Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
I. RElatório
A Fazenda Pública, inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro em 2021-03-16, que julgou procedente a oposição à execução fiscal n.º 001...505 e apensos que o Serviço de Finanças de ... move contra AA por reversão de dívidas referentes a Retenções na Fonte de IRS, IVA, IRC e coimas e encargos dos anos de 2006, 2007 e 2008 no valor total de EUR 111.287,72, de que é devedora originária “R... Unipessoal, Lda.”, vem dela interpor o presente recurso.
A Recorrente encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
CONCLUSÕES
1. A douta sentença recorrida decidiu extinguir este processo de execução fiscal, justificando que a existência de remunerações de categoria A não demonstra o exercício efectivo do gerenciamento, inviabilizando a responsabilidade subsidiária do Oponente.
2. Porém, salvo o devido respeito, a douta decisão padece de erro na avaliação dos elementos probatórios apresentados, porquanto não se pronunciou sobre os documentos juntos pela Fazenda Pública ao processo, no âmbito dos quais o Oponente, na sua relação com a Autoridade Tributária, sempre se assumiu como o rosto da devedora originária.
3. A contestação não se centrou na existência de remunerações de categoria A, trazendo antes à colação documentos datados de 2006 e 2007, onde o Oponente surge, de facto, na posição de gerente.
4. Enquanto interlocutor com a AT, AA sempre se assumiu de facto como tal entregando as declarações que lhe competiam e eram assinadas nessa qualidade, contrariando as afirmações vertidas nos pontos 33.º e 37.º da p. i.
5. Declarando-se gerente no período em que a mesma labora, não nos parece que a activação da responsabilidade subsidiária nessa pessoa careça de prova exaustiva sobre esse quesito.
6. Os documentos juntos aquando da contestação são contemporâneos dos actos tributários e dos períodos de pagamento, pelo que, a aceitar-se o sentido da decisão proferida, ter-se-á forçosamente que admitir que o Oponente só era gerente da devedora originária quando apresentava declarações em seu nome, mas que deixava automaticamente de o ser no período em que devia pagar as liquidações correspondentes.
7. Estamos perante um entendimento que permeia o infractor e que desconsidera a mais elementar noção de boa-fé, que deve nortear a conduta dos sujeitos processuais (artigos 266.º-A do Código de Processo Civil e 2.º, alínea e) do CPPT).
8. A menção de remunerações de Categoria A num único ponto da contestação (43.º) não pode ter como consequência directa a conclusão em que se baseia a sentença recorrida.
9. Sem prescindir, os documentos onde se encontra atestado o facto de o Oponente ser assalariado da sociedade onde era o seu único sócio devem ser valorados à luz de toda a documentação já aludida.
10. Se o Oponente trabalhava para a devedora originária e nunca foi gerente, caber-lhe-ia referir, tendo em conta que se apresentava como gerente, a que título trabalhava e a que se referem tais remunerações de Categoria A, porquanto estamos perante retribuições que não se confundem com a eventual distribuição de lucros da devedora originária pelos detentores do seu capital.
11. Sendo esta uma sociedade unipessoal, em que o Oponente é detentor de 100% do capital social, não se pode dizer que, ao trabalhar correntemente na devedora originária, não está a agir em defesa do seu interesse como sócio, parecendo-nos pouco credível que se abstenha de tomar decisões no seio da respectiva empresa.
12. O nosso complexo normativo dá especial relevância ao sócio que detém uma participação igual ou superior a 10%, distinguindo-o dos restantes (a alínea c) do n.º 3 do artigo 14.º e a alínea a) do n.º 1 do artigo 51.º, ambas do CIRC).
13. Por maioria de razão, ao ser detentor de participação no capital social da executada, na percentagem de 100%, é expectável que, mesmo nomeando um terceiro para desempenhar funções de gerência, assegure e induza à prática de uma gestão responsável e transparente.
14. Porque os factos atinentes à assunção da gerência por declaração assinada pelo Oponente se encontram demonstrados através de documentos escritos, entendemos que a sua desconformidade com a real situação da empresa apenas poderia ser atestada com elementos probatórios da mesma natureza.
15. Se o Oponente se assumiu como gerente por escrito perante a AT (e perante a sociedade), os documentos que atestam este reconhecimento não podem ser desmentidos por prova testemunhal, ainda mais quando os depoimentos são prestados com vários anos de atraso relativamente aos factos que pretendem demonstrar.
16. Por tudo isto, e dada a circunstância de não existir um único documento a atestar que era BB quem exercia a gerência a título exclusivo, entendemos que a prova não deveria ser valorada no sentido em que o foi pela sentença a quo.
17. Se ambos os gerentes podiam intervir em conjunto, a documentação constante dos autos tem a faculdade de demonstrar que, sempre que aparecia apenas um deles a agir em nome da sociedade, era o Oponente e não BB.
18. A gerência de facto resulta da prática, ainda que limitada, de actos que, entre outros, vinculem a sociedade perante terceiros.
19. Estão, portanto, englobadas, nesta noção de gerência, quer a gestão dos negócios sociais, quer a realização de actos que digam respeito à representação da sociedade, sendo certo que o exercício de qualquer uma destas funções integra o gerenciamento efectivo, como tem defendido a jurisprudência.
20. Se uma das funções típicas do gerenciamento efectivo é a representação da pessoa colectiva, no que concerne a esta vertente da função gerencial o Oponente a assumiu e dos documentos constantes dos autos resulta que nunca deixou que outrem o assumisse isolado até à prestação da prova testemunhal.
21. Ao manter o sentido do projecto de reversão, o órgão de execução fiscal manteve a sua convicção que apenas foi alicerçada pela conduta expressa do Oponente ao assumir-se como gerente.
