Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00525/22.7BEPRT |
Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
Data do Acordão: | 07/05/2024 |
Tribunal: | TAF do Porto |
Relator: | PAULO FERREIRA DE MAGALHÃES |
Descritores: | PROCESSO DISCIPLINAR; INFRACÇÃO DISCIPLINAR; PENA DISCIPLINAR DE SUSPENSÃO; APLICABILIDADE DA LEI N.º 38-A/2023, DE 02 DE AGOSTO; CONCORRÊNCIA DE ILÍCITO PENAL NÃO AMNISTIADO. |
Sumário: | 1 - Conforme se extrai do corpo da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de Agosto, e em torno da amnistia de infracções disciplinares, o legislador dispôs que a mesma deve ser aplicada se as infracções disciplinares, em suma, tiverem sido praticadas até às 00:00 horas de 19 de Junho de 2023, se não constituírem simultaneamente ilícitos penais não amnistiados pela Lei, e caso a sanção aplicável não seja superior a suspensão [Cfr. artigos 2.º, n.º 2, alínea b), 6.º e 7.º do referido diploma legal]. 2 – Estando em apreço nos autos factos passíveis de integração no tipo de ilícito penal previsto e punido pelo artigo 148.º, n.ºs 1 e 3 do Código Penal, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento em matéria de interpretação e aplicação do direito, quando declarou amnistiada a infracção cometida pelo arguido [Autor, ora Recorrido], ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 2, alínea b), 6.º e 14.º, todos da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto. 3 – Tendo vindo a ser julgada extinta a instância por ocorrência de inutilidade superveniente da lide, e tendo este consequente julgamento do Tribunal a quo também sido incurso em erro de direito, deve ser revogada a Sentença recorrida e determinada a continuação dos termos dos autos, para efeitos de ser conhecido do seu mérito, tendo subjacente a causa de pedir imanente ao pedido deduzido a final a Petição inicial, e no fundo, apreciar e decidir se padece a decisão impugnada de invalidade determinante da sua anulabilidade, que a final levasse a que não fosse aplicada ao Autor ora Recorrido, a concreta pena disciplinar de 30 dias de suspensão.* * Sumário elaborado pelo relator (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
Votação: | Unanimidade |
Meio Processual: | Acção Administrativa Comum |
Decisão: | Conceder provimento ao recurso. |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I - RELATÓRIO O MINISTÉRIO PÚBLICO junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, notificado da Sentença proferida por esse Tribunal [por via da qual o Tribunal a quo declarou amnistiada a infração disciplinar e a sanção disciplinar aplicada ao Autor «AA» por parte da Ordem dos Médicos - ambos devidamente identificados nos autos-, por efeito da amnistia decorrente da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, e que em consequência, determinou a inutilidade superveniente da lide, com a consequente extinção da instância], e com ela não se conformando, veio interpor recurso de Apelação. * No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencou a final as conclusões que ora se reproduzem: “[…] 1. A presente ação administrativa foi instaurada por «AA», contra a Ordem dos Médicos, com o seguinte pedido: “Se digne julgar a presente ação procedente por provada e, em consequência, anular a deliberação do Réu, condenando o mesmo à prática do ato administrativo que não reincida nas ilegalidades cometidas por aquele outro, com o consequente arquivamento do processo disciplinar, por inexistência de prática de qualquer infração disciplinar pelo Autor.”. 2. A sentença recorrida considerou aplicável aos presentes autos a amnistia consagrada pelo artigo 6.º da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, considerando amnistiada a sanção disciplinar em causa aplicada pela Ordem dos Médicos ao Autor, e declarou a extinção da presente instância por inutilidade superveniente da lide. 3. A Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto (doravante “Lei da Amnistia”), estabeleceu um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude. 4. Desta amnistia ficam, porém, excluídas as infrações disciplinares que constituam simultaneamente ilícitos penais não amnistiados por essa mesma lei e cuja sanção aplicável não seja superior a suspensão (artigo 6.º da citada Lei). 5. Em momento algum da sentença é descrita e analisada a infração disciplinar em causa para se poder concluir (ou não) se a mesma constitui ou não ilícito criminal. 6. Na verdade, a sentença recorrida não fixa qualquer matéria de facto e nem sequer identifica a infração disciplinar em causa nos autos! 7. Desconhece-se, pois, em absoluto, com base na sentença, se o ilícito disciplinar em apreço constitui crime, na afirmativa, que crime. 8. No entanto, compulsados os autos, verifica-se que consta do processo administrativo instrutor que, pelos factos constantes do processo disciplinar em causa, foi apresentada queixa crime, que deu origem ao inquérito n.º 7471/19...., da ... secção do DIAP de Vila Nova de Gaia, nomeadamente por eventual crime de ofensa à integridade física qualificada, agravada pelo resultado, o qual que está excluído de perdão e amnistia nos termos do art. 7.º, n.º 1, al. a), iii), da Lei da Amnistia. 9. A sentença também não contém elementos que permitam apurar a idade do Autor à data da prática dos factos que constituíram a infração disciplinar, para permitir verificar se, caso a infração disciplinar constitua simultaneamente crime “amnistiável”, tal ilícito penal está efetivamente amnistiado (o que apenas aconteceria se tivesse entre 16 e 30 anos, nos termos do art. 2.º, n.