Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00343/14.6BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/29/2025
Tribunal:TAF do Porto
Relator:VIRGÍNIA ANDRADE
Descritores:TX JUSTIÇA;
INCONSTITUCIONALIDADE;
TRÂNSITO RECURSOS; APOIO JUDICIÁRIO;
Sumário:
I. As nulidades processuais consistem num desvio entre o formalismo prescrito na lei e o formalismo processual seguido no processo.

II. À luz do disposto no n.º 2 do art.º 121 do CPPT, a falta de notificação do parecer final do Ministério Público só constitui nulidade processual se no parecer forem suscitadas questões novas susceptíveis de influenciar a decisão.

III. O Tribunal Constitucional por Acórdão n.º 353/2017, de 6.07.2017, proc. n.º 3/17 julgou inconstitucional, com força obrigatória geral, a alínea c) do n.º 5 do artigo 29.º da Lei n.º 34/2004, de 29.06, na redação dada pela Lei n.º 47/2007, de 28.08, por violação do direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20.º n.º 1 da CRP.

IV. Assim, não se pode exigir o pagamento da taxa de justiça devida no processo principal, sem que hajam transitado os recursos interpostos do indeferimento do pedido de apoio judiciário.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1 – RELATÓRIO

«AA», contribuinte n.º ...36 e «BB», contribuinte n.º ...10, vem interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto em 21.02.2017 que julgou procedente a exceção dilatória inominada decorrente da falta de pagamento da taxa de justiça devida e absolveu a Fazenda Pública da instância, intentada pelos Recorrentes contra a liquidação de IRS n.º ...34 do ano de 2009, no valor de €20.085,25.

Os Recorrentes terminaram as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
“1. A sentença é nula por preterição de formalidades legais.
2. A disposição da Lei n. 0 47/2007, de 28 de Agosto que altera a Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, artigo 29.º, nº 5, alínea c) que diz: c) Tendo havido já decisão negativa do serviço da segurança social, o pagamento é devido no prazo de 10 dias contados da data da sua comunicação ao requerente, sem prejuízo do posterior reembolso das quantias pagas no caso de procedência da impugnação daquela decisão, tal como está formulada e é interpretada textualmente pelo tribunal é inconstitucional por violação do artigo 18, nº 2, da Constituição que garante o princípio da proporcionalidade também previsto no artigo 1º e 2º da própria Constituição e por violação do direito de acesso aos tribunais e a um processo equitativo previsto no artigo 20, 11º 1 e 4 da Constituição.
3. O artigo 570, nº 6, do CPC é inconstitucional, tal como está formulado e é interpretado textualmente pelo tribunal, por violação do artigo 18, nº 2, da Constituição que garante o princípio da proporcionalidade também previsto no artigo 1º e 2º da própria Constituição e por violação do direito de acesso aos tribunais e a um processo equitativo previsto no artigo 20, nº I e 4 da Constituição.
4. Tais disposições devem ser interpretadas no sentido de só ser exigível o pagamento ou desentranhada a PI ou outra peça ou ser declarada a absolvição da instância após o trânsito em julgado da decisão sobre o apoio judiciário, devidamente notificada aos interessados. O tribunal interpretou-as em sentido oposto.
5. Tal interpretação do tribunal inferior viola o artigo 6º, nº l, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
6. Assim, deve o TCAN dar provimento a este recurso e ordenar a reformulação da decisão em conformidade.
7. Declarando nulo o processado e ainda
8. Revogando a decisão de primeira instância no sentido das conclusões anteriores.”

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Por despacho de 16.05.2017, o Tribunal a quo proferiu despacho no sentido de não verificada a nulidade invocada.
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O Exm. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, por considerar não verificada a nulidade invocada.
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Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cfr. artigo 657.º n.º 4 do Código de Processo Civil, submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.

