Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 223/22.1BEVIS |
Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
Data do Acordão: | 08/12/2022 |
Tribunal: | TAF de Viseu |
Relator: | Tiago Miranda |
Descritores: | OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO VERSUS RECLAMAÇÃO DOS ACTOS DO ÓRGÃO DE EXECUÇÃO; PROIBIÇÃO DE ACTO INÚTIL. |
Sumário: | I – Quando o dispositivo da sentença assenta numa dualidade cumulativa ou mesmo subsidiária de fundamentos e o recurso se funda apenas em erro de direito quanto a um deles – omitindo qualquer crítica ao outro fundamento cumulado ou subsidiário – de maneira que é inútil a apreciação do mérito desse, assim, parcial fundamento, o tribunal da apelação deve abster-se de conhecer do recurso, para não praticar um acto inútil e, portanto, proibido (artigo 135º do CPC). |
Recorrente: | AA |
Recorrido 1: | Autoridade Tributária e Aduaneira |
Votação: | Unanimidade |
Meio Processual: | Processo Urgente- Reclamação 8ª espécie - Recursos Jurisdicionais em Processos Urgentes |
Decisão: | Não conhecer do recurso. |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: | Foi emitido parecer no sentido da improcedência do recurso. |
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Decisão Texto Integral: | AA, NIF ..., residente na Rua ..., ..., ..., ..., litigando com apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado da taxa de justiça, interpôs o presente recurso de apelação relativamente à sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal Viseu, que, no processo em epígrafe, anulou todo o processado e, em consequência, absolveu a Autoridade Tributária e Aduaneira da instância. Remata a sua alegação com as seguintes conclusões: 1. CONCLUSÕES: 1) O presente recurso vem interposto da decisão proferida pelo douto Tribunal “a quo” que anulou todo o processado na reclamação apresentada pela recorrente e, em consequência, absolveu da instância a Autoridade Tributária e Aduaneira. 2) Com efeito, a ora recorrente, apresentou, em 03/03/2022, um requerimento junto do Serviço de Finanças ..., requerendo a extinção dos processos de execução fiscal n.º ...18 e ...73, porquanto os mesmos se encontravam desacompanhados das respectivas certidões de dívidas. 3) Sucede que, em 16/03/2022, o mencionado Serviço de Finanças notificou a reclamante, ora recorrente, da decisão que havia tomado, consubstanciada no facto da não extinção dos processos de execução fiscal identificados supra. 4) Ora, foi precisamente desta decisão que a ora reclamante apresentou a reclamação que se encontra na origem dos presentes autos. 5) Não obstante, o douto Tribunal “a quo”, na decisão aqui em reapreciação, entendeu que a ora recorrente, ao invés de apresentar a reclamação nos termos do art.º 276º e ss. do CPPT, deveria ter apresentado oposição à execução, porquanto os fundamentos e o pedido enunciados naquela, deveriam ter sido arguidos em sede de oposição. 6) Todavia, ressalvado o devido respeito por douta opinião contrária, entende a ora recorrente que o douto Tribunal incorreu em erro de julgamento, ao considerar que a recorrente deveria ter lançado mão da oposição à execução, porquanto, alegadamente, havia sido citada em sede de reversão em 20/12/2021. 7) Nesta senda, a decisão aqui em crise, ao considerar que a presente reclamação, ao ter sido intentada em 31/01/2022; nessa data já se encontrava ultrapassado o prazo de 30 dias para deduzir oposição, pelo que, a convolação para essa forma processual revelar-se-ia inútil. 8) Porém, a recorrente/reclamante não acompanha tal entendimento. 9) As decisões proferidas pelo órgão de execução fiscal que afectem direitos e interesses legítimos do executado ou de terceiro são susceptíveis de reclamação para o tribunal tributário de 1ª instância, tal como, aliás, dispõe o artigo 276º do CPPT. 10) Com efeito, a ora recorrente, apresentou reclamação da decisão proferida pelo Serviço de Finanças (órgão de execução fiscal), no prazo estipulado para o efeito. 11) Isto é, tendo a reclamante/recorrente sido notificada pelo SF da resposta ao seu requerimento em 17/03/2022, percebe-se que a reclamação foi apresentada dentro do prazo legal para o efeito. 