22. Apresentando-se por escrito como a pessoa responsável pela devedora originária no seu período de laboração, estão preenchidos os pressupostos para o órgão de execução fiscal efectuar a reversão, com base no artigo 24.º, n.º 1, alínea b), cabendo ao Oponente, caso assim entenda, provar que não teve culpa da falta de pagamento das dívidas fiscais.
23. Exceptuam-se as dívidas relativas a Coimas onde não opera a aludida presunção, pelo que, à falta de prova relativa ao quesito da culpa, no que concerne a esta componente da dívida exequenda terá de proceder o pedido expresso na P. I.
Termina pedindo:
Nos termos vindos de expor e nos que V.ªs Ex.ªs, sempre mui doutamente, poderão suprir, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida, prosseguindo a execução contra o ora Oponente.
***
O Recorrido apresentou contra-alegações, nas quais conclui como se segue:
IV. CONCLUSÕES
a) A AT assaca à douta sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância erro de julgamento da matéria de fato, por erro na valoração da prova.
b) Alegando que o Meritíssimo Juiz a quo não se terá pronunciado sobre os documentos juntos pela Fazenda Pública ao processo, no âmbito dos quais, na sua ótica, o Oponente, na sua relação com a Autoridade Tributária (então DGCI), se assumiu como o rosto da devedora originária, representando-a ininterruptamente junto do credor tributário. Concretamente os documentos datados de 2006 e 2007 (cfr. Página 3 do recurso).
Porém, tal argumentação não deverá proceder.
c) Com efeito, decorre das páginas 13 e 14 da douta sentença que « ... o facto de o Oponente ter auferido rendimentos da categoria A pagos pela sociedade devedora originária, e de ter assinado algumas declarações fiscais, uma ata da sociedade, ou de ser o representante legal da sociedade nas declarações de rendimentos, não basta para dar como provado o exercício efetivo da gerência.». Pelo que, deve improceder a alegação da recorrente de que o tribunal não se pronunciou sobre os documentos que juntou aos autos.
d) Tal factualidade não foi sequer considerada suficiente pela recorrente que questionou o Oponente, ora recorrido, sobre se praticou, ou não, atos de gerência, dando um elenco exemplificativo de situações que caracterizam os atos de gerência – ponto 11) do probatório.
e) A Recorrente sustenta ainda que para a activação da responsabilidade subsidiária não carece de prova exaustiva sobre o exercício da gerência pelo simples fato de ter assinado algumas declarações enquanto gerente perante a AT (página 3 do recurso).
f) o oponente que apesar de nomeado gerente nominal da referida firma não exercia a gerência de facto (artigos 15º a 20º e 29º a 38º da petição de oposição) o que alteraria, de forma por demais evidente, o alegado no projeto de reversão de que o Oponente exercia a gerência da sociedade.
g) É necessário um exercício real e efectivo do respectivo cargo, o qual se traduz na prática de actos em nome e no interesse da sociedade. Deste modo, inexistindo exercício efectivo de funções de gerência ou administração do Oponente, ou seja, deve o oponente ser considerado, como foi, parte ilegítima na presente execução. Este Nunca a administrou nem praticou qualquer acto que a vinculasse perante terceiros, nem conhecia a forma como se processavam os descontos, as retenções, as liquidações e entregas dos impostos (...).
h) A falta de alegação de factos sobre o efetivo exercício da gerência deverá ser valorada contra a Fazenda Pública e, consequentemente, dependendo a responsabilidade subsidiária do efetivo exercício da gerência ou administração, ainda que somente de facto, pressuposto que não se verifica, teria de proceder, como procedeu, a questão suscitada pelo Oponente. Imponha-se a recolha de mais elementos para alcançar a conclusão quanto ao exercício da administração de facto, daí, reitere-se, a própria recorrente ter questionado o Oponente nos termos indicados no ponto 11) do probatório.
i) Para que a AT fizesse vingar a prova de que o oponente para além de deter a qualidade de gerente de direito da executada originária também a exercia de facto (que reitere-se não exercia) teria de invocar a prática por este de actos próprios e típicos de gerência nos anos aqui em causa, os quais omite em absoluto quer no despacho de reversão quer na sua douta contestação. Naquele fez constar que: Da consulta e análise aos elementos oficiais que se encontram juntos aos autos, designadamente a certidão da Conservatória do Registo Comercial, declaração de inicio de atividade, assinaturas de declarações e petições dirigidas aos Serviços, ressalta que os contribuintes: AA, com o NIF 24...577, exerceu naquela empresa funções de administração ou gerência no período compreendido entre 13/11/2006 até 20/05/2009.”, acrescentando na contestação, as remunerações auferidas pelo Oponente, qualificadas como rendimentos de categoria A de IRS.
j) Ora não o tendo feito resulta, como decidido, inviável a responsabilização do recorrido a título subsidiário pelo pagamento das dividas exequendas.
k) A efetiva gerência de uma sociedade pressupõe uma ampla atuação que passa pela contratação e orientação do pessoal, pela relação com os fornecedores e os clientes, pela realização de negócios.
l) Sendo que nos autos em apreço, resultou da factualidade provada exatamente o contrário, conforme consta da factualidade dada como provada sob os pontos 17 e 18 e respetiva fundamentação.
m) Doutro passo, vem ainda a AT (página 4) sustentar que a jurisprudência tem admitido que poderá o órgão de execução fiscal referir-se genericamente ao exercício da gerência de facto, sendo os documentos probatórios e a referência a actos concretos apresentados com a contestação da Oposição entretanto deduzida (vide a este propósito o acórdão do STA de 31/10/2012, proferido no âmbito do recurso n.º 0580/12, disponível em www.dgsi.pt). Porém olvida que não cumpriu tal ónus, pois omitiu a referência a actos concretos quer no despacho de reversão quer na contestação que deduziu.