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Objecto do recurso

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta do artigo 608.º n.º 2, artigo 635.º, n.º 4 e 639.º n.º 1, todos do Código de Processo Civil.
Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir i) da nulidade da sentença recorrida ii) da inconstitucionalidade do inconstitucionalidade do artigo 29.º n.º 5, alínea c) da Lei n.º 34/2004 de 29.06 na redacção introduzida pela lei n.º 47/20078 de 28.08 iii) da inconstitucionalidade do artigo 570.º n.º 6 do CPC iii) da violação do artigo 6.º n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

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2 - Fundamentação
2.1. Matéria de Facto
O Tribunal a quo decidiu a matéria de facto da seguinte forma, que aqui se reproduz:
“Cumpre apreciar e decidir, para o que importa dar como provados os seguintes factos:
A) Em 25/11/2014, foram julgadas improcedentes as impugnações judiciais das decisões proferidas pelo Centro Distrital ... do Instituto da Segurança Social que indeferiram os pedidos de apoio judiciário apresentados pelos aqui Impugnantes – cfr. processos n.os 343/14.6BEPRT-A e 343/14.6BEPRT-B.
B) Os Impugnantes arguiram a nulidade das decisões proferidas nas impugnações mencionadas na alínea antecedente, por omissão de notificação do parecer do Ministério Público, nulidade essa que foi indeferida por despachos proferidos em 15/04/2015 – cfr. processos n.os 343/14.6BEPRT-A e 343/14.6BEPRT-B.
C) Os Impugnantes interpuseram recurso dos despachos que indeferiram a nulidade mencionada na alínea antecedente – cfr. processos n.os 343/14.6BEPRT-A e 343/14.6BEPRT-B.
D) Na sequência das decisões de improcedência das impugnações intentadas pelos aqui Impugnantes contra o indeferimento dos pedidos de apoio judiciário, estes foram notificados, em cumprimento do despacho proferido em 15/04/2015, para juntarem aos autos documento comprovativo do pagamento taxa de justiça devida, sob pena de absolvição da Fazenda Pública da instância – cfr. fls. 329 a 331 do processo físico.
E) Os Impugnantes interpuseram recurso do despacho mencionado na alínea antecedente, tendo o TCA Norte decidido, em 29/04/2016, não conhecer do seu objeto – cfr. processo n.º 343/14.6BEPRT-C.
F) Na sequência da decisão do TCA Norte mencionada na alínea antecedente, foi novamente determinada, por despacho de 12/07/2016, a notificação dos Impugnantes para juntarem aos autos documento comprovativo do pagamento taxa de justiça devida, sob pena de absolvição da Fazenda Pública da instância – cfr. fls. 355 do processo físico.
G) Os Impugnantes não acederam ao convite que lhes foi dirigido, invocando a inconstitucionalidade do art.º 29º, n.º 5, alínea c), da Lei n.º 34/2004, de 29/7, pretensão essa que foi desatendida, pelo despacho de 03/11/2016, por ausência de aplicação da citada norma, tendo os Impugnantes sido novamente notificados para juntarem aos autos documento comprovativo do pagamento taxa de justiça devida, sob pena de absolvição da Fazenda Pública da instância – cfr. fls. 358 a 374 do processo físico.
H) Os Impugnantes arguiram a nulidade do despacho mencionado na alínea antecedente – cfr. fls. 377 e 378 do processo físico”
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2.2. Aditamento oficioso à fundamentação de facto

Dispondo os autos dos elementos probatórios para o efeito indispensáveis e ao abrigo do disposto no artigo 662.º n.º 1 do CPC, afigura-se-nos ser de aditar à matéria de facto assente o teor do parecer proferido pelo Magistrado Público, na medida em que se mostra essencial conhecer o seu teor por forma a aferir da nulidade invocada, assim como as decisões proferidas no âmbito dos processos que correram termos sob os n.ºs 343/14.6BEPRT-A e 343/14.6BEPRT-B, necessárias para a decisão do recurso.
Assim, aditam-se os seguintes factos à matéria de facto assente com a seguinte redacção:

