Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00158/12.6BEMDL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/19/2019
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Ana Paula Santos
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL; NOTIFICAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO NO PRAZO DE CADUCIDADE
Sumário:
I – É a administração tributária que tem o ónus de demonstrar que efectuou a notificação de forma correcta, cumprindo os requisitos formalmente exigidos pelas normas procedimentais.
II – O «recibo de aceitação» e o «recibo de entrega» da carta registada pelos serviços postais, previstos nos n°s 2 e 4 do artigo 28° do Regulamento do Serviço Público de Correios são documentos idóneos para provar que a carta foi registada, remetida e colocada ao alcance do destinatário.
III – Trata-se, porém, de uma formalidade simplesmente probatória ou «ad probationem», cuja falta pode ser substituída por outros meios de prova.
IV – O registo informático dos mesmos dados de facto existente em entidades diferentes, o emissor (Administração Tributária) e o distribuidor da carta (CTT), é uma circunstância concreta que, num sistema de livre apreciação das provas, ainda que limitado pelo principio da persuasão racional, justifica suficientemente que se dê como provado que o registo foi efectivamente realizado.
V – O registo da carta faz presumir que o seu destinatário provavelmente a receberá, ou terá condições de a receber, três dias após a data registo, uma presunção legal que se destina a facilitar a prova de que a notificação foi introduzida na esfera de cognoscibilidade do notificando, presunção que, tendo por base o registo postal, só existe quando se prove que o registo foi efectuado. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:MLC
Votação:Unanimidade
Decisão:
Conceder provimento ao recurso
Revogar a sentença recorrida
Julgar a oposição improcedente
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

Relatório
A Fazenda Pública, inconformada, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, que julgou procedente a oposição deduzida por MLC contra a execução fiscal nº 2380201201007106, contra esta instaurada pelo Serviço de Finanças de Chaves, para cobrança coerciva de dividas provenientes de Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA) relativo ao ano de 2007 (€6.195,00) e respectivos juros compensatórios (€1.113,40), no valor global de €7.485,15 .
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A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
1. Em sede de contestação, o RFP alegou que as liquidações de IVA e de juros compensatórios subjacentes a quantia exequenda haviam sido notificadas a Oponente por cartas registadas, indicando, no mesmo acto, os números dos respectivos registos postais, remetendo para os documentos juntos ao processo administrativo (PA);
2. O PA incorpora documentos provenientes de duas entidades diferentes (a AT e os CTT) que fazem referência aos mesmos números de registos postais, pelo que, muito embora se tratem de meros prints de aplicações informáticas internas da AT ou sítio dos CTT na internet, sem valor probatório de per si, se deve dar como provado, pela conjugação desses documentos, que tais registos postais foram efectuados;
3. Dando-se como provado que os registos postais foram efectivamente realizados e vindo controvertida a questão de saber se, antes da instauração do PEF, as liquidações de IVA e de juros compensatórios subjacentes à quantia exequenda foram ou não notificadas à Oponente, cabia ao juiz, no seu percurso com destino à descoberta da verdade material e no âmbito do princípio do inquisitório, efectuar ou ordenar as diligências que se mostrassem necessárias ao cabal esclarecimento dessa verdade;
4. Ou seja, cabia-lhe instruir os autos com os elementos que permitissem, definitivamente, dar como provado ou não provado que as notificações tiveram lugar e que as liquidações se tornaram eficazes em relação ao sujeito passivo, in casu, a Oponente;
5. Ao não fazê-lo, optando por proferir decisão em processo insuficientemente instruído, permitiu um desfecho que não tem com a realidade ou com a verdade material, o mínimo de correspondência.
Nestes termos e nos mais de Direito que serão por V. Ex.s, com certeza, doutamente supridos, deverá o presente recurso jurisdicional merecer provimento, anulando-se a sentença recorrida e ordenando-se a devolução dos autos ao Tribunal a quo, para instrução e demais termos, designadamente quanto à produção da prova da expressão material dos registos postais.
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Não foram apresentadas contra - alegações.
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A Exma. Procuradora - Geral Adjunta junto deste tribunal emitiu o douto parecer inserto a fls 93 a 96, no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre agora decidir já que a tal nada obsta.
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Objecto do recurso - Questão a apreciar e decidir:
A única questão suscitada pela Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respectiva conclusão, é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito ao concluir que a liquidação que subjaz à dívida exequenda não foi notificada à executada, ora Recorrida, dentro do prazo de caducidade.
