contudo, e como se viu supra, basta a apresentação de uma ficha de análise laboratorial válida para atingir as exigências concursais, não existindo, por isso, qualquer justificação racional para excluir a proposta apresentada com base na violação do disposto no artigo 13.3º, alínea e) do P.P.

43. Deste modo, considerando a totalidade dos argumentos previamente delineados, somos levados, de forma inexorável, a reconhecer a validade das alegações da Recorrente relativas ao erro de julgamento de direito em análise, justificando-se, portanto, a concessão de provimento ao recurso.

44. Diante desta clara evidência, torna-se imperativo conhecer da ampliação do objeto de recurso veiculada nas conclusões XXX) a XLII) das contra-alegações de recurso.

45. De acordo com a substanciação ali elencada, a questão ora a dirimir consiste em determinar se o Tribunal a quo, ao considerar que a situação de falta de junção da tradução em português das fichas de análise laboratorial 22003268 e 22003576 não era determinante da exclusão da proposta da Recorrente, dado tratar-se uma formalidade não essencial para qual se impunha o convite por parte do júri ao seu suprimento à luz do n.º 3 do artigo 72.º do CCP, incorreu [ou não] em erro de julgamento de direito.

46. Antecipe-se, de imediato, que a resposta é, indubitavelmente, desfavorável às aspirações da Recorrida.

47. De facto, este T.C.A.N., no aresto de 16.09.2022, tirado no processo nº. 00093/22.0BEPRT, foi chamado a apreciar, de entre outras, a questão de saber se a falta de junção de tradução legalizada de determinados documentos [in casu fichas técnicas] era [ou não] suscetível de suprimento nos termos do nº.3 do artigo 72º do C.C.P.

48. Considerou-se nesse aresto que:”(…)

Depois, a omissão da tradução legalizada dos certificados não é suscetível de gerar a exclusão da proposta. Na verdade, a junção de tradução legalizada e de declaração de prevalência sobre o original é uma exigência, não do CCP (veja-se novamente o disposto no artigo 58.º n.º 2, que é omisso a esse respeito), mas do Programa do Concurso (cfr. artigo 8.º n.º 5);

Ora, consagra o art.º 132.º, n.º 4 do CCP que “O programa do concurso pode ainda conter quaisquer regras específicas sobre o procedimento de concurso público consideradas convenientes pela entidade adjudicante, desde que não tenham por efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência”;

Sucede que a preterição deste tipo de regras fixadas pela entidade adjudicante ao abrigo do art.º 132.º, n.º 4 do CCP só dá lugar à exclusão da proposta quando o Programa do Concurso preveja especificamente essa cominação;

O art.º 146.º n.º 2 alínea n) do CCP, no que diz respeito à exclusão das propostas, esclarece: “Que sejam apresentadas por concorrentes em violação do disposto nas regras referidas no n.º 4 do artigo 132.º, desde que o programa do concurso assim o preveja expressamente”;

In casu, o disposto no art.º 8, n.º 5 do Programa do Concurso não prevê expressamente como consequência a exclusão das propostas que não respeitem o previsto na sua última parte;

Por outras palavras, a Entidade Adjudicante, na sua liberdade de conformação procedimental, entendeu que a falta de tradução devidamente legalizada não constituía uma irregularidade suficientemente grave que devesse determinar a exclusão das propostas;

Razão pela qual não existe, também por esta via, fundamento para excluir a proposta da ora contrainteressada;

Por outro lado, mesmo que o Programa do Procedimento cominasse com a exclusão da proposta por falta de apresentação de tradução legalizada e de declaração de prevalência sobre o original, essa nunca poderia ser uma consequência automática;

De facto, desde a revisão de 2017 (DL 111-B/2017, de 31 de agosto), o CCP contém uma norma que impõe ao Júri do Concurso o dever (e não uma mera faculdade) de solicitar aos concorrentes o suprimento de irregularidades das suas propostas;