H) O Magistrado do Ministério Público junto da 1ª instância proferiu parecer em 10.01.2017 com o seguinte teor:
“«AA» e «BB» deduziram em 12 de Fevereiro de 2014 Impugnação Judicial da liquidação de IRS de 2009 no valor de 20.085,25 €.
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Nos termos dos artigos 1.º n.º 1 e 2.º do Regulamento das Custas Processuais, o processo judicial tributário está sujeito a custas.
Nos termos do art.º 3.º, as custas abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte.
Nos termos do art.º 13.º n.º 1, a taxa de justiça é paga nos termos fixados pelo CPC e o seu pagamento é feito até ao momento da prática do acto processual a ela sujeito - art.º 14.º n.º 1 do mesmo diploma legal.
Nos termos do art.º 145.º n.º 1 do CPC, quando a prática de um acto processual exija o pagamento de taxa de justiça, nos termos fixados pelo Regulamento das Custas Processuais, deve ser junto o documento comprovativo do seu prévio pagamento ou da concessão do benefício do apoio judiciário.
Sem prejuízo das disposições relativas à petição inicial, a falta de junção do documento referido no n.º 1 não implica a recusa da peça processual, devendo a parte proceder à sua junção nos 10 dias subsequentes à prática do acto processual sob pena de aplicação das cominações previstas nos artigos 570.º e art.º 145.º n.º 3 do CPC.
**** ****
Ora, os autores não pagaram a taxa de justiça devida no prazo legal.
Os impugnantes foram depois notificados para pagar a taxa de justiça devida no prazo de 10 dias, sob pena de absolvição da Fazenda Pública da instância, mas nada vieram dizer ou requerer.
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Nos termos dos artigos 552.º n.º 6 e 570.º n.º 5 e 6 do C.P.C., a petição inicial deve ser desentranhada.
Assim sendo, nos termos dos artigos 278.º n.º 1 alínea e) do CPC, aplicável por força do disposto no art.º 2.º e) do CPPT, a falta de pagamento da taxa de justiça configura uma excepção dilatória inominada que determina que se declare extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide.” – cfr. fls. 436 do SITAF.
I) Por decisão de 25.11.2014, o Tribunal Administrativo e Fiscal do TAF do Porto julgou a impugnação judicial intentada por «AA» que correu termos sob o n.º 343/14.6BEPRT-A, improcedente, mantendo a decisão proferida pelo Centro Distrital do Porto do Instituto da Segurança Social que indeferiu o pedido de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo – cfr. fls. 165 do SITAF respeitante ao processo n.º 343/14.6BEPRT-A, apenso aos presentes autos.
J) Da decisão a que se alude em I), foi apresentado requerimento invocando a nulidade da mesma, sob que recaiu despacho de indeferimento em 15.04.2015 – cfr. fls. 184 e 191 do SITAF respeitante ao processo n.º 343/14.6BEPRT-A, apenso aos presentes autos.
L) Do despacho de indeferimento foi interposto recurso para o TCA Norte, que, por Acórdão de 25.02.2016 negou provimento ao alegado e confirmou o despacho recorrido - cfr. fls. 197, 326 do SITAF respeitante ao processo n.º 343/14.6BEPRT-A, apenso aos presentes autos.
M) Do Acórdão a que se alude em L) foi interposto recurso de revista para o STA, tendo sido proferido em 12.01.2017 novo Acórdão que indeferiu a nulidade invocada -
- cfr. fls. 367, 413 do SITAF respeitante ao processo n.º 343/14.6BEPRT-A, apenso aos presentes autos.
N) Subidos os autos ao STA, por Acórdão de 14.03.2018, não foi admitida a revista - cfr. fls. 464 do SITAF respeitante ao processo n.º 343/14.6BEPRT-A, apenso aos presentes autos.
O) Por decisão de 26.01.2025 , o Tribunal Administrativo e Fiscal do TAF do Porto julgou a impugnação judicial intentada por «BB» que correu termos sob o n.º 343/14.6BEPRT-B, improcedente, mantendo a decisão proferida pelo Centro Distrital do Porto do Instituto da Segurança Social que indeferiu o pedido de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo – cfr. fls. 1214 do SITAF respeitante ao processo n.º 343/14.6BEPRT-B, apenso aos presentes autos.
P) Da decisão a que se alude em O), foi apresentado requerimento invocando a nulidade da mesma, sob que recaiu despacho de indeferimento em 15.04.2015 – cfr. fls. 232 e 239 do SITAF respeitante ao processo n.º 343/14.6BEPRT-B, apenso aos presentes autos.
Q) Do despacho de indeferimento a que se alude em P) foi interposto recurso para o TCA Norte, que, por Acórdão de 25.02.2016 negou provimento ao alegado e confirmou o despacho recorrido - cfr. fls. 245, 370 do SITAF respeitante ao processo n.º 343/14.6BEPRT-B, apenso aos presentes autos.
R) Do Acórdão a que se alude em Q) foi interposto recurso de revista para o STA, tendo sido proferido em 12.01.2017 novo Acórdão que indeferiu a nulidade invocada -
- cfr. fls. 393, 461 do SITAF respeitante ao processo n.º 343/14.6BEPRT-B, apenso aos presentes autos.
S) Subidos os autos ao STA, por Acórdão de 3.06.2020, não foi admitida a revista - cfr. fls. 499 do SITAF respeitante ao processo n.º 343/14.6BEPRT-B, apenso aos presentes autos.