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FUNDAMENTAÇÃO
DE FACTO
O Tribunal a quo decidiu a matéria de facto nos seguintes termos:
III.1 – Factos Provados
Com interesse para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:
1) A oponente foi objeto de inspeção tributária, tendo sido notificada do projeto de relatório de inspeção para efeitos de exercer o seu direito de audição (fis. 6 e ss. do P.A.);
2) A oponente apresentou audiência prévia por escrito (fls. 9 e ss. do P.A.);
3) Foi elaborado relatório de inspeção tributária, no âmbito do qual se propunham correções em sede de IVA do ano de 2007 (fis. 11 e ss. do P.A.);
4) O relatório referido foi notificado à oponente (fls. 18 a 20 do P.A.).
III.2 - Factos não provados
Com interesse para a decisão da causa importa dar como não provados os seguintes factos:
1-Na sequência do relatório referido em 3) foram elaboradas liquidações de IVA e de juros compensatórios;
2-A oponente foi notificada da liquidação de IVA relativa ao relatório referido em 3), bem como da liquidação de juros compensatório.
III.3 - Fundamentação da matéria de facto
A convicção do Tribunal baseou-se na análise dos documentos que foram juntos aos autos, bem como dos que constam do P.A., os quais não foram impugnados e são especificados em cada um dos pontos.
Deram-se como não provados os factos 1- e 2- por não ter sido junto aos autos qualquer elemento de prova convincente. A Administração Tributária entendeu que os documentos de fis. 21 e 22 do P.A. demonstravam a existência da liquidação de IVA e a respetiva notificação à oponente e que os documentos de fis. 23 e 24 também do P.A. demonstravam a existência da liquidação de juros compensatórios e a sua notificação à oponente. Tais elementos são porém insuficiente.
Em primeiro lugar, quer o doc. de fis. 21 quer o doc. de fis. 23 contém como data 08.05.2012, data em que foi remetida a oposição para o serviço de finanças (fls. 14 dos autos).
Em segundo lugar, os referidos documentos não contêm nem a definição de um quantum nem a definição de um sujeito passivo, pelo que não podem ser vistos como liquidações em sentido técnico-jurídico.
Na verdade, os documentos em análise mais não são que meros prints do sistema informático da Administração Tributária, sem quaisquer garantias quanto aos elementos que aí constam. É que quando o contribuinte põe em causa a existência de um elemento, a Administração Tributária tem de demonstrar em Tribunal a expressão material de tal elemento, não sendo suficiente juntar um print alegadamente extraído de um sistema informático com uma série de números e siglas indecifráveis.
Em terceiro lugar, também da conjugação do doc, de fis. 21 com o doc. de fis. 22 e do doc. de fis. 23 com o doc. de fis. 24 não demonstra que a oponente tenha sido notificada do que quer que seja.
Na verdade, o que resulta do doc. de fis. 22 é que os CTT confirmam que receberam uma carta registada com o n.° RY941172115PT a 15.12.2011 e que a entregaram no destino a 16.12.2011. E do doc. de fis. 24 resulta que os CTT confirmam que receberam a 15.12.2011 carta registada com o n.° RY94118321PT e que a entregaram a 16.12.2011.
Ora, não se sabe o que é que foi entregue aos CTT, o seu conteúdo, a quem ia dirigido e qual a respetiva morada para onde foi remetido.
E os docs. de fis. 21 e 23 nada esclarecem a este respeito, antes levantam dúvidas já que a data de entrega referida em tais documentos não coincide com a data da entrega referida nos documentos dos CTT.
Assim, por não ter sido junta qualquer cópia de liquidação de IVA e de juros compensatórios, onde se pudesse confirmar a existência de uma verdadeira liquidação, o seu conteúdo e a quem estava dirigida, deu-se como não provados os factos referidos em 1- e 2-.
Para uma melhor compreensão da situação fáctica e respectivo enquadramento jurídico e ao abrigo dos poderes concedidos pelo art. 662º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), entendemos deixar registadas diversas circunstâncias, por confronto com os elementos constantes dos presentes autos e PA apenso, o que passamos a fazer, reformulando a factualidade pertinente, nos seguintes termos:
6) Conforme fls 21 do PA apenso, encontra-se junto aos autos um registo informático interno da AT, com os seguintes dizeres:
DGCI/SIVA LIQUIDAÇÕES EMITIDAS POR CONT./RF 2012/05/08
Iva
…….
