Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01145/17.3BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/12/2024
Tribunal:TAF de Braga
Relator:ROGÉRIO PAULO DA COSTA MARTINS
Descritores:ACÇÃO DE CONDENAÇÃO À PRÁTICA DE ACTO DEVIDO;
ACTO VINCULADO; N.º 4, ALÍNEA A), DO ARTIGO 67º DO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS; DESCONTOS PARA A CGA;
ARTIGO 4.º, N.º 2 DA LEI GERAL TRIBUTÁRIA, E NO N.º 2 DO ARTIGO 266.º DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA.
Sumário:1. Se é certo que, como regra, deve o particular apresentar previamente requerimento que constitua o órgão competente no dever legal de decidir – n.º1 deste preceito – também se prevê que a condenação à prática do acto devido pode ser pedida sem ter sido apresentado previamente requerimento quando, numa de duas hipóteses, não tenha sido cumprido o dever de emitir acto administrativo que resultava directamente da lei, como é o caso da continuidade da inscrição do Autor na Caixa Geral de Aposentações – n.º 4, alínea a), do artigo 67º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

2. Devem cessar os descontos que têm vindo a ser efectuados e que excedem os 36 anos de serviço que a lei permite como limite máximo a ser contabilizado para o cálculo da pensão de reforma, bem como ser restituídas as importâncias descontadas a título de contribuição para a pensão de aposentação e para a pensão de sobrevivência e que ultrapassam aquele limite máximo.

3. Tais descontos não têm qualquer influência na pensão de reforma que lhe foi atribuída nem uma futura e eventual pensão de sobrevivência, não existindo, assim, qualquer contrapartida para os valores que o ora Autor tem pago e ainda está a pagar, através de desconto mensal na sua pensão de reforma. O que constituiu, como o Autor defende, uma violação do disposto no artigo 4.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária, e no n.º 2 do artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

«AA» veio interpor RECURSO JURISDICIONAL do saneador-sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 05.01.2024, que julgou (totalmente) improcedente a acção administrativa que intentou contra a Caixa Geral de Aposentações para a anulação do acto de alteração das condições da sua reforma, proferido pela Ré, em 15.02.2017, assim como para a sua condenação a praticar acto administrativo que proceda a novo cálculo da sua pensão de reforma, com pagamento de correspondentes retroativos, e ainda a condenação da Ré a abster-se de proceder a descontos adicionais na sua pensão de reforma, para efeitos de aposentação e sobrevivência, com restituição das quantias que entende indevidamente prestadas.

Invocou para tanto, em síntese, que a presente acção não teria de ser precedida de qualquer requerimento nem a da provocação da prática de um acto administrativo, o que equivale a dizer que, ao decidir como decidiu, o Tribunal recorrido violou, além de outras, a disposição do artigo 37.°, n.º 1, al. h) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

A Recorrida contra-alegou, defendendo a manutenção da decisão recorrida.

O Ministério Púbico neste Tribunal não emitiu parecer.

*
Cumpre decidir já que nada a tal obsta.

*
I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

1. A pretensão do Autor desdobra-se em duas vertentes: (i) numa primeira linha, que corresponde às als. a) a d) do pedido, o Autor insurge-se contra a fórmula de cálculo da sua pensão de reforma alterada, essencialmente, com fundamento no facto de a mesma considerar a remuneração vigente em 31/12/2010 – que tinha sido objecto dos cortes impostos pelo art. 19.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro; (ii) numa segunda linha, correspondente às als. e) a g) do pedido, o Autor contesta o facto de lhe estar a ser exigido, a seu ver indevidamente, o pagamento de quotas correspondentes à contribuição para a aposentação e para sobrevivência respeitantes ao tempo acrescido de 6 anos, 10 dias e 16 meses, ao abrigo do disposto na al c) do art. 25.º do Estatuto da Aposentação.

2. Face à jurisprudência que se tem consolidado sobre a matéria, o Autor conforma-se e, nessa medida, não impugna a decisão da 1.ª Instância, na parte referida no ponto (i) da precedente conclusão; já não se conforma, e por esta via recorre da douta sentença recorrida, na parte em que a mesma julgou improcedente a sua pretensão referida no ponto (ii) da precedente conclusão.