º 1, da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto). 10. Acresce ainda que não há quaisquer elementos na sentença que permitam aferir se à infração disciplinar em causa (que, através da sentença, se desconhece qual seja) não é abstratamente aplicável sanção superior a suspensão, o que também é requisito de aplicação da Lei da Amnistia, nos termos do já citado artigo 6.º. 11. Face ao exposto, a sentença em crise viola claramente o disposto no artigo 6.º da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto (“Lei da Amnistia”), por ter considerado amnistiado um ilícito disciplinar sem prova de que o mesmo não constitui ilícito penal não amnistiado, nem verificação se a sanção aplicável a tal ilícito é superior a suspensão. 12. Pelo que a sentença deverá ser revogada por total falta de fundamentação de facto e violação da lei. Nestes termos, e nos demais de direito que V. Exas. melhor suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, a douta sentença recorrida ser revogada. Porém, V. Exas. decidindo, farão, como sempre, melhor JUSTIÇA! […]” ** O Recorrido «AA» apresentou Contra Alegações, sem que a final das mesmas tenha enunciado as respectivas conclusões, sendo que, de todo o modo delas se extrai, assim como do pedido a final, que o recurso seja julgado improcedente, por não merecer censura a Sentença recorrida. ~ Com as suas Alegações de recurso, o Recorrido juntou um documento. * O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso interposto, fixando os seus efeitos. ** Tendo subjacente o disposto no artigo 146.º, n.º 1, parte inicial do CPTA, o Ministério Público junto deste Tribunal Superior não foi notificado para emissão de parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional. *** Com dispensa dos vistos legais [mas com envio prévio do projecto de Acórdão], cumpre apreciar e decidir, e desde já, em torno da junção de documento com as Contra alegações de recurso. No âmbito das Contra alegações de recurso apresentadas pelo Recorrido «AA», o mesmo juntou um documento – Cfr. fls. 692 dos autos, SITAF - , pelo que se impõe para já apreciar e decidir sobre se tal se mostra processualmente admissível. Dispõe o artigo 627.º, n.º 1 do CPC que “As decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos”, ou seja, que o recurso é o meio processual por via do qual são impugnadas as decisões judiciais, e nessa medida, o tribunal superior é chamado a reexaminar a decisão proferida e os seus fundamentos. Como refere «BB», in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2.ª edição, 2014, Almedina, página 92 “(…) A natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão, determina uma importante limitação ao objecto, decorrente do facto de, em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal a quem com questões novas. Na verdade, os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar as decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo se quando, nos termos já referidos, estas sejam de conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha os elementos imprescindíveis. (…)” Assim, o recurso como meio de impugnação de uma decisão judicial, apenas pode incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, e por outro lado, da conjugação do artigo 640.º, n.º 1 e do artigo 662.º, n.º 1, ambos do CPC, resulta afastada a possibilidade de o Tribunal de recurso com competência em matéria de facto efectuar um novo julgamento, pois faz recair sobre o recorrente o ónus de, em primeiro lugar, indicar os concretos pontos de facto que pretende ver modificados, e em segundo lugar, indicar os concretos meios probatórios constantes do processo, do registo ou da gravação que imponham decisão diversa sobre esses pontos de facto. Deste modo, e quanto à junção de documentos em sede de recurso jurisdicional, dispõe o artigo 425.º do CPC, que “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.”, sendo que, por sua vez, o artigo 651.º, n.º 1 do mesmo diploma, determina que “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.” Assim, em sede de recurso, e de acordo com os normativos acima citados, a junção de documentos assume carácter excepcional, só sendo consentida nos casos especiais previstos na lei, mormente, quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento, e neste conspecto, em virtude de ter ocorrido superveniência objectiva (quando se trate de documento formado depois de ter sido proferida a decisão) ou subjectiva (quando se trate de documento cujo conhecimento ou apresentação apenas se tornou possível depois da decisão e ou se tenha revelado necessária em virtude do julgamento proferido) – Cfr. neste sentido, «BB», in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2014, página 191. Como resulta dos autos, e assim já referimos supra, o ora Recorrido juntou um documento com as respectivas Contra alegações de recurso, o qual é atinente a uma certidão judicial, emitida em ../../2024, que versa fls. 545 a 550 e 632 a 649 dos autos do processo-crime que, sob o número 7471/19...., correu termos contra si pelo Juízo de Instrução Criminal do Porto – Juiz ... -, cujo teor é referente à acusação contra si deduzida pelo Ministério Público e ao requerimento de abertura de instrução que apresentou no Tribunal de Instrução Criminal [TIC]. Como assim resulta do expendido a final das Contra alegações de recurso, o Recorrido refere que a junção do documento em causa apenas se tornou agora necessária para instruir o presente recurso em face da motivação do recurso apresentado pelo Ministério Público. E como assim julgamos, deve ser admitida a junção desse documento, pelo simples fundamento de que, o Recorrente é o Ministério Público, que não é parte [originária] nos autos, sendo que a certidão contendo a acusação e o requerimento de abertura de instrução vem permitir melhor enquadrar do ponto de visto jurídico-criminal a imputação do ilícito penal que lhe era/foi imputado, assim como a argumentação expendida no requerimento de abertura de instrução. Na decorrência do que assim referiu Antunes Varela, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 115º, página 95, no sentido de que a junção de documentos às Alegações da apelação só poderá ter lugar se a decisão da 1.