7) Conforme fls 22 do PA, encontra-se junto aos autos um registo informático internos dos CTT, com os seguintes dizeres:
……
8) Conforme fls 23 do PA apenso, encontra-se junto aos autos um registo informáticos interno AT, com os seguintes dizeres:
…….
9) Conforme fls 23 do PA apenso, encontra-se junto aos autos um registo informático interno AT, com os seguintes dizeres:
…….
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DE DIREITO
A única questão que se coloca no presente recurso é a de saber se a notificação das liquidações a que se reporta a dívida exequenda à Oponente, ora Recorrida, foram efectuadas dentro do prazo de caducidade.
A este propósito, o Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela escreveu o seguinte: “(…)A única questão que importa apreciar no âmbito da presente ação é verificar se a oponente foi notificada da liquidação no prazo de caducidade. Vejamos.
(…)Tendo em consideração a data em que ocorreu o facto tributário subjacente à liquidação de IVA - 1.0 trimestre de 2007 -, é de aplicar, em matéria de caducidade, os artigos 45.° e 46.° da LGT, aprovada pelo Decreto-Lei n.° 398/98, de 17 de dezembro, com as alterações introduzidas pela Lei n.° 53-Al2006, de 29 de dezembro.
(…)o artigo 38.°, n.° 3 do CPPT determina que "as notificações não abrangidas pelo n.° 1, bem como as relativas às liquidações de tributos que resultem de declarações dos contribuintes ou de correções à matéria tributável que tenha sido objeto de notificação para efeitos do direito de audição, são efetuadas por carta registada."
Conforme resulta da matéria de facto apurada, as liquidações que subjazem à quantia exequenda foram precedidas de inspeção tributária, no âmbito da qual foram efetuadas correções meramente aritméticas à matéria tributável, sendo que o respetivo relatório de inspeção tributária foi precedido de audição prévia, pelo que a notificação da liquidação de IVA deveria ter sido efetuada através de carta registada.
Conforme salienta Jorge Lopes de Sousa, cabe à Administração Tributária demonstrar a correta efetivação da notificação, designadamente que a carta registada contendo a liquidação foi efetivamente enviada para o domicílio fiscal da pessoa a notificar - cfr. Jorge Lopes de Sousa - Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, 1 Volume, 6a edição, Áreas Editora, 2011, pág. 382.
Ora, tal prova não foi efetuada no âmbito do presente processo.
Como decorre da matéria de facto não provada, e respetiva fundamentação, a Administração Tributária não carreou para os autos os elementos necessários à demonstração da elaboração de uma liquidação na sequência do relatório de inspeção tributária, e muito menos que, elaborada a liquidação, esta tivesse sido remetida à oponente para o respetivo domicílio fiscal.
Na ausência de cópia da liquidação, não é suficiente a junção de um / mero print do sistema informático interno da Administração Tributária contendo um número de registo postal. Desde logo, desconhece-se em absoluto o que foi remetido através da carta registada cujo número consta do print junto aos autos (uma liquidação, cópia do print junto aos autos ou outra coisa qualquer) e muito menos se sabe para onde foi remetido (ia dirigido à oponente e foi remetido para o respetivo domicílio fiscal ou foi endereçado a outrem ou para outro domicílio).
Assim, é de concluir que a Administração Tributária não demonstrou em juízo que notificou a opoente da liquidação que respeita à quantia exequenda, pelo que não pode deixar a presente oposição de ser julgada procedente.(…)”
A Recorrente insurge-se contra o assim decidido, questionando o julgamento de facto efectuado pelo tribunal recorrido esgrimindo em defesa da sua tese a alegação de procedeu à notificação das liquidações que estão na génese da quantia exequenda (IVA e Juros compensatórios) antes de esgotado o prazo de caducidade do direito à liquidação, o que fez mediante cartas registadas, pelo que havendo registo informático dos mesmos dados de facto em entidades diferentes (AT e CTT) justificava-se que os factos dados por não provados passasem a ser considerados provados. Mais acrescentando que, vindo controvertida a questão de saber se, antes da instauração do PEF, as liquidações de IVA e de juros compensatórios subjacentes à quantia exequenda foram ou não notificadas à Oponente, se dúvidas se suscitavam face aos elemntos de prova constants dos autos, cabia ao Mmo juiz a quo, no seu percurso com destino à descoberta da verdade material e no âmbito do princípio do inquisitório, efectuar ou ordenar as diligências que se mostrassem necessárias ao cabal esclarecimento dessa verdade. Ou seja, cabia-lhe instruir os autos com os elementos que permitissem, definitivamente, dar como provado ou não provado que as notificações tiveram lugar e que as liquidações se tornaram eficazes em relação à Executada, pelo que ao não fazê-lo, proferiu decisão em processo insuficientemente instruído, impondo-se, anular a sentença recorrida e ordenar-se a devolução dos autos ao Tribunal a quo, para instrução e demais termos, designadamente quanto à produção da prova da expressão material dos registos postais.