3. Dado que se poderia reformar ao cabo de 36 (trinta e seis) anos de actividade, sem penalização, não poderia ser exigido ao Autor o desconto de quotas adicionais até idade normal de aposentação, conforme lhe tem sido exigido pela Ré CGA.

4. O raciocínio desenvolvido pelo Tribunal recorrido não tem o menor reflexo no direito constituído, o que significa que, inexplicavelmente, o Tribunal recorrido, em lugar de se pronunciar sobre o mérito da causa (objectivo último da tutela jurisdicional), procurou encontrar obstáculos de natureza formal – de resto, inexistentes – que o impedissem de o fazer, cedendo a postulados formalistas cuja eliminação tem sido a pedra de toque das sucessivas reformas do procedimento e contencioso administrativo, bem como do sistema judicial, de uma forma geral.

5. O que mais se estranha é que, sendo a presente acção análoga a tantas outras que correram e correm termos na jurisdição administrativa e fiscal, o Tribunal recorrido tenha decidido inovar, procurando um obstáculo à pronúncia sobre o mérito que não foi, que se saiba, encontrado por nenhuma outra instância jurisdicional que se tenha pronunciado sobre o tema, sendo disso exemplo, entre muitos, o acórdão do TCAN de 07/05/2021.

6. O Tribunal recorrido entendeu que, para que pudesse ver apreciada jurisdicionalmente a questão da ilegalidade do desconto de quotas para a CGA para além da antiguidade de 36 (trinta e seis) anos, o Autor teria, previamente, de dirigir um requerimento à CGA no sentido de cessar esse desconto; prosseguindo esse raciocínio, só o acto administrativo que se pronunciasse sobre esse requerimento é que seria passível de impugnação judicial, em sede de contencioso de actos, com eventual pedido de condenação na prática de acto devido (prolação de decisão que determinasse a cessação da imposição de pagamento de quotas).

7. De acordo com o raciocínio expendido na douta sentença recorrida, dado que não foi feito qualquer requerimento prévio à CGA, o Tribunal não se poderia pronunciar sobre a legalidade, ou não, da actuação desta e muito menos condená-la a abster-se de a adoptar, sob pena de se imiscuir indevidamente na actividade administrativa (e de pôr até em causa as imposições decorrentes da separação de poderes).

8. O único juízo que a apreciação das als. e) a g) do pedido convoca é o de saber se a actuação da CGA, traduzida no desconto de uma quota mensal na pensão de reforma do Autor, é uma actuação lícita ou ilícita. A cessação de tal conduta não demanda a prática de qualquer acto administrativo imposto legalmente, tal como a condenação da Administração no pagamento de quantias não exige qualquer requerimento prévio no sentido de as solicitar, mas apenas um juízo, de estrita legalidade quanto à existência ou não do direito invocado.

9. Casos há em que, efectivamente, uma actuação administrativa pressupõe um acto prévio. A título exemplificativo, não pode condenar-se a Administração a permitir a abertura de um estabelecimento sem previamente ser deduzido o competente pedido de licenciamento e ser praticado o acto de autorização de utilização, que é pressuposto prévio e incontornável daquela pretensão de abertura. Também não pode condenar-se a Administração a abster-se de admitir um candidato a um procedimento concursal sem que, previamente, seja deduzida e discutida no competente procedimento administrativo o fundamento para essa não admissão. Tais actuações pressupõe actos administrativos prévios e estarão, à partida, subtraídos à tutela inibitória prevista na al. h) do n.º 1 do art. 37.º do CPTA.

10. Caso distinto é o de operações materiais ou mecânicas ou outros actos jurídicos, que não actos administrativos. Nestas circunstâncias, não há necessidade da prévia obtenção de um acto administrativo para se abrir a porta da via judicial. Exemplo disso são os meros actos de processamento de vencimento, em que a Administração processa um determinado salário não coincidente, por exemplo, com as funções exercidas. Em tais casos, dado que o acto de processamento não se reveste da natureza de verdadeiro acto administrativo (salvo se for objecto de notificação e contiver uma tomada de posição expressa sobre o direito ao acréscimo salarial), nada obsta a que o Tribunal profira decisão de condenação da Administração a pagar as diferenças salariais devidas. Exemplo disso são as dezenas de acções de funções de posto superior, desempenhadas por oficiais de polícia, em que a jurisprudência se tem pronunciado firmemente quanto à admissibilidade do recurso directo à via judicial.