n) Acrescentando que (páginas 4 e 5) dos documentos dos quais decorre a existência de remunerações de categoria A e a titularidade do capital se presume trabalhar para a devedora originária e estar em condições de tomar decisões no âmbito da mesma.
o) Não pode, contudo, concluir-se da nomeação para o exercício dos mesmos, nem do fato de existirem remunerações declaradas – aliás dados fornecidos por BB ao Técnico Oficial de Contas para efeitos de processamento – nem ainda pelo fato de deter o capital da sociedade, o exercício efetivo das correspondentes funções,
p) Ora, de acordo com o artigo 349º do Código Civil, «as presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido». Assim, ao contrário da presunção legal que está plasmada na lei, a presunção judicial não tem existência prévia, é um juízo casuístico que o julgador retira da prova produzida num concreto processo quando a aprecia e valora, não se podendo por isso afirmar que a Fazenda Pública beneficia da presunção judicial de gerência de facto e não tem que fazer prova desta para poder reverter a execução fiscal contra o gerente de direito.
q) Concluindo-se na douta sentença recorrida inexistir qualquer elemento probatório nos presentes autos que revele, objetivamente, que o Oponente praticou quaisquer atos de gestão ou teve qualquer intervenção na direção da executada originária.
Relativamente à nomeação para a gerência da sociedade executada originária: (...) impõe-se a recolha de mais elementos tendo em vista dar consistência, e assim tornar operativa, uma eventual conclusão quanto ao exercício da administração de facto ...
o facto de o Oponente ter auferido rendimentos da categoria A pagos pela sociedade devedora originária, e de ter assinado algumas declarações fiscais, uma ata da sociedade, ou de ser o representante legal da sociedade nas declarações de rendimentos, não basta para dar como provado o exercício efetivo da gerência.
r) E que inexiste qualquer prova nos autos que demonstre a prática de quaisquer atos de gestão por parte do Oponente e vinculativos para a executada originária e em sua representação, mormente prova de que contratou ou despediu trabalhadores, negociou com clientes ou fornecedores, recebeu ou efetuou pagamentos em nome da executada originária, sendo que o Oponente atribui tais funções, as de gerente de facto, ao seu pai, BB (cfr. pontos 17) e 18) do probatório), sendo certo que quer a indicação como representante da sociedade nas declarações de rendimentos por esta apresentados, quer a assinatura de declarações fiscais, apenas podem ser subscritas por quem esteja nomeado como gerente no contrato de sociedade, não se podendo retirar daí a prática efetiva de atos de representação da sociedade.
s) Não é possível afirmar e sustentar que a Fazenda Pública beneficia da presunção judicial de gerência de facto e não tem que fazer prova desta para poder reverter a execução fiscal contra o gerente de direito. Efectivamente, nos casos em que esta pretenda activar a responsabilidade subsidiária de um gerente “deve, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova, provar os factos que legitimam tal exigência”.
t) Andou, bem, a douta sentença ao concluir que para a responsabilização das pessoas aí indicadas não é suficiente a mera titularidade do cargo de gerente ou administrador, mas que tenham sido efectivamente exercidas as correspondentes funções, ou seja, a responsabilidade subsidiária depende do efectivo exercício da gerência ou administração, ainda que somente de facto no período a que respeita a dívida.
u) A questão que importa responder é se dos elementos probatórios recolhidos supra enunciados se pode extrair a ilação de que o Oponente exerceu as funções de gerente de facto no período a que respeita a dívida. A resposta terá de ser negativa, atendendo ao estatuto de administrador e das funções inerentes a esse cargo que deverá reportar-se ao período a que respeita a dívida. Para que se verifique a gerência de facto é necessário que o administrador use efectivamente os seus poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo facto, administrando e representando a empresa e exteriorizando a vontade social perante terceiro – neste sentido, CC e DD, in CPCI, anotado e comentado, 2.ª edição, pág. 139.
v) Não incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento da matéria de facto por erro na valoração da prova, Nem enferma a douta sentença recorrida de ERRO DE JULGAMENTO DE FACTO E DE DIREITO.
w) Nos termos do Art.º 684.º-A do CPC/636.º do CPC, subindo o processo em recurso por iniciativa da outra parte, a lei confere ao recorrido (parte vencedora que não recorreu por ter tido ganho de causa), a possibilidade de, prevendo-se a eventualidade de o recorrente lograr procedência do recurso, requerer ao Tribunal ad quem, o conhecimento do fundamento ou dos fundamentos em que decaiu. Pelo que, atenta tal disposição legal, o RECORRIDO requer, no caso de procedência do recurso interposto – o que se admite por cautela de patrocínio - A AMPLIAÇÃO DO RECURSO, A TÍTULO SUBSIDIÁRIO
x) Procedendo a questão analisada, entendeu o Meritíssimo Juiz a quo ficar prejudicado o conhecimento das demais questões invocadas pelo Oponente, nos termos do artigo 608.º, n.º 2 do CPCCPC, ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT. Ou seja, as questões a seguir indicadas: (ii) ilegitimidade por falta de culpa funcional pela insuficiência do património social para pagamento da quantia exequenda, (iii) falta de demonstração da insuficiência de bens da executada originária, e, (iv) falta de notificação do título executivo aquando da notificação do projeto de reversão. Que nesta sede, cumprirá, deste modo, conhecer
y) Pressuposto essencial da reversão no processo de execução fiscal é a insuficiência do património do sujeito passivo originário para satisfazer o crédito tributário, e não apenas a presunção da sua insuficiência ou inexistência – nº 2 do artigo 153º do CPPT. Efectivamente, nada nos autos indicia ter a Administração efectuado actos válidos tendentes à descoberta de bens ou insuficiência destes na esfera patrimonial da devedora originária, passando aquela de imediato, e com imperfeição e falta de rigor, ao ataque do património dos alegados gerentes desta.