ª instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento, quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes não contavam, na situação em apreço nos autos, com a apresentação do documento em causa, o Recorrente pretende colocar no conhecimento deste Tribunal o concreto contexto documental em que surge a decisão de não pronúncia, o que assim emerge nos autos, por ter o recurso jurisdicional ora em apreço a ser suscitado por quem não era parte, mas que o pode ser, como assim prossegue o Ministério Público em defesa da legalidade objectiva. Termos em que se admite a junção do documento que acompanha as Contra alegações de recurso. *** II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 639.º e 635.º n.ºs 4 e 5, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], sendo que, de todo o modo, em caso de procedência da pretensão recursiva, o Tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida pois que, ainda que venha a declarar a sua nulidade, sempre tem de decidir [Cfr. artigo 149.º, n.º 1 do CPTA] “… o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito.”, reunidos que estejam os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas. ** III - FUNDAMENTOS IIIi - DE FACTO Do processado nestes autos, resultam as seguintes incidências processuais: 1 – Finda a fase dos articulados, a Mm.ª Juíza do Tribunal a quo proferiu o despacho - Cfr. fls. 645 dos autos, SITAF - que para aqui se extrai como segue: Início da transcrição “[…] Face à entrada em vigor da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, que estabeleceu um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude, aplicável às sanções disciplinares não superiores a uma sanção de suspensão (cfr. art. 6.º daquele diploma), perspetiva-se a inutilidade superveniente da lide. Como se decidiu no recente Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16.11.2023, proferido no processo n.º 0262/12.0BELSB (in www.dgsi.pt), “(…) é entendimento dominante na jurisprudência e na doutrina que a amnistia faz cessar a responsabilidade disciplinar do arguido, pelo que, salvo disposição legal em contrário, determina o «esquecimento» da infração, extinguindo os respetivos efeitos com eficácia ex-tunc. Daqui decorre, necessariamente, que a amnistia faz desaparecer também – retroativamente - o objeto da ação que visa a anulação ou declaração de nulidade do ato que aplicou a correspondente pena disciplinar. Ora, se cessou a responsabilidade disciplinar do arguido, extinguindo-se os efeitos do ato que a efetivou, não subsiste nenhum interesse em determinar se o poder disciplinar prescreveu ou não antes da prática daquele ato, porque não existem outros efeitos jurídicos a extinguir para além daqueles que são extintos pela própria amnistia.” Assim, antes do mais, face à entrada em vigor da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, notifique-se as partes para que, no prazo de 10 dias, se pronunciem sobre a amnistia da infração, bem como quanto ao interesse/utilidade no prosseguimento da lide. […]” Fim da transcrição 2 – Nessa sequência, apenas o Autor veio a emitir pronúncia - Cfr. fls. 649 dos autos, SITAF – pela qual, em suma, informou nada ter a opor à aplicação da amnistia; 3 – Por requerimento datado de 18 de outubro de 2023, o Autor ora Recorrido juntou aos autos certidão judicial, emitida em 16 de outubro de 2023, que é atinente ao despacho de não pronúncia proferido em 27 de junho de 2023 no âmbito do processo-crime que, sob o número 7471/19...., correu termos contra si pelo Juízo de Instrução Criminal do Porto - Juiz ... -, com aposição da respetiva data de trânsito em julgado ocorrida em 02 de outubro de 2023 – Cfr. fls. 624 dos autos, SITAF; 4 – Desse despacho de não pronúncia - cujo teor aqui se dá por integralmente enunciado -, para aqui se extrai parte, como segue: Início da transcrição “[…] Tudo que até agora se transcreveu, e todos os nossos sublinhados na transcrição da prova do inquérito acima referido, não permite a indiciação do tipo legal que consta da acusação. […] Face à prova recolhida nos autos, nunca o arguido poderia ter sido acusado nos termos em que o foi. […] Quanto ao mais e como também atrás se foi adiantando, nunca a conduta do arguido descrita na acusação poderia ter como resultado a infeliz morte do doente, inexiste suporte fático e jurídico que legitime a incriminação feita.” […] Em sede de instrução […] foi junto parecer de consulta Técnico-científica a fls. 683 e sgs., aí sendo dito que a sintomatologia típica associada ao enfarte é ‘ampla, desde a ausência de sintomatologia típica até à paragem cardíaca. Mais se diz que no caso de enfarte da parede anterior, como foi o caso, à sintomatologia típica consiste em dor e pressão precordial intensos (…) irradiando para o membro superior esquerdo associado a ansiedade, mal-estar, dispneia e sudorese. […] Não se pode, pois, como já se disse, afirmar de modo pleno, com o nível de segurança mínimo exigido nesta fase processual, que o arguido tivesse cometido o crime em causa. Por um lado, não existe nexo de causalidade entre o comportamento do arguido e o resultado morte, por outro, subsiste a dúvida insanável sobre se no momento em que foi visto pelo arguido o doente tinha processo de enfarte em curso. […] por referência à acusação, consideramos indiciados os pontos 1.