Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00486/20.7BEBRG |
Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
Data do Acordão: | 10/25/2024 |
Tribunal: | TAF de Braga |
Relator: | PAULO FERREIRA DE MAGALHÃES |
Descritores: | PRESTAÇÕES DE DESEMPREGO; CRIAÇÃO DO PRÓPRIO EMPREGO; ACUMULAÇÃO COM ACTIVIDADE NORMALMENTE REMUNERADA; AJUDAS DE CUSTO POR DESLOCAÇÕES AO SERVIÇO DA EMPRESA; REVOGAÇÃO E RESTITUIÇÃO |
Sumário: | 1 - No dia 15 de março de 2012 foi publicado o Decreto-Lei n.º 64/2012, de 15 de março, que entrou em vigor no dia 01 de abril de 2012, e que entre o mais aprovou a alteração do artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 03 de novembro, e que, mantendo os normativos que dele inicialmente constavam [os actuais n.ºs 1, 2 e 6], introduziu, novatóriamente, previsão normativa expressa no sentido de que nas situações de criação do próprio emprego e em que tenha sido concedido o montante global das prestações de desemprego, os beneficiários não podem acumular o exercício dessa actividade com outra actividade normalmente remunerada durante o período em que são obrigados a manter aquela actividade, e que em caso de incumprimento injustificado das obrigações decorrentes da aprovação do projecto de criação do próprio emprego [isto é, se fosse constatada essa acumulação], seria aplicado o regime jurídico da restituição das prestações de segurança social indevidamente pagas. 2 - Cotejados os normativos em causa [o artigo 34.º do referido Decreto-Lei, na sua versão inicial e na versão introduzida pelo Decreto-Lei n.º 64/2012, de 15 de março], é com facilidade que se constata que o legislador não atribuiu, nem quis atribuir, natureza interpretativa às normas previstas no artigo 34.º, mais concretamente, aos seus n.ºs 3 e 4, em conformidade o disposto no artigo 13.º do Código Civil, antes porém, regular com base em diferentes pressupostos, uma politica pública por si prosseguida para efeitos de fomentar o incentivo à criação do próprio emprego por parte de desempregados, e o seu exercício em regime de exclusividade sem possibilidade de acumulação com outra actividade normalmente remunerada. 3 - A certeza e segurança jurídica assentam no conhecimento prévio daquilo com que cada um pode contar para, com base em expectativas firmes, governar a sua vida e orientar a conduta, de onde se retira assim que a certeza e segurança jurídica pede que a regra de direito seja uma prescrição de carácter geral formulada com uma precisão suficiente para que os seus destinatários a possam conhecer antes de agir, actuando em conformidade com a sua previsão normativa, e sem equívocos. 4 – Tendo em reunião da Assembleia geral da sociedade comercial de que o Autor era gerente, sido deliberado, entre o mais, que até nova decisão em contrário não lhe seria atribuída remuneração, mas que lhe eram contudo pagas as ajudas de custo derivadas das actividades desenvolvidas em representação da empresa, e sendo as ajudas de custo um apoio monetário/financeiro que essa empresa efectua na pessoa do seu gerente [o Autora ora Recorrente], por deslocações ao serviço dessa empresa, e que pode compreender, designadamente, a alimentação, transporte e deslocações, resulta manifesto que no caso concreto a actividade desenvolvida era passível de remuneração, mas que não o foi “até nova decisão em contrário”, por assim ter sido deliberado em Assembleia Geral de sócios, mas sempre e de todo o modo, que lhe seriam pagas as ajudas de custo que fossem decorrentes das actividades que desenvolvesse em representação da empresa, o que sempre representa um acréscimo patrimonial decorrente do exercício dessa actividade, em acumulação. 5 - A decisão da Segurança Social assenta numa actuação consentânea com o princípio da juridicidade, pois que aquando da apresentação da sua candidatura e bem assim do pedido de concessão do montante global das prestações de desemprego, o Autor podia supor e com grande razoabilidade, até em face da existência de norma legal de tanto impeditivo, que teria de exercer o emprego por si criado, a tempo inteiro, ou seja, em regime de absoluta exclusividade, sem que pudesse exercer uma qualquer outra actividade remunerada, isto é, para cujo exercício é normalmente atribuída remuneração, com o que se julga ter sido proferido um acto administrativo em conformidade com a Lei e o Direito por parte do Recorrido Instituto da Segurança Social, ao ter decidido pela revogação da atribuição do montante único do subsídio de desemprego.* * Sumário elaborado pelo relator (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
Votação: | Unanimidade |
Meio Processual: | Acção Administrativa Comum |
Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I - RELATÓRIO «AA» [devidamente identificado nos autos] Autor na acção que intentou contra o Instituto da Segurança Social, IP [também devidamente identificado nos autos], inconformado com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, pela qual, com referência ao pedido por si formulado a final da Petição inicial, no sentido de a acção administrativa ser julgada provada e procedente e, em consequência, ser declarada a nulidade ou, pelo menos, ser declarada a anulação, do acto administrativo que decidiu pela restituição do valor que lhe foi pago a título de montante global das prestações de desemprego de €5.849,70, veio a ser julgado improcedente, tendo sido mantido o acto impugnado e absolvido o Réu do pedido, veio interpor recurso de Apelação. * No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencou a final as conclusões que ora se reproduzem: “[…] Conclusões: 1ª O regime jurídico que resulta da interpretação conjugada do artº 34º, nºs 3 e 4, do Decreto-Lei nº 220/2006, na sua redacção actual, e do artº 12º, nº 2, da Portaria 985/2009, na sua redacção actual, impõe que o beneficiário exerça a actividade do próprio emprego que criou no projecto de criação desse emprego aprovado pela SS, a tempo inteiro, durante três anos, e sem poder exercer nesse período outra actividade que seja remunerada com carácter de regularidade, a não ser que ocorra causa justificativa para o efeito. 