z) A responsabilidade assacada aos responsáveis subsidiários não é, nem pode ser considerada uma responsabilidade objectiva, antes assenta na culpa funcional daqueles que praticaram qualquer acto que possa influenciar na insuficiência dos bens da sociedade devedora para satisfação dos credores entre os quais se inclui a Fazenda Nacional.
aa) O Oponente nunca praticou quaisquer actos de dissipação do património da sociedade, nunca vendeu ou desfez de quaisquer bens da sociedade ou renunciou a quaisquer créditos da sociedade e nunca retirou quaisquer fundos da sociedade a proveito próprio.
bb) Deste modo, a considerar-se existir insuficiência de bens não houve da parte do Oponente dissipação de bens com o intuito de diminuir a garantia dos credores, nem violação, por ele, de quaisquer normas legais destinadas à protecção dos mesmos.
cc) Estar-se-á perante uma culpa por o património da sociedade (garantia geral dos credores e também do Estado) se ter tornado insuficiente para a satisfação das obrigações tributárias quando o gerente para tal tenha contribuído convenientemente. Ou seja, o responsável solidário deve ter culposamente dissipado ou maltratado o património da empresa.
dd) Sendo certo que, é a administração fiscal que deve demonstrar a culpa dos administradores e gerentes na insuficiência do património societário para o pagamento das dívidas fiscais. Seguindo as regras gerais sobre o ónus da prova do artigo 342º do Código Civil.
ee) A gestão tem de traduzir-se em factos ilícitos e culposos, implicando a violação de normas concretas de protecção dos credores sociais. O que, no caso concreto, não se verifica, não podendo, deste modo, aceitar-se uma reversão contra o ora oponente.
ff) Pelo que, o oponente carece de legitimidade para figurar no presente processo de execução fiscal, não só porque, como supra se expôs, não figura no título, mas também porque não é responsável pelo pagamento da dívida – Vide alínea b), do nº 1 do artigo 204º, CPPT.
gg) Deste modo, a considerar-se existir insuficiência de bens não houve da parte do Requerente dissipação de bens com o intuito de diminuir a garantia dos credores, nem violação, por ele, de quaisquer normas legais destinadas à protecção dos mesmos. No despacho de reversão não está provada a culpa da oponente pelo facto de o património da sociedade se ter tornado insuficiente para a satisfação das dívidas tributárias.
hh) Em suma, face ao supra exposto, isto é, à não verificação dos pressupostos legais que servem de base à reversão, não devia ter sido proferido despacho que a ordene, por ausência de fundamento factual e jurídico, bem como por ilegitimidade do OPONENTE no chamamento à execução da dívida tributária
ii) Acresce que, pressuposto essencial da reversão no processo de execução fiscal é a insuficiência do património do sujeito passivo originário para satisfazer o crédito tributário, e não apenas a presunção da sua insuficiência ou inexistência – nº 2 do artigo 153º do CPPT.
jj) Efectivamente, nada nos autos indicia ter a Administração efectuado actos válidos tendentes à descoberta de bens ou insuficiência destes na esfera patrimonial da devedora originária, passando aquela de imediato, com imperfeição e falta de rigor, ao ataque do património dos alegados gerentes desta.
kk) Na notificação ora efectuada são mencionados os processos executivos relativamente aos quais se pretende operar reversão. Sucede, no entanto que, não se encontram juntas ao projecto de decisão de reversão, nem ainda à notificação para o exercício de audição prévia, cópia das certidões que deram causa aos processos executivos. Tão-pouco se encontram definidas as demais menções legalmente exigidas para as certidões, nas referidas notificação e projecto de decisão.
ll) Por esse facto, houve violação clara de obrigações legais que recaem sobre a administração, nomeadamente as preconizadas pelo art.º 268 n.º 3 da Constituição da República Portuguesa.
mm) Ademais, a identificação da dívida, quer no que respeita à proveniência e valor, quer no que concerne ao período de tributação, é de enorme relevância para que os responsáveis subsidiários possam decidir qual a posição a adoptar na sequência da presente notificação.
nn) Com efeito, sem a apresentação do título executivo e comunicação deste ao notificado, não pode o mesmo concluir pela existência do direito de crédito alegado, nem pela sua válida constituição.
oo) A necessidade de fundamentação dos actos encontra, além de consagração constitucional, previsão na Lei Geral Tributária – artigo 77º - que impõe que a fundamentação dos actos seja expressa, clara, congruente e suficiente.
pp) A eficácia das decisões depende de válida e suficiente notificação tal como impõem os artigos 36º e 37º C.P.P.T., sob pena de ineficácia do acto notificado.
qq) Por força da falta da junção dos títulos executivos, ficou o ora requerente impossibilitado de poder organizar devidamente a defesa sobre o que ora lhe é exigida, uma vez que não lhe foi dado a conhecer todos os elementos com base nos quais assenta a presente execução.
rr) Por fim, sempre se dirá que considerando V. Exas. que tais questões, na eventual procedência do recurso, deverão ser, na medida em que não foram por este apreciadas, conhecidas pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de ... deve o processo ser-lhe remetido para o efeito o que igualmente se requer.