Se bem lemos e interpretamos as alegações e respectivas conclusões de recurso, imputa a Recorrente, desde logo, à sentença a quo o erro de julgamento de facto no entendimento que mal andou o Tribunal a quo ao julgar não provados os seguintes factos: 1- Na sequência do relatório referido em 3) foram elaboradas liquidações de IVA e de juros compensatórios; 2- A oponente foi notificada da liquidação de IVA relativa ao relatório referido em 3),” , que no seu entendimento deveriam passar a constar da matéria julgada provada, perante a circiunstância de haver registo informático dos mesmos dados de facto em entidades diferentes (AT e CTT), a saber os registos postais das notificações das liquidações (registos postais RY941172115PT e RY941183121PT ), que se ponderados conduziriam a solução distinta do litigio , em conformidade com a tese propugnada pela Recorrente.
Como é sabido, a alteração pelo TCA da decisão da matéria de facto pressupõe que, para além da indicação dos pontos de facto considerados incorrectamente julgados, sejam indicados os concretos meios de prova constantes do processo ou de gravação realizada que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (arte. 712º nº1 als. a) e b) do CPC na redacção vigente à data, actual 662º do CPC).
Com efeito, só se esses meios de prova determinarem e forçarem decisão diversa da proferida se pode concluir ter a 1ª instância incorrido em erro de apreciação das provas legitimador da respectiva correcção pelo Tribunal Superior.
Ora, na decisão sobre a matéria de facto o juiz a quo aprecia livremente as provas, analisa-as de forma crítica e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, especificando os fundamentos que foram decisivos para a formação de tal convicção, excepto quando a lei exija formalidades especiais para a prova dos factos controvertidos, caso em que tal prova não pode ser dispensada.
É, pois, pela fundamentação invocada para a decisão que normalmente se afere a correcção do juízo crítico sobre as provas produzidas.
Assim, assentando a decisão da matéria de facto na convicção criada no espírito do juiz e baseada na livre apreciação das provas testemunhal e documental que lhe foram apresentadas, a sindicância de tal decisão não pode deixar de respeitar a liberdade da 1ª instância na respectiva apreciação.
Como se aponta no acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 05/05/11 (processo 334/07.3 TBASL.E1), “O erro na apreciação das provas consiste em o tribunal ter dado como provado ou não provado determinado facto quando a conclusão deveria ter sido manifestamente contrária, seja por força de uma incongruência lógica, seja por ofender princípios e leis científicas, nomeadamente, das ciências da natureza e das ciências físicas ou contrariar princípios gerais da experiência comum (sendo em todos os casos o erro mesmo notório e evidente), seja também quando a valoração das provas produzidas apontarem num sentido diverso do acolhido pela decisão judicial mas, note-se, excluindo este.
Não basta, pois, que as provas permitam dentro da liberdade de apreciação das mesmas, uma conclusão diferente, a decisão diversa a que aludem os artºs 690-A nº 1 al. b) e 712º nº 1 al. a) e b), terá que ser única ou, no mínimo, com elevada probabilidade e não apenas uma das possíveis dentro da liberdade de julgamento.”
Conforme ensina António Santos Abrantes Geraldes[ In Recursos no Novo CPC, 2ª edição, página 133-135.]: «Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos e facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões.
Quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados por escrito [documentos ou confissões reduzidas a escrito, depoimentos antecipados] e, por fim, os que foram oralmente produzidos perante o tribunal ou por carta e que ficaram gravados em sistema áudio ou vídeo.
Relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exactidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;(…)
Exigências que, segundo o autor citado, “devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor, próprio de um instrumento processual que visa pôr em causa o julgamento da matéria de facto efectuado por outro tribunal em circunstâncias que não podem ser inteiramente reproduzidas na 2ª instância”.
No caso concreto, ainda que a Recorrente não tenha procedido em conformidade com os rigores que uma boa técnica-jurídica que lhe impunham, lidas as alegações de recurso e respectivas conclusões resulta manifesto almejar a Recorrente que aqueles dois factos impugnados sejam expurgados da factualidade julgada não provada, para passarem a constar da matéria de facto julgada provada.
Da leitura dos factos em apreço, resulta manifesto que o facto descrito sob o nº1 contraria os elementos vertidos no Relatório Inspectivo (imposto em falta, montante da liquidação constante do print informático da AT), pelo neste conspecto assiste razão à Recorrente devendo tal facto passar a contar dos factos julgados provados so o nº 5.
Já no que concerne à matéria vertida no ponto 2 da factualidade julgada não provada, esta assume feição meramente conclusiva ou valorativa. Assim, na medida em que, por imperativo do disposto no artigo 607º nº 4 do actual Código de Processo Civil, devem constar da fundamentação da sentença os factos – e apenas os factos – julgados provados e não provados, tal significa que deve ser suprimida toda a matéria deles constante susceptível de ser qualificada como juízos de valor ou conclusivos.
Assim, se por um lado o facto não provado consignados no ponto 2 da sentença a quo deve ser expurgado do probatório, por traduzir expressão meramente conclusiva, pela mesmíssima razão não poderá constar dos factos provados, pelo que deverá ter-se por não escrito.
Termos em que procede o invocado erro de julgamento da matéria de facto.
Estabilizada a matéria de facto, a questão que ora se suscita consiste em determinar se do probatório se pode com segurança concluir que as liquidações que estão origem da quantia exequenda foram notificadas à oponente, ora Recorrida, antes de esgotado o prazo de caducidade do direito à liquidação.
Sob a epígrafe “Caducidade do direito à liquidação” o artigo 45.º da Lei Geral Tributária estabelece, no segmento que releva in casu, que «o direito de liquidar tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro » [n.º1].
Por sua vez, o n.º 4 dispõe que :« O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.
Estando em causa nos autos a liquidação de IVA relativo ao ano de 2007, o prazo de caducidade conta-se a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto ou o facto tributário, ou seja a partir de 01.01.2008, esgotando-se em 31.01.2011.
A questão jurídica a resolver consiste, antes de mais, em determinar se dos elementos constantes dos autos - concretamente os registos informaticos da AT bem como dos CTT relativos à emissão, distribuição e entrega da correspondência em causa - é possivel, com segurança, considerar, que a AT procedeu à notificação das liquidações a que se reporta a quantia exequenda, antes de esgotado o prazo de caducidade do direito à liquidação.
Como se escreve no douto Acórdão do STA de 16.05.2012, lavrado in Rec 01181/11: “(…) Tem-se presente que a notificação é um acto independente e com vida própria relativamente ao acto a notificar. Todo o acto tributário necessita de ser notificado para produzir plenos efeitos na esfera jurídica do destinatário, erigindo-se a notificação em corolário da eficácia do acto (cfr. nº 6 do art. 77° da LGT e nº 1 do art. 36º do CPPT). O acto que se notifica deve, pois, cumprir determinados requisitos legais para ser válido, mas esses requisitos não dão eficácia ao acto notificado. A eficácia produz-se mediante a notificação, através da qual se dá a conhecer aos interessados os actos que os afectam. A separação nítida entre acto notificado – o que deve cumprir os requisitos de legalidade para ser válido – e acto de notificação, o veículo que dá a conhecer o acto notificado, significa que ambos tomam caminhos jurídicos diversos quanto à sua configuração e respectivo regime jurídico.
Deste modo, podemos assinalar às notificações tributárias algumas características básicas que as distinguem no universo dos demais actos jurídicos: (1) é um acto independente do acto que notifica, ainda que praticado em função dele; (ii) é um acto externo de comunicação, uma vez que põe em relação a administração tributária com o contribuinte; (iii) é um acto expresso, com destinatário perfeitamente individualizado; (iv) é um acto de trâmite, mas que se efectua no âmbito de um (sub)procedimento autónomo; (v) é um acto documental, uma vez que se realiza de forma a colocar o acto tributário na esfera de perceptibilidade do seu destinatário; (vi) é um acto regulado por normas de procedimento, que fixam os requisitos formais da sua produção; (vii) e é um acto que se produz de modo oficial e oficioso.