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2.3 – O direito

Constitui objecto do presente recurso a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente a exceção dilatória inominada decorrente da falta de pagamento da taxa de justiça devida e absolveu a Fazenda Pública da instância, intentada pelos Recorrentes contra a liquidação de IRS n.º ...34 do ano de 2009.
Os Recorrentes, discordando da sentença proferida, vêm, em síntese invocar a nulidade da sentença recorrida, a inconstitucionalidade do artigo 29.º n.º 5, alínea c) da Lei n.º 47/20078 de 28.08, a inconstitucionalidade do artigo 570.º n.º 6 do CPC, assim como a violação do artigo 6.º n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

2.3.1.Da nulidade da decisão recorrida

Os Recorrentes vêm alegar que a decisão é nula por violação do direito ao contraditório e igualdade de armas, na medida em que o Tribunal a quo não os notificou do parecer proferido pelo Magistrado do Ministério Público.
Vejamos.
Estatui o n.º 1 do artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem que “Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. (… )”
O n.º 4 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, sob a epígrafe “Acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva”, estabelece no seu n.º 4 o direito a um processo equitativo.
Nessa medida, o artigo 3.º n.º 3 e 4.º do Código de Processo Civil consagra o princípio do contraditório, o primeiro em geral e na vertente proibitiva de decisão-surpresa e o segundo no aspecto da alegação dos factos da causa.
“Tais normativos, considerados pela doutrina como constituindo um tributo «duma concepção moderna do contraditório, mais ampla do que a do direito anterior» - por não se tratar apenas já de, «formulado um pedido ou tomada uma posição por uma parte, ser dada à contraparte a oportunidade de se pronunciar antes de qualquer decisão e de, oferecida uma prova por uma parte, ter a parte contrária o direito de se pronunciar sobre a sua admissão ou de controlar a sua produção» (Lebre de Freitas – Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1º, 3ª Edição, Setembro de 2014, página 7 a 9, a que pertencem todas as citações realizadas sem que outra menção especifica seja realizada.) - foram determinantes para a sedimentação de uma concepção do princípio do contraditório como um verdadeiro direito à fiscalização recíproca das partes ao longo do processo, «o corolário duma concepção mais geral da contraditoriedade, como garantia da participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação, directa ou indirecta, com o objecto da causa e em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão».” – cfr. Acórdão do STA de 20.12.2023, proc. 0445/12.3BELRS.
Decorre do disposto no n.º 1 do artigo 125.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário que “Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer”.
Acresce que, também resulta do disposto no artigo 615.º do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 2.º alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, que:
“1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido”
Por outro lado, distintas da nulidade da sentença, podem ocorrer nulidades processuais, que podem derivar da omissão de acto que a lei determine ou da prática de acto que a lei não preveja, devendo ser arguidas perante o Juiz, como decorre do disposto no artigo 195.º e seguintes 197.º, ambos do Código do Processo Civil.
Neste sentido vide António Santos Geraldes (in Recursos em Processo Civil, 7ª edição actualizada, Almedina, pag. 24 e seguintes).
Estas nulidades (processuais) consistem num desvio entre o formalismo prescrito na lei e o formalismo processual seguido – cfr. Helena Cabrita (in “A Sentença Cível, fundamentação de facto e de direito”, 2ª Edição revista e actualizada, Almedina, pag. 257).
Parafraseando Manuel de Andrade, (in Noções Elementares de Processo Civil, 1956, p.176.) nulidades processuais “são quaisquer desvios do formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder - embora não de modo expresso - uma invalidade mais ou menos extensa de actos processuais”