Veja-se o disposto no art.º 72.º, n.º 3 do CCP: “O júri deve solicitar aos candidatos e concorrentes que, no prazo máximo de cinco dias, procedam ao suprimento das irregularidades das suas propostas e candidaturas causadas por preterição de formalidades não essenciais e que careçam de suprimentos, incluindo a apresentação de documento que se limitem a comprovar factos ou qualidades anteriores à data de apresentação da proposta ou candidatura, e desde que tal suprimento não afete a concorrência e a igualdade de tratamento”;

Com efeito, esse suprimento não pode afetar a concorrência e a igualdade de tratamento entre os concorrentes;

No caso posto não há qualquer violação da igualdade - Igualdade formal significa tratar todos da mesma forma diante da lei. A igualdade material, por sua vez, pontua que se deve tratar os iguais como iguais e os desiguais como desiguais na medida da sua desigualdade. Trata-se da conceção aristotélica de igualdade -. Haveria, se não fosse conferida, em circunstâncias idênticas, a mesma faculdade a um outro concorrente;

Note-se que foi entregue a ficha técnica. O elemento em falta era a tradução e a declaração de prevalência. É uma simples e evidente formalidade não essencial - a ficha técnica está junta à proposta -, facilmente suprível, e controlável a posteriori. Igualmente, em nada é atingida, tanto a concorrência, como a igualdade entre os concorrentes; aliás, tal não está sequer densificado;

Atendendo assim ao disposto no artigo 72.º/3 do CCP, nunca poderia ser excluída a proposta da Recorrida, sem que antes lhe tivesse sido dado a oportunidade de juntar à sua proposta tradução legalizada dos certificados SCRUM e IPMA, assim como a declaração de prevalência sobre o original;

É ainda importante destacar que o conteúdo dos documentos é de tal forma simples, percetível e claro, que mesmo estando redigidos em língua inglesa, é de todo desnecessária a junção de qualquer tradução - cfr. art.º 163.º/5/b) do Código do Procedimento Administrativo (…)”.

49. Posição substancial que deriva igualmente do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 20.10.2021, tirado no processo nº. 733/20.5BESNT: “(…)

(…) ao contrário do que sucede no âmbito do concurso limitado por prévia qualificação relativamente aos documentos de qualificação de candidatos em que o CCP exige que, «quando, pela sua própria natureza ou origem, os documentos destinados à qualificação dos candidatos estiverem redigidos em língua estrangeira, deve o interessado fazê-los acompanhar de tradução devidamente legalizada», sob pena de exclusão da candidatura - cfr. art.s 169.°, n° 2 e 184.°, n.° 2, alínea g) do CCP. E que, desta feita quanto aos documentos de habilitação do adjudicatário, em que o CCP prescreve que tais documentos devem ser redigidos em língua portuguesa, «ou acompanhados de tradução devidamente legalizada no caso de estarem, pela sua natureza ou origem, redigidos numa outra língua», sob pena de caducidade da adjudicação – cfr. art. 86.º, n.º 1, línea c), do CCP -, no âmbito do procedimento de Concurso Público não existe uma norma semelhante (1).

Na verdade, Pedro Sanchez (2), enquadrando o que vem sendo denominado por teoria das formalidades não essenciais, é cristalino ao dizer que «Deve recordar-se que o enquadramento teórico que vem sendo denominado como teoria das formalidades não essenciais consiste na ideia de que uma norma que sanciona com um desvalor invalidante uma dada falha formal pode ser dispensada “quando, por interpretação teleológica da prescrição legal preterida, se deva concluir que os interesses e objectivos que a norma visava cautelar não foram prejudicados, nem ficaram desprotegidos em consequência da inobservância da norma, porque foram acautelados por outra via”.

Não obstante o legislador ter punido prima facie aquela conduta ilícita como originadora de uma invalidade - por ter julgado que ela teria uma natureza essencial -, o aplicador vem a verificar, que, no caso concreto, “os fins que presidiram à sua imposição normativa [terão] sido integralmente atingidos por outro modo”, pelo que “a previsão das normas” sancionadoras “não deve considerar-se preenchida e, em consequência, as normas em causa não devem se aplicadas”. Daí que a invalidade se degrade numa mera irregularidade, visto que ela resulta da própria degradação da formalidade essencial em formalidade não essencial”.

Isso equivale a dizer que a degradação da invalidade em mera irregularidade é uma consequência da aplicação desse regime, e não a sua causa.