2ª O conceito jurídico “a tempo inteiro” usado neste regime jurídico radica e conduz ao conceito de horário de trabalho de “tempo completo”, isto é, de 40 horas semanais, e não ao conceito jurídico bem distinto de exclusividade de trabalho. 3ª O conceito jurídico “atividade normalmente remunerada” usado neste regime jurídico radica e conduz ao conceito de remuneração regular, frequente, por a remuneração ser elemento essencial do trabalho, e não à mera possibilidade normal de remuneração, porquanto todas as actividades de trabalho se presumem e podem ser remuneradas, sob pena de se voltar a cair no conceito de exclusividade do trabalho decorrente do próprio emprego criado pelo beneficiário da antecipação das prestações de subsídio de desemprego. 4ª O conceito de incumprimento deste regime jurídico não é um incumprimento qualquer, mas sim um incumprimento injustificado, pelo que, atento o regime sancionatório que o mesmo encerra (restituição das prestações recebidas), o incumprimento imputado ao beneficiário, neste caso ao recorrente, tem de ser suportado em factos concretos e circunstanciados que permitam concluir pela injustificação do incumprimento do referido regime jurídico. 5ª Neste caso, não há qualquer facto imputável ao recorrente para injustificar o seu alegado, porque inexistente, incumprimento do regime jurídico da aprovação do projecto de criação do próprio emprego, logo, não pode considerar-se que houve incumprimento injustificado de tal regime. 6ª Com efeito, não há factos que permitam concluir, quer que o recorrente não exerceu, durante os 3 anos, a actividade do próprio emprego que criou a tempo inteiro, isto é, durante 40 horas por semana; quer que, durante aquele período, o recorrente tenha exercido outra actividade remunerada ou sequer excepcionalmente remunerada. 7ª Pelo que, inexistindo no processo quaisquer factos que possam ser imputados ao recorrente relativamente a um putativo incumprimento injustificado de referido regime jurídico, a sentença deve ser revogada e proferido acórdão que declare procedente a acção. 8ª Por outro lado, a interpretação, como adoptada na sentença, do artº 34º, nºs 3 e 4, do Decreto-Lei nº 220/2006, na sua redacção actual, e do artº 12º, nº 2, da Portaria 985/2009, na sua redacção actual, no sentido de que o beneficiário tem de exercer a actividade do próprio emprego que criou no projecto de criação desse emprego aprovado pela SS, a tempo inteiro, durante três anos, e sem poder exercer nesse período outra actividade que possa ser remunerada, é materialmente inconstitucional, por violar frontalmente o direito fundamental ao trabalho, previsto no artº 58º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), o direito fundamental da livre iniciativa económica, previsto no artº 61º, nº 1, da CRP, o direito fundamental de acesso à propriedade privada, previsto no artº 62º, nº 1, da CRP e, ainda, o direito fundamental da liberdade de criação intelectual e científica, previsto no artº 42º, nº 1, da CRP, pelo que, deve desaplicar-se o referido regime assim interpretado. Termos em que, deve o presente recurso ser considerado provado e procedente e, por via disso, deve proferir-se douto acórdão que revogue a sentença recorrida e declare nulo ou anulado o acto administrativo que decidiu pela restituição do valor que foi pago ao recorrente a título de montante global das prestações de desemprego, de €5.849,70, só assim se fazendo a usual e esperada JUSTIÇA. […]” ** O Recorrido Instituto da Segurança Social, IP, não apresentou Contra Alegações. * O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso interposto, fixando os seus efeitos. ** O Ministério Público junto deste Tribunal Superior não emitiu parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional. *** Com dispensa dos vistos legais [mas com envio prévio do projecto de Acórdão], cumpre apreciar e decidir. *** II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 639.º e 635.º n.ºs 4 e 5, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], sendo que, de todo o modo, em caso de procedência da pretensão recursiva, o Tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida pois que, ainda que venha a declarar a sua nulidade, sempre tem de decidir [Cfr. artigo 149.º, n.º 1 do CPTA] “… o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito.”, reunidos que estejam os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas. ** III - FUNDAMENTOS IIIi - DE FACTO No âmbito da factualidade considerada pelo Tribunal recorrido em sede da Sentença proferida, dela consta o que por facilidade, para aqui se extrai como segue: “[…] Com relevo para a decisão a proferir, julgam-se provados os seguintes factos: 1. Em 29-04-2016, após aprovação pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) do projeto de criação do próprio emprego, foi deferida ao Autor a atribuição do montante único (MU) do subsídio de desemprego – cfr. fls. 16 e 17 do PA; 2. O Autor constituiu a sociedade por quotas “[SCom01...] LDA.”, NIPC ...30 – cfr. fls. 9 a 12 do PA; 3. E foi deferido o pagamento do montante único das prestações de desemprego, no valor de € 5.849,70, com início reportado a 26-04-2016 – cfr. fls. 9 a 17 do PA; 4. Em 02-02-2018, o Autor iniciou atividade na sociedade "[SCom01...], LDA.”, NISS ...20 