O facto da notificação corresponder ao exercício de uma actividade documentada, em virtude da qual se comunica oficiosamente ao interessado um determinado acto tributário e que lhe dá a eficácia desejada, tem como consequência que a prova da sua existência pertence à Administração. É a administração tributária quem toma a iniciativa de dirigir a notificação ao contribuinte e por isso é ela quem tem o ónus de demonstrar que o fez de forma correcta, cumprindo os requisitos formalmente exigidos pelas normas procedimentais.(…)”
No caso dos autos, a notificação respeita a liquidação adicional do IVA (e respectivos juros compensatórios) apurado na sequência de inspecção tributaria, no âmbito da qual a Oponente, ora Recorrida, exerceu o direito de audição. Estabelece o artigo 92º do CIVA que a notificação dessas liquidações é feita nos termos do CPPT. Por sua vez, o nº 3 do artigo 38º do CPPT prescreve que as liquidações que resultem de «correcção à matéria tributável que tenha sido objecto de notificação para efeitos do direito de audição, são efectuadas por carta registada».
“O procedimento de notificação por carta registada, regulado nos artigos 35º a 39º do CPPT e no artigo 28º do Regulamento do Serviço Público de Correios (RSPC), aprovado pelo DL nº 176/88 de 18/5, compreende os seguintes actos: (i) a emissão de uma carta, que incorpora a notificação do acto tributário, com a respectiva fundamentação (ii) o registo nos serviços postais, através da apresentação da carta em mão, mediante recibo; (iii) e a entrega no domicílio fiscal do respectivo destinatário, comprovada por recibo.
Em princípio, do ponto de vista formal, estes actos colocam a informação ao alcance do sujeito passivo, fazendo depender o respectivo conhecimento exclusivamente da sua vontade.
O «recibo de aceitação» e o «recibo de entrega» da carta registada pelos serviços postais, previstos nos nºs 2 e 4 do artigo 28º do Regulamento do Serviço Público de Correios são documentos idóneos para provar que a carta foi remetida e colocada ao alcance do destinatário.
Para a Administração Tributária é suficiente exibir o recibo da apresentação em mão da carta expedida sob registo, pois, não tendo sido devolvida a carta, o nº 1 do artigo 39º do CPPT presume que a notificação se efectuou no 3º dia posterior ao registo. Ora, porque a comunicação é efectuada através dos serviços postais, que podem levar algum tempo a colocar a carta em condições do destinatário ter possibilidade de conhecer a sua existência, através de uma regra de experiência (id quod plerumque accidit), a lei presume que a comunicação postal demora três dias posteriores ao registo, que se transfere para o 1º dia útil, se o último dia não for dia útil.
Deste modo, o registo da carta faz presumir que o seu destinatário provavelmente a receberá, ou terá condições de a receber, três dias após a data registo. Trata-se pois de uma presunção legal destinada a facilitar à administração tributária a prova de que a notificação foi introduzida na esfera de cognoscibilidade do notificando. Mas a «presunção» que tem por base o registo postal, não existe se o registo não for feito.” (cfr aresto supra citado)
No caso em apreço, a recorrente Fazenda Pública não juntou aos autos o recibo da expedição da carta sob registo, nem cópia da liquidação, mas, tão somente, os prints informáticos da AT e dos CTT. Perante estes, o Tribunal a quo entendeu que a Recorrente não logrou demonstrar como sobre ela impendia de que notificou validamente as liquidaçãoes que estão na origem da quantia exequenda à executada, no entendimento, em suma de que ” (…) Em primeiro lugar, quer o doc. de fis. 21 quer o doc. de fis. 23 contém como data 08.05.2012, data em que foi remetida a oposição para o serviço de finanças (fls. 14 dos autos);Em segundo lugar, os referidos documentos não contêm nem a definição de um quantum nem a definição de um sujeito passivo, pelo que não podem ser vistos como liquidações em sentido técnico-jurídico. os documentos em análise mais não são que meros prints do sistema informático da Administração Tributária, sem quaisquer garantias quanto aos elementos que aí constam;Em terceiro lugar, também da conjugação do doc, de fis. 21 com o doc. de fis. 22 e do doc. de fis. 23 com o doc. de fis. 24 não demonstra que a oponente tenha sido notificada do que quer que seja.