A formalidade torna-se, só então, reconhecível como não essencial em virtude do juízo que confirma que não ficou “impedida a verificação do facto ou a realização objectivo que mediante [a formalidade] o legislador pretende produzir alcançar” (…)» (negritos e sublinhados nossos).

O que agora consta do n.º 3 do art. 72.º do CCP não é mais do que a sedimentação da interpretação doutrinária e de uma ampla aplicação jurisprudencial, pelo que, e secundando o entendimento que fez vencimento na decisão recorrida, também este tribunal de recurso considera que, no caso em apreço, não obstante o júri do concurso não ter suprido a irregularidade verificada na apresentação da proposta da Contrainteressada, por ter juntado à sua proposta um documento redigido em língua inglesa, sendo este documento uma «Autorização para o exercício de atividade de distribuição por grosso de medicamento de uso humano, emitido que foi, também, em língua inglesa, pelo Infarmed, não está este tribunal impedido de fazer um juízo de degradação de tal invalidade em irregularidade não essencial, atendendo a que não ficou impedida a verificação do facto ou a realização do objetivo que mediante tal formalidade o legislador pretendia produzir ou alcançar – cfr. art. 72.º, n.º 3, do CCP -, pois que, por nenhuma das partes foi invocado, e nem isso resulta dos termos do documento em apreço, que o mesmo é impercetível, e tal suprimento, por via da apresentação da respetiva tradução, se limitaria a «comprovar factos ou qualidades anteriores à data de apresentação da proposta ou candidatura, e (…) tal suprimento não afete a concorrência e a igualdade de tratamento.» - cfr. art. 72.º, n.º 3, idem.

Os princípios da i) proporcionalidade - ao abrigo do qual a entidade adjudicante não poderá adotar medidas restritivas da concorrência que não sejam necessárias, adequadas e proporcionais – ii) do favor do procedimento –«não se tratando aqui, naturalmente, de justificar e desconsiderar aquilo que seja ilegal, mas sim e apenas de, em caso de dúvida insanável sobre os resultados da interpretação da lei e da aplicação dos princípios gerais, se decidir pela manutenção do procedimento, dos concorrentes e das respetivas propostas. (…) Nestas circunstâncias, para benefício, até, do próprio princípio da concorrência, deve a solução do caso pender para “pro” procedimento ou “pro” concorrente, valorizando-se as dúvidas que (formal ou materialmente) possam suscitar-se a propósito (…) sobre a admissibilidade de uma candidatura ou de uma proposta, no sentido da sua conformidade com a lei ou com as peças do procedimento.» (3) e iii) da concorrência – no sentido de que os procedimentos de contratação devem ser organizados de forma a suscitar o maior número de concorrentes/candidatos possível -, determinam que as regras do CCP sejam interpretadas num sentido que permita evitar a exclusão de uma proposta cuja valia não vem questionada e a exclusão de um concorrente cuja vontade firme de contratar não é posta em causa, «apenas como decorrência de um irregularidade formal, cuja sanação não põe em causa a igualdade entre concorrentes, a imutabilidade da proposta ou a imparcialidade do júri.» (4)

Neste sentido por todos, veja-se o recente acórdão do STA, de , 29.04.2021, P.15/20.2BEFUN (5), no sentido de que «no domínio da contratação pública, ali onde a lei não faça exigências formais, deve observar-se o princípio do favor participationis, ou do favor do procedimento, que impõe que, em caso de dúvida, se privilegie a interpretação da norma que favoreça a admissão do concorrente, ou da sua proposta, em detrimento da sua exclusão – sobre o referido princípio, v. Rodrigo Esteves de Oliveira, Os princípios gerais da contratação pública, in Estudos de Contratação Pública, CEDIPRE, Coimbra, 2008, p. 113.

Como é evidente, não está em causa o igual respeito pelo princípio da adequação formal do procedimento, sempre que a lei estabeleça exigências formais que sejam essenciais, o que, como se sabe, é a regra em matéria de formalidades do procedimento. Mas no caso dos autos, ressalvada que esteja a garantia de que o concorrente se obriga plenamente à proposta apresentada, não há razões substantivas para excluir uma proposta cuja admissão apenas favorece a concorrência.

