Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00960/09.6BEVIS
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/25/2024
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:MARIA CLARA ALVES AMBROSIO
Descritores:INCIDENTE DE LIQUIDAÇÃO; NULIDADE DA SENTENÇA;
ARTº 615º, Nº1, ALÍNEAS B) E C) DO CPC;
ERRO DE JULGAMENTO DE DIREITO;
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa, subsecção de Contratos Públicos, do Tribunal Central Administrativo Norte,

I. RELATÓRIO
[SCom01...], S.A., Autora na acção administrativa que intentou contra o MUNICÍPIO ..., deduziu incidente de liquidação da condenação genérica proferida na sentença do Tribunal de 06.03.2013 (e confirmada pelo TCAN por Acórdão de 20.12.2019), na qual formula o pedido seguinte : “Deve, em consequência, o Réu ser condenado a pagar à Autora, a título de custos financeiros e de custos com o apoio de campo aos trabalhos do LNEC, a quantia líquida de € 61.324,34”.
Notificado o requerido, o mesmo deduziu oposição ao incidente sustentando que muito embora se aceite o que vem dito pela A. quanto aos custos com o apoio de campo aos trabalhos do LNEC, já quanto aos custos financeiros entende-se que o presente incidente carece de absoluta falta de fundamentação, pelo que, nesta parte, deve ser julgado totalmente improcedente por não provado.
Sustenta, em síntese, que a A. alega genericamente que, para fazer face aos custos das reparações e aos desembolsos em questão, contraiu diversos financiamentos, mas não demostra, nem tão pouco se consegue extrair dos documentos juntos, se para o pagamento de cada um dos valores parcelares, individualmente considerados, teve, efectivamente, que recorrer a financiamento. A A. só teria/terá direito aos peticionados custos se estes tiverem efectivamente existido, isto é, se os alegados financiamentos tiverem sido efectivamente concedidos.
Termina dizendo que o presente incidente, no que respeita aos alegados custos financeiros dos valores das reparações suportadas pela A., dos valores do Parecer da Doutora «AA» e do Parecer do LNEC, ser julgado totalmente improcedente, por não provado, absolvendo-se o R. de todos os pedidos.
Realizada audiência final, foi proferida sentença em 14/3/2023, cujo segmento decisório é o seguinte: “VI. DECISÃO Em face de tudo quanto antecede, julgo parcialmente procedente o presente incidente de liquidação de sentença e, consequentemente: i) condeno o R. a pagar à A. a quantia de EUR 38.239,86 (trinta e oito mil duzentos e trinta e nove euros e oitenta e seis cêntimos) a título de custos financeiros pelos custos das reparações e dos pareceres da Doutora «AA» e do LNEC; ii) condeno o R. a pagar à A. a quantia de EUR 3.733,29 (três mil setecentos e trinta e três euros e vinte e nove cêntimos) a título de custos com o apoio de campo aos trabalhos do LNEC; iii) absolvo o R. do demais peticionado pela A.. Custas do incidente por ambas as partes em função do respectivo decaimento, que se fixa em 30% para a A. e em 70% para o R.. Fixo em 05 (cinco) UC a taxa de justiça do presente incidente”.
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Desta decisão apresentou o Réu recurso de apelação, pugnando por que se dê provimento ao recurso e se revogue a decisão recorrida, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
“I. O presente recurso é interposto da douta Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu no presente incidente de liquidação intentado contra o MUNICÍPIO ... e julgado parcialmente procedente.
II. A questão a decidir (objecto do presente recurso) consistia em determinar o montante dos custos financeiros dos valores das reparações, do parecer da Doutora «AA» e do parecer do LNEC despendidos pela A. e posteriormente pagos pelo R., ora Recorrente.
III. Entendeu o Mmº Tribunal a quo que, não tendo a prova produzida permitido apurar em concreto quais os específicos custos em que a A. incorreu com o dispêndio das quantias que pagou pelas reparações e pelos pareceres dos presentes autos, a fixação daqueles custos passa, em último ratio, pelo recurso à equidade, aplicando uma taxa de juro de 4% sobre os montantes despendidos pela A. com as reparações e os pareceres por forma a ressarci-la dos custos financeiros incorridos com esses pagamentos. Ora, com o devido e maior respeito, entende-se que o Tribunal a quo não podia ter decidido como decidiu. Senão vejamos.
IV. Com interesse para o presente recurso o Tribunal a quo deu como provado que “(…) 9) Nos anos de 2004 a 2020, para fazer face à sua actividade, a A. contraiu diversos financiamentos, pelos quais pagou a taxa de 3,41% de 14.09.2005 a 22.06.2006, a taxa de 4,92% de 23.06.2006 a 03.07.2007, a taxa de 5,46% de 04.07.2007 a 03.01.2008, a taxa de 6,22% de 04.01.2008 a 28.10.2009, a taxa de 4,43% de 29.10.2009 a 11.10.2010, a taxa de 6,25% de 12.10.2010 a 19.10.2011, a taxa de 8,37% de 20.10.2011 a 29.04.2012, a taxa de 9,90% de 30.04.2012 a 24.05.2013, a taxa de 7,08% de 25.05.2013 a 01.06.2014 e a taxa de 5,85% de 04.11.2014 a 04.11.2020 (cf. documentos n.os 15 a 25 juntos com o r.i.);” (cfr. 9) dos Factos Provados).
V. Considerando o que quanto a esta matéria resultou provado e que se resume ao ponto 9) dos factos provados, não podia o Tribunal a quo concluir que aqueles concretos pagamentos feitos pela A. daquelas concretas quantias, respeitantes às reparações e aos pareceres dos presentes autos, tenham sido feitos em momentos de dificuldades de tesouraria, ou que implicassem dificuldades de tesouraria e, que, por isso, obrigaram a que a mesma tivesse de recorrer a financiamento para esses pagamentos.
VI. Aliás, contrariando aquela que foi a sua própria conclusão, a douta Decisão em recurso conclui, também, que a prova produzida não logrou demostrar em que medida tais contratos foram necessários para assegurar o pagamento das quantias referentes aos custos das reparações e aos pareceres não foi apurado, pois a A. não logrou demonstrar tal circunstância. Acontece que,
VII. Pese embora o Tribunal a quo entenda que a A. não logrou demostrar que aqueles concretos montantes foram pagos com recurso a financiamento e contribuíram para o avolumar das dificuldades financeiras que justificaram aqueles financiamentos, acaba por dar um salto e concluir que o que, afinal, o Tribunal não logrou em concreto, apurar foi quais os específicos custos em que a A. incorreu com o dispêndio das quantias que pagou pelas reparações e pelos pareceres dos presentes autos, em que medida tais contratos foram necessários para assegurar o pagamento das quantias referentes aos custos das reparações e aos pareceres.