na qualidade de Membro de Órgão Estatutário – cfr. fls. 18 e 19 do PA; 5. Em 16-05-2019, foi proferida decisão de intenção de revogação do MU do subsídio de desemprego que lhe foi atribuído – cfr. fls. 18 a 22 do PA; 6. Desta intenção, foi o Autor notificado pelo ofício de 24-05-2019 (expedido em 2805-2019), sendo-lhe dada a possibilidade de, querendo, responder em sede de audiência de interessados no prazo de 5 dias úteis, conforme previsto no artigo 122º do CPA, meio que veio a ser utilizado em 05-06-2019 – cfr. fls. 26 e 27 a 36 do PA; 7. Em 04-10-2019, o Réu decidiu a revogação do MU do subsídio de desemprego atribuído, de que foi notificado o Autor em 04-12-2019 (expedido em 10-12-2019) – cfr. fls. 55 a 58 e 62 a 63 do PA; 8. A decisão teve como fundamento “o incumprimento injustificado do projeto de criação do próprio emprego antes do decurso de 3 anos a contar da data do início do projeto”, o qual (…) tem que ser obrigatoriamente a tempo inteiro e mantido pelo período mínimo de 3 anos”, acrescido do facto de “os beneficiários não podem acumular o exercício dessa atividade com outra normalmente remunerada” verificando-se, no entanto, que o Autor “(…)iniciou atividade distinta da aprovada, desde 02-02-2018, como membro de órgão estatutário ma entidade [SCom01...], Lda., antes do decurso de 3 anos a contar da data do início do projeto”; 9. A petição inicial que origina os presentes autos foi remetida a este Tribunal, em 09.03.2020 – cfr. registo SITAF. ~ Com interesse e relevância para a decisão a proferir, nada mais se julgou provado ou não provado. * Fundamentação: Os factos dados como assentes supra tiveram por base os documentos constantes dos autos e do processo administrativo incorporado no SITAF, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, e/ou não resultaram controvertidos. […]” * Tendo subjacente o disposto no artigo 662.º, n.º 1 do CPC, por assim decorrer do Processo Administrativo, e por densificação do ponto 6 do probatório, damos como provado o facto a seguir identificado: 6a. Em reunião da Assembleia geral da sociedade comercial [SCom01...], Ld.ª, realizada em 29 de janeiro de 2018, do que foi lavrada a acta n.º um, foi deliberado, entre o mais que o gerente «AA» não seria remunerado até nova decisão em contrário, sendo-lhe contudo pagas as ajudas de custo derivadas das actividades desenvolvidas em representação da empresa – Cfr. fls. 28 do Processo Administrativo; ** IIIii - DE DIREITO Está em causa a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que com referência ao pedido formulado pelo Autor a final da Petição inicial, no sentido de a acção administrativa ser julgada provada e procedente e, em consequência, ser declarada a nulidade, ou pelo menos ser declarada a anulação, do acto administrativo que decidiu pela restituição do valor que lhe foi pago a título de montante global das prestações de desemprego de €5.849,70, veio a julgar pela sua total improcedência e a absolver a entidade demandada [o Instituto da Segurança Social], do pedido contra si formulado. Como assim dispõe o artigo 627.º, n.º 1 do CPC, as decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos, para efeitos de poderem ser evidenciadas perante o Tribunal Superior as irregularidades de que a Sentença pode enfermar [que se reportam a nulidades que afectam a Sentença do ponto de vista formal e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade], assim como os erros de julgamento de facto e/ou de direito, que por si são resultantes de desacerto tomado pelo Tribunal na formação da sua convicção em torno da realidade factual, ou da interpretação e aplicação do direito, em termos tais que o decidido não está em correspondência com a realidade fáctica ou normativa. Constituindo os recursos jurisdicionais os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, por via dos quais os recorrentes pretendem alterar as sentenças recorridas, nas concretas matérias que os afectem e que sejam alvo da sua sindicância, é necessário e imprescindível que no âmbito das alegações de recurso os recorrentes prossigam de forma clara e objectiva as premissas do silogismo judiciário em que se apoiou a decisão recorrida, por forma a evidenciar os erros em que a mesma incorreu. Aqui chegados. Cotejadas as conclusões das Alegações de recurso apresentadas pelo Recorrente, delas se extrai que a sua pretensão está ancorada, no essencial, no entendimento que prossegue de que o Tribunal a quo errou na interpretação e aplicação do direito por si convocado para efeitos de prolação da Sentença proferida, mais concretamente, do disposto no artigo 34.º, n.ºs 3 e 4, do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 03 de novembro [na sua actual redação], e do artigo 12.º, n.º 2, da Portaria n.º 985/2009, de 04 de setembro, com fundamento [como assim sustenta o Recorrente], de que o legislador não estabeleceu um regime de exclusividade para os beneficiários do montante único das prestações de subsídio de desemprego, no sentido de se dedicarem a tempo inteiro ao emprego criado, ou de outro modo, que lhe era possível desenvolver outra actividade, e que na situação em apreço não recebia qualquer remuneração pelo exercício do cargo de gerente da sociedade comercial em causa. Cumpre para aqui extrair a essencialidade da fundamentação de direito aportada pelo Tribunal a quo na Sentença recorrida, como segue: Início da transcrição “[…] Na presente ação, o Autor coloca em crise o ato que lhe determinou a restituição do subsídio de desemprego que recebeu na totalidade, aquando da criação do próprio emprego. Em causa está o entendimento do Réu de que o Autor, enquanto estava a decorrer o período do contrato, não podia ter exercido outra função normalmente remunerada, tal como decorre da aplicação do artigo 34º do Decreto-lei 220/2006, de 3 de março (na redação conferida pelo Decreto-lei 64/2012). Para sustentar o seu pedido, o Autor invoca que o ato que lhe determinou a restituição do montante global, pago a título de subsídio de desemprego é ilegal, pois que exerceu a atividade de membro de órgão estatuário, noutra sociedade, sem receber qualquer remuneração; que o fez para além das 40 horas semanais, que tinha que dedicar à atividade que criou a título de criação do próprio emprego; que não é exigível exclusividade. Além disso, referiu que a decisão de devolução viola o princípio da legalidade e taxatividade dos impostos e que o artigo 34º, n.