11. Centrando-nos no caso dos autos e como acima se referiu, o único juízo a fazer é o de saber se o desconto de quantias na pensão de reforma do Autor corresponde a uma actuação lícita. Caso se conclua pela ilicitude, a prática de um acto administrativo prévio não é condição da cessação da ilicitude, que pode ser determinada judicialmente, seja no âmbito da condenação na abstenção de condutas (que não condenação na não prática de actos administrativos), seja no âmbito da prática de determinado acto.

12. Por outro lado e contrariamente ao sustentado pelo Tribunal recorrido, a típica acção inibitória é um processo de natureza preventiva, e não reactiva, ou seja, é uma acção “dirigida a impedir, a título preventivo, que, por efeito de uma provável ou previsível actuação administrativa, venha a consumar-se um facto lesivo, na esfera jurídica do autor”. A presente acção claramente não foi configurada como acção inibitória, pois não foi instaurada a título preventivo, mas antes de forma reactiva, contra uma actuação ilícita da administração, que já ocorreu e se previsivelmente irá continuar – o desconto de quotas na pensão de reforma do Autor.

13. Assim, mais do que uma acção inibitória, o que está aqui verdadeiramente em causa – e insere-se também no leque da al. h) do n.° 1 do art. 37.° do CPTA – é uma acção impositiva, entendendo-se como tal as acções “dirigidas a impor à Administração, por via judicial, a adopção de medidas de conteúdo positivo, quando elas sejam devidas, porque o autor tem direito à respectiva prestação material, ou quando elas sejam necessárias para evitar ou fazer cessar a produção de lesões na sua esfera jurídica (cfr. infra, nota 7)”. Por outras palavras, não se visa aqui uma mera inibição da Administração (a não adopção de uma conduta), mas antes uma alteração de comportamento (cessação da exigência de pagamento de uma quota), que impõe uma actuação no sentido de alterar um estado de coisas anterior – “devendo entender-se o conceito de comportamento num sentido amplo, de modo a englobar além dos comportamentos propriamente ditos, operações materiais e até simples actos jurídicos”.

14. Cingindo-se o caso dos autos a um juízo de mera legalidade, terá forçosamente se concluir que a presente acção não teria de ser precedida de qualquer requerimento nem a da provocação da prática de um acto administrativo, o que equivale a dizer que, ao decidir como decidiu, o Tribunal recorrido violou, além de outras, a disposição do art. 37.°, n.° 1, al. h) do CPTA.

15. Daí que se imponha julgar procedente o recurso, com a consequente revogação da douta sentença recorrida, na parte em que se absteve de tomar posição sobre as als. e) a g) do pedido, a qual deverá ser substituída por Douto Acórdão que julgue procedentes as als. e) a g) do pedido ou, caso assim se não entenda, que decida inexistir fundamento para a recusa da tomada de posição sobre o mérito da causa, determinando a baixa dos autos à 1.ª Instância, a fim de ser proferida decisão de mérito sobre esses pedidos.

Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente, com a consequente revogação da Douta Sentença recorrida, na parte visada por este recurso, e prolação, em sua substituição, de Douto Acórdão que esteja em conformidade com as conclusões acima formuladas,

com o que se fará Justiça!

*

II –Matéria de facto.

1) O Autor é Sargento-Mor aposentado da Guarda Nacional Republicana tendo estado anteriormente na situação de reserva - facto não controvertido.