No entanto, como decidido no Acórdão do STA de 29.05.2024, proc. n.º 0509/13.6BELLE “Como a jurisprudência tem recorrentemente alertado, «nos casos em que ocorre uma omissão e é proferida uma decisão judicial em momento em que poderia ser ordenada a prática do acto em falta, é a própria decisão judicial que dá cobertura à falta cometida, pois apenas com a sua prolação se consuma a falta ou o desvio relativamente ao rito processual legalmente prescrito». Ademais, no que respeita às nulidades processuais que se consumam com a prolação da sentença, como a omissão de actos que deveriam ser praticados antes dela, há muito este Supremo Tribunal vem entendendo que pese embora se trate de nulidades processuais, a sua arguição, porque conhecida apenas com a prolação da sentença, pode ser realizada na própria alegação de recurso jurisdicional quando admissível, como é o caso. (Neste sentido, para além de muitos outros arestos da Secção de Contencioso Tributário, por particularmente relevante, o acórdão do Pleno desta Secção, de 2 de Outubro de 2001, processo n.º 42385, todos integralmente disponíveis em www.dgsi.pt)”
Com efeito, “ainda que na generalidade das nulidades processuais a sua verificação deva ser objeto de arguição, reservando-se o recurso para o despacho que sobre esta incidir, tal solução é inadequada quando estão em causa situações em que o próprio juiz, ao proferir a decisão, omite uma formalidade de cumprimento obrigatório ou implicitamente dá cobertura a essa omissão. Nesses casos, a nulidade processual traduzida na omissão de um ato que a lei prescreve comunica-se ao despacho ou decisão proferidos, pelo que a reação da parte vencida passa pela interposição de recurso dessa decisão em cujos fundamentos se integre a arguição da nulidade da decisão por excesso de pronúncia, nos termos do art. 615º, n.º 1, al. d), in fine, do CPC – cf. neste sentido, Prof. Miguel Teixeira de Sousa, Blog do IPPC, 29-11-2016, Jurisprudência (496) Decisão-surpresa; nulidade; investigação da paternidade; caducidade, disponível em https://blogippc.blogspot.com/2016/11/jurisprudencia-496_29.html; acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23-06-2016, relator Abrantes Geraldes, processo n.º 1937/15.8T8BCL.S1; de 6-12-2016, Fonseca Ramos, processo n.º 1129/09.5TBVRL-H.G1.S2 e de 22-02-2017, relator Chambel Mourisco, processo n.º 5384/15.3T8GMR.G1.S1; acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30-11-1995, relator Luís Fonseca, CJ 1995, V, 129 “.
O Tribunal a quo proferiu despacho de sustentação de nulidade, invocando que “Os Recorrentes invocam a “nulidade da sentença por preterição de formalidades legais”, decorrente da falta de notificação do parecer do Ministério Público que a antecedeu. Alegam, em síntese, que deviam ter sido notificados para se pronunciarem sobre o referido parecer, que lhes era desfavorável, sendo que tal omissão violou os princípios do contraditório e da igualdade de armas, previstos no art.º 20º, n.º 4, da Constituição e no art.º 6º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e, bem assim, que essa omissão influiu na decisão da causa, sendo nulo todo o processado posterior ao referido parecer, inclusive a sentença.
Ora, refira-se, desde já, que a nulidade invocada não faz parte do “catálogo” das nulidades da sentença previstas no art.º 615º, n.º 1, do CPC. Com efeito, a suposta irregularidade, a verificar-se, o que não se concede, não constituiria uma nulidade da sentença, mas sim uma nulidade processual, ou seja, uma omissão de um ato ou formalidade prevista na lei, suscetível de influir na decisão da causa (cfr. art.º 195º, n.º 1, do CPC).
Dito isto, saliente-se que na presente espécie processual a lei não prevê a notificação ao Impugnante do parecer do Ministério Público.
Por outro lado, compulsado o parecer do Ministério Público em causa, inserto a fls. 382 do processo físico (notificado aos Impugnantes com a decisão final), não se vislumbra que aí tenham sido suscitadas quaisquer questões novas suscetíveis de influenciar a decisão da impugnação, sendo que, só nesse caso, se justificaria a notificação do referido parecer, à luz do princípio do contraditório.