VIII. Ou seja, contrariando a sua própria análise, o Tribunal acaba por decidir que o pagamento daqueles concretos montantes implicou financiamento, apenas não se sabendo o quantum, a medida desse financiamento, e concluindo-se pela inexistência de viabilidade de qualquer outro meio de prova para apuramento do concreto quantum dos custos financeiros pedidos pela A., recorre, em última ratio, à equidade para fixar esses custos. Ora,
IX. Não estando provado, a montante, qualquer dano, que a A. tivesse suportado quaisquer custos para proceder aos pagamentos em apreço, não podia o Tribunal a quo ter condenado o ora Recorrente, recorrendo à equidade, por não estar preenchido um dos pressupostos necessários a essa condenação.
X. Por tudo o exposto, ao decidir como decidiu, a Decisão recorrida: Padece de falta total de fundamentação e contradição entre os fundamentos e a decisão, por inexistência absoluta de factos que permitissem condenar e na medida em que a fundamentação existente nunca poderia ter conduzido à decisão adoptada pela sentença, sendo, por isso nula, nos termos do artigo 615º, nº 1, b) e c), do CPC; Violou os artigos 2º e 4º do Decreto-Lei n.º 48.071, de 27 de Novembro de 1967 (aplicável ao caso dos autos), e os artigos 562º e 563º do Código Civil; Por inexistência de matéria assente não podia ter recorrido a juízos de equidade, pelo que violou, ainda, o artigo 566º, n.º 3 do Código Civil. Decidiu em violou das regras o ónus da prova previstas no artigo 342.º do Código Civil Pelo que deverá ser revogada em conformidade”.
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Apresentou a Autora contra-alegações pugnando por que seja mantida a decisão recorrida, nelas referindo, o seguinte:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
Pronunciou-se o Recorrente sobre a peticionada condenação como litigante de má-fé formulada pela Recorrida, pugnando pela sua improcedência.
Cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.
II. OBJECTO DO RECURSO
O objeto do recurso é balizado pelas conclusões do apelante, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista; não conhece questões novas, isto é, questões que não tenham sido apreciadas pelo Tribunal recorrido, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito, conforme resulta dos artigos 5.º, n.º 3, 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1, e 608.º, todos do CPC.
Assim, importa, no caso, apreciar e decidir se a sentença recorrida (i) padece de falta total de fundamentação e contradição entre os fundamentos e a decisão, por inexistência absoluta de factos que permitissem condenar e na medida em que a fundamentação existente nunca poderia ter conduzido à decisão adoptada pela sentença, sendo, por isso nula, nos termos do artigo 615º, nº 1, b) e c), do CPC; ii) Violou os artigos 2º e 4º do Decreto-Lei n.º 48.071, de 27 de Novembro de 1967 (aplicável ao caso dos autos), e os artigos 562º e 563º do Código Civil; iii) por inexistência de matéria assente não podia ter recorrido a juízos de equidade, pelo que violou, ainda, o artigo 566º, n.º 3 do Código Civil; iv) Decidiu em violação das regras o ónus da prova previstas no artigo 342.º do Código Civil.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1- De facto
Na sentença recorrida foram dados como assentes os seguintes factos:
1. Em 03.06.2009, a A. apresentou neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu a petição inicial que deu origem aos presentes autos, formulando o seguinte pedido: “Nestes termos Deve o R. ser condenado a pagar à A. as reparações, que eram da sua responsabilidade, no valor de € 25.474,05, quantia que o R. lhe deve pagar, bem como o respectivo IVA, à taxa legal em vigor, e os custos financeiros, desde Outubro de 2004, data da execução dos trabalhos, até efectivo pagamento. Mais, Deve o R. ser condenado a indemnizar a A. na quantia de € 45.024,45 e no IVA, à taxa legal em vigor, sobre € 3.846,60. E, Deve o R. ser condenado a indemnizar a A. dos custos financeiros, por esta suportados e a liquidar em execução de sentença, desde as datas dos efectivos desembolsos e até à data do efectivo pagamento pelo R.” (cf. documento de fls. 01 do SITAF);
2. Em 06.03.2013 foi proferida sentença, que julgou procedente a presente acção, improcedente o pedido reconvencional e condenou o R. a pagar à A.: “1) Os custos das reparações, no valor de € 25.474,05, acrescido do IVA à taxa legal em vigor e dos custos financeiros, desde Outubro de 2004, data da execução dos trabalhos, até efectivo pagamento. 2) O Parecer que encomendou à Doutora «AA», no valor de € 5.497,80, já com o IVA incluído, bem como os correspondentes custos financeiros, desde as datas dos efectivos desembolsos e até efectivo pagamento. 3) O Parecer do LNEC, no valor de € 35.680,05, já com o IVA incluído, bem como os correspondentes custos financeiros, desde as datas dos efectivos desembolsos e até efectivo pagamento. 4) Os custos com o apoio de campo aos trabalhos do LNEC, montante a apurar em sede de liquidação.” (cf. documento de fls. 963 do SITAF);
3. A sentença referida no ponto anterior foi confirmada por acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 20.12.2019, já transitado em julgado (cf. documento de fls. 1136 do SITAF);
4. Em 03.11.2020, o R. pagou à A. os “custos das reparações”, na quantia de EUR 25.474,05, acrescida de IVA à taxa legal em vigor, no total de EUR 27.002,49 (cf. documento n.º 01 junto com o r.i.);
5. Em 03.11.2020, o R. pagou à A. o preço dos pareceres da Doutora «AA» e do LNEC, nas quantias de 5.497,80 e de EUR 35.680,05, respectivamente (cf. documento n.º 02 junto com o r.i.);
6. O requerimento que deu origem ao presente incidente de liquidação foi apresentado neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu em 02.05.2021, via SITAF (cf. documentos de fls. 1215 e ss. do SITAF);
7. A A. pagou o parecer da Doutora «AA» em duas prestações de EUR 2.748,90 cada, tendo a primeira sido paga em 13.10.2004 e a segunda em 01.03.2005 (cf. documentos n.os 03 a 09 juntos com o r.i.);
8. A A. pagou o parecer do LNEC em duas prestações, sendo a primeira de EUR 17.914,05, que foi paga em 12.07.2007, e a segunda de EUR 17.766,00, que foi paga em 25.09.2009 (cf. documentos n.os 10 a 14 juntos com o r.i.);
9. Nos anos de 2004 a 2020, para fazer face à sua actividade, a A. contraiu diversos financiamentos, pelos quais pagou a taxa de 3,41% de 14.09.2005 a 22.06.2006, a taxa de 4,92% de 23.06.2006 a 03.07.2007, a taxa de 5,46% de 04.07.2007 a 03.01.2008, a taxa de 6,22% de 04.01.2008 a 28.10.2009, a taxa de 4,43% de 29.10.2009 a 11.10.2010, a taxa de 6,25% de 12.10.2010 a 19.10.2011, a taxa de 8,37% de 20.10.2011 a 29.04.2012, a taxa de 9,90% de 30.04.2012 a 24.05.2013, a taxa de 7,08% de 25.05.2013 a 01.06.2014 e a taxa de 5,85% de 04.11.2014 a 04.11.2020 (cf. documentos n.os 15 a 25 juntos com o r.i.);