2) Nos meses compreendidos entre Janeiro de 2011 e Março de 2012, a pensão de reserva do Autor era de 2.438€94, com dedução de 5,75%, correspondente a 140€24, sendo o desconto de quota da Caixa Geral de Aposentações no valor de 252,86€ - Cfr. recibos de vencimento a fls. 24 e 72 a 74 do processo administrativo e cfr. documento n.º 3 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

3) Em 14-03-2012, a Guarda Nacional Republicana apresentou o processo de reforma do Autor junto da Ré - Cfr. fls. 30 do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

4) Para efeitos de reforma, ao Autor foi contabilizado pela Guarda Nacional Republicana tempo de serviço militar da seguinte forma: tempo de serviço efetivo de 35 anos, 5 meses e 8 dias, com aumento de 7 anos, 6 meses e 7 dias, perfazendo total do tempo de serviço de 42 anos, 11 meses e 15 dias - Cfr. fls. 28 do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

5) Para efeitos de reforma, em 02-04-2013, a Ré contabilizou o tempo de serviço do Autor do seguinte modo: tempo efectivo de 36 anos, 7 meses e 27 dias, com tempo de bonificação de 6 anos, 10 meses e 16 dias, perfazendo total de 43 anos, 06 meses e 13 dias - Cfr. fls. 48 e 49 do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

6) Para efeitos de reforma, o Centro Nacional de Pensões considerou o valor da “pensão estatutária” do Autor em 6,12€ - Cfr. fls. 35 do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

7) Em 02-04-2013, o Conselho Diretivo da Ré proferiu decisão quanto à pensão de reforma unificada do Autor - Cfr. fls. 36 e 37 do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

8) Em 02-04-2013, a Ré emitiu ofício dirigido ao Autor, comunicando-lhe a decisão referida no ponto precedente, entre o mais, nos seguintes termos:

“(...)

Informo V.Exa. de que, ao abrigo do disposto no artigo 97.° do Estatuto da Aposentação - Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de dezembro, lhe foi reconhecido o direito à aposentação, por despacho de 2013-04-02, da Direção da CGA (proferido por delegação de poderes publicada no Diário da República II Série, n.º 250 de 2011-12-30), tendo sido considerada a situação existente em 2012-03-19, nos termos do artigo 43.° daquele Estatuto, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 238/2009, de 16 de setembro. O valor da pensão para o ano de 2012 é de € 2 103,40 e foi calculado, nos termos do artigo 5,°, n.ºs
1 a 3, da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, alterado pela Lei n.º 52/2007 e com a redação dada pelo artigo 30.° da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, com base nos seguintes elementos:
P1 (parcela da pensão com tempo de serviço até 2005-12-31):
Tempo efetivo: 29a 04m
Tempo percentagens: 06a 10m
Tempo CNP: 01a 01m
Tempo Total: 37a 03m

P2 (parcela da pensão com tempo decorrido após 2006-01 -01):
Tempo efetivo: 06a 02m
Anos civis considerados: 3a
Taxa Anual de formação: 2,00 %
Ano 2012 2005
Remuneração base: € 2040,59 €1885,28 Remunerações de referência: € 2 495,58
Outras remunerações base: € 398,35 € 302,05
Outras rem. Art.°47.º n.°1 a1.b): €0,00 €0,00
Remuneração total: € 2 045,84(1) €2 217,91 (2)
Rem. Considerada (Lim. 12x1 AS): €2 217,91
Pensão do CNP: €8,22
Fator Sustentabilidade (FS): 0,9608

Montante de P1: €1 959,54 Montante de P2: €143,86

(1) Na remuneração considerada foi aplicado o fator de redução de 0,05750 e a percentagem líquida de quota para a CGA de 89,00 %.
(2) Na remuneração de 2005 foi aplicado o fator de revalorização de 1,1393 e a percentagem líquida de quota para a CGA de 89,00 %.
O pagamento da pensão constitui encargo do Serviço onde presta funções até ao último dia do mês em que for publicada no Diário da República, passando a ser da responsabilidade desta Caixa a partir do dia 1 do mês seguinte ao da publicação.
Para além da pensão, o Serviço terá de pagar ainda um duodécimo do subsídio de Natal, no valor de € 175,28 correspondente a 1/12 do valor da respetiva pensão mensal.
Nos termos do art.º 78.º da Lei do Orçamento do Estado para 2013, o Serviço, para além dos outros descontos obrigatórios, deduzirá também na pensão a contribuição extraordinária de solidariedade (CES), no valor de € 120,84.