Na verdade, o que resulta do doc. de fis. 22 é que os CTT confirmam que receberam uma carta registada com o n.° RY941172115PT a 15.12.2011 e que a entregaram no destino a 16.12.2011. E do doc. de fis. 24 resulta que os CTT confirmam que receberam a 5.12.2011 carta registada com o n.° RY94118321PT e que a entregaram a 16.12.2011.
Ora, não se sabe o que é que foi entregue aos CTT, o seu conteúdo, a quem ia dirigido e qual a respetiva morada para onde foi remetido.”
A posição assumida pelo tribunal a quo parece apontar no sentido de que as cópias da liquidação e da notificação (onde constem, nome, morada, acto a notificar e fundamentação) conjuntamente como o recibo de apresentação da carta nos CTT seriam os únicos meios de prova susceptiveis de demonstrar que a mesma foi expedida sob registo, não admitindo que os “prints internos” da administração fiscal e dos CTT sejam documentos idóneos para provar que o registo foi efectivamente feito.
No que concerne ao primeiro argumento em que se ancorou o Mmo juiz a quo, de que a data aposta nos prints da AT (08.05.2012) se reporta à data em que foi feita a consulta e autuado o processo executivo, tal argumento em nada releva para a questão que cumpre dilucidar, uma vez que nada diz no tange à data em que foram efectuadas as notificações das liquidações a que se reporta a divida exequenda.
Relativamente ao segundo argumento em que o Mmo Juiz a quo se ancora, qual seja o que tais prints da AT não contêm nem a definição de um quantum, nem a definição de um sujeito passivo a que se reportam, pelo que “não podem podem ser vistos como liquidações em sentido técnico-jurídico”, desde já nos permitimos discordar, porquanto não podemos deixar de notar que tais registos informáticos não só indicam o número do contribuinte a que se reportam (“NUMERO FISCAL: 18xxx73”, cfr. Fls 21e 23 do PA apenso), como indicam os montantes relativos a cada uma das liquidações (DUC/REF.PG 102511118841108; IVA : 6.195,00 e DUC/REF.PG 102011118841209; IVA : 1.113,40, cfr. Fls 21e 23 do PA apenso ).
Quanto ao terceiro argumento em que o Tribunal a quo funda a sua convicção, qual seja o de que o que resulta dos autos é que os CTT confirmam que receberam duas cartas registadas com os n.°s RY941172115PTe n.° RY94118321PT a 15.12.2011 e que as entregaram no destino a 16.12.2011, não se sabendo o que é que foi entregue aos CTT, o seu conteúdo, a quem ia dirigido e qual a respetiva morada para onde foi remetido, permitimo-nos igualmente discordar, tendo como ponto de partida que: i) quer o numero das liquidações, ii) quer o respectivo quantum, iii) quer o numero de identificação fiscal do contribuinte a que as mesmas se reportam encontram-se identificados nos prints da AT, urgindo não olvidar o facto de que as liquidações de impostos são elaboradas informaticamente, em conformidade com modelo legalmente predefinido e identificadas numericamente, sendo que o original destina-se a ser recebido pelo contribuinte.
Tendo presente o referido supra, no que tange aos elementos que constam do print informático da AT, a questão que se coloca é saber se a liquidação chegou ao conhecimento do contribuinte, ou seja, da Recorrida.
Não se discorda que a cópia da liquidação, conjugada com o recibo da apresentação da carta para notificação nos serviços de correio seria de grande relevancia probatória do registo postal e por isso mesmo pode questionar-se se o recibo tem preponderância absoluta como meio de prova ou se é possível prová-lo por outros meios, uma vez que o mesmo não se encontra junto aos autos.
Como é sabido, o registo postal, com ou sem aviso de recepção, apenas se justifica por uma questão de segurança probatória, sendo uma formalidade que a lei prevê para melhor garantir a certeza jurídica da cognoscibilidade do acto notificado, evitando o risco de se invocar a falta de notificação. E resulta claramente do artigo 28º do RSPC que a finalidade tida em vista ao se exigir o recibo foi apenas a de obter prova segura acerca do registo e não qualquer outra finalidade. Assim sendo, e aplicando o critério do nº 2 do artigo 364º do Código Civil, deve considerar-se o recibo do registo da carta como uma formalidade simplesmente probatória ou «ad probationem», cuja falta pode ser substituída por outros meios de prova ( cfr. aresto supra citado).
