Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00015/24.3BEVIS
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/05/2024
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:RICARDO DE OLIVEIRA E SOUSA
Descritores:ERRO MATERIAL
Sumário:
I- Os erros materiais são erros originados pela falta de sintonia entre o pensamento e a escrita, verificando-se uma divergência entre a vontade e a sua execução material; o interessado tinha «A» em mente e escreveu, por lapso, «B».

II- A retificação de eventual erro material não pode interferir com o mérito da decisão.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Urgente - Contencioso pré-contratual (arts. 100º e segs. CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Indeferir o pedido de retificação de erro material.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte - Secção de Contencioso Administrativo, subsecção de Contratos Públicos:
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I – RELATÓRIO

1. [SCom01...], S.A. e [SCom02...], S.A., Recorrentes nos autos supra identificados, regularmente notificados do Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, datado de 06 de junho de 2024, pelo que qual foi negado PROVIMENTO ao recurso jurisdicional do (i) despacho de 07.03.2024, que determinou a dispensa da inquirição das testemunhas arroladas pelas partes, e, bem assim, da (ii) sentença promanada nos autos, que julgou improcedente a presente meio processual, consequentemente, “(…) não suspend[endo] a eficácia da decisão da Entidade Requerida que não reconheceu a formação do deferimento tácito do pedido de autorização apresentado pelas Requerentes (…)”., vêm requerer a RETIFICAÇÃO DE ERRO MATERIAL do mesmo “(…) na parte concernente à contagem e suposta não passagem do prazo de 30 dias quando as Recorrentes apresentaram o requerimento para emissão das taxas administrativas (…)”.

2. Invocam, brevitatis causae, que “(…) o Acórdão em apreço vem a decidir que na data em que as Recorrentes apresentaram o requerimento para emissão da guia para pagamento das taxas devidas a que se refere o art. 8º do Decreto-Lei nº 11/2003, de 18.1, ou seja, em 12.10.2023, ainda não se tinha observado deferimento tácito do pedido de autorização municipal, uma vez que a contagem do supra mencionado prazo de 30 dias, que se iniciou em 18.8.2023 “…suspendeu-se a partir de 22.09.2023, decorridos que estavam 19 dias úteis, retomando o seu curso em 29.09.2023…”, quando o cálculo certo respeitante a esse período corresponde antes a 24 dias úteis, o que corresponde a um erro de cálculo manifesto (…)”

3. Em tais termos, requerem “(…) que o Acórdão de 6.6.2024 seja retificado, no sentido de no ponto 58 ser retirada a referência a “…16 dias úteis…” e a data de 20.10.2023, que literalmente está em contradição com a data de 11.10.2023 apontada no ponto 55 e em substituição desses aspetos passar a constar a referência a “…24 dias úteis…” e a data de 11.10.2023 e ainda que, do ponto 59 seja retirado que na data em que as Requerentes apresentaram o pedido de “…emissão da guia para pagamento das taxas administrativas devidas [12.10.2023], ainda não tinha decorrido o prazo de 30 dias para formação de deferimento tácito.”, passando antes a constar que na data em que as Requerentes apresentaram o pedido de “…emissão da guia para pagamento das taxas administrativas devidas [12.10.2023], já tinha decorrido o prazo de 30 dias para formação de deferimento tácito.”, em face do que no ponto 60 do Acórdão deve ser substituída a expressão “Pelo que não colhe…”, por “Pelo que colhe aqui em toda a linha a argumentação das Recorrentes no sentido da violação do disposto no n.º 8 do artigo 6º do D.L. n.º 11/2003.”.

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4. O Recorrido Município ... silenciou quanto ao propósito das Recorrentes.

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5. Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.


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II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

6. Dão-se aqui por reproduzidos os factos assentes no Acórdão promanado nos autos.


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III – DE DIREITO

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7. Sob a peça processual que faz fls. 492 e seguintes dos autos [suporte digital], vêm as Recorrentes requerer a retificação do Acórdão promanado nos autos por lapso manifesto do mesmo “(…) na parte concernente à contagem e suposta não passagem do prazo de 30 dias quando as Recorrentes apresentaram o requerimento para emissão das taxas administrativas (…)”.