º a 22.º e não indiciados os pontos 23.º a 29.º daquela peça […]. […]” Fim da transcrição 5 - No dia 16 de fevereiro de 2024 foi proferida a Sentença recorrida, pela qual, a final, foi declarada amnistiada a infracção disciplinar e julgada extinta a instância por inutilidade superveniente da lide – Cfr. fls. 653 dos autos, SITAF. 6 – Com as suas Contra alegações de recurso, o Recorrido juntou uma certidão judicial, emitida em ../../2024, que versa fls. 545 a 550 e 632 a 649 dos autos do processo-crime que, sob o número 7471/19...., correu termos contra si pelo Juízo de Instrução Criminal do Porto – Juiz ... -, e que cujo teor é atinente à acusação deduzida pelo Ministério Público e ao requerimento de abertura de instrução - Cfr. fls. 692 dos autos, SITAF. 7 – Dessa Acusação deduzida pelo Ministério Público em 09 de junho de 2022 - cujo teor aqui se dá por integralmente enunciado -, para aqui se extrai parte, como segue: Início da transcrição “[...] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [...] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [...]“ Fim da transcrição ** Tendo subjacente o disposto no artigo 662.º, n.º 1 do CPC, fixamos ainda a seguinte factualidade relevante, por assim decorrer do patenteado no Processo administrativo constante dos autos: 8 – No dia 16 de dezembro de 2019, a viúva e a filha de «CC», apresentaram queixa crime, entre outros, contra o médico «AA», que dirigiram ao Procurador da República junto do DIAP de Vila Nova de Gaia, ao qual imputaram factos integradores do crime de ofensa à integridade física qualificada, agravada pelo resultado, ou numa situação extrema, do crime de homicídio por negligência - Cfr. fls. 8 a 13 do Processo Administrativo constante dos autos – SITAF; 9 – No dia 07 de janeiro de 2020, a Advogada da viúva e da filha de «CC», remeteu email à Ordem dos Médicos, por via do qual informaram que foi apresentada queixa crime por negligência médica visando o médico «AA», mais informando que a mesma segue termos na ... secção do DIAP de Vila Nova de Gaia sob o Processo 7471/19.... - Cfr. fls. 7 do Processo Administrativo constante dos autos – SITAF; 10 – Precedendo a emissão de relatório final datado de 14 de dezembro de 2020, o Conselho Disciplinar do Norte da Ordem dos Médicos, aderindo aos fundamentos vertidos pela sua relatora, deliberou aplicar ao Autor ora Recorrido a sanção disciplinar de suspensão por 30 dias - Cfr. fls. 128 a 154 do Processo Administrativo constante dos autos – SITAF; 11 - Tendo o arguido [o Autor ora Recorrido] interposto recurso dessa deliberação para o Conselho Superior da Ordem dos Médicos, por seu Acórdão datado de 26 de outubro de 2021, proferido por unanimidade, os seus membros deliberaram manter o decidido pelo Acórdão datado de 14 de dezembro de 2020, do Conselho Disciplinar do Norte da Ordem dos Médicos - Cfr. fls. 262 a 304 do Processo Administrativo constante dos autos – SITAF; 12 - Por julgarmos com interesse para a decisão a proferir, para aqui extraímos parte desse Acórdão do Conselho Superior da Ordem dos Médicos, datado de 26 de outubro de 2021, como segue: Início da transcrição “[...] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [...]“ Fim da transcrição ** IIIii - DE DIREITO Está em causa a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que precedendo a audiência prévia do Autor e da Ré, e tendo subjacente a Lei n.º 38A/2023, de 02 de agosto, veio a julgar amnistiada a infracção disciplinar imputada ao Autor no procedimento disciplinar de que foi alvo, e bem assim, a julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, quanto ao que o Ministério Público junto desse TAF, com ela não se conformando, veio interpor recurso de Apelação ao abrigo do disposto no artigo 141.º do CPTA, sendo que a final das Alegações de recurso peticionou a revogação da Sentença proferida. Como assim deflui da Sentença recorrida, o Tribunal a quo não conheceu do mérito do pedido formulado pelo Autor, por ter julgado nada se opor/justificar à aplicação da amnistia prevista naquela diploma legal, ocorrendo dessa forma a cessação da pena e os seus efeitos, o que tornou assim inútil o prosseguimento da lide, com fundamento, em suma, em que já não se impunha discutir a legalidade da pena disciplinar aplicada. Neste conspecto, para aqui extraímos a essencialidade da fundamentação de direito aportada pelo Tribunal a quo na Sentença recorrida, como segue: Início da transcrição “[…] Da amnistia da infração: A Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, que entrou em vigor a 01.09.2023, estabeleceu um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude. Sob a epígrafe “Âmbito”, o artigo 2.º dispõe o seguinte: “1 - Estão abrangidas pela presente lei as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos nos artigos 3.º e 4.º. 2 - Estão igualmente abrangidas pela presente lei as: a) Sanções acessórias relativas a contraordenações praticadas até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, nos termos definidos no artigo 5.º; b) Sanções relativas a infrações disciplinares e infrações disciplinares militares praticados até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, nos termos definidos no artigo 6.