Ora, os meios de prova carreados para os autos pela Administração Tributária são constituidos apenas pelos dados constantes do sistema informático da AT e dos registos constantes do site dos CTT ( cfr fls 21 a 24 do PA Apenso).
Se por um lado os registo informáticos da AT constantes de fls. 21 e 23 do processo administrativo apenso aos autos, indicam como data em que se consideram efectuadas as notificações (20.12.2011) relativas a duas liquidações IVA (6.195,00, 1.113,40) e o número do registo postal dessas notificações (941172115 e 941183121). Por sua vez, no registo dos CTT, cuja cópia consta de fls. 22 e 24 do processo administrativo, consta a data da aceitação dos registos (15.12.2011), os mesmos números de registo ( RY941172115PT e RY941183121PT) e a indicação de que as cartas foram efectivamente entregues, e a respectiva data (16/12/2011).
Salvo sempre o devido respeito por distinto entendimento, do confronto entre os dois registos informaticos (lembre-se, da AT e CTT) pode concluir-se, com elevado grau de probabilidade, que as notificações das liquidações foram remetidas à recorrente via postal sob registo e recebidas em 16.12.2011.
A circunstância de constar nos registos informáticos de entidades diferentes os mesmos números de registo das notificações, e no print dos CTT a indicação de que foi conseguida a entrega das cartas em 16.12.2011, segundo as regras da lógica e da experiência, que nos indicam não ser credível uma hipotética combinação entre ambas as entidades, pode considerar-se prova bastante, ainda que seja por meio de presunção judicial, de que o registo das cartas/notificação das liquidações ocorreu efectivamente em 15.12.2011 e estas foram recebidas pela destinatária em 16.12.2011.
Na verdade, para efeito de resultado probatório, o registo informático dos mesmos dados de facto relativos à identificação dos registos postais existentes em entidades diferentes, o emissor e o distribuidor da carta, é uma circunstância concreta que, num sistema de livre apreciação das provas, ainda que limitado pelo principio da persuasão racional (cfr. arts. 655º e 158º do CPC), justifica suficientemente que se dê como provado que o registo foi efectivamente realizado em 15/12/2011.
A partir daqui funciona a presunção do nº1 do artigo 39º do CPPT, pertencendo à destinatária o ónus de demonstrar que, apesar do registo, não chegou a receber aquelas cartas.
É verdade que a atribuição legal de certa relevância ao registo não dá certeza de que o seu destinatário as recebeu no prazo de três dias, havendo sempre o risco de as não ter recebido. E, como referimos, é por isso mesmo que o nº 2 do artigo 39º permite ao notificado ilidir aquela presunção «quando não lhe seja imputável o facto de a notificação ocorrer em data posterior à presumida», solicitando à administração tributária e ao tribunal que requeiram aos correios a informação sobre «a data efectiva da recepção» ou, como também se estabelece no art. 6º do RSPC, qualquer outro «documento comprovativo» do destino que lhe foi dado. Os nºs 1º e 2º do artigo 39º CPPT indicam claramente o efeito que a lei quer atribuir ao registo: trata-se de uma presunção juris tantum da demora que levará a fazer a comunicação postal (cfr. Ac do STA, de 2/3/2011, rec nº 0967/10). Se o registo da carta liberta a administração tributária do ónus de provar que a mesma ficou em condições de ser recebida pela destinatária em três dias, esta tinha o ónus de provar que, na situação concreta, a recebeu posteriormente ou que nunca a recebeu, o que não se verifica nos autos.
Destarte, na procedência das conclusões de recurso apreciadas, não pode a sentença a quo manter-se na ordem jurídica, quedando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas pela Recorrente.
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Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte conceder provimento ao Recurso, revogar a sentença recorrida e em substituição julgar a oposição improcedente.
Custas pela Recorrida em ambas as instâncias (todavia nesta intancia não suporta a taxa de justiça uma vez que não contra alegou).
Porto, 19 de Junho de 2019
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Celeste Oliveira
Ass. Maria Cardoso