O Interessado é devedor da(s) quantia(s) abaixo mencionada(s), cujo pagamento terá início a partir do 1° abono a efectuar pela Caixa:

Aposentação: € 6 039,96 Tempo: 06a 10m 16d
Períodos:
de 1978-06-25 a 1984-12-31 de 1985-01-01 a 1993-12-31 de 1994-01-01 a 2005-12-31
Sobrevivência: € 1 883,87 Tempo: 06a 10m 16d
Períodos:
de 1978-06-25 a 1984-12-31 de 1985-01-01 a 1993-12-31 de 1994-01-01 a 2005-12-31
Sempre que haja dívida para a aposentação será paga na razão de 7,5% da pensão mensal e, para sobrevivência, no máximo de 60 prestações mensais, sendo de 25 € o valor mínimo de cada prestação, desde que não seja requerido o seu pagamento integral ou em menor número de prestações.

OBSERVAÇÕES

O montante da pensão foi reduzido em 3,92%, por aplicação do Fator de
Sustentabilidade para o ano de 2012.
(...)”.

- Cfr. fls. 40 e 41 do processo administrativo e cfr. documento n.º 1 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

9) Em 15-02-2017, a Ré dirigiu ofício ao Autor, entre o mais, com o seguinte teor:

“(...)
Alteração das condições de reforma.
Motivo de Alteração: Aplicação do disposto no art.º 3.º, n.ºs 4 a 7, do Decreto-Lei n.º 3/2017, de 06 de janeiro
Informo V.Exa. de que, para os efeitos do art.° 99.º, n.º 3, do Estatuto da Aposentação, as condições da reforma que lhe compete, foram alteradas, por despacho de 2017-02­15, da Direção da CGA, pelo motivo supra indicado.

O valor da pensão para o ano de 2012 é de € 2 164,43 com base nos seguintes elementos: Tempo efetivo: 35a 07m Remuneração base: € 2 040,59
Tempo de percent.: 06a 10m Outras remunerações base: € 357,53
Tempo CNP: 01a 01m Outras rem. art.º 47.º n.°1 al. b): € 0,00
Tempo total: 43a 06m Remuneração total: €2 398,12 (1)
Tempo considerado: 36a 00m Pensão do CNP: €6,12
(1) Na remuneração considerada foi aplicada a percentagem líquida de quota para a CGA de 90,00 %.

O valor mensal ilíquido da pensão de reforma foi alterado de acordo com os valores abaixo indicados, com efeitos desde a sua atribuição, com aplicação da fórmula de cálculo prevista no Estatuto da Aposentação, em vigorem 2005-12-31.
Relativamente ao período durante o qual lhe foi abonada pensão transitória, compete ao seu Serviço proceder ao pagamento das diferenças entre o novo valor da pensão, resultante da retificação, e o valor da pensão inicial.

VALORES DE PENSÃO TRANSITÓRIA
QUADRO I
Valor mensal (€)
DATA DE
INÍCIO DO
VALOR
VALOR ANTES DA REVISÃOVALOR APÓS A REVISÃO
2012-03-19911,47937,92
2012-04-012 103,402 164,43

No período de pagamento da pensão por parte desta Caixa, os valores resultantes do processo de revisão são os abaixo indicados:

VALORES DE PENSÃO A ABONAR PELA CGA
QUADRO II
Valor mensal (€)
DATA DE
INÍCIO DO
VALOR
VALOR ANTES DA REVISÃOVALOR APÓS A REVISÃO
2013-06-012 103,402 164,43

As diferenças entre os novos valores resultantes da revisão e os anteriormente abonados por esta Caixa são os que a seguir se indicam:

QUADRO III
Retroativos da revisão da pensão (€)
ANOVALOR PAGONOVO VALORDIFERENÇA
201318 054,1618 578,03523,87
201429 447,5630 302,03854,47
201529 447,5630 302,03854,47
201629 447.5630 302,03854,47
2017 (janeiro)2 193,582 257,1563,57
TOTAL3 150,85

O crédito dos retroativos devidos em consequência da presente revisão serão efetuados nos seguintes termos:

QUADRO IV
Pagamento dos retroativos da pensão (€)
DATAVALOR A PAGAR
MARÇO 2017787,25
FEVEREIRO 2018787,25
FEVEREIRO 2019787,25
FEVEREIRO 2020789,10