12) Não se poderá olvidar que o meio processual para reagir contra uma decisão proferida pelo órgão de execução fiscal, será sempre a reclamação prevista no art.º 276º do CPPT; meio processual de que a recorrente lançou mão. 13) Não se pode descurar o alcance, sentido, objecto e limites de um processo de reclamação de actos do órgão de execução fiscal previsto no art.° 276° do CPPT, segundo o qual qualquer acto praticado no âmbito da execução fiscal que afecte os direitos ou interesses legalmente protegidos dos interessados é susceptível de recurso judicial; 14) A reclamação de acto praticado na execução fiscal constitui uma verdadeira acção impugnatória incidental da execução fiscal, formulada no curso de execução pendente, tendo por objecto determinado acto que nela foi praticado pelo órgão da execução fiscal e por finalidade a apreciação da validade desse acto. 15) Assim, é de concluir que o meio processual adequado para conhecer das questões que a Recorrente suscita na reclamação deduzida, é a reclamação (artigos 276º a 278º do CPPT. 16) O prazo para apresentação da reclamação é de 10 dias, a contar da notificação da decisão (artigo 277º, nº 1 do CPPT), contando-se de forma contínua nos termos do Código de Processo Civil, por força do disposto no artigo 20º, nº 2 do CPPT, uma vez que o processo de execução fiscal, não obstante corra perante órgãos da administração tributária, tem natureza judicial (artigo 103º, nº 1 da LGT). 17) Sendo certo que, após ter sido notificada da decisão proferida pelo SF, não faria sentido que a recorrente apresentasse oposição à execução, uma vez que, reitera-se, foi notificada de uma decisão proferida pelo órgão de execução fiscal (Serviço de Finanças), pelo que, o meio de reacção adequado sempre seria a reclamação prevista no art.º 276º e ss. CPPT. 18) Com efeito, ao coarctar esta possibilidade à recorrente, o douto tribunal, salvo o devido respeito, olvidou o princípio do contraditório, extensível às partes processuais. 19) Pois que, com o aditamento do nº 3, do art. 3º, do CPC, e a proibição de decisões-surpresa, pretendeu-se uma maior eficácia do sistema, colocando, com maior ênfase e utilidade prática, a contraditoriedade ao serviço da boa administração da justiça, reforçando-se, assim, a colaboração e o contributo das partes com vista à melhor satisfação dos seus próprios interesses e à justa composição dos litígios. 20) A inobservância do contraditório constitui uma omissão grave, representando uma nulidade processual sempre que tal omissão seja susceptível de influir no exame ou na decisão da causa, sendo nula a decisão (surpresa) quando à parte não foi dada possibilidade de se pronunciar sobre os factos e respectivo enquadramento jurídico. Nestes termos e nos melhores de Direito, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exªs, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, ser revogado a douta decisão aqui em crise. Notificada, a Fazenda Pública respondeu à alegação do Recorrente, concluindo nos seguintes termos: «A. A Reclamante vem recorrer da douta Sentença proferida nos autos, alegando erro de julgamento, por entender, ao contrário do decidido pelo Tribunal, que a reclamação prevista nos arts. 276.º e ss. do CPPT, constitui o meio processual adequado para conhecer os fundamentos e o pedido enunciados na sua reclamação. B. Invoca, ainda, a Reclamante que, tendo sido notificada da decisão proferida pelo OEF, que indeferiu o seu pedido de extinção do PEF n.º ....18 e apensos (cf. requerimento, de 03-03-2022 e despacho do Serviço de Finanças ..., de 16-03-2022, juntos aos autos), o meio de reacção adequado seria sempre a reclamação e não a oposição à execução como entendeu o Tribunal e que este ao coarctar tal possibilidade à Reclamante olvidou o princípio do contraditório (art.3.º, n.º3 do CPC). C. A Fazenda Pública contrapõe que o juízo do Tribunal a quo não enferma de qualquer erro de julgamento. D. O pedido formulado pela Reclamante contende com a extinção do PEF n.