A função do procedimento não é dificultar a admissão dos concorrentes e suas propostas, mas antes assegurar que a Administração dispõe do maior leque de opções possíveis para satisfazer a necessidade pública que o objeto do concurso, direta ou indiretamente, visa concretizar, e que está em condições de fazer a escolha mais adequada a essa finalidade.»

50. Cumpre igualmente atentar na jurisprudência do Tribunal de Contas emanada sob o aresto nº. 26/2022, de 27 de setembro de 2022, onde se sumariou o seguinte:” (…)

1. Há que distinguir entre aquilo que é o “atributo” da proposta e o documento comprovativo desse atributo.

2. São situações distintas, que devem ter tratamento jurídico diverso, as de um concorrente que não apresenta qualquer documento no qual deve estar corporizado um atributo não submetido à concorrência e a de um concorrente que apresenta tal documento, mas o faz de modo formalmente incorreto.

3. Perante a total ausência de apresentação do documento, não pode deixar de se considerar estar omisso o atributo, por falta total do documento no qual se deve corporizar, com a consequência necessária de exclusão da proposta.

4. Já perante uma apresentação formalmente incorreta – como no caso da apresentação do documento numa língua estrangeira sem estar acompanhado da devida tradução – existe uma declaração feita pelo concorrente, mas que não cumpre os requisitos formais legalmente exigidos.

5. Nesse caso, não existindo uma total ausência de declaração que impeça a ponderação da sua eventual correção para efeitos de aferição da presença do atributo, pode - aliás deve - a entidade adjudicante fazer uso do disposto no art.º 72.º, n.º 3 do CCP, convidando o proponente a suprir irregularidades não essenciais da sua proposta, ou seja, irregularidades que não afetem o seu núcleo essencial e cujo suprimento não leve à alteração dos elementos essenciais da proposta.

6. Tratando-se, como se trata, apenas e tão só do convite à junção da tradução de um documento já apresentado, estamos perante uma formalidade não essencial passível de ser suprida, sem que dessa forma se atinja quer o princípio da concorrência quer o da igualdade.

7. Não se vislumbra que diferença exista para a igualdade a assegurar quanto aos diferentes concorrentes, entre a junção de original e respetiva tradução ab initio e a junção inicial do original e posterior junção da tradução, em resposta a convite dirigido pelo júri. (…)”

51. Acompanhando e declarando toda esta linha jurisprudencial, tem-se, portanto, por assente que, no âmbito de um concurso público, a falta de tradução legalizada de um documento que compõe a proposta consubstancia uma formalidade não essencial, sendo, por isso, suscetível de regularização procedimental com recurso ao mecanismo previsto no artigo 72º, nº. 3 do CCP.

52. Deste modo, tendo sido este o caminho trilhado na sentença recorrida, impõe-se reconhecer que, quanto ao particular conspecto em análise, esta fez uma correta subsunção do bloco legal e jurisprudencial aplicável, não sendo, portanto, merecedora da censura que a Recorrida lhe dirige.

53. Tal asserção oblitera, como está bom de ver, qualquer propósito de validação da ampliação do objeto de recurso em análise.

54. Aqui chegados, é tempo de concluir, por um lado, pela procedência do recurso e, por outro, pela improcedência do ampliação do objeto do recurso, devendo revogar-se a sentença recorrida, e julgar a presente ação totalmente improcedente.

55. Ao que se proverá no dispositivo.

* *

V – DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam em conferência os Juízes da Subsecção de Contratos Públicos da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em:

(i) CONCEDER PROVIMENTO ao recurso jurisdicional;

(ii) NEGAR PROVIMENTO à ampliação do objeto do recurso;

(iii) REVOGAR a sentença recorrida e julgar a presente ação totalmente improcedente.

Custas do recurso e ampliação do objeto do recurso pela Recorrida.

Custa da ação pela Autora.

Registe e Notifique-se.


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Porto, 15 de março de 2024,


Ricardo de Oliveira e Sousa
Helena Maria Mesquita Ribeiro

Tiago Afonso Lopes de Miranda