Os valores de pensão acima indicados correspondem ao seu montante ilíquido, sobre os quais incidirão as respetivas deduções, nomeadamente, IRS, sobretaxa de IRS, subsistemas de saúde, CES, desconto para pagamento de dívida de quotas e outros de caráter facultativo, na medida em que as mesmas se mostrem devidas,
A revisão foi realizada de forma integralmente automatizada, circunscrevendo-se á alteração do valor mensal da pensão, sem qualquer modificação no tempo de serviço inicialmente contado e nas dividas de quotas apuradas para pagamento desse tempo, que se mantêm até estarem completamente liquidadas.
Encontra-se disponível para consulta via CGA Directa, informação detalhada sobre o pagamento de março de 2017.
(...)”
- Cfr. fls. 65 e 66 do processo administrativo e cfr. documento n.° 2 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

10) Em 10-04-2017, o Autor apresentou recurso hierárquico junto da Ré, com referência ao ofício identificado ao ponto antecedente - Cfr. fls. 76 a 87 do processo administrativo e cfr. documentos n.° 5, n.° 6 e n.° 7 juntos com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

Importa ainda aditar os seguintes factos, documentados no processo e não controvertidos, relevantes para a questão que não foi conhecida pelo Tribunal recorrido e que constitui tema do presente recurso jurisdicional:

11) O Autor encontra-se a fazer o pagamento de quotas correspondentes à contribuição para a aposentação e para sobrevivência respeitantes ao tempo acrescido de 6 anos, 10 dias e 16 meses, ao abrigo do disposto na al c) do artigo 25.º do Estatuto da Aposentação – cf. segunda página do doc. n.º 1 junto com a petição inicial e acordo das partes.
12) Na data da aposentação, o Autor contava com um tempo total de descontos não inferior a 43 anos e 6 meses – cf. doc. n.º 2 junto com a petição inicial e acordo das partes.

*
III - Enquadramento jurídico.

1. A excepção suscitada oficiosamente da falta de interesse em agir.

Este é o teor da decisão recorrida, na parte aqui relevante:

“(…)
CONDENAÇÃO DA RÉ A ABSTER-SE DE PROCEDER A DESCONTOS ADICIONAIS NA PENSÃO DE REFORMA DO AUTOR, PARA EFEITOS DE APOSENTAÇÃO E SOBREVIVÊNCIA, COM RESTITUIÇÃO DAS QUANTIAS

Esgrime o Autor que deve a Ré ser condenada a abster-se de proceder a descontos adicionais na sua pensão de reforma, para efeitos de aposentação e sobrevivência, com restituição das quantias que este entende indevidamente prestadas.

Fundamenta tal pedido no facto de se encontrar a fazer descontos a título de quotas de contribuição para a aposentação e para a sobrevivência - ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 25.º do Estatuto da Aposentação, respeitantes ao tempo acrescido que lhe foi considerado, que não terão qualquer contrapartida, o que viola os artigos 266.º, n.º 2 da CRP e 4.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária.

Afigurando-se ao Tribunal, no que concerne a estes pedidos do Autor, poderem estes pedidos não consubstanciar uma verdadeira abstenção de comportamento da Administração - tutela inibitória, mas antes de tutela anulatória de ato ou eventualmente de condenação à prática de ato administrativo devido, foram as partes notificadas para exercício de contraditório face a tal questão.

Em resposta, o Autor defendeu a impossibilidade de considerar atos de processamento de vencimento como atos administrativos, mantendo a posição expressa na sua petição inicial.

Por seu turno, a Entidade Demandada sufragou o entendimento do Tribunal, afirmando que tais pedidos consubstanciam um pedido de condenação à prática de ato administrativo legalmente devido, aplicando-se nesta situação o disposto nos artigos 66.º e seguintes do CPTA.

Vejamos.

O artigo 37.º, n.º 1 do CPTA preceitua que seguem a forma da ação administrativa os processos que tenham por objeto litígios cuja apreciação se inscreva no âmbito da competência dos tribunais administrativos, designadamente os de condenação à prática de atos administrativos devidos, nos termos da lei ou de vínculo contratualmente assumido – alínea b) e de os condenação à adoção ou abstenção de comportamentos pela Administração Pública ou por particulares – alínea h).