Com efeito, o mencionado parecer limita-se a discorrer sobre as consequências que advêm da falta de pagamento da taxa de justiça devida pelo impulso processual, consequências essas que já resultavam do despacho (que antecedeu o citado parecer) que determinou a notificação dos Impugnantes para pagamento da taxa de justiça devida (inserto a fls. 374 do processo físico).
No sentido de que a falta de notificação do parecer final do Ministério Público só constitui nulidade processual se nele forem suscitadas questões novas suscetíveis de influenciar a decisão da causa, veja-se, entre outros, o acórdão do STA de 30/11/2011, tirado no processo 0992/11.
Assim, por não terem sido suscitadas no parecer do Ministério Público quaisquer questões novas suscetíveis de influenciar a decisão recorrida, entendemos que a falta de notificação deste parecer não afronta os princípios do contraditório e da igualdade de armas, não produzindo a invocada nulidade.” – fim de citação
Assim e face ao que ficou dito, a nulidade invocada pelos Recorrentes não integra o rol das nulidades insanáveis previstas no artigo n.º 1 do artigo 125.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, pelo que terá de ser à luz do regime tido no artigo 195.º e seguintes do Código de Processo Civil que terá de se aferir se estamos perante irregularidade processual.
Estabelece o artigo 14.º n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário que “O Ministério Público será sempre ouvido nos processos judiciais antes de ser proferida a decisão final, nos termos deste Código.”
Por seu turno, de acordo com o artigo 121.º n. º1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário “Apresentadas as alegações ou findo o respectivo prazo e antes de proferida a sentença, o juiz dará vista ao Ministério Público para, se pretender, se pronunciar expressamente sobre as questões de legalidade que tenham sido suscitadas no processo ou suscitar outras nos termos das suas competências legais.”
O n.º 2 do mesmo normativo legal dispõe ainda que “Se o Ministério Público suscitar questão que obste ao conhecimento do pedido, serão ouvidos o impugnante e o representante da Fazenda Pública”
Ora, como tem decidido de forma reiterada e unanime a nossa Jurisprudência, entre outros vide Acórdão do STA de 30.11.2011, proc. n.º 0992/11 “a notificação do parecer do Ministério Público, para garantir o contraditório, só tem de existir quando, sem ele fique prejudicada, para uma das partes, a ampla discussão de todos os fundamentos de direito em que a decisão se possa basear, sendo injustificada a notificação quando no referido parecer não seja suscitada ou abordada qualquer questão nova” (cfr. Acs. do STA - Pleno, de 4///01, rec. nº 47621; de 21/2/02, no rec. nº 4096; de 8/5/03, rec. nº 44196).
Retornando ao caso dos autos e como decorre da factualidade assente, ponto H), o Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido da extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide decorrente da excepção dilatória inominada por falta de pagamento da taxa de justiça.
Ora, como decorre do despacho proferido em 3.11.2016 e respectiva notificação (a fls. 423 e 425 do SITAF), os Recorrentes foram notificados para, no prazo de 10 dias, juntarem aos autos documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida, sob pena de absolvição da Fazenda Pública da instância.
Nestes termos, o parecer proferido pelo Magistrado do Ministério Público, aqui em questão, não encerra em si qualquer questão nova, na medida em que, os Recorrentes já tinham conhecimento da possível extinção da instância com a consequente absolvição da instância da Fazenda Pública se não procedessem à junção aos autos do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida.
Assim, não se vislumbra em que medida, a falta de notificação do parecer do Magistrado do Ministério Público tenha coartado o direito de defesa dos Recorrentes e tenha sido violado o direito a um processo equitativo.
Como tal, não se verifica a nulidade processual que vem invocada, nem a violação do princípio do contraditório, pois os Recorrentes já tinham tido a oportunidade de se pronunciarem, impondo-se negar provimento ao alegado.