Termina pedindo:
ss) Termos em que corridos os trâmites do presente recurso, deve o mesmo ser declarado improcedente e não provado, confirmando-se e mantendo-se a sentença recorrida.
Assim se vossas excelências, em face das conclusões atrás enunciadas, ordenarem a manutenção da sentença proferida, farão uma vez mais serena, sã e objectiva justiça.
Ou caso assim não se entenda, devem ser conhecidas as questões indicadas em sede de ampliação de recurso (nomeadamente, devem ser verificadas, reconhecidas e declaradas as preterições de formalidades legais invocadas, dando-se sem efeito, em virtude da nulidade do mesmo, todo o processado; deve ser declarada extinta contra o oponente a presente execução dado que o mesmo não teve qualquer culpa funcional na eventual diminuição do património social para pagamento da dívida exequenda e seus acréscimos legais)
Assim alcançando V. Ex.as a acostumada justiça!
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O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Os vistos foram dispensados com a prévia concordância dos Ex.mos Juízes Desembargadores-Adjuntos, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 657.º do CPC, aplicável ex vi art. 281.º do CPPT.
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Questões a decidir no recurso
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações de recurso.
Assim sendo, há que apurar se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito por ter feito uma errada apreciação dos factos provados à luz do direito aplicável, concluindo erradamente que o Recorrido não foi gerente de facto da devedora originária quando se venceram as dívidas exequendas.
II. Fundamentação
II.1. Fundamentação de facto
Na sentença prolatada em primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto, que aqui se reproduz:
IV – FACTOS PROVADOS
Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, considero provados os seguintes factos:
1) Pela AP. 12...113, foi registado na Conservatória do Registo Comercial de ..., o “Contrato de Sociedade, Designação de Membro (s) de Órgãos Sociais” da sociedade por quotas com a designação de “R... Unipessoal, Lda.”, NIPC 50...769, com o capital social de € 10.000,00, sendo o ora Oponente titular da quota única, e a forma de obrigar a sociedade ocorre com a assinatura conjunta de dois gerentes, pertencendo a gerência ao ora Oponente e a BB – (cfr. teor da Certidão Permanente constante de fls. 122 a 124 do processo de execução fiscal (PEF) anexo aos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida).
2) Em 14/11/2006, a sociedade referida no ponto anterior apresentou a declaração de início de atividade para efeitos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletiva (IRC) e de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), constando a assinatura do ora Oponente como representante legal da referida sociedade – (cfr. documento n.º 5 junto com a contestação e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
3) Em 20/11/2006, a sociedade referida em 1) reuniu em assembleia geral, presidida pelo sócio único, o aqui Oponente, tendo sido deliberado aceitar a renúncia do gerente BB e alterar a forma de obrigar a sociedade, passando a sociedade a obrigar-se com a intervenção de um gerente, cuja ata foi assinada pelo Oponente e por BB – (cfr. “Acta n.º 3” junta com a contestação sob o documento n.º 7, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
4) Pela AP. 4...116, foi registado na Conservatória do Registo Comercial de ..., a cessação de funções de gerência da sociedade referida em 1), de BB - (cfr. teor da Certidão Permanente constante de fls. 122 a 124 do PEF anexo aos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida).
5) Em 17/01/2007, a sociedade referida em 1) entregou uma Declaração de Alterações para efeitos de IRC e de IVA, declarando que o ora Oponente exerce o cargo de “Sócio-gerente”, constando a assinatura do ora Oponente como representante legal da referida sociedade – (cfr. documento n.º 6 junto com a contestação e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
6) Consta dos registos da Autoridade Tributária e Aduaneira que a sociedade referida em 1), entregou os Anexos J/Modelos 10 para os anos de 2006, 2007 e 2008, onde declara o pagamento ao Oponente de remunerações da categoria A de IRS, na qualidade de membro dos órgãos estatutários - (cfr. documento n.º 8 junto com a contestação e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
7) A sociedade referida em 1) entregou as declarações de rendimentos Modelos 22 de IRC, para os exercícios de 2006, 2007 e 2008, constando como representante legal o ora Oponente - (cfr. documento n.º 9 junto com a contestação e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
8) Pelo Serviço de Finanças de ..., foi instaurado contra a sociedade referida em 1), o processo de execução fiscal n.º 001...505 e apensos, por dívidas respeitantes a Retenções na fonte de IRS dos anos de 2006, 2007 e 2008, falta de pagamento de IVA dos períodos de 2006-12T, 2007-03T, 2007-06T, 2007-09T, 2007-12T, 2008-03T, 2008-06T e 2008-09T, IRC dos períodos de 2006 e 2008, e Coimas e encargos de contraordenação do ano de 2008, cujos prazos limite de pagamento voluntário vão desde 20/01/2007 a 28/09/2009, e cuja dívida exequenda ascende ao total de € 111.287,72 – (cfr. fls. 31 a 110 do PEF anexo aos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzida).
9) Pela AP. 1...520, foi registado na Conservatória do Registo Comercial de ..., a cessação de funções de gerência do Oponente na sociedade referida em 1) - (cfr. teor da Certidão Permanente constante de fls. 122 a 124 do PEF anexo aos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida).
10) Em 11/05/2009, no âmbito do PEF referido em 8), foi elaborado documento designado por “Auto de Diligências”, ali constando, para o que ora interessa, o seguinte:
“(...) me desloquei a fim de dar cumprimento ao mandado de Penhora retro, verifiquei que relativamente ao S.P. - R... Unipessoal, Lda, NIPC 50...769, os únicos bens que se encontram em nome da firma executada (Um Martelo pneumático HITACHI e Um computador da marca ...), conforme cópia do mapa de Amortizações e ficha individual do equipamento que anexo, têm atualmente um valor manifestamente reduzido, pela sua natureza e desgaste, bem como ao valor já amortizado e face ao montante da dívida que se exige nos presentes autos, pelo que não foi feita a penhora sobre os mesmos, por carecer de justificação económica ( Art° 822° al c) do Código de Processo Civil).