º 3 do Decreto-lei 220/2006 é inconstitucional, mormente por violação do direito ao trabalho, livre iniciativa económica, acesso à propriedade privada e liberdade de criação científica e intelectual. O Réu, por seu lado, pugna pela legalidade do ato, considerando que está em causa o cumprimento das obrigações decorrentes do regime de pagamento global de subsídio de desemprego, concretamente no que diz respeito ao não exercício de outra atividade normalmente remunerada. assente. [...] Ao Autor foi concedido o pagamento global do subsídio de desemprego; no decurso do prazo de três anos, a que se havia vinculado às regras acima transcritas, o Autor foi nomeado membro de órgão estatutário, sem remuneração; o Réu entendeu que aquela atividade não era compatível com as obrigações a que o Autor se havia vinculado, tendo-lhe determinado a devolução do montante pago adiantadamente. O Autor imputa, ao ato, erro nos pressupostos de fato e de direito, violação de princípios e inconstitucionalidade. Muito embora ao Autor chegue a aflorar a existência de vício de fundamentação, constata-se, pela sua alegação, que o Autor discorda a mesma, pelo que tem que se subsumir a sua alegação a vício de violação de lei e não a vício de fundamentação. Analise-se, então, o erro nos pressupostos. O Autor aduz que não houve incumprimento, uma vez que a atividade de MOE que exerceu noutra empresa, não foi remunerada e era exercida para além das 40 horas de trabalho semanal. […] No seguimento deste entendimento, aqui, com efetiva aplicação, e com o qual se concorda, não pode merecer acolhimento a tese do Autor de que o ato é ilegal, porque na sua atividade de MOE não foi remunerado. É que, em causa, está uma atividade (exercício da atividade de gerência) que é, do ponto de vista legal, normalmente remunerada, conforme decorre do artigo 192.º, n.º 5 do C.S.C., “a gerência presumese remunerada; o montante da remuneração de cada gerente, quando não excluída pelo contrato, é fixado por deliberação dos sócios” e do artigo 255.º do CSC, que prevê “salvo disposição do contrato de sociedade em contrário, o gerente tem direito a uma remuneração, a fixar pelos sócios”. [...] Entende-se, destarte, que o artigo 34º, n.º 3 do Decreto-lei 220/2006, veio estabelecer um regime de exclusividade para os beneficiários do montante único das prestações de subsídio de desemprego, no sentido de se dedicar a tempo inteiro ao emprego criado com durante pelo menos, três anos, não podendo desenvolver outra atividade normalmente remunerada. [...] Do expendido, resulta que, na verdade, nesta parte, o ato impugnado não padece de qualquer violação de lei, na modalidade de erro nos pressupostos (de facto e direito), pois que, ao Autor, foi aplicado o devido sentido do regime legal. O Autor não cumpriu com o que se vinculou, na medida em que, durante o período de três anos, exerceu outra atividade normalmente remunerada. Reitere-se que não releva que o Autor não tenha sido, efetivamente, remunerado, mas que a atividade que exerceu fosse, em condições normais, remunerada – como é o caso. Pelo que improcede esta imputação. No que concerne à violação do princípio da legalidade e taxatividade de impostos, importa, apenas e sucintamente, referir, que, no presente processo, não está em causa qualquer taxa ou imposto ou contribuição especial; não está em causa um tributo. Aqui, discute-se, somente, o incumprimento de um regime legal referente a um subsídio, a uma prestação social. O Autor enquanto desempregado, beneficiou do subsídio de desemprego, pago numa vez só, incumpriu as condições de tal pagamento e foi intimado a restituí-lo. A relação, aqui em causa, é uma relação administrativa e não tributária e o princípio da taxatividade dos impostos não tem, nesta sede, qualquer aplicação. Atente-se que o princípio em causa encontra assento no artigo 103º da C.R.P. e o mesmo não abrange a situação dos autos. Assim, não procede, também, esta invocação. Por fim, o Autor sustenta a inconstitucionalidade do artigo 34º, n.º 3 do Decreto-lei 220/2006, na medida em que tal colide com o direito ao trabalho, à livre iniciativa económica, acesso à propriedade privada e liberdade de criação intelectual e científica, constitucionalmente consagrados. Ora, desde logo, deve referir-se que esta invocação é formulada a título meramente conclusivo, pelo que não cabe, sequer, emitir pronúncia quanto à mesma. Não obstante, sempre se diga que a norma não padece de qualquer inconstitucionalidade. E isto porque, como se referiu já, está em causa a obtenção de uma vantagem mediante o cumprimento de determinadas condições, às quais o Autor, livremente, se vinculou. E, aliás e além disso, como resulta do já aduzido supra, a iniciativa privada e o direito ao trabalho são os principais objetivos da concessão por inteiro, num só momento, do subsídio de desemprego, carecendo totalmente de sentido a alegação do Autor, também, neste domínio. […]” Fim da transcrição Analisada a Sentença recorrida dela extraímos que a Mm.