10. O apoio de campo aos trabalhos do LNEC ocorreu nos dias 10, 11 e 12 de Julho de 2007 e consistiu na abertura de 4 caixas para a retirada dos materiais e, após a realização dos ensaios in situ e extracção dos materiais, no preenchimento das cavidades com tout-venant com cimento (gravecimento) compactado com placa vibratória até 10 cm abaixo da rasante, após o que foi aplicado o betuminoso (admitido por acordo - cf. artigos 14º do r.i. e 2º da oposição);
11. Nos dias 10 e 11 de Julho de 2007, a A. procedeu à colocação da sinalização temporária e à abertura das caixas (admitido por acordo - cf. artigos 14º do r.i. e 2º da oposição);
12. Nos dias 11 e 12 de Julho de 2007, a A. procedeu ao tapamento das caixas e à reposição do pavimento e da sinalização (admitido por acordo - cf. artigos 14º do r.i. e 2º da oposição);
13. Nesses três dias, a A. manteve meios afectos ao trabalho – mão-de-obra e equipamentos – durante 09 horas/dia (admitido por acordo - cf. artigos 14º do r.i. e 2º da oposição);
14. O encarregado «BB» esteve afecto ao trabalho durante 03 dias (09 horas/dia), no total de 27 horas, com um custo de EUR 16,63/hora e um custo total de EUR 449,01 (admitido por acordo - cf. artigos 14º do r.i. e 2º da oposição);
15. O analista «CC» esteve afecto ao trabalho durante 02 dias (09 horas/dia), no total de 18 horas, com um custo de EUR 15,48/hora e um custo total de EUR 278,64 (admitido por acordo - cf. artigos 14º do r.i. e 2º da oposição);
16. Os serventes «DD», «EE», «FF» e «GG» estiveram afectos ao trabalho durante 03 dias (09 horas/dia), no total de 108 horas, com um custo de EUR 5,38/hora e um custo total de EUR 581,04 (admitido por acordo - cf. artigos 14º do r.i. e 2º da oposição);
17. O custo/hora de cada trabalhador considera e inclui todos os encargos suportados pela A. com o trabalhador e está discriminado no documento n.º 28 junto aos autos com o r.i., que aqui se dá por reproduzido (admitido por acordo - cf. artigos 14º do r.i. e 2º da oposição);
18. Estiveram afectos ao trabalho durante 02 dias (09 horas/dia), no total de 18 horas, uma retroescavadora, com um custo/hora de EUR 2,75 e um custo total de EUR 495,00, uma serra mecânica, com um custo/hora de EUR 6,00 e um custo total de EUR 108,00, um compactador, com um custo/hora de EUR 9,50 e um custo total de EUR 171,00, e um camião para transporte de equipamento, com um custo/hora de EUR 35,00 e um custo total de EUR 630,00 (admitido por acordo - cf. artigos 14º do r.i. e 2º da oposição);
19. Esteve afecto ao trabalho durante 03 dias (09 horas/dia), no total de 27 horas, um camião, com um custo/hora de EUR 35,00 e um custo total de EUR 945,00 (admitido por acordo - cf. artigos 14º do r.i. e 2º da oposição);
20. O equipamento usado no trabalho era propriedade da A. e o respectivo custo/hora, que inclui amortização, consumíveis, gasóleo, seguros e operador, corresponde aos valores de mercado usualmente praticados à data (admitido por acordo - cf. artigos 14º do r.i. e 2º da oposição);
21. No trabalho foram aplicadas 04 toneladas de tout-venant, com um custo de EUR 4,50/tonelada e um custo total de EUR 18,00, e 1,2 toneladas de misturas betuminosas, com um custo de EUR 43,00 e um custo total de EUR 57,60 (admitido por acordo - cf. artigos 14º do r.i. e 2º da oposição);
22. Esses materiais foram fornecidos pela pedreira da A. localizada em Viseu e os custos indicados correspondem aos valores normais de mercado usualmente praticados à data (admitido por acordo - cf. artigos 14º do r.i. e 2º da oposição).
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III.2 FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
O Tribunal a quo julgou parcialmente procedente o presente incidente de liquidação de sentença e, consequentemente, condenou o R. a i) pagar à A. a quantia de € 38.239,86 (trinta e oito mil duzentos e trinta e nove euros e oitenta e seis cêntimos) a título de custos financeiros pelos custos das reparações e dos pareceres da Doutora «AA» e do LNEC; ii) pagar à A. a quantia de EUR 3.733,29 (três mil setecentos e trinta e três euros e vinte e nove cêntimos) a título de custos com o apoio de campo aos trabalhos do LNEC e absolveu o R. do demais peticionado pela A..
Vejamos, então, se a sentença recorrida padece dos vicíos que o recorrente lhe assaca.
Da Nulidade da Sentença
- Por falta de fundamentação de facto
A primeira questão que importa dirimir, em função das conclusões do recurso, refere-se à alegada nulidade da sentença recorrida por falta de fundamentação de facto.
Resulta do disposto no art. 607º, n.º 2 a 4 do CPC que,
“2 - A sentença começa por identificar as partes e o objeto do litígio, enunciando, de seguida, as questões que ao tribunal cumpre solucionar.
3 - Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.
4 - Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência”.
Por seu turno, prescreve o art. 615º, n.º 1, al. b), do CPC que é nula a sentença que “não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.
Esta causa de nulidade está directamente relacionada com a obrigação de fundamentação especificamente imposta no nº3 do art. 607º do CPC e com a obrigação geral de fundamentação imposta no nº1 do art. 154º do CPC de acordo com o qual “As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas” e respeita apenas à falta absoluta de fundamentação, como tem sido unanimemente defendido a nível jurisprudencial. Veja-se a título meramente exemplificativo o Acórdão do do STJ de 02/03/2021 do qual se retira que “Só a absoluta falta de fundamentação - e não a errada, incompleta ou insuficiente fundamentação - integra a previsão da nulidade do artigo 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil” e Ac da RC de 13/12/22 98/17.2T8SRT.C1 em cujo sumário se pode ler: “I – Sendo imperativa a exigência de fundamentação das decisões judiciais, só a absoluta falta de fundamentação da sentença (ou seja, a não indicação dos factos provados e não provados) é suscetível de gerar a sua nulidade, pelo que a falta de motivação não gera a nulidade da sentença, desde que na mesma tenham sido discriminados os factos que o tribunal considera provados/não provados. II – Ainda que se admita que também a motivação da decisão da matéria de facto possa ser considerada para efeitos do art. 615.º, n.º 1, alíneas b) e c) do CPC, para que a sentença possa ser considerada nula, sempre se exigiria a falta absoluta de motivação, não bastando que a mesma seja deficiente, incompleta, ou não convincente”.
Feitas estas considerações, adianta-se desde já que in casu não ocorre a invocada nulidade por falta de fundamentação de facto.