O Autor pretende que seja a Entidade Demandada condenada a abster-se de lhe exigir o pagamento de descontos adicionais, para efeitos de aposentação e sobrevivência.

O artigo 25.º, alínea c) do Estatuto da Aposentação - Decreto-Lei n.º 498/72, de 09 de dezembro, determina que é contado para efeitos de aposentação, por acréscimo ao tempo de subscritor, a percentagem de aumento de tempo de serviço especialmente fixada por lei para funções que o subscritor exerça ou haja exercido, ou a mais elevada das percentagens que concorram, salvo se a lei expressamente permitir a sua acumulação.

A questão que se nos depara é que a pretensão do Autor implica uma pronúncia prévia por parte da Entidade Demandada, a prolação de um ato administrativo que determine a cessação de tal desconto.

E discordamos da alegação do Autor no sentido que tal perspetiva implica considerar cada ato de processamento de vencimento como um ato administrativo.

O que se exige é que seja proferida pelo Réu um único e novo ato administrativo, no qual se debruce sobre a pretensão do Autor.

Sobre a tutela inibitória, consagra a anotação ao artigo 37.º do CPTA, de Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha - «Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos», Almedina, 2017, p. 256 e 257, “7. A tutela inibitória assenta na probabilidade de uma lesão na esfera jurídica do interessado, em resultado de o demandado poder vir a não adotar um comportamento devido ou, inversamente, poder vir a adotar um comportamento em violação de normas de direito administrativo. Por se tratar de uma tutela preventiva, exige-se do demandante um específico interesse em agir, destinado a demonstrar a necessidade de solicitar ao tribunal a providência judiciária, que deve basear-se na probabilidade da prática de uma conduta lesiva, seja por ação ou por omissão.

(...)

O objeto das ações inibitórias a que se refere a alínea h) do n ° 1 só pode, assim, consistir na condenação à abstenção de operações materiais ou de outros atos jurídicos, que não atos administrativos.

Por conseguinte, a ação inibitória pode ser, v.g., utilizada quando o titular de um direito de propriedade pretenda assegurar o correspondente dever de abstenção por parte do Estado, impedindo-o judicialmente de invadir o seu terreno para nele levar por diante a execução de obras públicas sem prévio ato expropriativo, cabendo ao autor demonstrar o seu interesse processual através de factos que revelem o justo receio de vir a ser perturbado ou esbulhado na sua posse. Do mesmo modo, um funcionário que considere possuir condições para se apresentar a um futuro concurso de provimento para acesso a uma categoria profissional superior poderá propor uma ação inibitória destinada a evitar que o aviso de abertura do concurso contemple a sua situação específica como causa de exclusão do concurso, caso em que terá de alegar (invocando porventura a anterior praxis administrativa) que existe forte probabilidade da prática, nesse domínio, de um ato lesivo dos seus interesses. (...)” (sublinhado nosso).

Não cremos ser este o caso.

A pretensão do Autor depende da emissão prévia de um ato administrativo por parte da entidade competente.

Por outro lado, o artigo 67.º, n.º 1 do CPTA estipula que a condenação à prática de ato administrativo pode ser pedida quando tenha sido apresentado requerimento que constitua o órgão competente no dever de decidir.

O mesmo é dizer que constitui pressuposto processual prévio o requerimento junto da Entidade Demandada.

A prévia apresentação, junto da autoridade administrativa competente, de um requerimento dirigido à prática do mesmo ato, é requisito necessário, sob pena de rejeição da ação por falta de interesse em agir.

Compulsados os autos, verifica-se que o Autor não efetuou tal requerimento.

Consequentemente, por não se verificar, quanto aos pedidos do Autor de condenação da Ré a abster-se de proceder a descontos adicionais na sua pensão de reforma, para efeitos de aposentação e sobrevivência, com restituição das quantias que entende indevidamente prestadas - pedidos d) a g) da petição inicial, os necessários pressupostos processuais, o que configura exceção dilatória - que é de conhecimento oficioso e obsta a que o Tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância, absolve-se a Entidade Demandada da instância quanto aos mesmos – artigo 89.º, n.º 1 e 2 do CPTA.