ª Juíza do Tribunal a quo julgou que a decisão proferida pelo ora Recorrido Instituto da Segurança Social, IP, não padecia de nenhuma das invalidades que lhe apontou o Autor [ora Recorrente] no âmbito da Petição inicial, atinente à ocorrência de erro nos pressupostos de facto e de direito, por ter a mesma sido proferida com ampla cobertura do princípio da legalidade, e no fundo, que não podia a Administração tomar outra decisão que não fosse o de reclamar ao Autor a integralidade dos montantes por si prestados, por não ter o Autor respeitado a obrigação que para si decorria da aprovação do projecto de criação do seu próprio emprego, em torno de não exercer outra actividade durante o período de 3 anos. Vejamos. O Programa de Apoio ao Empreendedorismo e à Criação do Próprio Emprego [PAECPE], a ser promovido e executado pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional, I. P., e pela Cooperativa António Sérgio para a Economia Social - Cooperativa de Interesse Público de Responsabilidade Limitada (CASES), foi aprovado pela Portaria n.º 985/2009, de 04 de setembro, que também regulamentou os apoios a conceder no seu âmbito. Conforme assim se extrai do disposto nos artigos 1.º, 2.º e 12.º da referida Portaria [com as alterações entretanto introduzidas pela Portaria n.º 58/2011, pela Portaria n.º 95/2012 e pela Portaria n.º 157/2015], esse Programa compreendia, entre outras medidas, o apoio à criação do próprio emprego por beneficiários de prestações de desemprego, podendo ser concedido o pagamento, por uma só vez, do montante global das prestações de desemprego, ao abrigo do previsto no artigo 34.º do DecretoLei n.º 220/2006, de 3 de novembro, sempre que o beneficiário das prestações de desemprego, para tanto, apresente um projecto nesse sentido, visando a criação de emprego, a tempo inteiro, pelo menos, do promotor destinatário, isto é, do referido beneficiário das prestações de desemprego. Ora, o Autor ora Recorrente foi abrangido por aquele Programa de Apoio ao Empreendedorismo e à Criação do Próprio Emprego [PAECPE], tendo o seu projecto sido aprovado pelo IEFP, e após, veio a ser deferido o pedido de atribuição do montante global das prestações de desemprego, como assim por si requerido [Cfr. ponto 1 do probatório]. O Recorrente sustenta que subjacente ao disposto no regime jurídico que resulta da interpretação conjugada do artigo 34.º, n.ºs 3 e 4, do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 03 de novembro [na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 64/2012, de 15 de março], não resulta a exclusividade de trabalho durante o período de 3 anos, antes apenas a obrigatoriedade do exercício de trabalho no emprego por si criado, durante 40 horas semanais, e no fundo, que fora desse período normal de trabalho não lhe podia ser vedado o exercício de outra actividade, principalmente quando não remunerada, sob pena de as normas em causa [o referido artigo 34.º, n.ºs 3 e 4, assim como o referido artigo 12.º, n.º 2, da Portaria 985/2009, de 04 de setembro] serem materialmente inconstitucionais, por violarem frontalmente o direito fundamental ao trabalho, previsto no artigo 58.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), o direito fundamental da livre iniciativa económica, previsto no artigo 61.º, n.º 1, da CRP, o direito fundamental de acesso à propriedade privada, previsto no artigo 62.º, n.º 1, da CRP e, ainda, o direito fundamental da liberdade de criação intelectual e científica, previsto no artigo 42.º, n.º 1, da CRP. Porém, não pode ser tirada da letra da lei uma expressão que não foi querida pelo legislador, ou ainda que o tenha sido de forma imperfeita. Efectivamente, não pode ser prosseguida, como sustentado pelo Recorrente, a interpretação de que o legislador se quis referir a um conceito de horário de trabalho de “tempo completo”, de 40 horas semanais, e não ao conceito jurídico bem distinto de exclusividade de trabalho, e bem assim, de que o conceito jurídico “atividade normalmente remunerada” apenas radica e se reconduz ao conceito de remuneração regular, frequente, por a remuneração ser elemento essencial do trabalho, e não à mera possibilidade normal de remuneração. O conceito de incumprimento a que se reporta o regime jurídico em apreço contende, de forma muito clara, com o exercício de outra actividade para além daquela que está ínsita ao trabalho decorrente da criação do seu próprio emprego, a exercer a tempo inteiro, por assim decorrer da mens legislatoris. Por julgarmos com interesse para a decisão a proferir, para aqui extraímos aqueles normativos do Decreto-Lei n.º 64/2012, de 15 de março, como segue: “Artigo 34.º [...] 1 - . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 - . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 - Nas situações de criação do próprio emprego com recurso ao montante global das prestações de desemprego, os beneficiários não podem acumular o exercício dessa atividade com outra atividade normalmente remunerada durante o período em que são obrigados a manter aquela atividade. 4 - O incumprimento injustificado das obrigações decorrentes da aprovação do projeto de criação do próprio emprego ou a aplicação, ainda que parcial, das prestações para fim diferente daquele a que se destinam implica a revogação do apoio concedido, aplicando-se o regime jurídico da restituição das prestações de segurança social indevidamente pagas, sem prejuízo da responsabilidade contraordenacional ou penal a que houver lugar. 5 - Sem prejuízo das competências dos centros de emprego, os serviços de fiscalização da segurança social podem, para efeitos do número anterior, verificar o cumprimento das condições de atribuição do pagamento, por uma só vez, do montante global das prestações de desemprego. 