Com efeito, do teor da decisão recorrida é perfeitamente possível alcançar o quadro factual subjacente ao seu sentido decisório, nomeadamente, é possível retirar que o Tribunal a quo teve em linha de conta os meios probatórios produzidos, designadamente do ponto de vista documental e testemunhal destacando-se da motivação da matéria de facto constante da sentença recorrida queA convicção do Tribunal quanto à matéria de facto resulta da alegação das partes vertida nos respectivos articulados e da inexistência de desacordo ou confronto factual quanto àquela matéria assente, mormente no que tange à matéria admitida pelo R. relativa aos custos com os trabalhos de apoio de campo ao LNEC (pontos 10. a 22. do probatório). Além disso, o Tribunal atendeu ao teor dos documentos juntos aos presentes autos, designadamente aqueles que foram sendo indicados nos respectivos pontos do probatório, considerando, desde logo, que tais documentos não foram impugnados. O Tribunal tomou ainda em consideração os documentos relativos à prévia tramitação deste processo (antes da instauração do presente incidente) que constam do sistema informático de suporte à actividade dos Tribunais Administrativos e Fiscais – SITAF –, os quais são do pleno conhecimento de ambas as partes. No que concerne à factualidade constante do ponto 9., o Tribunal teve em consideração não apenas os documentos ali mencionados, mas também o depoimento prestado pela testemunha «HH», economista de profissão e funcionário da A., que prestou um depoimento espontâneo, com conhecimento directo dos factos e devidamente sustentado, o que lhe conferiu sinceridade e credibilidade”.
Mais se destaca da motivação de facto que “A prova produzida permitiu concluir que a A. incorreu em diversos custos financeiros com a generalidade da sua actividade, mormente decorrentes dos atrasos de pagamentos por parte dos seus clientes, em grande medida do Estado [seja ao nível da administração indirecta (mencionando a testemunha os casos dos atrasos nos pagamentos por parte da Estradas de Portugal e da Refer), seja ao nível da administração autónoma (tendo sido mencionados pela mesma testemunha os casos dos incumprimentos e atrasos nos pagamentos por diversos municípios, destacando os casos dos Municípios ..., de ..., de ... e de ..., além do R., naturalmente)]. O que motivou a A. a contrair diversos financiamentos (quer por si, quer em conjunto com o grupo de empresas em que se integra, onde figura a «[SCom01...] SGPS, S.A.» como casa mãe) ao longo dos anos, destinados a cobrir dificuldades de tesouraria e a permitir-lhe assegurar o cumprimento dos diversos compromissos assumidos. Entre as dificuldades de operação da A., verificados in casu desde 2004, contam-se o dispêndio das quantias apuradas na presente acção referentes às reparações (no valor de EUR 25.474,05, acrescido do IVA à taxa legal em vigor), ao parecer da Doutora «AA» (no valor de EUR 5.497,80) e ao parecer do LNEC (no valor de EUR 35.680,05). E, nesse contexto genérico e generalizado de dificuldades, apurou-se que a A. contratou, desde 2004 e ao longo dos anos, diversos financiamentos bancários, que foi substituindo por outros à medida que se iam esgotando os prazos de pagamento ou que se via na contingência de ter de renegociar a dívida bancária. Financiamentos que assumiam sempre valores na casa dos milhões de euros, sendo disso paradigmático o contrato de financiamento que a A. celebrou com o «Banco 1..., S.A.» em 19.02.2013, tendo a «[SCom01...] SGPS, S.A.» como garante, no valor de EUR 60.000.000,00 e que substituiu todos os créditos anteriores contratados pela A., permitindo à A. liquidar todos os anteriores créditos e englobar num único contrato as suas necessidades de financiamento, o qual ainda se encontra em curso, terminando em 2025, podendo ser prorrogado até 2030”.
Todavia, como destaca o Tribunal a quo, “tal prova apenas permitiu ao Tribunal concluir pela necessidade da A. em obter financiamento para assegurar as suas necessidades de tesouraria. Não permitiu, em concreto, apurar quais os específicos custos em que a A. incorreu com o dispêndio das quantias que pagou pelas reparações e pelos pareceres dos presentes autos. (…) Pelo que, apenas concluiu o Tribunal que a A., nos anos de 2004 a 2020, para fazer face à sua actividade (onde se incluem naturalmente os custos das reparações e aos desembolsos com os pareceres da Doutora «AA» e do LNEC), contraiu diversos financiamentos (…).Em que medida tais contratos foram necessários para assegurar o pagamento das quantias referentes aos custos das reparações e aos pareceres não foi apurado, pois a A. não logrou demonstrar tal circunstância (…) O nexo entre a dívida em questão e os concretos contratos de financiamento juntos aos autos é que não foi estabelecido pela A., apesar de dúvidas inexistirem de que a A. incorreu em custos financeiros com os pagamentos em causa e a falta de ressarcimento dos mesmos pelo R..”
Nesta perspetiva, a fundamentação constante da decisão recorrida é a bastante para a decisão que ali era suposto ser proferida, sendo certo que é perfeitamente claro o enquadramento factual tido por assente e considerado relevante pelo Tribunal a quo, o que permitiu aos seus destinatários, designadamente, o recorrente, como prova o recurso que dela interpôs, alcançar o quadro factual subjacente à decisão em crise, analisando-o e até dele discordando bem assim como da motivação da decisão da matéria de facto.
Assim, neste segmento, improcede o recurso interposto.
*
- Por a sua fundamentação estar em oposição com a decisão.
De acordo com o disposto na al. c), do n.º 1, do art. 615º, do CPC, a sentença será nula “quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
A nulidade da sentença contemplada nesse preceito pressupõe um erro de raciocínio lógico que se traduz em a decisão proferida ser contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto ou de direito de que o juiz se serviu ao proferi-la. Ocorre quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto.
Como se afirmou no acórdão do STJ de 26.1.2017, Procº nº 8838/12.0T8BVNG.P2.S1: “(…) III - A causa de nulidade prevista no art. 615º, nº 1, al. c), ocorre quando “há um vício real de raciocínio do julgador em que a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente. IV – Saber se o enquadramento jurídico feito no acórdão e a conclusão a que nele se chegou são, ou não, acertados ou injustos, constitui matéria de que não cabe curar em sede de nulidade de sentença/acórdão. Trata-se de questão a envolver eventual erro de julgamento e nunca fundamento de nulidade do acórdão, que se prende tão só com a estrutura formal da decisão”.
Por outro lado, essa nulidade verifica-se quando existe contradição entre os fundamentos exarados pelo juiz na fundamentação da decisão e não entre os factos provados e a decisão (cf. neste sentido acórdão do STJ de 11.1.2018, Procº nº 779/14.2TBEVR-A.E1.S1: “(…) II – A errada interpretação e valoração jurídica de facto envolve erro de natureza jurídica que, comprometendo o acerto da fundamentação nessa parte, se repercute no mérito do aresto, sem beliscar, todavia, a sua regularidade formal”.
A este propósito, Alberto dos Reis refere “dois tipos de sentença viciada: a sentença injusta e a sentença nula. A primeira enferma de erro de julgamento; a segunda enferma de erro de actividade (erro de construção ou formação” - Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, Coimbra, 1984, pág. 122.
E, Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Coimbra Editora, Coimbra, 2001, pág. 670, refere “Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correcta, a nulidade verifica-se. A oposição entre os fundamentos e a decisão tem o seu correspondente na contradição entre o pedido e a causa de pedir, geradora de ineptidão da petição inicial”.
Feitas estas considerações e compulsada a sentença recorrida resulta patente que não ocorre a alegada contradição, pois que a argumentação de facto e de direito que dela consta, conduz precisamente à decisão que foi proferida no sentido da fixação de indemnização em quantia líquida por recurso à equidade, correspondente aos custos financeiros que a A. suportou com o custo das reparações e com os pareceres da Doutora «AA» e do LNEC, que a sentença declarativa já havia definido através de uma condenação genérica.
Na verdade, na sentença recorrida, de acordo com a motivação da matéria de facto, assume-se que “a prova produzida em juízo apenas permitiu ao Tribunal concluir pela necessidade da A. em obter financiamento para assegurar as suas necessidades de tesouraria, não permitiu, em concreto, apurar quais os específicos custos em que a A. incorreu com o dispêndio das quantias que pagou pelas reparações e pelos pareceres dos presentes autos. Assim, apenas ficou demonstrado que a A., nos anos de 2004 a 2020, para fazer face à sua actividade (onde se incluem naturalmente os custos das reparações e aos desembolsos com os pareceres da Doutora «AA» e do LNEC), contraiu diversos financiamentos, pelos quais pagou as taxas de juro identificadas no ponto 9. do probatório, não tendo sido demonstrado em que medida tais contratos foram necessários para assegurar o pagamento das quantias referentes aos custos das reparações e aos pareceres. Assim, no caso dos autos, é manifesta a falta de factualidade apurada que permita, per se, uma adequada quantificação indemnizatória do dano patrimonial sofrido pela A., uma vez que a factualidade destinada a suportar essa quantificação não resultou provada, quedando-se apenas por provados custos financeiros genéricos da actividade global da A.. Ora, é certo que em sede de liquidação de sentença, caso a prova produzida seja insuficiente para fixar a quantia devida, não ocorre qualquer improcedência do pedido – sendo, portanto, impossível a conclusão propugnada pelo R. na sua oposição ao presente incidente de improcedência deste e da sua absolvição do pedido –, antes obriga o julgador a proceder à respectiva fixação, recorrendo, em última ratio, à equidade – neste sentido, cf. art.º 566º, n.º 3 do Código Civil (CC) e Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 29.05.2014 (proc. n.º 130/09) e de 29.06.2017 (proc. n.º 4081/14), do Tribunal da Relação do Porto de 28.03.2012 (proc. n.º 55/2000) e do Tribunal da Relação de Lisboa de 01.10.2014 (proc. n.º 2656/04).(…) No caso, não se trata de recorrer à equidade para contornar questões de falta de prova de factos que pudessem ser provados, mas antes, dentro dos limites do que foi possível ter por provado, encontrar a justa indemnização para um dano que é incontornável – tendo sido, aliás, já considerado provado por este Tribunal por decisão confirmada pelo TCAN e transitada em julgado – mas cuja extensão/intensidade exacta, em termos de volume de empobrecimento real, não foi possível delimitar com todo o rigor, o que pode, no limite, ser suprido com parâmetros de razoabilidade, adequação e justa proporção, fazendo apelo à justiça do caso, tendo em conta os dados da experiência comum e um padrão de normal diligência. Quer isto significar que ficou demonstrado que a A. incorreu em custos financeiros, apenas não tendo ficado provado nestes autos qual o concreto quantum dos específicos custos financeiros aqui em discussão, decorrentes do pagamento dos valores das reparações e dos pareceres.(…) Assim, ponderando, neste âmbito, a factualidade apurada, de si expressiva daquele dano, e a grande exiguidade de outros elementos para a sua quantificação, mas importando não privar a A. da necessária reparação, não vê o Tribunal, no âmbito do imprescindível juízo de equidade – que não é injustiça, para nenhuma das partes, nem “salto no escuro”, mas justa proporção, justiça possível do caso [cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 01.10.2014 (proc. n.º 2656/04)] –, outro critério a sufragar que não seja o da aplicação de uma taxa de juro de 4% sobre os montantes despendidos pela A. com as reparações e os pareceres por forma a ressarci-la dos custos financeiros incorridos com esses pagamentos.”
Nesta medida, o que consequentemente veio a ser decidido, ao contrário do entendimento expresso pelo recorrente, revela uma coerência lógica entre os fundamentos e a decisão, isto é, a fundamentação aponta num determinado sentido e a decisão que dela se extrai é a consequência que dela deriva e não qualquer outra, em oposição com essa fundamentação.
Assim, carecendo de fundamento a arguição de nulidade, efectuada ao abrigo do disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 615º do CPC, improcede este segmento do recurso interposto.
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Quanto ao erro de julgamento de direito.
Como vimos, a acção declarativa foi julgada procedente, e em consequência, foi o R. condenado a pagar à Autora: “1) Os custos das reparações, no valor de € 25.474,05, acrescido do IVA à taxa legal em vigor e dos custos financeiros, desde Outubro de 2004, data da execução dos trabalhos, até efectivo pagamento. 2) O Parecer que encomendou à Doutora «AA», no valor de € 5.497,80, já com o IVA incluído, bem como os correspondentes custos financeiros, desde as datas dos efectivos desembolsos e até efectivo pagamento. 3) O Parecer do LNEC, no valor de € 35.680,05, já com o IVA incluído, bem como os correspondentes custos financeiros, desde as datas dos efectivos desembolsos e até efectivo pagamento. 4) Os custos com o apoio de campo aos trabalhos do LNEC, montante a apurar em sede de liquidação”.
No presente incidente de liquidação, cumpria apenas apurar e liquidar os custos com o apoio de campo aos trabalhos do LNEC que o R., no decurso da tramitação do incidente veio a assumir serem devidos, pelo que, a sentença recorrida condenou o R. a pagar à A. a quantia de EUR 3.733,29 (três mil setecentos e trinta e três euros e vinte e nove cêntimos), não sendo, esta parte, objecto de recurso.
Mais se assumiu que o incidente se destinava a fixar os custos financeiros com (i) os custos das reparações, no valor de € 25.474,05 desde Outubro de 2004, data da execução dos trabalhos, até efectivo pagamento; (ii) o parecer que encomendou à Doutora «AA», no valor de € 5.497,80, desde as datas dos efectivos desembolsos e até efectivo pagamento; (iii) o parecer do LNEC, no valor de € 35.680,05, desde as datas dos efectivos desembolsos e até efectivo pagamento.
O Tribunal recorrido, face à falta de factualidade apurada que permitisse por si só uma adequada quantificação indemnizatória do dano patrimonial sofrido pela A., uma vez que só se provou que a A. suportou custos financeiros genéricos da sua actividade global, recorreu a equidade para fixar a quantia devida, ao abrigo do art.º 566º, n.º 3 do Código Civil que impõe, a propósito da indemnização em dinheiro, que “se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”.