(…)”.

Entendemos que não se verifica a excepção oficiosamente suscitada, procedendo o recurso quer quanto a esta matéria quer quando ao mérito do pedido, não apreciado.

Não é necessário que haja a prática de um acto para que se peça a condenação à prática do acto devido porque, precisamente, não ter sido decidida a pretensão do particular é uma das hipóteses em que é permitida a dedução deste pedido – alínea a) e segunda parte da alínea b) do n.º1 do artigo 67º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

E se é certo que, como regra, deve o particular apresentar previamente requerimento que constitua o órgão competente no dever legal de decidir – n.º1 deste preceito – também se prevê que a condenação à prática do acto devido pode ser pedida sem ter sido apresentado previamente requerimento quando, numa de duas hipóteses, não tenha sido cumprido o dever de emitir acto administrativo que resultava directamente da lei, como é o caso da continuidade da inscrição do Autor na Caixa Geral de Aposentações – n.º 4, alínea a), do mesmo preceito.

Dispõe o n.º4, alínea A) do artigo 67º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, sem margem para equívocos:

“ A condenação à prática de ato administrativo também pode ser pedida sem ter sido apresentado requerimento, quando:

a) Não tenha sido cumprido o dever de emitir um ato administrativo que resultava diretamente da lei”.

No caso o Autor pediu a condenação da Ré, Caixa Geral de Aposentações, a praticar acto que ordene imediata cessação do desconto mensal da quantia de 31€39 da sua pensão de reforma do Autor, que se encontra a ser descontada, a título de sobrevivência, para perfazer o total de 42 (quarenta e dois) anos e 5 (cinco) meses de descontos, com efeitos reportados à data de entrada da acção bem como ordene a restituição de todas as quantias pagas por ele, a título de descontos adicionais para efeitos de aposentação e sobrevivência, a partir de Junho de 2013 em diante, para além do período de 36 (trinta e seis) anos de serviço contabilizado no cômputo da reforma – alíneas e) e f) do petitório.

Acto que, a ser devido, resulta directa e vinculadamente da lei.

O que se enquadra perfeitamente no disposto no n.º4, alínea a) do artigo 67º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Solicitando uma tutela inibitória, da cessação dos actos materiais desses descontos – alínea e) do pedido inicial -, tutela prevista no artigo 37º, n.º1, alínea h), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Improcede, pois, esta excepção.

2. O mérito do pedido de condenação à prática do acto devido.

Neste ponto cabe também claramente razão ao Recorrente.

A Ré nem sequer pôs em causa, nem na contestação apresentada na acção nem nas contra-alegações do presente recurso, que cabe razão ao Autor, ao defender que devem cessar os descontos que têm vindo a ser efectuados e que excedem os 36 anos de serviço que a lei permite como limite máximo a ser contabilizado para o cálculo da pensão de reforma, bem como ser restituídas as importâncias descontadas a título de contribuição para a pensão de aposentação e para a pensão de sobrevivência e que ultrapassam aquele limite máximo.

Pois tais descontos não têm qualquer influência na pensão de reforma que lhe foi atribuída nem uma futura e eventual pensão de sobrevivência, não existindo, assim, qualquer contrapartida para os valores que o ora Autor tem pago e ainda está a pagar, através de desconto mensal na sua pensão de reforma.

O que constituiu, como o Autor defende, uma violação do disposto no artigo 4.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária, e no n.º 2 do artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa.

Pelo que procede a acção na parte agora em apreço, ou seja, no que respeita aos pedidos formulados no articulado inicial sob as alíneas d) a g).

*

IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER TOTAL PROVIMENTO AO RECURSO pelo que:

1. Revogam a sentença recorrida na parte agora sob recurso, julgando não verificada a excepção de falta de interesse em agir.

2. Julgam a acção procedente na parte sob recurso, condenando a Ré, Caixa Geral de Aposentações, nos termos peticionados nas alíneas d) a g) do petitório inicial.

Custas do recurso pela Recorrida.

Custas da acção na proporção do decaimento.

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Porto, 05.07.2024

Rogério Martins
Fernanda Brandão
Isabel Costa