6 - (Anterior n.º 3.) Artigo 34.º -A Pagamento parcial do montante único das prestações de desemprego 1 - O subsídio de desemprego ou o subsídio social de desemprego inicial a que os beneficiários tenham direito pode ser pago parcialmente de uma só vez, nos casos em que os interessados apresentem projeto de criação do próprio emprego e as despesas elegíveis não ultrapassem o valor do montante único. 2 - Na situação prevista no número anterior, continuam a ser pagas aos beneficiários as prestações de desemprego correspondentes ao remanescente do período de concessão que não foi pago de uma só vez, salvo se se verificar o enquadramento no regime dos trabalhadores por conta de outrem em que há lugar à suspensão do seu pagamento.” Para aqui também extraímos a versão inicial do artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 03 de novembro, e que se manteve em vigor até ao dia 31 de março de 2012, como segue: “Artigo 34.º Montante único das prestações de desemprego 1 - O subsídio de desemprego ou o subsídio social de desemprego inicial a que os beneficiários tenham direito pode ser pago globalmente, por uma só vez, nos casos em que os interessados apresentem projecto de criação do próprio emprego. 2 - O montante global das prestações corresponde à soma dos valores mensais que seriam pagos aos beneficiários durante o período de concessão, deduzido das importâncias eventualmente já recebidas. 3 - A regulamentação do pagamento do montante global das prestações de desemprego consta de diploma próprio.” O incumprimento injustificado que decorre do regime jurídico em apreço assenta, na sua base, no pressuposto de que as prestações de desemprego que foram pagas antecipadamente ao Autor, pressuponham pela sua parte, que no ulterior período de 3 anos, exercesse apenas e só, a tempo inteiro, a actividade que fosse decorrente da criação do seu próprio emprego, sendo que para o preenchimento desse pressuposto não se requer sequer uma actuação dolosa pela sua parte enquanto beneficiário [ainda que a título de dolo eventual], antes bastando uma actuação em sede de mera negligência. Ora, por reporte à data em que foi aprovado o seu projecto de criação de emprego, assim como à data do pedido de pagamento do montante global das prestações de desemprego e seu deferimento, daí resulta que a posição jurídica do Autor, em torno do exercício cumulativo de actividades estava a coberto do disposto no artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 03 de novembro, na redacção introduzida pelo DecretoLei n.º 64/2012 de 15 de março, que como assim deixamos extraído supra, passou a prescrever a impossibilidade e/ou indisponibilidade ou proibição de poder acumular o exercício da actividade aprovada em sede da criação do próprio emprego, com qualquer outra actividade normalmente remunerada durante o período de 3 anos em que se obrigou a manter a actividade. Efectivamente, pelo referido Decreto-Lei n.º 64/2012, de 15 de março, que entre o mais aprovou a alteração do artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 03 de novembro, foram mantidos os normativos que dele inicialmente constavam [os actuais n.ºs 1, 2 e 6], e também foi introduzida, novatóriamente, previsão normativa expressa no sentido de que nas situações de criação do próprio emprego e em que tenha sido concedido o montante global das prestações de desemprego, os beneficiários não podem acumular o exercício dessa atividade com outra actividade normalmente remunerada durante o período em que são obrigados a manter aquela actividade, e que em caso de incumprimento injustificado das obrigações decorrentes da aprovação do projecto de criação do próprio emprego [isto é, se fosse constatada essa acumulação], seria aplicado o regime jurídico da restituição das prestações de segurança social indevidamente pagas. Cotejados os normativos em causa [o artigo 34.º do referido Decreto-Lei, na sua versão inicial e na versão introduzida pelo Decreto-Lei n.º 64/2012, de 15 de março], é com facilidade que se constata que o legislador não atribuiu, nem quis atribuir, natureza interpretativa às normas previstas no artigo 34.º, mais concretamente, aos seus n.ºs 3 e 4, em conformidade o disposto no artigo 13.º do Código Civil, antes porém, regular com base em diferentes pressupostos, uma politica pública por si prosseguida para efeitos de fomentar o incentivo à criação do próprio emprego por parte de desempregados, e o seu exercício, a tempo inteiro, em regime de exclusividade sem possibilidade de acumulação com outra actividade normalmente remunerada. Daí que, como assim julgamos, improcede também o vertido sob a conclusão 8.ª das Alegações de recurso, por não saírem, nesta conformidade, violados os identificados normativos da Constituição da República Portuguesa. Em conformidade com o que refere J. Baptista Machado, in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1983, página 56, a certeza e segurança jurídica assentam no conhecimento prévio daquilo com que cada um pode contar para, com base em expectativas firmes, governar a sua vida e orientar a conduta, de onde se retira assim que a certeza e segurança jurídica pede que a regra de direito seja uma prescrição de carácter geral formulada com uma precisão suficiente para que os seus destinatários a possam conhecer antes de agir, actuando em conformidade com a sua previsão normativa, e sem equívocos. Como refere Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª edição, Almedina, página 257, “O homem necessita de segurança para conduzir, planificar e conformar autónoma e responsavelmente a sua vida. Por isso, desde cedo se