2.3.2 Da inconstitucionalidade do artigo 29.º n.º 5, alínea c) da Lei n.º 34/2004 de 29.06 na redacção introduzida pela lei n.º 47/20078 de 28.08

Os Recorrentes vêm invocar a inconstitucionalidade do artigo 29.º n.º 5, alínea c) da Lei n.º 34/2004 de 29.06 na redacção introduzida pela lei n.º 47/20078 de 28.08, invocando para tal o Acórdão n.º 403/2016, proferido pelo Tribunal Constitucional em 21.06.2016 no proc. 628/15.
Para tal, alega que não poderia ter sido proferida decisão de absolvição da instância, sem que os recursos que ainda correm termos no TCA e no STA sobre o apoio judiciário tivessem sido decididos.
Vejamos.
Dispõe o artigo 552.º do Código de Processo Civil que “O autor deve, com a apresentação da petição inicial, comprovar o prévio pagamento da taxa de justiça devida ou a concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do mesmo, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º”
A par, estatui o n.º 8 do mesmo preceito legal que “Quando, ao abrigo do disposto no n.º 7 do artigo 144.º, a petição inicial seja apresentada por mandatário judiciário por uma das formas previstas nas alíneas a) a c) do n.º 7 do mesmo artigo, o autor deve juntar à petição inicial o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida ou da concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do mesmo.”
A alínea c) do n.º 5 do artigo 29.º da Lei n.º 34/2004, de 29.06, na redação dada pela Lei n.º 47/2007, de 28.08, passou a dispor da seguinte forma:
“Artigo 29.º
Alcance da decisão final
1 – (…).
2 – (…).
3 – (…).
4 – (…).
5 – Não havendo decisão final quanto ao pedido de apoio judiciário no momento em que deva ser efetuado o pagamento da taxa de justiça e demais encargos do processo judicial, proceder-se-á do seguinte modo:
a) (…);
b) (…);
c) Tendo havido já decisão negativa do serviço da segurança social, o pagamento é devido no prazo de 10 dias contados da data da sua comunicação ao requerente, sem prejuízo do posterior reembolso das quantias pagas no caso de procedência da impugnação daquela decisão.”
Ora, como vêm referenciar os Recorrentes, o Tribunal Constitucional por Acórdão n.º 353/2017, de 6.07.2017, proc. n.º 3/17 julgou inconstitucional, com força obrigatória geral, “a norma que impõe o pagamento da taxa de justiça inicial nos 10 dias contados da data da comunicação ao requerente da decisão negativa do serviço da segurança social sobre o apoio judiciário, sem prejuízo do posterior reembolso das quantias pagas no caso de procedência da impugnação daquela decisão, constante da alínea c), do n.º 5, do artigo 29.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de junho, na redação dada pela Lei n.º 47/2007, de 28 de agosto, por violação do direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição”
Como tal, está vedada a notificação para pagamento da taxa de justiça devida, sem que hajam transitado os eventuais recursos interpostos do indeferimento do pedido de apoio judiciário, sob pena, como referencia o Tribunal Constitucional, de violação do direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
Assim, resta aferir se a decisão ora recorrida padece de erro de julgamento como bem invocado no presente, cumprindo assim aferir da factualidade que o sustenta.
Ora, como decorre do ponto I) da matéria de facto assente, aditada por este Tribunal, por decisão de 25.11.2014, o Tribunal Administrativo e Fiscal do TAF do Porto julgou a impugnação judicial intentada por «AA» que correu termos sob o n.º 343/14.6BEPRT-A, improcedente, mantendo a decisão proferida pelo Centro Distrital do Porto do Instituto da Segurança Social que indeferiu o pedido de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
De tal decisão, foi apresentado requerimento invocando a nulidade da mesma, sob que recaiu despacho de indeferimento em 15.04.2015 – cfr. ponto J) da factualidade assente.
Do despacho de indeferimento foi interposto recurso para o TCA Norte, que, por Acórdão de 25.02.2016 negou provimento ao alegado e confirmou o despacho recorrido - cfr. ponto L) do acervo probatório.
Do Acórdão proferido por este Tribunal em 25.02.2016, foi interposto recurso de revista para o STA, tendo sido proferido em 12.01.2017 novo Acórdão que indeferiu a nulidade invocada e subidos os autos ao STA, por Acórdão de 14.03.2018, não foi admitida a revista – cfr. pontos M) e N) da factualidade assente.
A par, descrevendo resumidamente o trâmite do processo que correu termos sob o n.º 343/14.6BEPRT-B, da decisão proferida em 26.01.2025 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do TAF do Porto que julgou a impugnação judicial intentada por «BB» que correu termos sob o n.º 343/14.6BEPRT-B improcedente, mantendo a decisão proferida pelo Centro Distrital do Porto do Instituto da Segurança Social que indeferiu o pedido de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, após requerimentos e recursos interpostos, a última decisão foi proferida pelo STA por Acórdão de 3.06.2020, não tendo sido admitida a revista – cfr. pontos O), Q), R), S) da factualidade assente.
Ora, como já foi dado conta, a decisão em questão nos presentes autos foi proferida em 21.02.2017.
Nestes termos, face à factualidade que aqui demos conta e ainda ao facto do Tribunal Constitucional ter julgado inconstitucional, com força obrigatória geral da alínea c), do n.º 5, do artigo 29.º da Lei n.º 34/2004, de 29.06, na redacção dada pela Lei n.º 47/2007, de 28.08, o Tribunal a quo não poderia ter exigido o pagamento da taxa de justiça devida, sem que tivessem transitado os recursos interpostos do indeferimento do pedido de apoio judiciário.
Pelo que, impõe-se conceder provimento ao recurso interposto, revogar a decisão recorrida, determinando-se a baixa dos autos à 1ª instância para proceder à notificação dos Recorrentes para, no prazo de 10 dias, procederem ao pagamento da taxa de justiça devida, sob pena de absolvição da Fazenda Pública da instância à luz do disposto no artigo 278.º n.º 1 alínea e) e artigo 576.º n.º 2, ambos do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 2.º alínea e) do Código do Processo e Procedimento Tributário.
Uma vez procedente o recurso, queda-se prejudicada a questão da inconstitucionalidade do artigo 570.º n.º 6 do Código de Processo Civil e da violação do artigo 6.º n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.