º ....18 e apensos, por cujas dívidas a Reclamante é responsável subsidiária. E. Não sendo o presente meio processual o adequado à apreciação do seu pedido e, por outra parte, não sendo possível a convolação da reclamação em oposição à execução fiscal, por manifesta intempestividade, tendo em conta que a Reclamante foi considerada citada como executada por reversão nos presentes autos executivos, em 20-12-2021 e que a presente reclamação foi apresentada, em 31-03-2022, após ultrapassado o prazo de 30 dias para propor oposição judicial (cf. 203.º, n.º 1, al. a) do CPPT) como resulta incontrovertido dos autos, é de confirmar a douta Sentença que absolveu da instância a Fazenda Pública, por verificação da excepção dilatória de erro na forma de processo e concomitante impossibilidade de convolação para a forma processual adequada (cf.art.278.º, n.º 1, al. b) do CPC ex vi do art.2.º, al. e) do CPPT). F. A Sentença recorrida segue o entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência, nesta matéria, não configura qualquer decisão surpresa ou viola o princípio do contraditório como alega a Reclamante no seu recurso. G. Como refere Jorge Lopes de Sousa, in Código do Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol.II, 6.ªed., 2011, p. 91: “Para efectuar a convolação, é necessário que seja viável o prosseguimento do processo na forma processual adequada, designadamente que a respectiva petição tenha sido tempestivamente apresentada para efeitos desta nova forma processual. Na verdade, a convolação justifica-se por razões de economia processual e, por isso, não se pode justificar quando não for viável utilizar a petição para a forma de processo adequada, por qualquer razão que obste ao seu prosseguimento, pois, se no meio adequado não for possível proferir decisão sobre o mérito da causa, não haverá qualquer utilidade na correcção do erro na forma de processo.”. H. Sendo de realçar que o douto Tribunal, sem prejuízo das suas considerações precedentes, apreciou a alegada violação dos deveres de colaboração e o pedido implícito de anulação do despacho do OEF e concluiu que este não é lesivo dos direitos e interesses legítimos da executada, “pelo que a Reclamação - a não ter procedido a excepção dilatória de erro na forma do processo - seria manifestamente improcedente e, consequentemente, objecto de indeferimento liminar”. Nestes termos e com o mui douto suprimento de V. Exas., o recurso apresentado deve improceder e, em consequência, manter-se a Sentença recorrida, que indeferiu liminarmente a presente reclamação, absolvendo a Fazenda Pública da instância como é de inteira JUSTIÇA.» A Digna Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso, louvando-se no teor das contra-alegações da AT. Dada a natureza urgente do processo, há dispensa de vistos prévios (artigo 36.º, n.º 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos ex vi artigo 2.º, n.º 2, alínea c) do Código de Procedimento e de Processo Tributário). II- Questão prévia: inadmissibilidade do conhecimento do recurso Conforme jurisprudência pacífica, o âmbito do recurso é delimitado pelo objecto das conclusões das alegações, interpretadas, como é lógico, em função daquilo que se pretende sintetizar, isto é, o corpo das alegações. Assim, a única questão colocada a este Tribunal, como fundamento do recurso, consiste em saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento violando designadamente, o artigo 276º do CPPT e o princípio do contraditório, na sua afloração contida no nº 3 do artigo 3º do CPC, ao absolver a AT da instância com fundamento em nulidade de todo o processo por erro na forma do mesmo, não convolável, por intempestividade, na forma de processo que seria a adequada: a oposição à execução fiscal. Sucede que a sentença não absolveu a AT da instância apenas com o sobredito fundamento, antes se louvou, também, num outro fundamento, a se stante. Trata-se da falta de natureza lesiva do acto reclamado, interpretada, a PI, no sentido de que o que a Reclamante pediu, efectivamente, foi a anulação da decisão que indeferiu o seu pedido de extinção da execução com fundamento em não ter sido notificado do teor das certidões de divida que são título executivo. Efectivamente, após ter sustentado que a absolvição da instância se impunha pela fundamentação posta em crise