Feita a consulta aos elementos informáticos existentes neste Serviço de Finanças, nomeadamente da C. Autárquica, IMI, Imposto de Circulação e Camionagem, bem como ao Sipa e CEAP - Cadastro Eletrónico de Ativos Penhoráveis, verifiquei que em nome da firma executada nada consta.
(...)” - (cfr. fls. 111 do PEF anexo aos autos).
11) Em 31/08/2010, no âmbito do PEF referido em 8), foi proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de ..., o seguinte despacho:
“(...)
Vista a informação supra, concordo, pelo que cumpre apreciar e decidir. Efetivamente, nos termos do n° 2 do art. 153° do Código do Procedimento e do Processo Tributário, o chamamento à execução dos responsáveis subsidiários, depende da verificação de qualquer das seguintes circunstâncias:
A) -Inexistência de bens penhoráveis do devedor originário;
b) -Fundada insuficiência, de acordo com os elementos constantes do auto de penhora e outros de que o órgão da execução fiscal disponha, do património do devedor para a satisfação da dívida exequenda e acrescido.
Por sua vez e de acordo com o art. 22° da Lei Geral Tributária, a responsabilidade tributária para além de ser dos sujeitos passivos originários, pode outrossim abranger solidária ou subsidiariamente outras pessoas, sendo certo que a responsabilidade tributária por dividas de outrem é, salvo determinação em contrário, apenas subsidiária, operando-se esta, por reversão no processo de execução fiscal.
Ora nos termos do art. 24° da Lei Geral Tributária, os administradores, diretores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas, são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si, pelas dividas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.
Da consulta e análise aos elementos oficiais que se encontram juntos aos autos, designadamente a certidão da Conservatória do Registo Comercial, declaração de inicio de atividade, assinaturas de declarações e petições dirigidas aos Serviços, ressalta que os contribuintes: AA, com o NIF 24...577, exerceu naquela empresa funções de administração ou gerência no período compreendido entre 13/11/2006 até 20/05/2009 e que BB com o NIF 13...598, também exerceu naquela empresa funções de administração ou gerência no período compreendido entre 13/11/2006 até 16/01/2007 e de 20/05/2009 até hoje.
Assim, e considerando que o n° 4 do art. 23° da referida Lei, determina que a concretização da reversão deve ser sempre precedida de audição do responsável subsidiário, notifique-se o contribuinte supra identificado por carta registada para no prazo de 10 dias exercer por escrito o direito de audição prévia, sobre a matéria de facto, ou seja se relativamente ao período indicado praticou ou não atos de gerência, tais como:
a) -procedeu à admissão s despedimento de pessoal,
b) -efetuou as compras de mercadorias ou matérias primas,
c) -celebrou vendas de mercadorias/produtos,
d) -decidiu sobre os serviços prestados, deu ordens aos trabalhadores para executar as tarefas diárias,
e) -assinou os cheques para pagamento do IVA, Segurança Social e dos demais impostos, etc...etc...etc,
Mais deve ficar notificado que se não for esse o caso, provar documentalmente que de facto não chegou a exercer nenhuma das funções que são inerentes à gestão, no período acima indicado.
(...) - (cfr. fls. 112 e 113 do PEF anexo aos autos).
12) Em 2/09/2010, o Serviço de Finanças de ..., remeteu ao ora Oponente, ofício de “Notificação Audição-Prévia (Reversão)” - (cfr. fls. 114 e 115 do PEF anexo aos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
13) Em 17/09/2010, no âmbito do PEF referido em 8), foi elaborada pelo Serviço de Finanças de ..., a seguinte informação: “(...) Aos 17/09/2010, faço estes autos conclusos, informando V. Ex.ª que o contribuinte AA até à presente data, não respondeu à notificação de fls 41 e 42 dos autos, pelo que sou de opinião, que sem mais demoras se deve avançar para a concretização efetiva da reversão. (...)” - (cfr. fls. 116 do PEF anexo aos autos).
14) Em 17/09/2010, no seguimento da informação referida no ponto anterior, foi proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de ..., o seguinte despacho:
“(...)
Vista a informação que antecede e relativamente à executada originária devedora Recentescala Unipessoal, N1PC 50...769 e após consulta e análise de todos os elementos oficiais existentes neste Serviço e bem assim os de fls dos autos, resultam provados os seguintes factos: a)-que a executada não possui quaisquer bens móveis ou imóveis que possam ser objeto de penhora, factos estes, confirmados através da compulsa que efetuei aos sistemas informáticos existentes, designadamente ao Sistema Informático de Penhora Automáticas e ao Cadastro Eletrónico de Bens Penhoráveis de cujo print extraí e fiz juntar aos autos.
Efetivamente, nos termos do n° 2 do art. 153°do Código do Procedimento e do Processo Tributário, o chamamento à execução dos responsáveis subsidiários, depende da verificação de qualquer das seguintes circunstâncias:
a) -Inexistência de bens penhoráveis do devedor originário;
b) -Fundada insuficiência, de acordo com os elementos constantes do auto de penhora e outros de que o órgão da execução fiscal disponha, do património do devedor para a satisfação da dívida exequenda e acrescido.