º”. Já o artigo 6.º, sob a epígrafe “Amnistia de infrações disciplinares e infrações disciplinares militares”, dispõe que “são amnistiadas as infrações disciplinares e as infrações disciplinares militares que não constituam simultaneamente ilícitos penais não amnistiados pela presente lei e cuja sanção aplicável, em ambos os casos, não seja superior a suspensão ou prisão militar.” Nada nos presentes autos indica que a infração disciplinar em causa constitua simultaneamente qualquer ilícito penal. Acresce que a sanção disciplinar aplicada ao Autor teve por fundamento factos ocorridos no ano de 2019 (cfr. doc. 2 da p.i.), pelo que se encontra abrangida pelo art. 2.º, n.º 2, al. b), da Lei n.º 38-A/2023. Por fim, a sanção disciplinar aplicada ao Autor foi a sanção disciplinar de suspensão por um período de 30 dias (prevista no art. 14.º, n.º 1, al. c), do Regulamento Disciplinar da Ordem dos Médicos n.º 631/2016, de 8 de julho), ou seja, a sanção disciplinar aqui em causa não é superior a suspensão (cfr. doc. 2 da p.i.). Donde, ao abrigo do disposto nos arts. 2.º, n.º 2, al. b), 6.º e 14.º da Lei n.º 38A/2023, de 2 de agosto, que estabeleceu um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude, considero amnistiada a infração disciplinar imputada ao Autor. * Da inutilidade da presente lide: Cumpre, portanto, decidir sobre a inutilidade superveniente da presente lide. A inutilidade superveniente da lide resulta da ocorrência de um facto, ou de uma situação, na pendência da ação, que torna desnecessária a emissão de qualquer pronúncia judicial. Nos termos do disposto alínea e) do art.º 277º do CPC, aplicável ex vi art.º 1º do CPTA, constitui, portanto, uma das causas de extinção da instância. Segundo jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, “a lide torna-se inútil se ocorre um facto, ou uma situação, posterior à sua instauração que implique a desnecessidade de sobre ela recair pronúncia judicial por falta de efeito” (cf. Acórdão de 15.03.2012, proc. n.º 501/10....). No presente caso, estava em dissídio a pretensão impugnatória do Autor quanto ao ato da Ré que lhe aplicara uma sanção disciplinar de censura. Ora, tendo já sido por este Tribunal considerada amnistiada a infração disciplinar imputada ao Autor – ao que as partes não se vieram opor –, inexiste qualquer interesse no prosseguimento da ação. De facto, a amnistia da infração disciplinar faz cessar a responsabilidade do arguido e põe termo ao procedimento destinado a dela averiguar (cfr. Acórdão do STA de 14.01.1998, recurso n.º 024968, disponível em www.dgsi.pt). Se assim é, a lide torna-se necessariamente inútil. Neste sentido, vejam-se ainda as seguintes doutas palavras do Supremo Tribunal Administrativo: “Por outro lado, tendo a amnistia um efeito extintivo da infração, a sua verificação torna inútil o prosseguimento do recurso, bem como a inutilidade da verificação de qualquer vício do ato” (cfr. Acórdão do STA de 12.12.2002, processo n.º 0326/02). Face ao que vem dito, verifica-se a inutilidade superveniente da lide, considerando-se extinta a instância, nos termos do art. 277.º, al. e), do CPC, aplicável ex vi art. 1.º, do CPTA. […] Assim, face ao que vem exposto, na presente ação, em que é Autor «AA» e Ré a Ordem dos Médicos, declaro a extinção da infração disciplinar e da sanção disciplinar aplicada ao Autor por efeito da amnistia e, em consequência, determino a inutilidade superveniente da lide, com a consequente extinção da instância. Custas pelo Autor e pela Ré em partes iguais. […]” Fim da transcrição Neste patamar. Da Sentença proferida vem interposto recurso de Apelação pelo Ministério Público, vindo referido que o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 6.º da Lei n.º 38A/2023, de 02 de Agosto, por ter considerado amnistiado um ilícito disciplinar sem prova de que o mesmo não constitui ilícito penal não amnistiado, nem verificado se a sanção aplicável a tal ilícito é superior a suspensão, e que a Sentença deve ser revogada por total falta de fundamentação de facto e violação da lei, sendo que, em face do vertido nas conclusões das suas Alegações, sustentou para o efeito, em suma: - que em momento algum da sentença é descrita e analisada a infração disciplinar em causa para se poder concluir (ou não) se a mesma constitui ou não ilícito criminal. - que a sentença recorrida não fixa qualquer matéria de facto e nem sequer identifica a infração disciplinar em causa nos autos, desconhecendo-se assim, em absoluto, se o ilícito disciplinar em apreço constitui crime, e na afirmativa, que crime. – que depois de compulsados os autos, verifica-se que consta do processo administrativo instrutor que, pelos factos constantes do processo disciplinar em causa, foi apresentada queixa crime, que deu origem ao inquérito n.º 7471/19...., da ... secção do DIAP de Vila Nova de Gaia, nomeadamente por eventual crime de ofensa à integridade física qualificada, agravada pelo resultado, o qual que está excluído de perdão e amnistia nos termos do art. 7.º, n.º 1, al. a), iii), da Lei da Amnistia. - que a Sentença também não contém elementos que permitam apurar a idade do Autor à data da prática dos factos que constituíram a infração disciplinar, para permitir verificar se, caso a infração disciplinar constitua simultaneamente crime “amnistiável”, tal ilícito penal está efetivamente amnistiado (o que apenas aconteceria se tivesse entre 16 e 30 anos, nos termos do art. 2.º, n.