E, assim, o Tribunal recorrido deitou mão do disposto no art.º 806º, n.º 1 do CC (“Na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora”) para chegar a um critério que considerou justo, equilibrado e adequado para fixação do ressarcimento da A., isto é, a aplicação ao caso de uma taxa de juro equivalente à taxa legal em vigor – 4% (cf. art.º 559º, n.º 1 do CC e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril) - sobre os montantes despendidos pela A. com as reparações e os pareceres, por forma a ressarci-la dos custos financeiros incorridos com esses pagamentos.
Em face disso, concluiu que o R. devia pagar à A., a título de custos financeiros pelos custos das reparações e dos pareceres da Doutora «AA» e do LNEC, a quantia total de € 38.239,86 quando a A. havia peticionado, a esse título, a quantia de € 61.324,34
Vejamos se ao assim ter decidido incorreu a sentença recorrida em erro de julgamento.
O incidente de liquidação visa tornar líquida a condenação genérica, decretada por sentença condenatória transitada em julgado, por os factos apurados não permitirem ao tribunal determinar o quantum indemnizatório devido por via desses danos, surgindo o incidente como necessário a tal fim (tornar líquida a condenação genérica).
Tem o mesmo como pressuposto que na sentença condenatória transitada em julgado se encontrem já, em definitivo, provados os factos relativos ao dano sofrido, faltando, tão só, a determinação do quantum, isto é, da dimensão do prejuízo realmente sofrido pelo Requerente em consequência desse dano.
Na verdade, e conforme se retira do teor do artigo 358.º, n.º 2 do CPC, o incidente de liquidação não implica o início de uma nova instância, mas sim a renovação da original, pelo que, esta sempre terá que constituir pressuposto e limite da decisão a proferir nestes autos.
Neste sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24.06.2011, proferido no âmbito do Proc. n.º 2562/04.4TVLSB.L16), no qual se deixou consignado que “o instituto da liquidação de sentença visa quantificar uma condenação anterior, estribada, por um lado, nos pedidos e causa de pedir enunciados pelo Autor ou pelo Réu, e, por outro, pela factualidade dada como provada e não provada e pela aplicação à mesma do direito, sendo dentro dessas precisas e estritas fronteiras que a determinação quantitativa perseguida pelo incidente de liquidação se pode movimentar e emergir, não podendo tal figura ter uma abrangência tal que, apesar da sua índole declarativa, se permita discutir, de novo e com idêntica amplitude, matéria essencial e constitutiva de direitos, que deveria ter sido debatida e demonstrada na acção declarativa propriamente dita e não foi”.
Também em Acórdão do mesmo Tribunal de 1/10/14 2656/04.6TVLSB-A.L2-6, a propósito da aplicação do regime do nº3 do atº 566 do CC pode ler-se no respectivo sumário “1. - Faltando, em processo para liquidação de sentença condenatória, pontos de sustentação fáctica que permitam uma fixação exacta, em sede indemnizatória, do volume de empobrecimento patrimonial do lesado, deve o tribunal julgar equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (art.º 566.º, n.º 3, do CCiv.). 2. - Ao relegar para ulterior fase de liquidação de sentença o apuramento do valor que o credor tem a receber, o tribunal da condenação já reconheceu a existência de um direito de crédito, que apenas não foi quantificado, devendo sê-lo na posterior liquidação. 3. - Nada obsta a que a equidade funcione como último critério na fase de liquidação, se também em tal fase se mostrou impossível proceder à quantificação do dano concreto, caso em que a fixação dos danos segundo juízos de equidade constitui matéria de direito, fazendo apelo a bitola jurídica. 4. - A equidade, como justiça do caso, mostra-se apta a colmatar as incertezas do material probatório, bem como a temperar o rigor de certos resultados de pura subsunção jurídica, na procura da justa composição do litígio, fazendo apelo a dados de razoabilidade e equilíbrio, tal como de normalidade, proporção e adequação às circunstâncias concretas, sem cair no arbítrio ou na mera superação da falta de prova de factos que pudessem ser provados”.
Por conseguinte, o incidente de liquidação destina-se tão só a determinar o quantum dos prejuízos e inicia-se mediante requerimento no qual o autor especifica os danos derivados do facto ilícito e conclui pedindo quantia certa – cf. nº1, do artº 359º do CPC. Em tal incidente, não tem o requerente de alegar e provar quaisquer danos ou prejuízos concretos, nem os pressupostos da obrigação de indemnização, que têm de se encontrar já provados na sentença, transitada em julgado, proferida na ação declarativa, tendo, sim, de alegar e provar a factualidade necessária ao apuramento do montante efetivo da indemnização – o quantum - que lhe é devida por via de ter sofrido os concretos danos/prejuízos cuja existência já se encontram, em definitivo, assentes na ação declarativa.
Assente que a sentença proferida no incidente de liquidação não pode alterar o que ficou decidido na sentença de condenação, temos que, o incidente de liquidação não pode findar com sentença de improcedência, a pretexto de que o requerente não fez prova, na medida em que tal equivaleria a um non liquet e violaria o caso julgado formado com a decisão definitiva anterior, que reconheceu à parte um crédito apenas dependente de liquidação (cf. Acórdão do STJ de 4/7/2019, processo 5071/12.4TBVNG.1.P1.S1).
Como vimos e resulta do probatório, o presente incidente de liquidação tem como pressuposto a condenação resultante da sentença proferida em 6/3/2013 pelo TAF de Viseu que julgou procedente a acção e condenou o R. a pagar à A.: “1) Os custos das reparações, no valor de € 25.474,05, acrescido do IVA à taxa legal em vigor e dos custos financeiros, desde Outubro de 2004, data da execução dos trabalhos, até efectivo pagamento. 2) O Parecer que encomendou à Doutora «AA», no valor de € 5.497,80, já com o IVA incluído, bem como os correspondentes custos financeiros, desde as datas dos efectivos desembolsos e até efectivo pagamento. 3) O Parecer do LNEC, no valor de € 35.680,05, já com o IVA incluído, bem como os correspondentes custos financeiros, desde as datas dos efectivos desembolsos e até efectivo pagamento. 4) Os custos com o apoio de campo aos trabalhos do LNEC, montante a apurar em sede de liquidação”, sentença que foi confirmada por acórdão deste TCAN de 20.12.2019.
Nessa acção ficou por apurar o quantitativo que a recorrente teria que despender a título de os custos financeiros com (i) os custos das reparações, no valor de € 25.474,05 desde Outubro de 2004, data da execução dos trabalhos, até efectivo pagamento; (ii) o Parecer que encomendou à Doutora «AA», no valor de € 5.497,80, desde as datas dos efectivos desembolsos e até efectivo pagamento; (iii) o Parecer do LNEC, no valor de € 35.680,05, desde as datas dos efectivos desembolsos e até efectivo pagamento.
Estávamos assim perante uma situação em que se mostrava provada a existência do dano, mas não o seu valor, daí que se tivesse relegado a sua fixação para momento ulterior.