8. Mas sem razão, pois, verdadeiramente, não estamos na presença de nenhum erro material.

9. Na verdade, os erros materiais são erros originados pela falta de sintonia entre o pensamento e a escrita, verificando-se uma divergência entre a vontade e a sua execução material; o interessado tinha «A» em mente e escreveu, por lapso, «B».

10. Na situação em análise, o juízo decisório firmado no parágrafo 59) no sentido de “(…) que o prazo de 30 dias previsto no n.º 6 do artigo 8º do citado Decreto-Lei n.º 11/2003, tendo-se iniciado a 18.08.2023, suspendeu-se a partir de 22.09.2023, decorridos que estavam 16 dias úteis, retomando o seu curso em 29.09.2023, esgotando-se no dia 20.10.2023 (…)” não patenteia a existência de qualquer divergência entre a vontade e a sua execução material, podendo, quando muito, evidenciar a representação de um erro de julgamento.

11. Quer isto significar que o que as Recorrentes pretendem não é suscetível de qualificação como erro material, nos termos do consagrado no art.º 614º do C.P.C, pois que não traduz qualquer omissão quanto à identificação das partes ou custas, nem consubstancia lapso de escrita, cálculo ou outra inexatidão.

12. De qualquer modo, e ainda que assim não se entendesse, a qualificar-se a patologia descrita como sendo um erro material, nunca a retificação do mesmo poderia interferir com o dispositivo fixado no acórdão promanado nos autos.

13. De facto, como se ponderou no aresto do S.T.J, de 12.02.2009, tirado no processo n.º 08A2680, o erro material “(…) nunca interfere, decisivamente, com o mérito da decisão, tanto mais que terá de ser evidenciado pelo seu contexto cuja leitura atenta o torna percetível face às premissas do silogismo judiciário (…)”.

14. Daqui decorre que não pode ser considerada a eventual retificação de um qualquer erro material como uma forma de introduzir alterações ao sentido decisório do acórdão promanado nos autos.

15. Assim, a retificação do invocado lapso manifesto quanto à eventual contagem do prazo de 30 dias firmado no parágrafo 59) do acórdão deste TCA Norte, nunca teria a virtualidade de alterar o sentido decisório espraiado em sede de dispositivo.

16. O que bem se enquadra no princípio da hierarquia dos tribunais, que impede que o próprio Tribunal possa alterar e/ou revogar as suas decisões com exceção do (i) eventual suprimento de eventuais nulidades de sentença e da (ii) reforma da decisão.

17. De facto, se do confronto entre a decisão e elementos com prova plena constantes do processo ressaltar um erro de julgamento ostensivo, poderá o mesmo ser corrigido mediante a reforma da decisão, nos termos do artigo 616º do CPC.

18. Porém, se da análise da fundamentação de uma decisão judicial se concluir que ela não poderia conduzir à decisão que dela formalmente consta, haverá nulidade, suscetível de correção nos limites estritos da incongruência entre uma e outra.

19. Assim, sendo a peticionada retificação de erro material inócua e insuficiente para, de per se, alterar a decisão da causa, o texto do acórdão de 06.06.2024 sempre manter-se-ia tal como foi aprovado e notificado às partes.

20. Termos em que se indefere o pedido de retificação de erro material do acórdão promanado em 0.06.2024 “(…) na parte concernente à contagem e suposta não passagem do prazo de 30 dias quando as Recorrentes apresentaram o requerimento para emissão das taxas administrativas (…)”.


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IV – DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em INDEFERIR o pedido de retificação de erro material do acórdão promanado em 0.06.2024 “(…) na parte concernente à contagem e suposta não passagem do prazo de 30 dias quando as Recorrentes apresentaram o requerimento para emissão das taxas administrativas (…)”.

Custas pelas Recorrentes.

Registe e Notifique-se.


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Porto, 05 de julho de 2024


Ricardo de Oliveira e Sousa

Tiago Afonso Lopes de Miranda

Clara Ambrósio