º 1, da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto). - que também não há quaisquer elementos na Sentença que permitam aferir se à infração disciplinar em causa (que, através da sentença, se desconhece qual seja) não é abstratamente aplicável sanção superior a suspensão, o que também é requisito de aplicação da Lei da Amnistia, nos termos do já citado artigo 6.º. Cumpre então apreciar e decidir. Em face do que está patenteado sob as conclusões das respectivas Alegações de recurso, e tendo presente a factualidade dada por assente nos autos, julgamos que assiste razão ao Recorrente. Vejamos pois, por que termos e pressupostos. Cotejada a Sentença recorrida, dela se extrai que em face da perspectivada amnistia da infracção disciplinar tratada nos autos, na decorrência do disposto pela Lei n.º 38A/2023, de 02 de agosto, que o Tribunal a quo delimitou, de forma simples, os termos pelos quais, como assim julgou, eram os suficientes para efeitos de encontrar uma solução jurídica que aqui fosse plausível, por consentânea com o direito por si convocado, e que se centrava, a final, na aplicabilidade do referido diploma legal. Na base do seu julgamento esteve a natureza da infracção disciplinar aplicada ao Autor ora Recorrido, a identificação do autor do acto impugnado atinente à suspensão por 30 dias, o tempo em que a mesma foi praticada tendo por referência os factos que eram imputados ao arguido, a apreciação de que inexistia nos autos indício da concorrência de ilícito penal, e bem assim a entrada em vigor da Lei n.º 38A/2023, de 02 de agosto, na definição de base do seu âmbito objectivo e subjectivo de aplicação. Nessa medida, tendo por pressuposto que a infracção disciplinar patenteada nos autos não constituía simultaneamente ilícito penal, o Tribunal a quo julgou amnistiada a infracção imputada ao Autor ora Recorrido, tendo subjacente o disposto nos artigos 2.º, n.º 2, alínea b), 6.º e 14.º, todos da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, e nesse patamar decisório, que ocorria a inutilidade superveniente da lide, por inexistir qualquer interesse no prosseguimento da acção, julgando extinta a instância, nos termos do artigo 277.º, alínea e) do CPC. Ora, se bem que a Sentença proferida não seja modelar, em termos de dela constarem enunciados de forma mais ou menos caracterizada, os factos sobre os quais foi prosseguida a incidência do direito, e neste conspecto também, se os factos imputados ao arguido [Autor ora Recorrido] pela Ordem dos Médicos eram susceptíveis de serem subsumidos no âmbito de qualquer tipo de crime que não estivessem a coberto da decidida amnistia, o que é certo, todavia, é que dela [Sentença] é possível extrair factualidade que foi determinante do julgamento que a final foi alcançado pelo Tribunal a quo. Neste conspecto para aqui julgamos ser de tornar a trazer parte do que foi apreciado e decidido pelo Tribunal a quo na Sentença recorrida, no sentido de que “[…] Nada nos presentes autos indica que a infração disciplinar em causa constitua simultaneamente qualquer ilícito penal. Acresce que a sanção disciplinar aplicada ao Autor teve por fundamento factos ocorridos no ano de 2019 (cfr. doc. 2 da p.i.), pelo que se encontra abrangida pelo art. 2.º, n.º 2, al. b), da Lei n.º 38-A/2023. Por fim, a sanção disciplinar aplicada ao Autor foi a sanção disciplinar de suspensão por um período de 30 dias (prevista no art. 14.º, n.º 1, al. c), do Regulamento Disciplinar da Ordem dos Médicos n.º 631/2016, de 8 de julho), ou seja, a sanção disciplinar aqui em causa não é superior a suspensão (cfr. doc. 2 da p.i.). Donde, ao abrigo do disposto nos arts. 2.º, n.º 2, al. b), 6.º e 14.º da Lei n.º 38A/2023, de 2 de agosto, que estabeleceu um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude, considero amnistiada a infração disciplinar imputada ao Autor. […]” Ou seja, é apreensível o fundamento do itinerário decisório adoptado pelo Tribunal a quo, donde resulta assim que a Sentença recorrida não padece da nulidade a que se reporta o artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC, por dela não se poder retirar uma total falta de fundamentação [como sustentado pelo recorrente sob a conclusão 12], sendo que, com o que nos podemos deparar é com a ocorrência de erro de julgamento em matéria de interpretação e aplicação do direito. Aqui chegados. Sendo a Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, uma lei de amnistia, que não pode deixar de ser considerada uma providência de excepção, a mesma deve ser interpretada e aplicada nos seus precisos termos, sem que dela se possam fazer ampliações ou restrições que nela não venham expressas, não sendo admitida por isso o recurso a interpretação extensiva, restritiva ou analógica. Como se retira, sem esforço interpretativo adicional, do disposto no referido artigo 11.º, a Lei é imediatamente aplicável [Cfr. artigo 14.º], sendo que é sobre as infrações previstas no artigo 4.º do mesmo diploma [infrações de natureza penal cuja pena aplicável não seja superior a 1 ano de prisão ou a 120 dias de multa] que o legislador veio dispor sobre os termos e pressuposto em que o arguido pode requerer a não aplicação da amnistia. Esse dispositivo legal é aplicável à amnistia das infracções disciplinares, por assim o ter dito de forma expressa o legislador, o que deriva a final em que, a amnistia de infracções disciplinares, nos termos expressamente fixados pelo legislador é de aplicação imediata [reunidos que sejam os devidos requisitos], sem dependência de manifestação de vontade do visado, o que não significa, de todo o modo, que a lide deixe de ter utilidade e que a instância deva ser extinta. Conforme se extrai do corpo da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de Agosto, e em torno da amnistia de infracções disciplinares, o legislador dispôs que a mesma deve ser aplicada se as infracções disciplinares, em suma, tiverem sido praticadas até às 00:00 horas de 19 de Junho de 2023, se não constituírem simultaneamente ilícitos penais não amnistiados pela Lei, e ainda, que a sanção aplicável não seja superior a suspensão [Cfr. artigos 2.