consideraram os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança como elementos constitutivos do Estado de direito. [...] Em geral, considera-se que a segurança jurídica está conexionada com elementos objectivos da ordem jurídica – garantia de estabilidade jurídica, segurança de orientação e realização do direito – enquanto a protecção da confiança se prende mais com as componentes subjectivas da segurança, designadamente a calculabilidade e a previsibilidade dos indivíduos em relação aos efeitos jurídicos dos actos dos poderes públicos”. E mais adiante, refere que “O princípio geral da segurança jurídica em sentido amplo (abrangendo, pois, a ideia de protecção da confiança) pode formular-se do seguinte modo: o indivíduo tem o direito de poder confiar em que aos seus actos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas alicerçados em normas jurídicas vigentes e válidas se ligam os efeitos jurídicos previstos e prescritos no ordenamento jurídico. Como assim julgamos, a alteração legislativa introduzida pelo Decreto-lei n.º 64/2012, de 15 de março, veio alterar o paradigma fixado pelo legislador desde o Decreto-Lei n.º 220/2006, de 03 de novembro [e que se manteve inalterado por cerca de 6 anos], ao dispor, em suma, por um lado, pela concessão parcial [e não na totalidade] das prestações de desemprego, e por outro, pela impossibilidade de poder ser acumulada uma actividade normalmente remunerada, durante o período em que o proponente está obrigado a manter a actividade proposta em sede da criação do próprio emprego. Efectivamente, no âmbito da relação jurídica administrativa estabelecida entre o Autor e a Segurança Social [e também com o IEFP], assiste-lhe o direito, por um lado, de não ver frustradas as legítimas expectativas jurídicas formadas com a aprovação do seu projecto e bem assim com o deferimento do seu pedido de pagamento do montante global das prestações de desemprego, e por outro, de que o regime jurídico se mantenha pelo menos quanto ao âmbito dos actos já concretizados no domínio dessa relação jurídica, que a bem dizer, se resumiria à observância pelo respeito do prazo de 3 anos. Mas como assim resultou provado, e em conformidade com o julgamento prosseguido pelo Tribunal a quo, e sem que antes fosse decorrido aquele prazo, o Autor foi nomeado gerente da sociedade comercial [SCom01...], Ld.ª, em que são sócios, entre outros, a própria sociedade constituída pelo Autor no âmbito do Plano que foi aprovado pelo IEFP, e o próprio Autor, sendo que o mesmo foi nomeado gerente. Em conformidade com o que assim apreciou e decidiu o Tribunal a quo e sem reparo, em face do disposto nos artigos 192.º, n.º 5 e 255.º, ambos do Código das Sociedades Comerciais, enquanto gerente de uma sociedade comercial, o Autor tem direito a uma remuneração, ou seja, e a final, que o exercício dessa função é normalmente remunerada, sendo certo que pode não o ser. De todo o modo, o que releva em face da letra da lei, e que está em consonância com o espírito do legislador, a que se reporta o artigo 34.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 03 de novembro, é que se trate do exercício de actividade normalmente remunerada. Ora, em conformidade com o que resulta provado sob o ponto 6a) do probatório, no sentido de que em reunião da Assembleia geral da sociedade comercial [SCom01...], Ld.ª, realizada em 29 de janeiro de 2018, foi deliberado, entre o mais, que até nova decisão em contrário não seria atribuída remuneração o Autor ora Recorrente, mas que lhe eram contudo pagas as ajudas de custo derivadas das actividades desenvolvidas em representação da empresa, e sendo as ajudas de custo um apoio monetário/financeiro que a empresa [SCom01...], Ld.ª efectua na pessoa do seu gerente «AA», por deslocações ao serviço dessa empresa, e que pode compreender, designadamente, a alimentação, transporte e deslocações, resulta manifesto que no caso concreto a actividade desenvolvida era passível de remuneração, mas que não o foi “até nova decisão em contrário”, por assim ter sido deliberado em Assembleia Geral de sócios, mas sempre e de todo o modo, que lhe seriam pagas as ajudas de custo que fossem decorrentes das actividades que desenvolvesse em representação da empresa, o que sempre representa um acréscimo patrimonial decorrente do exercício dessa actividade, em acumulação. Do exposto para enfatizar que o princípio da confiança não foi violado pela Segurança Social, não tendo sido frustradas as expectativas do Autor, pois que foram fixadas ao abrigo de um regime jurídico que não permitia, ainda que de forma implícita, a acumulação de empregos, contendendo assim a decisão da Administração numa actuação consentânea com o princípio da juridicidade, pois que aquando da apresentação da sua candidatura e bem assim do pedido de concessão do montante global das prestações de desemprego, podia o mesmo supor e com grande razoabilidade, até em face da existência de norma legal de tanto impeditivo, que teria de exercer o emprego por si criado, a tempo inteiro, ou seja, em regime de absoluta exclusividade, sem que pudesse exercer uma qualquer outra actividade remunerada, isto é, para cujo exercício é normalmente atribuída remuneração, com o que se julga ter sido proferido um acto administrativo em conformidade com a Lei e o Direito por parte do Recorrido Instituto da Segurança Social, ao ter decidido pela revogação da atribuição do montante único do subsídio de desemprego. Face ao julgamento alcançado supra, não sendo legítima a actuação do Autor ora Recorrente no sentido da acumulação de outra actividade com a originada pela criação do próprio emprego, resulta que foram objectivamente violados os normativos em causa, pois