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Nos termos do disposto no artigo 663.º nº 7 do Código de Processo Civil, elabora-se o seguinte SUMÁRIO:

I. As nulidades processuais consistem num desvio entre o formalismo prescrito na lei e o formalismo processual seguido no processo.
II. À luz do disposto no n.º 2 do art.º 121 do CPPT, a falta de notificação do parecer final do Ministério Público só constitui nulidade processual se no parecer forem suscitadas questões novas susceptíveis de influenciar a decisão.
III. O Tribunal Constitucional por Acórdão n.º 353/2017, de 6.07.2017, proc. n.º 3/17 julgou inconstitucional, com força obrigatória geral, a alínea c) do n.º 5 do artigo 29.º da Lei n.º 34/2004, de 29.06, na redação dada pela Lei n.º 47/2007, de 28.08, por violação do direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20.º n.º 1 da CRP.
IV. Assim, não se pode exigir o pagamento da taxa de justiça devida no processo principal, sem que hajam transitado os recursos interpostos do indeferimento do pedido de apoio judiciário.

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3 – Decisão

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal em conceder provimento ao recurso, e nessa consequência, revogar a decisão recorrida, determinando-se a baixa dos autos à 1ª instância para notificação dos Recorrentes para, no prazo de 10 dias, procederem ao pagamento da taxa de justiça devida.

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Custas pela Recorrente, nos termos do disposto no artigo 6.º n.º 2, artigo 7.º n.º 2 e artigo 12.º n.º 2, todos do Regulamento das Custas Processuais e tabela I-B.

Porto, 29 de Maio de 2025

Virgínia Andrade
Carlos de Castro Fernandes
Conceição Soares