º, n.º 2, alínea b), 6.º e 7.º do referido diploma legal]. Em conformidade com o que assim apreciou o Tribunal a quo [e como assim resulta do probatório, em particular, dos Acórdãos proferidos pelo Conselho Regional do Norte e pelo Conselho Superior da Ordem dos Médicos] na situação em apreço nos presentes autos, resulta claro que tendo por referencial o tempo da imputada prática da infracção [v.g., as data em que foram dadas as consultas médicas, em 04 e 05 de agosto de 2019], por aí estaria a mesma a coberto da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto. Porém, dispôs ainda o legislador em torno da necessidade de perscrutar da existência de qualquer situação de exclusão da aplicação da amnistia [Cfr. artigos 4.º, 6.º e 7.º da referida Lei]. Nessa medida, a pena de suspensão por 30 dias aplicada ao Autor, estaria efectivamente amnistiada, se os factos que lhe foram imputados em sede do procedimento disciplinar contra si instaurado pela Ordem dos Médicos, não fossem eles também passíveis de enquadramento num tipo legal de crime, cuja pena aplicável não fosse superior a 1 ano de prisão ou a 120 dias de multa, ou também, designadamente, que não tivesse o Autor ora Recorrido sido condenado pelo crime de ofensa à integridade física grave [Cfr. artigo 7.º, n.º 1, alínea a), iii) da Lei n.º 38A/2023, de 02 de agosto] Como assim decorre do patenteado nos autos, podendo em abstracto ser imputada ao Autor ora Recorrido a prática de ilícito criminal, que por si era concorrente com a infracção disciplinar. A sua actuação [ou omissão de actuação em conformidade] foi apreciada em sede de imputação criminal visando o cometimento do crime de homicídio por negligência, sendo que o resultado alcançado em sede do julgamento efectuado pelo Tribunal de instrução criminal foi de que, em suma, a actuação do Autor ora Recorrido, enquanto médico, e em face do que vinha acusado como assim vertido na Acusação contra si deduzida, não era merecedora dessa apontada censura jurídico-penal. Neste sentido, e como assim emerge do vertido sob o ponto 4 do probatório fixado por este TCA Norte, que é atinente ao despacho de não pronúncia do Autor ora Recorrido pelo crime de homicídio por negligência, apreciou e decidiu o TIC que em face da prova produzida no inquérito criminal, não era possível a indiciação do tipo legal de crime que consta da Acusação, a saber, homicídio por negligência, e que por essa razão nunca o arguido [o Autor ora Recorrido] poderia ter sido acusado nos termos em que o foi, e que inexiste suporte fáctico e jurídico que legitime a incriminação prosseguida pelo Ministério Público na Acusação deduzida visando o crime de homicídio por negligência, e desse modo, que não se pode afirmar de modo pleno e com o nível de segurança mínimo exigido face ao teor da Acusação, que o arguido tivesse cometido o identificado crime. Porém, tendo o inquérito criminal [e assim também Acusação] visado apenas a imputação do crime de homicídio por negligência, quanto ao que o TIC julgou pela não existência de indícios tendo em vista o preenchimento desse tipo legal de ilícito, de todo o modo, como assim deflui do vertido a final do despacho de não pronúncia, o mesmo TIC julgou indiciados os pontos 1.º a 22.º da Acusação, de que destacamos [Cfr. ponto 7 do probatório], os seus pontos 7, 19, 20, 21 e 22, que em sim, e objectivamente, encerram a alegação de indícios de violação dos deveres que foram imputados ao arguido [Autor ora Recorrido] no âmbito do processo disciplinar, e que culminou com a aplicação da pena de suspensão de 30 dias. Tendo essa decisão proferida pelo Tribunal de Instrução Criminal transitado em julgado no dia 02 de outubro de 2023, e tendo a Sentença recorrida sido proferida depois dessa data, em 16 de fevereiro de 2024, o julgamento por si prosseguido no sentido de que nada nos autos indica que a infracção disciplinar constitua simultaneamente ilícito penal, enferma de erro de julgamento, pois que em face do que vem patenteado na decisão administrativa impugnada [e mesmo depois de cotejado o despacho de não pronúncia pelo crime de homicídio por negligência], foi por causa da violação de deveres a que estava obrigado em razão da sua função de médico, que a Ordem dos Médicos lhe aplicou, precedendo a instauração de processo disciplinar a pena de suspensão por 30 dias. Efectivamente, revertendo ao que se aprecia nestes autos, a factualidade apreciada e decidida pela Ordem dos Médicos em sede de responsabilidade disciplinar é também ela passível de ser subsumida no disposto no artigo 148.º do Código Penal, cuja epigrafe é atinente a Ofensa à integridade física por negligência. Neste patamar, e em face do que vem patenteado no acto impugnado da autoria da Ordem dos Médicos, estando em apreço factos que a final vieram a derivar na morte do marido e pai das participantes, julgamos que sendo a moldura penal abstractamente aplicável de pena de prisão até 2 anos ou pena de multa até 240 dias [Cfr. artigo 148.º, n.º 3 do Código Penal], pese embora os factos objecto da decisão disciplinar se reportarem a data anterior a 19 de junho de 2023, não cabe a situação na previsão do artigo 4.º, ex vi artigo 2.º, n.