que o posto de trabalho criado tinha de ser efectuado a tempo inteiro [em regime de exclusividade] e mantido pelo prazo de 3 anos. Em suma, a pretensão recursiva da Recorrente tem assim, forçosamente, de improceder, pelo facto de o acto administrativo constante da notificação de que foi alvo, atinente à decisão datada de 04 de outubro de 2019, gerada na relação jurídica estabelecida com a Segurança Social, IP, não padecer das invalidades que lhe imputa o Autor ora Recorrente na Petição inicial, nem os normativos em apreço padecerem da invocada inconstitucionalidade material em termos que deva ser julgado pela sua desaplicação no caso concreto, e deste modo, não tendo o Tribunal a quo incorrido em erro na interpretação e aplicação do direito, a solução jurídica a que chegou na Sentença recorrida tem de ser mantida, com a fundamentação expendida supra. * E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO: Descritores: Prestações de desemprego; Criação do próprio emprego; Acumulação com actividade normalmente remunerada; Ajudas de custo por deslocações ao serviço da empresa; Revogação e restituição. 1 - No dia 15 de março de 2012 foi publicado o Decreto-Lei n.º 64/2012, de 15 de março, que entrou em vigor no dia 01 de abril de 2012, e que entre o mais aprovou a alteração do artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 03 de novembro, e que, mantendo os normativos que dele inicialmente constavam [os actuais n.ºs 1, 2 e 6], introduziu, novatóriamente, previsão normativa expressa no sentido de que nas situações de criação do próprio emprego e em que tenha sido concedido o montante global das prestações de desemprego, os beneficiários não podem acumular o exercício dessa actividade com outra actividade normalmente remunerada durante o período em que são obrigados a manter aquela actividade, e que em caso de incumprimento injustificado das obrigações decorrentes da aprovação do projecto de criação do próprio emprego [isto é, se fosse constatada essa acumulação], seria aplicado o regime jurídico da restituição das prestações de segurança social indevidamente pagas. 2 - Cotejados os normativos em causa [o artigo 34.º do referido Decreto-Lei, na sua versão inicial e na versão introduzida pelo Decreto-Lei n.º 64/2012, de 15 de março], é com facilidade que se constata que o legislador não atribuiu, nem quis atribuir, natureza interpretativa às normas previstas no artigo 34.º, mais concretamente, aos seus n.ºs 3 e 4, em conformidade o disposto no artigo 13.º do Código Civil, antes porém, regular com base em diferentes pressupostos, uma politica pública por si prosseguida para efeitos de fomentar o incentivo à criação do próprio emprego por parte de desempregados, e o seu exercício em regime de exclusividade sem possibilidade de acumulação com outra actividade normalmente remunerada. 3 - A certeza e segurança jurídica assentam no conhecimento prévio daquilo com que cada um pode contar para, com base em expectativas firmes, governar a sua vida e orientar a conduta, de onde se retira assim que a certeza e segurança jurídica pede que a regra de direito seja uma prescrição de carácter geral formulada com uma precisão suficiente para que os seus destinatários a possam conhecer antes de agir, actuando em conformidade com a sua previsão normativa, e sem equívocos. 4 – Tendo em reunião da Assembleia geral da sociedade comercial de que o Autor era gerente, sido deliberado, entre o mais, que até nova decisão em contrário não lhe seria atribuída remuneração, mas que lhe eram contudo pagas as ajudas de custo derivadas das actividades desenvolvidas em representação da empresa, e sendo as ajudas de custo um apoio monetário/financeiro que essa empresa efectua na pessoa do seu gerente [o Autora ora Recorrente], por deslocações ao serviço dessa empresa, e que pode compreender, designadamente, a alimentação, transporte e deslocações, resulta manifesto que no caso concreto a actividade desenvolvida era passível de remuneração, mas que não o foi “até nova decisão em contrário”, por assim ter sido deliberado em Assembleia Geral de sócios, mas sempre e de todo o modo, que lhe seriam pagas as ajudas de custo que fossem decorrentes das actividades que desenvolvesse em representação da empresa, o que sempre representa um acréscimo patrimonial decorrente do exercício dessa actividade, em acumulação. 5 - A decisão da Segurança Social assenta numa actuação consentânea com o princípio da juridicidade, pois que aquando da apresentação da sua candidatura e bem assim do pedido de concessão do montante global das prestações de desemprego, o Autor podia supor e com grande razoabilidade, até em face da existência de norma legal de tanto impeditivo, que teria de exercer o emprego por si criado, a tempo inteiro, ou seja, em regime de absoluta exclusividade, sem que pudesse exercer uma qualquer outra actividade remunerada, isto é, para cujo exercício é normalmente atribuída remuneração, com o que se julga ter sido proferido um acto administrativo em conformidade com a Lei e o Direito por parte do Recorrido Instituto da Segurança Social, ao ter decidido pela revogação da atribuição do montante único do subsídio de desemprego. *** IV – DECISÃO Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Subsecção Administrativa Social da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, Acordam em conferência em NEGAR PROVIMENTO ao recurso interposto pelo Recorrente «AA», mantendo a Sentença recorrida, com a fundamentação expendida supra. * Custas a cargo do Recorrente – Cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC. ** Notifique. * Porto, 25 de outubro de 2024. Paulo Ferreira de Magalhães, relator Isabel Costa Fernanda Brandão |