Por sua vez e de acordo com o art. 22° da Lei Geral Tributária, a responsabilidade tributária para além de ser dos sujeitos passivos originários, pode outrossim abranger solidária ou subsidiariamente outras pessoas, sendo certo que a responsabilidade tributária por dívidas de Ora nos termos do 24 n°1 alínea b) da Lei Geral Tributária, os administradores, diretores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas, são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si, pelas dividas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.
Da consulta e análise aos elementos oficiais que se encontram juntos aos autos, designadamente a certidão da Conservatória do Registo Comercial, fica bem patente o exercício por parte de AA, contribuinte n° 24... 577, com residência na Rua do ..., de funções de gerência, administração e direção ao tempo em que se verificou o facto tributário/nascimento da divida, como também ao período de cobrança voluntária em que os impostos deveriam ter sido pagos.
Deste modo, nos termos das disposições combinadas nos artigos 23°/24° da Lei Geral Tributária e 153° do Código do Procedimento e do Processo Tributário, reverto a presente execução para cobrança da quantia de cento e onze mil duzentos e oitenta e sete euros e setenta e dois cêntimos (€111.287,72), devidamente discriminada conforme relação que deverá ser anexada à competente citação a efetuar, contra o responsável subsidiário supra mencionado, por ter sido provado que o mesmo foi gerente de facto da executada, ao tempo a que as dívidas dizem respeito,
Proceda-se à respetiva citação de harmonia e para os efeitos previstos no art. 160° n°1 do Código do Procedimento e do Processo Tributário e n° 5 do art. 23° da Lei Geral Tributária.
(...)” - (cfr. fls. 117 e 118 do PEF anexo aos autos).
15) Em 17/09/2010, o Serviço de Finanças de ... remeteu ao ora Oponente, por carta registada com aviso de receção, que a recebeu em pessoa diversa em 21/09/2010, ofício designado por “Citação (reversão)”, no âmbito do PEF a que se alude em 8), ali constando, para o que ora interessa, o seguinte:
“(...)
FUNDAMENTOS DA REVERSÃO
Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão (art.º 23.º, n.º a da LGT):
Dos administradores, diretores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da divida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo [art. 24.º/n° 1/b) LGT).
EXTENSÃO DA REVERSÃO
Todo o património do responsável até ao montante da dívida tributária, os juros e demais encargos legais (n.° 1 do artigo 22° da LGT).
IDENTIFICAÇÃO DA DÍVIDA EM COBRANÇA COERCIVA
N°. PROCESSO PRINCIPAL: 001...505
TOTAL DA QUANTIA EXEQUENDA: 111.287,72 EUR
1) TOTAL DE ACRESCIDOS: 0,00
TOTAL: 111.287,72 EUR
* Conforme anexo.
(...)” - (cfr. fls. 117 e 118 do PEF anexo aos autos).
16) A petição de oposição deu entrada no Serviço de Finanças de ... em 22/10/2010 – (cfr. carimbo aposto na primeira folha da petição inicial).
Mais se provou que,
17) Era BB quem conhecia a forma como se processavam os descontos, as retenções, as liquidações e entrega dos impostos e contribuições ao Estado – (cfr. prova testemunhal).
18) Era BB quem pagava os honorários ao Técnico Oficial de Contas e quem fornecia os elementos dos trabalhadores para processamento dos respetivos salários – (cfr. prova testemunhal).
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Factos não provados
Inexistem factos não provados com relevância para a decisão a proferir.
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Motivação da decisão de facto
A matéria de facto dada como provada nos presentes autos foi a considerada relevante para a decisão da causa controvertida, e resultou da análise dos documentos constantes dos autos e da cópia do processo de execução fiscal, e bem assim na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados, também são corroborados pelos documentos juntos aos autos (cf. artigos 76.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária e 362.º e seguintes do Código Civil), conforme discriminado nos vários pontos do probatório.
No que concerne aos factos elencados em 17) e 18) dos factos provados, o Tribunal valorou o depoimento da testemunha EE, que foi Técnico Oficial de Contas da sociedade executada originária enquanto esta exerceu atividade, tendo também prestado serviços a BB, pai do Oponente, enquanto este exerceu atividade na qualidade de empresário em nome individual. A testemunha depôs de forma espontânea, séria e credível, tendo demonstrado conhecimento direto e circunstanciado dos factos alegados, motivo pelo qual o depoimento prestado contribuiu para a convicção positiva do Tribunal em dar como provado os factos acima elencados.
Não resultam provados ou não provados quaisquer outros factos com interesse para a decisão.
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II.2. Fundamentação de Direito
Alega a Recorrente, em síntese, que na sentença sob recurso não foi efetuada uma correta apreciação da factualidade provada nos autos à luz do direito aplicável.
Sublinhe-se que no seu recurso não é imputado qualquer erro de julgamento de facto à decisão recorrida, pelo que a respetiva fundamentação de facto transitou em julgado.
Vejamos então.
Estão em causa nos autos dívidas referentes a Retenções na Fonte de IRS, IVA, IRC e coimas e encargos dos anos de 2006, 2007 e 2008, revertidas contra o aqui Recorrido na qualidade de responsável subsidiário da devedora originária “R... Unipessoal, Lda.”.
Como foi já referido, a aqui Recorrente entende atenta a factualidade provada nos autos se deve concluir que o Recorrido foi gerente de facto da “R... Unipessoal, Lda.” no período a que respeitam as dívidas.