º 1, e assim, não pode a infracção ser declarada amnistiada, nos termos dos artigos 2.º, n.º 2, alínea b) e 6.º, todos da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, sendo para o caso irrelevante a idade do Autor ora Recorrido. Em suma, sendo certo que o Tribunal a quo podia aplicar a Lei da Amnistia como assim constante dos artigos 11.º e 14.º da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, na medida em que sempre essa aplicação tem de ser casuística, com ponderação dos termos e pressupostos de que depende a sua aplicação, temos que na situação em apreço nos autos o Autor ora Recorrido não podia ver amnistiada a infracção disciplinar e a consequente sanção que lhe foi aplicada, pese embora não ser superior a suspensão, pela razão de os factos que lhe foram/estão imputados caírem também no tipo de ilícito previsto e punido pelo artigo 148.º do Código Penal. Tendo subjacente o disposto no artigo 6.º da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, na medida em que que estamos perante uma infracção disciplinar que constitui simultaneamente um ilícito penal, e cuja moldura penal abstractamente considerada [por ser patente a manifesta ocorrência de ofensa à integridade física grave] é de pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias, errou o Tribunal a quo no julgamento por si prosseguido, quando declarou amnistiada a infracção disciplinar, e nesse patamar, veio a julgar extinta a instância. Com efeito, a instância não podia ser julgada extinta porquanto inexistia fundamento de tanto determinante, já que concorrente com a infracção disciplinar está o ilícito criminal tipificado no artigo 148.º, n.ºs 1 e 3 do Código Penal, devendo os autos prosseguir termos, que a final passará por saber se o acto administrativo deve ser expurgado da ordem jurídica, por via do conhecimento do mérito do pedido na sua vertente anulatória. De modo que, face ao que deixamos expendido supra, a pretensão recursiva do Recorrente tem assim de ser julgada procedente, devendo os autos baixar ao TAF do Porto para efeitos de ser conhecido do mérito dos autos, tendo subjacente a causa de pedir imanente ao pedido deduzido a final a Petição inicial, e no fundo, apreciar e decidir se padece a decisão impugnada de invalidade determinante da sua anulabilidade, que a final levasse a que não fosse aplicada a concreta pena disciplinar de 30 dias de suspensão ao Autor ora Recorrido. * E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO: DESCRITORES: Processo disciplinar; Infracção disciplinar; Pena disciplinar de suspensão; Aplicabilidade da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto; Concorrência de ilícito penal não amnistiado. 1 - Conforme se extrai do corpo da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de Agosto, e em torno da amnistia de infracções disciplinares, o legislador dispôs que a mesma deve ser aplicada se as infracções disciplinares, em suma, tiverem sido praticadas até às 00:00 horas de 19 de Junho de 2023, se não constituírem simultaneamente ilícitos penais não amnistiados pela Lei, e caso a sanção aplicável não seja superior a suspensão [Cfr. artigos 2.º, n.º 2, alínea b), 6.º e 7.º do referido diploma legal]. 2 – Estando em apreço nos autos factos passíveis de integração no tipo de ilícito penal previsto e punido pelo artigo 148.º, n.ºs 1 e 3 do Código Penal, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento em matéria de interpretação e aplicação do direito, quando declarou amnistiada a infracção cometida pelo arguido [Autor, ora Recorrido], ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 2, alínea b), 6.º e 14.º, todos da Lei n.º 38A/2023, de 02 de agosto. 3 – Tendo vindo a ser julgada extinta a instância por ocorrência de inutilidade superveniente da lide, e tendo este consequente julgamento do Tribunal a quo também sido incurso em erro de direito, deve ser revogada a Sentença recorrida e determinada a continuação dos termos dos autos, para efeitos de ser conhecido do seu mérito, tendo subjacente a causa de pedir imanente ao pedido deduzido a final a Petição inicial, e no fundo, apreciar e decidir se padece a decisão impugnada de invalidade determinante da sua anulabilidade, que a final levasse a que não fosse aplicada ao Autor ora Recorrido, a concreta pena disciplinar de 30 dias de suspensão. *** IV – DECISÃO Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Subsecção Administrativa Social da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, Acordam em conferência: A) em CONCEDER PROVIMENTO ao recurso de Apelação deduzido pelo Ministério Público; B) em revogar a Sentença recorrida; C) em determinar a baixa dos autos ao Tribunal de 1.ª instância, para efeitos de aí serem prosseguidos os termos de processo que se mostrem devidos, em ordem a ser apreciada a invalidade apontada à decisão impugnada atinente ao acto administrativo que aplicou a pena disciplinar ao Autor ora Recorrente, se nada mais a tanto obstar. * Custas a cargo do Recorrido - Cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC. Notifique. Porto, 05 de julho de 2024. Paulo Ferreira de Magalhães, relator Isabel Costa Rogério Martins, com a declaração de voto que segue; Declaração de voto: Voto a decisão, reiterando no entanto o meu entendimento de que o Tribunal não pode declarar amnistiada uma infracção sancionada em sede administrativa, sob pena de violação do princípio da separação de poderes porque esse é um poder conferido a quem aplicou a sanção, neste caso à Administração, como decorre do disposto no artigo 14.º da Lei da Amnistia (Lei n.º 38-A/2023, de 02.08). |