Dos artºs 360º, nº 4, do CPC e 566º, nº 3, do CC, resulta claro que, no incidente de liquidação de danos, o Tribunal tem de determinar sempre o valor dos danos relegados para liquidação, ainda que com recurso à prova pericial ou à equidade, sob pena de violação do caso julgado formado com a decisão definitiva anterior, que reconheceu à parte um crédito apenas dependente de liquidação – cf. Acórdão do STJ de 06/11/2018, no processo n.º 452/05.2TBPTL.G2.S1.
Ora, o julgamento com base na equidade vai impor ao Juiz que procure os elementos relevantes em termos de caracterização do caso a decidir, suprindo, quando necessário as insuficiências da intervenção das partes, de forma a encontrar a solução para o litigio que parecer mais justa. (cf. Ac. TRL de 29/10/2019, no proc. 18/04.4TBALM-B.L1.1).
O Tribunal a quo perante a prova produzida concluiu pela necessidade da A. em obter financiamento para assegurar as suas necessidades de tesouraria, todavia, não permitiu, em concreto, apurar quais os específicos custos (financeiros) em que a A. incorreu com o dispêndio das quantias que pagou pelas reparações e pelos pareceres dos presentes autos.
Em face disso, o Tribunal a quo não alcançando o valor exato dos danos mas tendo de fixar indemnização por ter havido dano, julgou equitativamente, dentro dos limites que considerou provado (art. 566.º, n.º 3, do CC), fixando a esse título a “justa indemnização para um dano que é incontornável (…) mas cuja extensão/intensidade exacta, em termos de volume de empobrecimento real, não foi possível delimitar com todo o rigor, o que pode, no limite, ser suprido com parâmetros de razoabilidade, adequação e justa proporção, fazendo apelo à justiça do caso, tendo em conta os dados da experiência comum e um padrão de normal diligência”.
E, para fixação desse valor, considerou que, “tendo presente que aquilo que a A. pretende obter com os custos financeiros invocados/peticionados é o ressarcimento dos custos incorridos pela perda de disponibilidade do capital por si despendido com as reparações e os pareceres; tendo em consideração que a extensão/intensidade exacta, em termos de volume de empobrecimento real, não foi possível delimitar com todo o rigor por recurso à prova produzida em juízo; e tendo em conta a necessidade de encontrar um critério justo, equilibrado e adequado para fixação do ressarcimento da A., conclui-se pela aplicação ao caso de uma taxa de juro equivalente à taxa legal em vigor – 4% (cf. art.º 559º, n.º 1 do CC e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril)”.
Em face disso, aplicou a taxa de juro de 4% aos montantes pagos pela A. com as reparações efectuadas e com os pareceres e concluiu que a quantia total que era devia pelo R. à A. era de € 38.239,86, com base no seguinte raciocínio: “In casu, por sentença confirmada e transitada em julgado, o R. foi condenado a pagar à A. o valor de EUR 25.474,05 (acrescido de IVA à taxa legal em vigor) a título de custo das reparações, assim como os valores de EUR 5.497,80 e EUR 35.680,05 pelos pareceres elaborados pela Doutora «AA» e pelo LNEC, respectivamente. Valores, esses, acrescidos dos correspondentes custos financeiros, contabilizados desde a data dos efectivos desembolsos e até efectivo pagamento. Relativamente aos custos das reparações, conforme resulta da sentença proferida nos presentes autos em 06.03.2013, os custos financeiros são devidos desde Outubro de 2004 até à data em que o R. efectivamente os pagou à A., o que ocorreu em 03.11.2020 [ponto 4. do probatório]. Assim sendo, sobre o montante pago pela A. com as reparações efectuadas – EUR 27.002,49 (IVA incluído) – deve ser aplicada a taxa de juro de 4% sobre esse capital desde o dia 31.10.2004 (uma vez que na sentença proferida nos presentes autos em 06.03.2013 não se apurou o concreto dia em que a A. concluiu os trabalhos de reparação indicados pelo R., apenas se apurando, no facto 12., que “a A. executou os trabalhos indicados pelo R., em Setembro e Outubro de 2004”, deve atender-se apenas ao último dia desse mês como dies a quo paraa contabilização dos custos financeiros) até ao dia 03.11.2020. O que perfaz um total de EUR 17.302,31 de custos financeiros a pagar pelo R. à A. pelos custos das reparações por esta executadas. Quanto ao parecer da Doutora «AA», resulta do probatório [ponto 7.] que o mesmo foi pago pela A. em duas prestações, no valor de EUR 2.748,90 cada, sendo a primeira em 13.10.2004 e a segunda em 01.03.2005. Assim sendo, sobre os montantes parciais pagos pela A. com aquele parecer deve ser aplicada a taxa de juro de 4% sobre esse capital desde o dia dos respectivos pagamentos pela A. até ao dia em que o R. ressarciu a A. desses montantes [03.11.2020 (cf. ponto 5. do probatório)]. O que perfaz um total de EUR 3.491,78 de custos financeiros a pagar pelo R. à A. pelo parecer da Doutora «AA» [EUR 1.766,83 (referente à primeira prestação) + EUR 1.724,95 (referente à segunda prestação)]. E no que concerne ao parecer do LNEC, do probatório [ponto 8.] resulta que este também foi pago pela A. em duas prestações, a primeira em 12.07.2007, no valor EUR 17.914,05, e a segunda em 25.09.2009, no valor de EUR 17.766,00, sendo que o R. apenas ressarciu a A. desses montantes em 03.11.2020 [cf. ponto 5. do probatório]. Deste modo, sobre os montantes parciais pagos pela A. com o parecer do LNEC deve ser aplicada a taxa de juro de 4% sobre esse capital desde o dia dos respectivos pagamentos pela A. até ao dia em que o R. ressarciu a A. desses montantes. O que perfaz um total de EUR 17.445,77 de custos financeiros a pagar pelo R. à A. pelo parecer do LNEC [EUR 9.546,96 (referente à primeira prestação) + EUR 7.898,81 (referente à segunda prestação)”.
Ora, ponderando a matéria de facto apurada que aponta para a inultrapassável existência de custos financeiros suportados pela A. com o pagamento das reparações que teve que efectuar bem como com os pareceres que a sentença declarativa julgou serem da responsabilidade do R., que se traduzem em dano e bem assim como a insuficiência de elementos para a sua exacta quantificação que, todavia, não podem afastar o direito da A. à sua reparação, julgamos, no âmbito do necessário juízo de equidade, que o critério eleito pelo Tribunal a quo, isto é, a aplicação da taxa legal em vigor – 4% (cf. art.º 559º, n.º 1 do CC e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril) às quantias despendidas pela A., se mostra conforme o quadro legal aplicável e obedece aos princípios da adequação e da proporcionalidade, por referência ao caso concreto.
Nestes termos, não oferece qualquer razão ao recorrente nas críticas que dirige à sentença recorrida no que tange à aplicação dos artigos 562º e 563º do Código Civil bem assim como do artigo 566º, n.º 3 do Código Civil e das regras do ónus da prova previstas no artigo 342.º do Código Civil.