pela recorrente, o Mº Juiz a quo passa a dizer o seguinte: «Sem embargo de as considerações precedentes serem as que mais se coadunam com a interpretação conjugada da causa de pedir e do pedido formulado pela Reclamante na petição inicial, constata-se que se pode discernir um pedido implícito na petição inicial. De facto, a causa de pedir que corresponde ao pedido expresso formulado pela Reclamante, foi explanada pela mesma nos artigos 1º a 13º da petição inicial. No entanto, nos artigos 16º e seguintes da petição inicial a Reclamante alega igualmente uma eventual violação dos deveres de colaboração e de informação que recaem sobre a Administração Tributária, pelo que – e apesar de a esta alegação a Reclamante não ter feito corresponder nenhum efeito jurídico no pedido que formulou – o Tribunal considera que se pode interpretar esta alegação como contendo um pedido implícito de anulação do despacho proferido pelo Serviço de Finanças ... por violação dos princípios invocados pela Reclamante. Deste modo, impõe-se verificar se esta questão é de molde a pôr em causa o juízo feito acima, de anular todo o processado e absolver da instância a Autoridade Tributária e Aduaneira. Vejamos. Em concreto, a Reclamante alega que a Autoridade Tributária não a notificou das oitenta e cinco certidões de dívida emitidas pela Ascendi, SA. e que são referidas na informação que sustentou o despacho reclamado, pelo que considera que foi impedida de exercer cabalmente a sua defesa. A este respeito, cumpre ter presente que o alcance do artigo 276º do CPPT – o qual prescreve que “As decisões proferidas pelo órgão da execução fiscal e outras autoridades da administração tributária que no processo afectem os direitos e interesses legítimos do executado ou de terceiro são susceptíveis de reclamação para o tribunal tributário de l.ª instância” – é o de reconhecer “um direito global de os particulares solicitarem a intervenção do juiz no processo, através da reclamação prevista no artigo 276.° do CPPT, relativamente a quaisquer actos praticados no processo de execução fiscal pela administração tributária que tenham potencialidade lesiva”. Daí que, “nessa medida, só devem considerar-se imediatamente lesivos, e, por isso, impugnáveis contenciosamente, os actos que tenham repercussão negativa imediata na esfera jurídica dos seus destinatários e a sua lesividade não puder ser diferida por meios administrativos de impugnação (v. Ac. deste STA de 6/10/2004, no recurso 1999/03)” (conforme explicita o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão proferido no processo n.º ...8, de 30/07/2008, disponível em www.dgsi.pt). Ora, a Reclamante tem ao seu dispor o meio tributário previsto no artigo 37º, n.º 1 do CPPT a fim de obter junto do Serviço de Finanças ... as certidões de dívida em causa, as quais, aliás, já se encontram juntas aos presentes autos (Petição Inicial (239556) Documentos da PI (...86) de 21/04/2022 19:46:12). Pelo que, nesta perspectiva, o despacho reclamado não é lesivo para a Reclamante, pelo que a Reclamação – a não ter procedido a excepção dilatória de erro na forma do processo – seria manifestamente improcedente e, consequentemente, objecto de indeferimento liminar.» A este fundamento, tido por suficiente no discurso da sentença recorrida, da decisão de rejeição liminar da Reclamação – qualquer que seja o seu mérito – não vem feita qualquer crítica nas conclusões do recurso, pelo que está vedado ao Tribunal de apelação apreciar o seu mérito. Daqui resulta que, qualquer que fosse a resposta à questão acima enunciada, que encerra o objecto do recurso, sempre a sentença recorrida permaneceria intacta na ordem jurídica no que respeita ao seu dispositivo, por permanecer intacto um seu fundamento a se stante. Sendo assim, a apreciação da fundamentação do recurso mostra-se inútil. Os actos processuais inúteis são proibidos: artigo 130º do CPC. Impõe-se-nos, portanto, não conhecer do recurso. Dispositivo Pelo exposto, acordam os juízes que compõe este colectivo em não conhecer do recurso. Custas pela Recorrente: artigo 527º do CPC. Porto, 12/08/2022 Tiago Afonso Lopes de Miranda, relator, Victor Unas Paulo Magalhães |