Como é sabido, resulta do disposto no art. 24.º da LGT que a gerência de facto constitui um requisito essencial da efetivação da responsabilidade subsidiária (cf. neste sentido, designadamente, o acórdão do STA proferido em 2009-03-11 no proc. 0709/08, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
A única presunção legal de que beneficia a Fazenda Pública no que à reversão da dívida se refere respeita à culpa pela insuficiência do património social, não existindo qualquer presunção legal que imponha que provada a gerência de direito, se dê por provado o efetivo exercício da função na ausência de contraprova ou de prova em contrário, não sendo suficiente para responsabilizar as pessoas indicadas no art. 24.º, n.º 1, da LGT a mera titularidade de um cargo, pois é indispensável que tenham sido exercidas as correspondentes funções (cf. neste sentido acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA proferido em 2007-02-28, no proc. 01132/06, e o Acórdão proferido pelo STA em 2011-03-02, no proc. 0944/10, disponíveis para consulta em www.dgsi.pt).
Ora, a gerência de facto é um requisito essencial da efetivação da responsabilidade subsidiária, e embora se presuma face à gerência de direito, trata-se de uma presunção meramente judicial, que assenta em regras retiradas da experiência comum, a qual leva razoavelmente a considerar que se alguém foi nomeado gerente de uma sociedade exerceu efetivamente o seu cargo.
Assim, dado que a Fazenda Pública beneficia de uma presunção meramente judicial, não há lugar à aplicação da regra constante no artigo 350.º, n.º 2 do Código Civil, privativa das presunções legais, segundo a qual as mesmas só podem ser elididas mediante prova do contrário.
Efetivamente, a presunção judicial, diferentemente da legal, não implica a inversão do ónus da prova.
Donde se conclui que competido à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, deve ser valorada contra si a falta de prova sobre o efetivo exercício da gerência (cf. neste sentido Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA proferido em 2007-02-28, no proc. 01132/06, e Acórdão proferido pelo STA em 2011-03-02, no proc. 0944/10, disponíveis para consulta em www.dgsi.pt/jsta).
Ora, e ao contrário do que pretende a Recorrente, dos autos não resultam provados factos concretos dos quais se possa retirar que o Recorrido foi gerente de facto da sociedade devedora no período relevante para o efeito.
Decorrendo da natureza das coisas que a gerência de facto se verifica quando alguém exterioriza a representação da vontade social através de atos substantivos e materiais, vinculando a sociedade perante terceiros, a sua existência não se pode retirar do facto de devedora originária ter entregado Anexos J/Modelos 10 para os anos de 2006, 2007 e 2008, onde declara o pagamento ao Recorrido de remunerações da categoria A de IRS (cf. ponto 6 da fundamentação de facto), pois tal não basta para que se conclua que o mesmo tenha exteriorizado a representação da vontade social nos termos explicitados.
Também não decorre do facto de terem sido entregues declarações fiscais da devedora originária nas quais constava como representante legal o aqui Recorrido (cf. pontos 2 e 7, da fundamentação de facto), ou de o mesmo ter assinado uma ata de assembleia geral (cf. ponto 3, da fundamentação de facto).
Com efeito, decorre da já extensa e uniforme jurisprudência deste Tribunal Central Administrativo Norte, na qual nos revemos integralmente e sem qualquer reserva, que à luz das regras de experiência comum não é possível extrair de atos isolados praticados pelo putativo revertido, a conclusão de que o mesmo exerceu, de facto, a gerência da sociedade devedora originária (cf. neste sentido, designadamente, os Acórdãos proferidos por este TCAN em 2012-02-02 no proc. 00273/09.3BEPNF; em 2014-04-30 no proc. 01210/07.5BEPRT; em 2014-06-27 no proc. 03099/09.0BEPRT; em 2016-09-29 no proc. 02374/06.0BEPRT; em 2016-11-24 no proc. 02534/12.5BEPRT; e em 21-06-2018 no proc. 01602/13.0BEBRG, todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt).
Donde não se pode retirar a verificação da gerência de facto da prática destes atos isolados.
Por fim, mas não de somenos importância, tendo-se a aqui Recorrente conformado com a decisão sobre a matéria de facto constante na sentença recorrida, à mingua de factos concretos alegados e provados por si dos quais se possa retirar a ilação de que o Recorrido foi gerente de facto da devedora originária, a factualidade provada nos pontos 17 e 18, que indiciam que a gerência de facto foi assumida por BB, é suficiente para que seja irremediavelmente colocada em crise a presunção judicial que decorreria da gerência de direito, quedando definitivamente abalada a convicção a que a mesma seria passível de conduzir.
Assim sendo, e apreciando a factualidade provada nos autos na sua globalidade, não é possível concluir, como pretende a Recorrente, que o aqui Recorrido tenha sido gerente de facto da devedora originária, malgrado a circunstância de figurar como gerente de direito da mesma.
Refira-se ainda que ao contrário do que pretende a aqui Recorrente, a sentença sob recurso apreciou a factualidade provada nos autos, como claramente decorre da respetiva fundamentação (cf. fls. 13-14 da sentença sob recurso).
Assim sendo, e em face do exposto, deve o presente recurso ser julgado improcedente.
***
Quanto à responsabilidade por custas, em face do seu total decaimento, a Recorrente é responsável pelas custas do presente recurso, nos termos do disposto no art. 527.º, n.º 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT.
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Conclusão:
Preparando a decisão, formulamos a seguinte síntese conclusiva:
I. Competindo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, deve ser valorada contra si a falta de prova sobre o efetivo exercício da gerência.
II. À luz das regras de experiência comum não é possível extrair de atos isolados praticados pelo putativo revertido, a conclusão de que o mesmo exerceu, de facto, a gerência da sociedade devedora originária.
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso e em consequência, manter a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
Porto, 20 de outubro de 2022
Margarida Reis
Cláudia Almeida
Paulo Moura. |