Improcede, assim, o recurso interposto.
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Quanto ao Pedido de condenação do Réu/recorrente como litigante de má fé.
O pedido de condenação do Réu como litigante de má fé, formulado pela recorrida em sede de contra-alegações, assenta na alegada falta de fundamentação das alegações do recorrente que considera que este não pode ignorar assim ganhando tempo para pagar aquilo que sabe que vai ter de fazer, pelo que, deve ser condenado em multa e numa indemnização consistente em juros de mora à taxa dos juros comerciais desde a data em que a sentença transitaria em julgado e até efectivo pagamento ou, pelo menos, e considerando o artº 543º, nº2 do CPC, até à data em que vier a ser proferida decisão por esse Tribunal.
Apreciando.
Dispõe o artº 542º, nº 2, do CPC: “Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave: a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão“.
A actual noção de litigância de má-fé abarca não só o dolo, mas, ainda, a negligência grave ou grosseira, isto é, aquelas situações resultantes da falta de precauções exigidas pela mais elementar prudência ou das aconselhadas pela previsão mais elementar que devem ser observadas nos usos correntes da vida. O instituto da litigância de má-fé abrange, assim, tanto a lide dolosa, como também a lide grosseiramente temerária.
No centro do instituto da litigância de má-fé está a ideia de que a ordem jurídica disponibiliza a tutela jurisdicional a todos os titulares de direitos, não interessando que, no caso concreto, o litigante tenha ou não tenha razão, mas introduz uma limitação de ordem moral, no sentido de que o exercício dos direitos seja sincero, que a parte esteja convencida da justiça da sua pretensão, que esteja de boa-fé, ou suponha ter razão (cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 10-07-2019, proc. nº 7686/18.8T8VNG.P1).
Contudo, a condenação como litigante de má-fé só deve ter lugar em situações extraordinárias. Só deve ocorrer quando comprovado nos autos, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu, conscientemente, com dolo ou negligência grave, de forma reprovável.
Como se pode ler em sumário de Acórdão do TRL de 18/1/2023 processo 456/13.1TTFUN-B.L2, “II - Deve ser-se cauteloso, prudente e razoável na condenação por litigância de má fé. III - Esta só deve ocorrer quando se demonstre, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu dolosamente ou com grave negligência, com o fito de impedir ou a entorpecer a acção da justiça, devendo ser-se cauteloso, prudente e razoável na condenação por litigância de má fé que só deve ocorrer quando se demonstre, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu dolosamente ou com grave negligência, com o fito de impedir ou a entorpecer a acção da justiça”.
E, pronunciando-se sobre a litigância de má fé, no Acórdão de 22/1/2024, proferido por TRP, no processo nº1944/21.1.T8VFX.P1, pode ler-se o seguinte: “No Acórdão de 23-4-2008 (proc. 07S2894, Mário Pereira) consigna que a sustentação de posições jurídicas porventura desconformes com a correta interpretação da lei não implica, por si só, em regra, a qualificação de litigância de má-fé na espécie de lide dolosa ou temerária, porque não há um claro limite entre o que é razoável e o que é absolutamente inverosímil ou desrazoável, no que concerne à interpretação da lei e à sua aplicação aos factos. A litigância de má-fé exige a consciência de que quem pleiteia de certa forma tem a consciência de não ter razão (ac. do S.T.J. de 11-9-2012, proc. 2326/11.09TBLLE.E1.S1, Fonseca Ramos). A má-fé depende de intenção maliciosa ou uma negligência de tal modo grave ou grosseira que, aproximando-a da atuação dolosa, justifica um elevado grau de reprovação e idêntica reação punitiva (ac. do S.T.J. de 12-11-2020, proc. 279/17.9T8MNC-A.G1.S1, Maria do Rosário Morgado). Na verdade, nem sempre a condenação na lide significa que o réu ou o autor reconvindo agiu sob o signo da má-fé ou formulou pretensão injusta, a reclamar o seu sancionamento como litigante de má-fé. Traduzindo a lide processual um conflito de interesses, poderá compreender-se que as partes, convictas do seu direito, percam algum discernimento e objetividade, congeminando uma versão dos factos que é para elas a verdadeira e que pode não corresponder àquela que venha a ser reconhecida a final. Trata-se de uma área de elevado melindre. É, pois, compreensível que se observe um grau de prudência razoável, numa apreciação casuística da situação em confronto. É verdade que a interpretação acurada da norma em apreço permite uma maior exigência quanto ao desempenho das partes, mas até ao momento a análise jurisprudencial não permite concluir que os tribunais venham a usar de um crivo mais apertado, erigindo a boa-fé em verdadeiro esteio do sistema. Conferem às partes o benefício da dúvida e só as confrontam com a litigância de má-fé em casos de manifesto desrespeito ético - Menezes Cordeiro (Litigância de Má-Fé, Abuso do Direito de Ação e Culpa in Agendo, Coimbra, Almedina, pp. 30-32) elenca situações em que tribunais superiores procederam a condenações de litigância de má-fé, exemplificativas do grau de exigência praticado”.
Também por isso não se deve confundir a litigância de má-fé com a mera dedução de pretensão ou oposição cujo decaimento sobreveio por mera fragilidade da sua prova, por a parte não ter logrado convencer da realidade por si trazida a juízo, nem com a eventual dificuldade de apurar os factos e de os interpretar, nem sequer com a discordância na interpretação e aplicação da lei aos factos, a diversidade de versões sobre certos factos ou a defesa convicta e séria de uma posição, sem, contudo, a lograr impor (cf. Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Pires de Sousa, Código de Processo Civil anotado, vol. I, Almedina, 2018, p. 593).
Aqui chegados, tendo presente o que resulta dos autos e do artigo 542º, nº 2, do CPC ex vi artigos 1º e 35º, nº 1, do CPTA, julgamos que in casu não se vê que se justifique condenação a título de litigância de má fé.
pois não há evidência de que o R./recorrente ao interpor recurso da decisão proferida pelo Tribunal de 1ª instância no incidente de liquidação tenha actuado de forma dolosa ou grosseiramente negligente, com má-fé substancial, no sentido de obter decisão que julgue improcedente o incidente que sabia de antemão não poder alcançar nem tão pouco revelam os autos que tenha feito um uso reprovável do processo.

Assim, não se mostram preenchidos os pressupostos da litigância de má fé, e, por conseguinte, não existe, fundamento para a condenação do R./recorrente como litigante de má fé.
*
IV. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Administrativa, Subsecção de Contratos Públicos, do Tribunal Central Administrativo Norte, em
i) Julgar improcedente o recurso e, em consequência, confirmar sentença recorrida;
ii) Não condenar o R./recorrente como litigante de má-fé.
Custas pelo Recorrente (artº 527º, nºs 1 e 2 do CPC).
Notifique.
Porto, 25 de Outubro de 2024.

Maria Clara Ambrósio
Ricardo de Oliveira e Sousa
Tiago Afonso Lopes de Miranda